Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
974/13.1TYVNG.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
PLANO DE RECUPERAÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PRINCÍPIO DA IGUALDADE DOS CREDORES
CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
REGRAS PROCEDIMENTAIS
Nº do Documento: RP20150413974/13.1TYVNG.P2
Data do Acordão: 04/13/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - No âmbito do processo de revitalização, uma solução que permita salvaguardar a manutenção de postos de trabalho, em alternativa à colocação na situação de desemprego de todos os trabalhadores, na actual conjuntura, assume enorme relevância, pois, enquadra-se na filosofia geral da lei, que privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
II - O princípio da igualdade dos credores, consagrado no art. 194º do CIRE não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria nem afasta a possibilidade de, entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas presidam critérios de proporcionalidade, dado serem justificadas por circunstâncias objectivas.
III - Razões ligadas à origem dos créditos justificam a diferenciação de tratamento entre os créditos dos trabalhadores e os créditos tributários da Segurança Social e da Fazenda Nacional.
IV - Estando assente nos autos que os credores/apelantes foram notificados pelo AJP, por email, da proposta de plano de revitalização, em relação à qual se pronunciaram e manifestaram a sua discordância, que ultimaram votando contra o plano, não se pode aceitar que tenham eles sido “ilicitamente apartados de quaisquer negociações” e que tenha ocorrido, qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais, susceptíveis de fundamentar a recusa oficiosa de homologação do plano de revitalização aprovado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.Nº 974/13.1TYVNG .P2
Tribunal recorrido: Comarca Porto-V.N.Gaia-Inst. Central – 2ª Sec.Comércio – J2 de Vila Nova de Gaia
Recorrentes: B… e C…
Recorrida: D…, Ldª

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
D…, Ldª, pessoa colectiva n.º ………, com sede na Rua …, n.º …, …. - … Porto, veio instaurar o presente processo especial de revitalização, declarando pretender dar início às negociações conducentes à sua recuperação.
De seguida, foi nomeado um administrador judicial provisório.
Apresentada a lista provisória de créditos, nos termos que constam a fls. 151 e ss., foi a mesma objecto de impugnação pela devedora, nos termos que constam a fls. 166 e após respostas dos credores alvo da impugnação, cfr. constam a fls. 203 e 214, foram os respectivos créditos reconhecidos “em conformidade com o reconhecido pelo Sr. Administrador Judicial provisório e com o que promana das respostas pelos mesmos oferecidas”, nos termos que constam a fls. 506, decisão que teve a conformação da devedora, conforme expressou a fls. 545.
A fls. 407 e ss. foi junta pelo AJP a conclusão das negociações e a aprovação do plano.
Notificados, B… e C…, nos termos que constam a fls. 509 e ss., vieram responder e requerer a não homologação do plano.
Após, nos termos que constam de fls. 573 a 577 foi proferida sentença homologatória do plano de recuperação que, impugnada, foi anulada em 9 de Julho de 2014, nos termos que constam dos autos.

Em 12.09.2014, nos termos que constam a fls. 749 a 759, proferiu-se, nova sentença que homologou o plano de recuperação – cfr. fls. 468 a 470.

Inconformados vieram interpor recurso, B… e C…, nos termos das alegações juntas a fls. 867 e ss., que terminaram com as seguintes CONCLUSÕES:
1- Tendo recorrentes reclamado créditos nos autos no valor de, respectivamente, € 38.284,20 e € 24.699,54, tendo tais créditos sido incluídos na lista provisória elaborada pelo Sr. AJP de fls: enquanto créditos privilegiados (cfr. requerimento com a refº CITIUS 631999), tendo o Mtmº Juiz a Quo a decidir pela manutenção do valor dos créditos tal qual foram reclamados e reconhecidos pelo AJP por decisão (refº CITIUS 2216314) já transitada em julgado, a decisão da matéria de facto que quantificam tais créditos em € 9.672,24 e de € 5.215,10 viola a regra do artº 620º do CPC, devendo, data vénia, ser alterado, pela forma sobredita e melhor alegada no corpo da alegação, já que constam do processo todos os elementos que o permitem (artº 662º do CPC).
2- Tendo recorrentes reclamado créditos nos autos no valor de, respectivamente, € 38.284,20 e € 24.699,54, tendo tais créditos sido incluídos na lista provisória elaborada pelo Sr. AJP de fls: enquanto créditos privilegiados (cfr. requerimento com a refº CITIUS 631999), tendo o Mtmº Juiz a Quo a decidir pela manutenção do valor dos créditos tal qual foram reclamados e reconhecidos pelo AJP por decisão (refº CITIUS 2216314) já transitada em julgado, a decisão da matéria de facto que quantificam tais créditos em € 9.672,24 e de € 5.215,10 viola a regra do artº 620º do CPC, devendo, data vénia, ser alterado, pela forma sobredita e melhor alegada no corpo da alegação, já que constam do processo todos os elementos que o permitem ( artº 662º do CPC).
3- Deveria ter sido dado como provado na douta sentença que, (1) para além da vontade de encetar negociações que os recorrentes manifestaram perante a devedora em 4/9/2013 e 5/12/2014, também o fizeram através da carta remetida à recorrida em 24/10/2013, (2) que a devedora recusou negociar com os Requerentes, (3) não estabeleceu com os Requerentes quaisquer regras para o estabelecimento de negociações, (4) que o AJP, apesar a tanto expressamente instado pelo Requerentes, não fixou quaisquer regras para negociações nem fiscalizou/orientou as mesmas, conformando-se com a recusa da devedora em negociar com os Requerentes, seus Credores, (5) que a devedora recusou, intencionalmente, prestar aos Requerentes todas e cada uma das informações que estes, repetida e expressamente, lhe solicitaram, não tendo fornecido qualquer resposta às cartas, aos pedidos de negociação e informações que estes lhe dirigiram em 4/9, 24/10 e 5/12/2013,
4- Porquanto a não impugnação pela devedora ou por qualquer outro sujeito ou interveniente processual, mormente o AJP, dos documentos (cartas de 24/10 e 5/12/2013), bem como desse factos (que foram expressamente alegados nos requerimentos deduzidos nos autos pelos Requerentes em 31/10/2013, 6/12/2013) e da confissão da devedora (quanto à recusa de negociação e de prestação e informações – a pags. 4 a 6 do requerimento com a refª CITIUS 15501121), que melhor supra se alegaram, a tanto, data venia, conduz e determina.
5- Para além disso, e data vénia, deveria ter sido dado como provado que (1) a devedora não juntou aos autos todos os documentos elencados no artº 24 do CIRE, em especial os documentos de prestação de contas do exercício de 2012 e, ainda, que os bens corpóreos existentes no activo, e atenta a valorização corrigida que consta do plano (automóveis e equipamento administrativo) tem valor superior a € 109.000,00, bem como que a D… detém (registados na sua contabilidade) sobre terceiros créditos no valor de mais de € 500.000,00, cujo recebimento não suscita quer ao Administrador Judicial quer à Recorrida quaisquer dúvidas quanto à sua efectividade,
6- Pois tais facto, foram alegados expressamente pelos recorrentes (cfr. ponto 8 do seu requerimento com a refª CITIUS 15573055) e, sobre não ter sido impugnado quanto a este ponto (documentos de prestação de contas do exercício de 2012), resulta dos documentos juntos aos autos, mormente dos documentos contabilísticos que instruíram o requerimento inicial e o plano dado por aprovado.
7- Os créditos dos trabalhadores – tais como os dos recorrentes – apesar de serem créditos privilegiados, de acordo com o artº 47º nº 4 alínea a) do CIRE são no plano tratados de forma mais desfavorável do que os créditos detidos pela Fazenda Nacional e pela Segurança Social que se incluem na mesma classe.
8- Apesar dos interesses de natureza pública subjacentes ao intuito de recuperação, é manifestamente desproporcional e arbitrária a previsão do pagamento dos créditos da Fazenda Nacional e Segurança Social em 120 meses, comportando juros vincendos e sem qualquer moratória (posto que o pagamento se inicia decorrido o prazo previsto no artº 17º-D nº 5 do CIRE), enquanto que para os créditos dos trabalhadores (como o dos recorrentes) o plano não só não prevê o pagamento de quaisquer juros, como prevê uma moratória de 6 meses sem pagamento de qualquer quantia, como, ainda, dilata e transfere o início da contagem dessa moratória para o momento do transito em julgado da decisão sob recurso.
9- Sendo que as razões de natureza pública que limitam a possibilidade de modificação e pagamento prestacional dos mesmos – e que determinam, de acordo com a jurisprudência ou a não homologação do plano que as viole ou a ineficácia em relação a tais créditos – não autorizam a que os créditos laborais sejam tratados em, e com, desfavor em relação a estes, quando, na realidade e de acordo com a Lei, os laborais beneficiam (de acordo com a regra imperativa do artº 747º do CC nº 1 - no confronto com estes de prioridade, antes constituindo as limitações de pagamento dos créditos da Segurança Social e Fisco, um padrão mínimo de tratamento para os credores demais credores privilegiados, especialmente os que, dentro da mesma classe, se situam num padrão de garantia e prioridade superior (como os laborais).
10- Aliás, se assim não foi entendido, e como resulta do já ocorrido nos autos, enquanto os créditos laborais aguardam pagamento, os credores estatais e que forem beneficiados no plano irão, em caso de incumprimento, atacar o património da devedora e satisfazerem os seus créditos através dele, designadamente aquele que a Lei afecta, em primeiro lugar, ao pagamento dos créditos laborais – como já ocorreu em relação a créditos da devedora sobre terceiros.
11- A desigualdade de tratamento e desproporcionalidade que o plano homologado pela douta sentença recorrida comporta é ainda mais patente, flagrante e grave, no confronto com o tratamento nele previsto para os credores comuns, como são os fornecedores, entidades bancárias e de locação financeira, pois quanto a estes, e como se deixou relevado no corpo da alegação, o plano prevê quer o pagamento de
juros vencidos, quer o pagamento de juros vincendos, quer a inexistência de uma verdadeira carência de pagamentos (já que os pagamentos de juros se iniciam logo que transitada em julgado a sentença homologatória e aqui sob recurso), quer ainda o pagamento aos fornecedores em condições de igualdade e paridade com os créditos dos trabalhadores, como os dos Recorrentes.
12- A proposta de recuperação da recorrida passa, no essencial, pelo sacrifício dos créditos dos seus ex-trabalhadores (e do trabalhador B…), já que se prevê que os credores públicos continuarão a receber as contribuições que se forem vencendo e receberão, na íntegra e com juros, as quantias em dívida, os credores bancários receberão na íntegra os seus créditos, bem como os juros remuneratórios – a taxas de mercado -, o credor detentor da locação financeira receberá a totalidade do seu crédito, acrescido de juros vincendos e vencidos, os fornecedores receberão os seus créditos em capital, continuando a relacionar-se a e negociar com a devedora, ficando a cargo daqueles que contribuíram com a sua força de trabalho, receber em mais de dez anos, a devida e justa contrapartida que deveriam ter auferido, mas sem que da suposta actividade da empresa retirem qualquer outro benefício ou vantagem.
13- Ausência de proporcionalidade que se torna mais clara no que respeita ao recorrente B…, pois vê cessar a possibilidade e cerceado o direito de suspender o seu contrato de trabalho por falta de pagamento atempado das remunerações – por mais de 6 meses – e fica, por decorrência do plano confrontado com a necessidade de retomar a actividade laboral, especialmente, quando de acordo com o plano a recorrida não tem posto de trabalho para si pois irá atribuir a terceiros – em regime de prestação e serviços – a sua actividade produtiva.
14- Não tendo os recorrentes, enquanto titulares de créditos emergentes dos contratos de trabalho que mantiveram, quanto à recorrente mulher, e mantém, quanto ao recorrente marido, com a recorrida dado assentimento a esse tratamento desfavorável a sentença que homologou o plano violou as disposições dos artºs 17º-F nº 5, 194º e 215º do CIRE, 258º, 325º a 327 e 333º do CT, 747º do CC, 1º e 59º da CRP.
15- A aprovação do plano de revitalização e homologado na decisão recorrida, seja o que foi votado pelos credores, seja o que foi objecto de alteração posterior à votação, prejudica gravemente os recorrentes quer em relação à situação patrimonial resultante da não aprovação, quer no que respeita à diminuição das garantias dos seus créditos que adviria da execução do plano – cuja viabilidade se não concede.
16- Pois o produto da venda ou apreensão dos bens existentes no activo, sobre os quais têm privilégio (seja em sede de insolvência, seja em acção judicial ou execução), é mais do que suficiente para ser obtido, na íntegra, quer a satisfação dos seus créditos, quer a dos demais trabalhadores e ex-trabalhadores, já que na versão constante do plano os créditos emergentes de relações laborais ascendem, apenas, a € 68.848,56 (ou a 116.944,96, a julgar-se procedente a pretendida alteração da matéria de facto), ao passo que os bens corpóreos existentes no activo, e atenta a valorização corrigida que consta do plano (automóveis e equipamento administrativo) tem valor superior a € 109.000,00 e os créditos que a D… detém sobre terceiros (cujo recebimento não suscita quer ao Administrador Judicial quer à Recorrida quaisquer dúvidas quanto à sua efectividade) montam a mais de € 500.000,00.
17- Para além disso, prevendo-se no plano, como se prevê a venda de bens móveis e património não afecto à exploração, a implementação de uma estrutura denominada de leve e funcional, e a entrega de todo o trabalho de produção a terceiros (outsoursing/prestação de serviços), a recorrida não prevê na perspectiva de continuação a sua actividade a aquisição de bens móveis que, ocorrendo a sua futura insolvência, permitam através da sua venda satisfazer os créditos dos recorrentes e demais trabalhadores, especialmente, na mesma medida, o que diminuirá o valor resultante da venda dos bens actualmente existente no seu activo e consequentemente diminuirá, nessa exacta medida, de forma grave, as garantias dos créditos dos recorrentes e dos demais trabalhadores, especialmente atento o privilégio de que os mesmos gozam.
18- Daí que, tendo os recorrentes invocado expressa, tempestiva e fundadamente tal prejuízo em ordem a não ser homologado o plano aprovado, a sentença recorrida viola a disposição do artº 216º do CIRE ao tê-lo homologado.
19- A sentença recorrida não se pronunciou ou sequer decidiu sobre a não homologação do plano que os recorrente requereram ao abrigo do disposto no artº 216º do CIRE, isto é, em face do prejuízo que a aprovação e homologação do plano lhes causava no confronto com o que ocorreria quer na liquidação universal da devedora, quer através da interposição de acção visando a cobrança coerciva dos seus créditos, posto que o Mtmº Juiz a Quo não aferiu da legalidade do plano em face da disposição do artº 216º nº 1, alínea a) do CIRE, conforme lhe é imposto expressamente pela disposição do artº 17º º-F nº 5 do CIRE, o que, salvo o devido respeito, importa a nulidade da sentença recorrida, por não ter sido conhecida e decidida questão que devia ter sido decidida, seja por imposição da lei e, também, por impulso e iniciativa dos Recorrentes – artº 216º do CIRE, tal como estatui o artº 615º nº 1 al. d) do NCPC.
20- Caso assim não se entenda, a decisão tomada viola directamente as disposições dos artº 17º-F nº 5 e 216º do CIRE, já que não é a circunstância do escopo do PER ser, em primeira ordem o da revitalização da empresa devedora em situação difícil, que permite desconsiderar totalmente os interesses e direitos dos credores, e, muito menos, permite desconsiderar que o plano de recuperação, como o dos autos, importa sempre um acordo, um convénio colectivo no sentido de, por um lado, possibilitar a recuperação o devedor, mas, por outro, permitir aos credores a recuperação dos seus créditos (ainda que com concessões e sacrifícios).
21- Bem como não permite desconsiderar os princípios e requisitos que o CIRE prevê para a aprovação do plano de insolvência, especialmente quando o código estatui a aplicabilidade do acordo celebrado aos credores que nele não participarem e que contra ele votaram, tanto mais que a aferição prevista no atº 216º do CIRE não está limitada à comparação entre a posição do credor resultante do plano e à da liquidação do activo em sede de insolvência, mas sim à que para ele resultar da não aprovação do plano.
22- Não tendo a devedora e ora recorrida - conforme resulta dos autos - prestado contas em relação ao exercício de 2012, não revelando nem fornecendo aos credores, como os ora recorrentes, elementos fiáveis e seguros quanto ao seu desempenho e situação patrimonial no corrente ano de 2013, não revelando as suas reais expectativas de negócios, inexistindo no plano indicação clara e precisa do volume e tipo de passivo a liquidar, bem como dos custos a suportar na perspectiva da continuação da actividade, os mapas previsionais da estrutura de custos e de libertação de meios que instruíram o plano aprovado e homologado pela decisão sob recurso, não passam de um puro e mero exercício aritmético e de especulação, desgarrado e não sustentado na realidade, conforme melhor se deixou alegado no corpo da alegação.
23- Pelo que a sentença recorrida ao homologar nessas condições o plano dito aprovado violou as disposições do artº 195º do CIRE.
24- A recorrida D… não se vinculou, nem vincula, nestes autos ao plano de revitalização objecto de votação, pois como resulta dos autos o plano foi da lavra e autoria do AJP, não o tendo ela subscrito ou declarado aceitar as suas disposições e previsões, máxime de pagamento, o que, por si só, conduz à impossibilidade de ser homologada a aprovação de um plano de revitalização elaborado e proposto pelo AJP e alguns credores da devedora, mas já não por esta.
25- Para além disso, ao considerar-se na sentença que o plano foi aprovado com as alterações introduzidas pela autoridade tributária e pela devedora já depois de se ter esgotado o prazo para votação, possibilitando a alteração do sentido de voto desta entidade, viola directamente a disposição do artº 17º-F e 212º do CIRE.
26- Pois, a considerar-se como válida a alteração efectuada ao plano já depois de ter ocorrido e decorrido o prazo de votação, então terá de se entender que os credores que já haviam exercido o seu direito de voto não votaram o plano tal qual ele foi objecto da sentença recorrida e, como tal, o mesmo não reuniu a maioria necessária á sua aprovação.
27- E a desconsiderar-se essa alteração sempre o plano que foi objecto de votação pelos credores viola as regras dos artºs 36º da LGT, 85, 196 e 199 do CPPT, tal como a autoridade tributária assinalou nos autos.
28- Os requerentes formularam, por cartas, e-mails e através dos autos, á devedora e ao AJP, desde o início e durante todo o processo pedidos de informação, os quais nem foram, mesmo que forma mínima, satisfeitos, u sequer obtiveram resposta.
29- Informações de extrema relevância e essenciais, quer para aferição dos reais e efectivos custos da empresa. da sua exacta situação financeira e patrimonial, mormente no que versa a suficiência do seu património para garantir o pagamento das obrigações a assumir perante os credores em qualquer plano, dos rendimentos que a actividade futura da devedora poderia gerar, bem como da sua viabilidade,, das contingências em relação à Segurança Social que a empresa poderá enfrentar e, consequentemente, da viabilidade de qualquer plano a apresentar e apreciar.
30- Não obstante as declarações efectuadas – reiteradamente, por carta e e-mail – junto da devedora e do AJP no sentido de que queriam participar e encetar negociações com a devedora, a verdade é que não foi com eles estabelecida qualquer negociação, não tendo sequer sido ajustadas ou fixadas pelo AJP quaisquer regras para as negociações a manter entre a devedora e os credores, mormente os Recorrentes, tendo estes sido, assim, ilicitamente apartados de quaisquer negociações, não podendo nelas participar ou fazer participar um seu qualquer perito, especialmente por forma a poder melhor analisar e ponderar sobre os pressupostos e a viabilidade de qualquer plano de revitalização da devedora, mormente aquele que lhes foi apresentado a 2/12/2013.
31- Sendo que, a terem decorrido negociações com os demais credores – o que foi afirmado pelo Administrador Judicial provisório no s/mail de 2/12/2013 – as mesmas decorreram à margem dos Recorrentes e dos demais credores, envoltas em secretismo, sem que tivessem definidas quaisquer regras e sem a transparência necessária à obtenção do acordo que a Lei tutela e prevê nas várias alíneas do artº 17º do CIRE.
32- Ao ter a devedora D… excluído os Recorrentes do processo negocial - e também ao prever no plano um tratamento desfavorável em relação a eles - não actuou de boa fé na busca de uma solução construtiva que satisfaça todos os envolvidos, violando directamente o Princípio Segundo da resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011 de 25/10.
33- Ao recusar e não prestar aos Requerentes qualquer uma das informações, esclarecimentos e elementos relevados no corpo da alegação e constantes dos documentos e requerimentos juntos pelo recorrentes aos autos a devedora D… violou de forma ostensiva, dolosa e grave o Princípio Sétimo da referida Resolução e de forma não negligenciável atenta a relevância e imprescindibilidade das mesmas para os Recorrentes, tal como, aliás, para qualquer credor, poderem ajuizar da real situação económico-financeira da devedora e, bem assim, das perspectivas e viabilidade da sua recuperação
34- Não tendo a D… actuando de forma transparente e boa-fé, no sentido de ser obtida uma solução negociada que, mantendo a actividade da empresa, permitisse a tutela de todos os seus credores tendo em conta a posição relativa de cada credor, pois, é vício procedimental grave e não negligenciável, a devedora que se apresenta ao PERE, se escusar e recusar negociar com alguns dos credores que tanto pretendem e, também, recusar, sem qualquer justificação ou resposta, a prestar-lhe sequer, uma das informações e elementos de que eles careciam para poderem negociar e contribuir para a viabilização da empresa, caso tal decidissem, em condições de igualdade e paridade com os demais credores e com a transparência e lealdade que estão inerentes ao PERE.
35- Daí que, ao invés do que se decidiu na sentença sob recurso, a violação das regras procedimentais ocorrida e documentada nos autos, foi, nos moldes supra alegados, total e, assim, é grave e não negligenciável.
36- Tendo, assim, e neste sede a douta sentença violado os comandos dos artºs 17º- A a F, 194º, 195º e 215º do CIRE.
Termos em que V.Exºs julgando procedente o recurso farão JUSTIÇA

A requerente, D…, Ldª, não apresentou contra-alegações.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.
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O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos recorrentes não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, cfr. art. 639º do CPC, na redacção dada pela Lei 41/2013 de 26/06. Assim as questões a decidir consistem em saber:
- se deve alterar-se e dar-se por provada a factualidade fixada na decisão recorrida, respectivamente, nos termos das conclusões 1 a 2 e 3 a 6 da alegação dos apelantes;
- se o plano de recuperação apresentado pelo Sr. AJP e aprovado com 79,21% da totalidade dos votos, viola o princípio da igualdade a que alude o art. 194º do CIRE e se, em relação aos recorrentes, a sua aprovação torna a sua situação manifestamente menos favorável do que a ocorreria na ausência de qualquer plano, constituindo, por isso, fundamento de recusa da sua homologação, nos termos do disposto no art. 216º, n1, al. a) do CIRE;
- se ocorreu a violação de regras procedimentais;
- se não se verifica a conformidade legal do plano de revitalização e, consequentemente, deve recusar-se a homologação do mesmo.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
- Alteração da factualidade assente
Apreciemos, a primeira das questões, sendo que na parte que respeita à alteração da factualidade assente, assiste razão aos apelantes.
Efectivamente, atenta a lista provisória junta aos autos, a fls. 151, a impugnação apresentada pela devedora, a fls. 166, a resposta dos credores/apelantes e o decidido a fls. 506, o que consta do ponto 2 da factualidade assente, quanto aos montantes dos créditos dos apelantes, só pode ter ocorrido devido a lapso, que evidentemente, tem de ser corrigido, porque quanto àqueles montantes, já foi proferida decisão transitada em julgado, em que os créditos dos apelantes foram reconhecidos nos montantes de, respectivamente, € 38.284,20 e € 24.699,54.
Procedem, assim, as conclusões 1 e 2 da alegação dos recorrentes.
Já, no que respeita à factualidade que os apelantes consideram, nos termos que referem nas conclusões 3 a 6 da sua alegação, deveria ter sido dada como provada, não concordamos que assim seja.
Desde logo, porque a factualidade em causa respeita a alegação dos apelantes não demonstrada e, por outro lado, são meras conclusões formuladas pelos mesmos, algumas sem qualquer base fáctica e as demais com base em factualidade que já se mostra assente, nos pontos penúltimo e antepenúltimo, da decisão recorrida, não se vislumbrando que outros factos, com interesse para a decisão da causa, possam ser dados como provados.
Assim, neste aspecto, improcede a pretensão dos recorrentes.
*
Face ao que ficou exposto, a factualidade a atender para o conhecimento do presente recurso é a que consta do relatório e a que consta da decisão recorrida com a alteração supra referida, nos seguintes termos:
- D…, Ldª, pessoa colectiva ………, com sede na Rua …, …, …. – … Porto veio instaurar o presente processo de revitalização.
-Os credores requerentes B… e C… são titulares de créditos laborais nos montantes de 38.284,20 € e de 24.669,54 €, respectivamente
- Por despacho proferido a fls. 113 e 114 foi nomeado administrador judicial provisório.
- Foram apresentadas impugnações à lista provisória de créditos, as quais foram dirimidas por despacho transitado em julgado.
- Os credores foram notificados a 28 de Novembro de 2013 e 02 de Dezembro de 2013, por e-mail, do plano de revitalização.
Votaram contra a aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor os seguintes credores:
C…, B…, E…, F… e G….
Votaram a favor da aprovação do plano de recuperação conducente à revitalização do devedor os seguintes credores:
- H…, S.A., I…, Ldª, J…, Ldª, K…, L…, M…, Ldª, N…, S.A., O…, S.A., P…, S.A. e Estado/Fazenda Nacional.
Os restantes credores abstiveram-se pelo seu silêncio.
- Consta do plano de recuperação de fls. 387 a 403, aqui dado por reproduzido, o seguinte plano de pagamentos:
- 4. Plano de pagamentos proposto:
a) Créditos comuns
Bancos
- perdão de juros de mora
- juros vincendos à taxa variável, indexada à Euribor a 90 dias acrescidos de um spread de 2,25%
- pagamento em 132 meses com início 30 dias após o trânsito em julgado do plano proposto, incluindo doze meses de carência, apenas com pagamento de juros vincendos, seguidos do pagamento em 120 mensalidades postecipadas, iguais de capital + juros
b) Créditos Comuns fornecedores
- perdão de juros vencidos e vincendos
- pagamento em 126 meses, incluindo 6 meses de carência seguidos do pagamento da dívida em 120 mensalidades postecipadas e iguais.
c) Crédito do instituto da Segurança Social:
- perdão dos juros de mora de acordo com a legislação em vigor
- juros vincendos à taxa fixada na legislação em vigor
- liquidação integral do capital
- manutenção das garantias, se existirem
- pagamento em 120 mensalidades, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 17º-D do CIRE
d) Fazenda Pública
- pagamento em regime prestacional nos termos do artigo 196º do Código do Procedimento e do Processo Tributário
- este pagamento será dividido em 132 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira até final do mês seguinte ao terminus do prazo previsto no nº 5 do artigo 7º-D do CIRE
- isenção ou redução dos juros de mora vencidos e vincendos, nos termos do Decreto-Lei nº 73/99, de 16 de Março
e) Créditos privilegiados/comuns, emergentes do contrato de trabalho
- perdão dos juros vencidos até à data da aprovação do plano de pagamento,
- Liquidação integral das remunerações salariais em atraso
- manutenção das garantias, se existirem
- pagamento das indemnizações emergentes
- os pagamentos serão efectuados em 126 meses, sendo 6 meses de carência, seguidos do pagamento da dívida em 120 mensalidades iguais e postecipadas
f) Leasing imobiliário CLF:
Relativamente ao contrato de aquisição de instalações, restruturação do plano de amortizações, comtemplando:
- um período de carência de 30 meses, com início na renda vencida em 20.07.2012
- incorporação do capital das rendas vencidas nas rendas vincendas
- aumento do prazo em mais 36 meses, ou seja, de 12 para 15 anos
- taxa de juro indexada à Euribor a 90 dias + um spread de 2,25%
- pagamento de juros vencidos em 3 meses, sendo a primeira de 2.500,00 €, a segunda de 4.500,00 € e a terceira do restante valor em dívida, com início 30 dias após o trânsito em julgado da sentença
- manutenção das garantias existentes
- isenção de juros de mora
- Os requerentes/trabalhadores, mediante cartas registadas enviadas a 04.09.2013 à devedora D… e por esta recebidas, comunicaram-lhe ser sua intenção participar nas negociações previstas no artigo 17º-D do CIRE, propósito reiterado em carta dirigida à D… em 05.12.2013, tendo recebido duas cartas em papel timbrado da devedora D… e datadas de 21.10.2013.
- Por carta datada de 24.10.2013 os recorrentes transmitiram, nomeadamente, à devedora D… que para poderem apreciar qualquer proposta que a mesma entendesse formular necessitavam que lhe fossem prestadas informações e fornecidos os elementos elencados na carta, a que não dada resposta.
- O plano de recuperação foi aprovado por credores que representam 79,21% da totalidade dos créditos reconhecidos e aprovados.
*
Atenta a factualidade que se deixa assente analisemos as demais questões, se o plano de recuperação apresentado pelo Sr. AJP e aprovado com 79,21% da totalidade dos votos, viola o princípio da igualdade a que alude o art. 194º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) (diploma a que respeitarão os artigos a seguir referidos sem outra menção de origem), tendo ocorrido violação grave, não negligenciável, de normas aplicáveis ao plano de recuperação e se, em relação aos recorrentes, a sua aprovação lhes é manifestamente desfavorável face ao que ocorreria na ausência de qualquer plano, constituindo, por isso, fundamento de recusa da sua homologação, nos termos do disposto nos art.s 215º e 216º, n1, al. a).
Previamente, oferece-nos dizer o seguinte.
O Processo Especial de Revitalização (PER) introduzido no nosso ordenamento jurídico pela Lei 16/2012 de 20.04 procedeu à sexta alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (aprovado pelo Dec.Lei nº 53/2004, de 18/03 e alterado pelos Dec.Lei nºs 200/2004, de 18/09, 76-A/2006, de 29/03, 282/2007, de 07/08, 116/2008, de 04/07 e 185/2009, de 12/08), reorientando este código para a promoção da recuperação e dirigindo-a a qualquer devedor que se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas em que essa situação ainda seja susceptível de recuperação, cfr. art. 17º-A.
A Lei nº 16/2012 representa uma verdadeira mudança de paradigma do regime insolvencial com vista à prossecução do interesse público de defesa da economia, assente na filosofia de que “cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente, se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”, cfr. a Proposta de lei 39/XII da Presidência do CM.
Consiste num processo negocial, sob a orientação e fiscalização de um administrador judicial provisório, visando-se a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa, cfr. art. 17º-D, ou seja, um processo com vista a propiciar a revitalização célere e eficaz dos devedores que se encontrem numa situação de “pré-insolvência”.
Instituem os art.s 17º-A a 17º-I, um regime de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, de modo a fomentar o recurso ao procedimento extrajudicial de recuperação do devedor e a contribuir para o aumento do número de negociações concluídas com sucesso.
Diferente da finalidade prosseguida com a declaração de insolvência do devedor, no processo de insolvência, neste processo visa-se a recuperação do devedor, em prejuízo da liquidação imediata do seu património para satisfação dos credores, em detrimento da imediata liquidação do património do devedor.
Devendo, no decorrer das negociações, os intervenientes respeitar os princípios orientadores aprovados pela Resolução do Conselho de Ministros nº 43/2011, de 25 de Outubro, cfr. art. 17º-D, nº 10, nomeadamente da cooperação e da boa fé. Tendo-se dado primazia à vontade dos intervenientes, devedor e credores, sujeitando-os, no entanto, às limitações decorrentes do dever de respeito daqueles, referidos, princípios orientadores.
De igual modo privilegiou-se o controlo pelos credores da conduta do devedor e dos seus administradores de direito ou de facto, sendo a falta ou incorrecção das comunicações ou informações àqueles prestada susceptível de gerar responsabilidade civil, cfr. dispõe o nº11 do mesmo art. 17º-D, restringindo-se o controlo jurisdicional à gestão processual.
A intervenção do juiz fica, assim, reservada à sindicância da justeza da instauração do processo especial de revitalização, ou seja, à verificação da situação de facto do devedor (estar ele “comprovadamente” numa das situações previstas no nº 2 do art. 1º) e das condições necessárias para a sua recuperação, cfr. arts. 17º-A, 17º-B e 17º-C, nºs 3, al. a) e 4, à decisão de impugnações de reclamações de créditos, ao julgamento da acção referida naquele nº 11 do art. 17º-D, ao controlo do cumprimento das normas aplicáveis como requisito da homologação do plano de recuperação por forma a assegurar a legalidade do acordo alcançado pelos intervenientes, cfr. art. 17º-F, nºs 3 e 5, ou à declaração de insolvência após a conclusão do “processo negocial”, sem a aprovação de qualquer plano de recuperação, cfr. art. 17º-G.
Pelo que, findas as negociações com a celebração de um acordo, que pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos, é o mesmo sujeito a homologação judicial, cfr. dispõe o art. 17º-F, a qual, a ocorrer, torna o acordo vinculativo para a generalidade dos credores, mesmo que não hajam participado nas negociações.
Visando a homologação judicial, também, aferir da conformidade legal das medidas aprovadas.
Assim, nos termos do nº5, daquele art. 17º-F, o juiz decide se deve homologar o plano de recuperação aprovado ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à recepção da documentação mencionada nos números anteriores, ou seja, nos dez dias seguintes à recepção do plano de recuperação aprovado e de documento com o resultado da votação, cfr. nºs 2 e 4 do mesmo artigo, aplicando-se à homologação ou não homologação do plano, com as necessárias adaptações, as regras previstas no titulo IX do CIRE, em especial nos art.s 215º e 216º.
Donde se conclui que, o tribunal deve recusar a homologação, designadamente, no caso de violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do acordo, cfr. art. 215º, nº 1, bem como em caso de violação do princípio da igualdade dos credores, art. 194º, ou ainda se tal lhe for solicitado, pelo devedor ou por algum credor, nos termos do art. 216º.
Tecidas estas considerações, cumpre, então, debruçar-nos, em concreto, sobre as questões colocadas pelos apelantes no recurso.
Adiantando desde já que, atentas as especificidades do processo em causa, os objectivos visados pelo mesmo, analisados os autos e consistindo aquelas, essencialmente, em apreciar se estão reunidas as condições definidas na lei para que seja homologado o plano, como decidiu o Tribunal “a quo” ou tal não acontece, como defendem os apelantes, cremos não lhes assistir razão.

Na decisão recorrida, considerou-se nada obstar à homologação do plano, (aprovado com 79,21% favoráveis e 6,53% desfavoráveis, da totalidade dos votos), dado ser “abissal a diferença entre os votos desfavoráveis e os favoráveis” e por não se vislumbrar a violação negligenciável de regras procedimentais que justifiquem a sua não homologação.
Como já deixámos dito, concordamos com esta decisão, discordando que ocorram as razões invocadas pelos apelantes para fundamentarem a sua dissonância.

Argumentam eles que, a aprovação e homologação do plano apresentado pelo Sr. AJP, nos termos em que ocorreu, viola o princípio da igualdade a que alude o art. 194º e a sua aprovação prejudica-os gravemente quer em relação à situação patrimonial resultante da não aprovação, quer no que respeita à diminuição das garantias dos seus créditos que adviria da execução do plano, tornando a sua situação manifestamente mais desfavorável perante a situação que ocorreria na ausência de qualquer plano. Defendem, por isso, haver fundamento de recusa da sua homologação e, não tendo acontecido, consideram que a sentença recorrida ao homologá-lo violou o disposto nos art.s 17º-A a F, 194º, 195º, 215º e 216º, nº 1, al. a).
Ora, atento o que se deixou exposto, não concordamos que assim seja.
Explicando.
No que respeita ao plano de recuperação, estipula o art. 194º, nº1 que o mesmo obedece ao princípio da igualdade dos credores, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas, dispondo o seu nº 2, que, “O tratamento mais desfavorável relativamente a outros credores em idêntica situação depende do consentimento do credor afectado, o qual se considera tacitamente prestado no caso de voto favorável”.
Por sua vez, no prosseguindo da finalidade última da satisfação dos interesses dos credores em condições de igualdade, o art 1º institui o plano de recuperação como um instrumento alternativo ao normal processo de liquidação do património do devedor insolvente e, também, como um meio idóneo para concretizar a primazia da vontade dos credores no processo de liquidação do património do insolvente, concedendo-lhes, assim, a possibilidade de afastarem o desencadeamento da solução legal supletiva, como decorre do art. 192 º, nº1.
Deste modo, o plano de recuperação apresenta-se como um meio alternativo ao modelo executório da decisão da declaração de insolvência regulado no CIRE e de auto-regulação de interesses, dado incumbir aos credores decidirem se o pagamento se efectuará por meio da liquidação universal do património do devedor, através do modelo supletivo definido no CIRE, e consequente repartição do produto obtido pelos credores, ou então através da forma prevista no plano de recuperação, que os mesmos, venham a aprovar.
No art. 192º que estabelece um princípio geral de tutela dos interesses dos credores e dos direitos de terceiros, dispõe o seu nº 2 que, “o plano só pode afectar por forma diversa a esfera jurídica dos interessados, ou interferir com direitos de terceiros, na medida em que tal seja expressamente autorizado neste título ou consentido pelos visados”.
Quanto ao conteúdo do plano de recuperação, o art. 195º dispõe sobre os requisitos formais e substanciais a que deve obedecer a sua elaboração, estabelecendo no nº 1 que “O plano (de insolvência) deve indicar claramente as alterações dele decorrentes para as posições jurídicas dos credores da insolvência”, por comparação com a situação que se verificaria, na ausência de qualquer plano, com os resultados projectados a partir da sujeição da liquidação do património ao regime geral da insolvência, cfr. nº 2, al. d).
Por sua vez, o art. 215º dispõe que o juiz recusa oficiosamente a homologação do plano aprovado quando se verificar violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao seu conteúdo.
De igual modo, dispõe o art. 216º que o juiz recusa, ainda, a homologação, se lhe for solicitado pelo credor e o mesmo demonstre, em termos plausíveis, que a sua situação ao abrigo do plano é previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano, cfr. nº1, al. a).
A análise destes dispositivos, importa para decidir da pretensão de não homologação do plano formulada pelos apelantes, uma vez que os mesmos, consideram que a decisão recorrida procedeu à sua violação ao homologar aquele, sustentando, nos termos das conclusões 7 a 14, que são no plano tratados de forma mais desfavorável do que os créditos detidos pela Fazenda Nacional e pela Segurança Social que se incluem na mesma classe e invocam que a desigualdade de tratamento e desproporcionalidade que o plano comporta é ainda mais flagrante e grave, no confronto com o tratamento nele previsto para os credores comuns, como são os fornecedores, entidades bancárias e de locação financeira.
Mas, sem que lhes assista razão. Não se vislumbra que o plano comporte desigualdade e desproporcionalidade no tratamento do crédito dos apelantes e os demais credores, susceptíveis de fundamentar a recusa da homologação do mesmo.
Pois, como bem referem Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., pág. 753, não obstante o nº1 do art. 194º tenha procurado “acolher de uma forma evidente as duas facetas em que se desdobra o princípio da igualdade, traduzidas na necessidade de tratar igualmente o que é semelhante e de distinguir o que é distinto,…” o certo é, que ele próprio não deixa de admitir, em simultâneo, a possibilidade de tratamento diferenciado de credores, desde que justificado por razões objectivas.
Ou seja, “a igualdade dos credores não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria e, designadamente, em face da natureza comum ou privilegiada dos créditos” e “mesmo entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, não está radicalmente afastada a possibilidade de se estabelecerem diferenciações desde que a estas não presida a arbitrariedade e, pelo contrário, deixem visíveis circunstâncias objectivas que justifiquem o tratamento diferenciado”, cfr. se lê no Ac.RL de 12.7.2007 in www.dgsi.pt.
Tanto que citando, novamente, L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda, na mesma obra e local, “a ponderação das circunstâncias de cada situação pode justificar outros alinhamentos, nomeadamente tendo em conta as fontes do crédito.
O que está vedado é, na falta de acordo dos lesados, sujeitar a regimes diferentes credores em circunstâncias idênticas.”.
Pelo que, conforme ensinam estes autores, entre as circunstâncias que, em concreto, podem ser atendidas para estabelecer justificadas diferenciações, contam-se, para além da distintiva classificação e das categorias hierárquicas dos créditos, a diversidade das suas fontes. E é, sem dúvida, tendo em atenção razões ligadas à origem do crédito que, no caso em apreço, se justifica a alegada diferenciação de tratamento entre o crédito dos apelantes e o da Fazenda Nacional e da Segurança Social.
Em apoio deste nosso entendimento, de ausência de qualquer violação do plano quanto ao tratamento dado aos créditos tributários da Segurança Social, veja-se Jorge Miranda e Rui Medeiros in “Constituição da República Portuguesa”, Tomo I, pág. 639, 2005, onde ensinam que: “o sistema de segurança social configura-se na nossa ordem constitucional como um sistema universal, devendo garantir a toda a população a protecção em todas as situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade de trabalho” e que o cumprimento de tal dever constitucional só será possível mediante o pagamento efectivo das contribuições.
O mesmo vale quanto ao pagamento dos impostos, essenciais ao pleno cumprimento do programa constitucional do Estado.
Verifica-se, assim, que o estipulado no plano, quanto a estes créditos em concreto, prende-se exclusivamente com o facto de os créditos da Autoridade Tributária não só terem de ser pagos no mês seguinte ao da aprovação, como terem de estar garantidos em igual prazo (cfr. decorre da conjugação dos art.s 30º, nºs 2 e 3, 36º da Lei Geral Tributária, art.s 196º e 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário e art. 17º-D), pelo que não ocorre a violação dos princípios invocados pelos apelantes.
Por outro lado, também, não partilhamos do alegado pelos mesmos na conclusão 11. Da análise do plano, homologado pela sentença recorrida, não verificamos que o mesmo comporte desigualdade e seja desproporcional no tratamento que prevê para os pagamentos dos créditos ali previstos, em relação a nenhum dos casos se verifica qualquer tratamento mais favorável, quer a nível de perdão de juros ou períodos de carência, comparativamente com o tratamento dado aos créditos dos apelantes.
Em suma, não descortinamos qualquer violação do princípio da igualdade por parte do plano de revitalização da devedora, aprovado com 79,21% dos votos, de modo a, por si só, servir de fundamento para recusar a sua homologação, ou que ocorra qualquer violação do disposto nas normas supra referidas, ou, ainda, que tal devesse ocorrer por não ter tido a aprovação dos apelantes.
*
Além do exposto, sustentam eles, nos termos e para os efeitos do referido art. 216º, nº 1, al. a), que, a aprovação do plano de revitalização e homologado na decisão recorrida, os prejudica gravemente quer em relação à situação patrimonial resultante da não aprovação, quer no que respeita à diminuição das garantias dos seus créditos que adviria da execução do plano.
Alegam que o produto da venda ou apreensão dos bens existentes no activo, sobre os quais têm privilégio (seja em sede de insolvência, seja em acção judicial ou execução), é mais do que suficiente para ser obtido, na íntegra, quer a satisfação dos seus créditos, quer a dos demais trabalhadores e ex-trabalhadores, enquanto, prevendo-se no plano, como se prevê a venda de bens móveis e património não afecto à exploração, a implementação de uma estrutura denominada de leve e funcional, e a entrega de todo o trabalho de produção a terceiros (outsoursing/prestação de serviços), a recorrida não prevê na perspectiva de continuação a sua actividade a aquisição de bens móveis que, ocorrendo a sua futura insolvência, permitam através da sua venda satisfazer os créditos dos recorrentes e demais trabalhadores.
Pelo que, na mesma medida, diminuirá o valor resultante da venda dos bens actualmente existente no seu activo e consequentemente diminuirá, nessa exacta medida, de forma grave, as garantias dos créditos dos recorrentes e dos demais trabalhadores, especialmente atento o privilégio de que os mesmos gozam.
Ora, também aqui, entendemos não lhes assistir razão.
A este propósito, referem Carvalho Fernandes e João Labareda, na obra supra citada, pág. 832, que a prova da situação a que alude a al. a) do nº 1 do art. 216º implica, por um lado que se proceda “a um exercício intelectual de prognose, frequentes vezes complexo, que se traduz em comparar o que se antevê resultar da homologação do plano, para o reclamante, com aquilo que aconteceria na ausência dele.
Relativamente aos credores, isto reconduz-se a cotejar quanto recebem com o plano e quanto se estima que receberiam sem ele.”, continuando os mesmos que para concretização dessa comparação “importa avaliar a priori o que a massa insolvente pode render no caso da venda universal.”.
Por outro lado, dizem os mesmos que importa, atender “ao quorum deliberativo”.
Alertando que, “naturalmente, só em presença de cada caso concreto pode concluir-se sobre o mérito do requerimento”, pág.831.
Não há dúvida que, de acordo com o plano de recuperação aprovado, com 79,21% dos votos, os apelantes, na qualidade de trabalhadores, terão os seus créditos salariais e as indemnizações emergentes pagos em 126 meses, sendo 6 meses de carência, seguidos do pagamento da dívida em 120 mensalidades iguais e postecipadas e que, em caso de declaração de insolvência da devedora, os bens desta seriam vendidos e eles teriam o direito a ser pagos preferencialmente, posto que os seus créditos gozam do privilégio imobiliário especial previsto no art. 333º, nº1, al. b) do Código do Trabalho, sendo graduados antes dos créditos referidos nos art.s 748º e 751º do Código Civil, conforme estabelece a al. b) do nº2 do mesmo artigo.
No entanto, tendo em conta o referido pelos autores supra citados e, tal como salientou o Mº Juiz “a quo”, tendo em conta o escopo visado com o PER, que não é a satisfação dos credores mas antes a revitalização do devedor, o seu êxito não pode ser paralisado por credores que não aceitem a decisão tomada pela maioria dos credores, no caso 79,21%, quando essa decisão, corporizada no plano de recuperação, não evidencia, como é o caso, nenhuma violação grave não negligenciável das regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, designadamente o preceituado nos art.s. 192º e 194º, como já referimos.
Acresce que, não julgamos, como alegam os apelantes, que a declaração de insolvência da devedora assegure a satisfação imediata e integral dos créditos dos mesmos e dos demais trabalhadores.
A este propósito, veja-se o Ac.RL supra citado, onde se refere: “São comuns as situações em que o arrastamento da liquidação tem como consequência a desvalorização dos bens, de modo que o valor da massa insolvente cai radicalmente entre o momento em que o processo se inicia e aquele em que o património é liquidado. As consequências reflectem-se fundamentalmente nos credores, com especial destaque para os trabalhadores, que nem sequer os privilégios creditórios conseguem atenuar.”
Pois, como é sabido e a experiência o demonstra, frequentemente, a sujeição das empresas insolventes aos efeitos da tradicional liquidação universal, sob a capa da tutela dos credores, acaba, frequentemente por redundar em seu prejuízo, pois que tal liquidação nem sempre permite obter os resultados que melhor satisfazem os interesses dos credores privilegiados e comuns.
Sendo que não é despiciendo referir, ainda, que a esta incerteza sobre o quantitativo líquido que poderá ser obtido com a venda dos bens, acresce o facto das custas e demais despesas inerentes ao processo saírem precípuas do produto da venda dos bens, o que contribui para a diminuição da possibilidade de satisfação daqueles créditos.
Isto, sem se poder esquecer, como aconteceria no caso, o facto da declaração de insolvência da devedora implicar o despedimento de todos os seus trabalhadores, inclusive o apelante, B…, que ainda se mantêm em exercício de funções, o que a acontecer acarretaria não só um aumento significativo de dívidas por créditos laborais, como também inviabilizaria a manutenção daqueles postos de trabalho, cuja preservação e salvaguarda, na actual conjectura, não pode deixar de se lhe atribuir um especial relevo.
Pois, como bem se refere, naquele acórdão de 12.07.2007, supra referido, o regime insolvencial “não pode ficar indiferente a uma solução que, em lugar da pura e imediata liquidação da massa insolvente, permita salvaguardar a manutenção de um número ainda expressivo de postos de trabalho, em alternativa à colocação na situação de desemprego de todos os trabalhadores”.
Aliás, entendemos que, no contexto do processo de revitalização, este aspecto assume grande relevância pois enquadra-se na filosofia geral da lei, que, conforme já se deixou dito, privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
E, sendo deste modo, tal como não concordamos que a aprovação do plano configure uma situação mais desfavorável para os apelantes do que aquela que lhes adviria da sua não aprovação, também, não se vislumbra que sujeitá-los às condições estipuladas no plano, nomeadamente, quanto à alegada sujeição dos mesmos aos efeitos da morosidade e incerteza do decurso de dez anos para satisfação dos seus créditos possa, por si só, servir de fundamento para recusa da homologação do plano de revitalização, nos termos daquela al. a) do nº 1 do art. 216º.
Inexistindo, por isso, motivo para recusar a sua homologação, tal como se concluiu na decisão recorrida que, contrariamente, ao alegado pelos apelantes, não enferma de nulidade, nomeadamente, a que alude a al. d) do nº 1 do art. 615º, do CPC.
Efectivamente, atento o decidido naquela, mais uma vez não lhes assiste razão.
Justificando.
A nulidade prevista na alínea d) está directamente relacionada com o disposto no art. 608º, nº 2, do CPC, segundo o qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Ora, como consta da decisão recorrida analisou a mesma os factos dados como provados e, tendo em conta estes e os que ficaram não provados, apreciou o requerimento inicial apresentado pela apelada e homologou o plano de recuperação daquela.
E, em nosso entender, acertadamente.
Ora, perante as circunstâncias apuradas, a percentagem do quórum deliberativo, e as situações em que o juiz recusa a homologação do plano, subscrevemos na íntegra a decisão recorrida, que, consideramos, não só se mostra acertada como não deixou de se pronunciar sobre qualquer questão que devesse ser apreciada.
Pois, ao contrário do alegado pelos apelantes não se verifica ter ocorrido a violação não negligenciável de regras procedimentais ou das normas aplicáveis ao conteúdo do plano, nem se encontra demonstrado que a situação dos apelantes ao abrigo do plano seja previsivelmente menos favorável do que a que ocorreria na ausência de qualquer plano.
E, sendo desse modo, é evidente que não ocorreu nem a violação dos dispositivos referidos pelos recorrentes, nem qualquer omissão de pronúncia, sendo que só desta omissão resultaria a nulidade tipificada na referida al. d).
No que concerne à falta de pronúncia dizia Alberto dos Reis, in CPC, Anotado, Vol. V, já referido, pág. 143, que “São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. (…); o que importa é que o tribunal decida a questão posta;…”.
Face a estas considerações, não podem existir dúvidas, também quanto a este aspecto, da falta de razão dos recorrentes.
Não enferma de omissão de pronúncia, como invocam os recorrentes, a decisão recorrida que, abordou toda a matéria que foi submetida à sua apreciação e lhe cumpria resolver, ou seja, as questões relevantes para a decisão de homologação do plano de recuperação da devedora.
Uma decisão que conclui pela homologação do plano de recuperação da devedora, aprovado pela maioria dos credores desta, nos termos do disposto no art. 212º, nº 1, salvo melhor opinião, não pode ser considerada nula, nos termos em que os recorrentes o referem.
A mesma não deixou de se pronunciar sobre questão que lhe tenha sido colocada, apenas, não decidiu nos termos pretendidos pelos recorrentes, dado ter concluído, o que subscrevemos na íntegra, não assistir razão a estes “na pretensa não homologação do plano por se nos afigurar não terem existido graves violações das regras procedimentais, conforme explanação da devedora, nem existir estribo para invalidade do plano de revitalização e sua aprovação.”.
Verifica-se, assim, que a decisão não deixou de apreciar qualquer questão das que lhe foram colocadas à apreciação.
E, ainda que se pudesse estar, eventualmente, perante um erro de julgamento, tal não se confunde com o vício da nulidade da omissão de pronúncia a que alude a al. d) do nº 1 do art. 615º do CPC.
Razão pela qual não ocorre na decisão recorrida, a invocada nulidade, nem a violação dos dispositivos legais referidos pelos apelantes.
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Por fim, analisemos, se os apelantes foram “ilicitamente apartados de quaisquer negociações” do plano aprovado, não podendo nelas participar, como invocam e, por isso, insurgindo-se contra a decisão recorrida, por o ter homologado.
Como já deixámos dito, a finalidade do processo especial de revitalização, mostra-se definida no nº 1 do art. 17º-A que dispõe: “O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordos conducente à sua revitalização”.
E, é um processo negocial em que se visa a obtenção de um acordo entre o devedor e uma maioria de credores, que seja capaz de suportar a viabilização da empresa sendo certo que a eficácia do acordo para lá da esfera dos que nele intervieram, pressupõe sempre a respectiva aprovação por uma maioria qualificada de créditos, cfr. art. 17º-F, que ocorrendo torna o acordo vinculativo para a generalidade dos credores.
É, sem dúvida um regime de cariz marcadamente voluntário e extrajudicial, em que se restringe o controlo jurisdicional à gestão processual, pese embora, o juiz, nos termos do nº 5 daquele art. 17º-F, decida se deve homologar o plano de recuperação aprovado ou recusar a sua homologação, o certo é que, a sua intervenção, se reconduz essencialmente a sindicar a justeza da instauração do processo especial de revitalização.
Que dizer, então, quanto a esta questão colocada pelos apelantes, pese embora, tudo o que já deixámos antever, que se refere à sindicância da violação ou não do regime procedimental.

Nos termos da al. a) do nº 3 do art. 17º-C, recebido o requerimento, o juiz procede à nomeação do administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32º a 34º, com as necessárias adaptações.
Despacho, que, cfr. dispõe o nº 4, daquele artigo, é notificado ao devedor e publicado no portal Citius, tem efeitos processuais, sobre o devedor e em relação aos credores.
Conforme consta do facto descrito em primeiro na fundamentação de facto, a apelada requerente cumpriu aquele procedimento, tendo comunicado o início das negociações e os apelantes foram convidados a participar nas negociações, tendo-se seguido impugnações à lista provisória de créditos, oportunamente, decididas, após pronuncia das partes, nomeadamente, os apelantes.
Apesar disso, se percebemos a alegação dos mesmos, queriam eles ter participado nas negociações, ou fazer participar um seu qualquer perito, das quais saiu o plano que foi apresentado para votação, mormente em 2.12.2013.
No entanto, está assente nos autos que os apelantes foram notificados pelo AJP, por email, da proposta de plano de revitalização apresentada nos dias 28.11 e 2.12.2013, em relação à qual se pronunciaram e manifestaram a sua discordância, que ultimaram votando contra o plano.
Donde, não podermos concordar que os apelantes tenham sido “ilicitamente apartados de quaisquer negociações”, ou seja, que não tenham tido contacto com o mesmo e que antes da votação não conhecessem o seu conteúdo e se pronunciado quanto a ele.
Razão, porque não podemos subscrever o entendimento dos apelantes, quando afirmam que ocorreu, na situação em análise, violação não negligenciável de regras procedimentais.
Salvo diferente e melhor entendimento que se respeita, cremos, atento o exposto que tal violação não ocorreu.
E, sendo desse modo, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida, por não ter recusado a homologação do plano.
Neste sentido veja-se, Menezes Leitão in “Direito da Insolvência”, 5ª ed., 2013, pág. 266, onde defende que, “o juiz rege-se aqui por considerações de legalidade, mas apenas pode recusar a homologação em caso de “violação grave não negligenciável” das regras procedimentais ou de conteúdo do plano.”.
E, acrescenta, “violações consideradas menores, que não ponham em causa o interesse do devedor e dos credores afectados, não constituirão causa suficiente para que o juiz possa recusar a homologação do plano.”.
E, na sequência do exposto, outra questão se coloca, ou seja, saber o que deve compreender-se por “violação não negligenciável” que imponha a recusa de homologação do plano de revitalização, uma vez que o legislador não a define, “com efeito, o que deva considerar-se vício negligenciável nem fornece objectivamente pistas que iluminem a descoberta da resposta”, como bem referem, Carvalho Fernandes e João Labareda, na obra supra citada, pág. 826.
Assim, na resposta a dar-lhe cremos acertada a orientação seguida na nossa doutrina e jurisprudência, no sentido de que estando abrangidos pelo art. 215º tanto os simples vícios procedimentais como os de conteúdo, considera como fazendo parte das violações não negligenciáveis ou não desculpáveis, todas aquelas que determinem, de modo inequívoco, violação de normas imperativas, cujo resultado é ilegal, e em todo o caso insusceptível de poder ser suprido com o consentimento do tutelado.
E, quanto a estas, no mesmo lugar, dizem aqueles autores que, “normas relativas ao conteúdo serão todas as respeitantes à parte dispositiva do plano, mas, além delas, ainda aquelas que fixam os princípios a que ele deve obedecer imperativamente e as que definem os temas que a proposta deve contemplar.”
E, continuam: “Há, todavia, um primeiro critério geral que é possível apontar.
Dir-se-á, com efeito, que são não negligenciáveis todas as violações de normas imperativas que acarretem a produção de um resultado que a lei não autoriza.”.
E, no seguimento do entendimento de que todas as “violações legais se reconduzem à adopção de procedimentos ou à omissão de formalidades que a lei exclui ou determina”, como referem a fls. 827, concluem, aqueles autores que, “verdadeiramente do que se trata, para decidir se ela justifica ou não a recusa de uma homologação de um plano aprovado pelos credores – que é, afinal de contas, aquilo que aqui está em causa -, é de avaliar a relevância, ou não, da violação constatada.”.
Ora regressando ao caso e tendo em conta o critério a que os autores citados fazem apelo, não cremos que, a inobservância daquele procedimento, a ter ocorrido, (pois que, concordámos não se poder dizer que o plano aprovado era do seu total desconhecimento, sendo que, como resulta claro dos autos, insurgiram-se contra o mesmo e votaram-no desfavoravelmente) tenha tido relevância na posição dos credores apelantes, ou que tenha interferido com a boa decisão da causa.
Donde, face a tudo o que deixámos exposto, tendo o plano de revitalização da devedora/apelada sido aprovado, nos termos em que o foi, com 79,21% da totalidade dos créditos, só podemos subscrever a decisão do Mº Juiz “a quo” que proferiu sentença homologatória do Plano de Revitalização apresentado e aprovado pelos credores da devedora, D…, Ldª.
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Improcedem, assim, sem necessidade de outras considerações, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
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III - DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a apelação e manter a decisão recorrida.

Custas pelos recorrentes (art. 527º, nº 1 do CPC).

Porto, 13 de Abril de 2015
Rita Romeira
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome
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Sumário:
I - No âmbito do processo de revitalização, uma solução que permita salvaguardar a manutenção de postos de trabalho, em alternativa à colocação na situação de desemprego de todos os trabalhadores, na actual conjectura, assume enorme relevância, pois, enquadra-se na filosofia geral da lei, que privilegia a manutenção do devedor no giro comercial, relegando para segundo plano a liquidação do seu património sempre que se mostre viável a sua recuperação.
II - O princípio da igualdade dos credores, consagrado no art. 194º do CIRE não impede que seja dado tratamento diversificado a credores em função da sua categoria nem afasta a possibilidade de, entre credores inseridos na mesma classe e dotados de semelhantes garantias creditórias, se estabelecerem diferenciações desde que a estas presidam critérios de proporcionalidade, dado serem justificadas por circunstâncias objectivas.
III - Razões ligadas à origem dos créditos justificam a diferenciação de tratamento entre os créditos dos trabalhadores e os créditos tributários da Segurança Social e da Fazenda Nacional.
IV - Estando assente nos autos que os credores/apelantes foram notificados pelo AJP, por email, da proposta de plano de revitalização, em relação à qual se pronunciaram e manifestaram a sua discordância, que ultimaram votando contra o plano, não se pode aceitar que tenham eles sido “ilicitamente apartados de quaisquer negociações” e que tenha ocorrido, qualquer violação não negligenciável de regras procedimentais, susceptíveis de fundamentar a recusa oficiosa de homologação do plano de revitalização aprovado.

Rita Romeira