Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
840/23.2YLPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ISOLETA DE ALMEIDA COSTA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA
Nº do Documento: RP20240208840/23.2YLPRT.P1
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: MAIORIA COM 2 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A redação do artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, aplica-se aos contratos de arrendamento habitacionais, com prazo certo, quando renováveis mesmo que já constituídos desde que subsistam à data da sua entrada em vigor.
Ii - Esta norma fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, o qual, de natureza imperativa, pelo que não podem as partes convencionar um prazo de renovação inferior.
III - A expressão “salvo estipulação em contrário”, inserta no nº 1, do referido artigo 1096º, do Código Civil, deve ser interpretada, como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 1

Processo: 840/23.2YLPRT.P1

Sumário (artigo 663º nº 7 do Código de Processo Civil)
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

“A..., S.A.” intentou ação especial de despejo contra AA, ambos melhor identificados nos autos, pedindo que o requerido seja condenado a entregar à requerente os imóveis locados: as frações autónomas designadas pelas letras “GQ” e “AX”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ....
Referiu que o contrato de arrendamento foi celebrado, em 01/03/2016, com um prazo de duração inicial de 5 (cinco) anos, renovável por 1 (um) ano, sendo a renda inicialmente prevista de € 220,00 (duzentos e vinte euros).
Acrescentou que, por meio de carta(s) registada(s) com aviso de receção enviada(s) para o domicílio convencionado, remetidas em 29/09/2022 e, novamente, em 07/11/2022, a requerente opôs-se à renovação do contrato de arrendamento.
Não tendo o requerido procedido à entrega voluntária do imóvel locado, devoluto de pessoas e bens, no término do contrato de arrendamento – a 28 de fevereiro, de 2023 – peticiona a requerente que seja determinada a emissão de título para desocupação do locado.
Citado, veio o requerido deduzir oposição, alegando, em suma, que, por imposição legal o contrato de arrendamento em causa nos autos se renovou, até 28 de fevereiro, de 2026.
Caso assim não se entenda, requereu que lhe seja concedido o diferimento da desocupação, por período não inferior a 6 meses, considerando que padece de uma incapacidade de 94% e aufere € 556,00 mensais, de pensão de invalidez.
FOI PROFERIDA SENTENÇA QUE DECRETOU:
1.A procedência da ação declarando válida e eficaz a oposição ao arrendamento realizada pela requerente e que o contrato de arrendamento em causa nos autos cessou em 28/02/2023.
2.Deferiu o pedido de diferimento da desocupação formulado pelo requerido, pelo prazo máximo legalmente previsto de cinco meses, a contar da data do trânsito em julgado da presente decisão. Decorrido que se mostre tal prazo, condena-se o requerido a entregar à requerente as frações autónomas designadas pelas letras “gq” e “ax”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na conservatória do registo predial de oliveira de azeméis sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo ....

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Factos Provados:
1. Em 01/03/2016, a B..., com o NIPC ..., deu de arrendamento a AA, que tomou de arrendamento, para habitação permanente, mediante o pagamento da renda mensal de € 220,00, as frações autónomas designadas pelas letras “GQ” e “AX”, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º ... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo ....
2. Consta do acordo celebrado entre a B... e o requerente que o contrato foi celebrado pelo prazo de cinco anos, renovável sucessivamente por períodos de um ano, salvo se denunciado por qualquer das partes nos termos da cláusula 3.
3. Prevê a referida cláusula 3 que “o senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato mediante comunicação, remetida ao arrendatário por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato, ou de qualquer uma das suas eventuais renovações.
4. Os imóveis referidos em 1. foram vendidos à requerente, por escritura pública de compra e venda, encontrando-se o registo de aquisição devidamente inscrito pela AP. ... de 2022/02/09, conforme melhor consta nas certidões prediais dos imóveis com os códigos de acesso PP-... e PP-....
5. Através de carta(s) registada(s) com aviso de recepção enviada(s) para a Rua ..., ... ..., datadas de 29/09/2022 e 07/11/2022, a requerente comunicou ao requerido que se opunha à renovação do arrendamento referido.
6. A carta datada de 29/09/2022 foi recebida por terceira pessoa em 07/10/2022.
7. A carta datada de 07/11/2022 foi devolvida ao remetente, com a indicação “morada incorreta”.
8. O requerido não procedeu à entrega dos imóveis referidos em 1.
9. A carta datada de 29/09/2022 foi recebida pelo requerido em data anterior a 17/10/2022.
10. O requerido respondeu à carta datada de 29/09/2022, através de carta registada com aviso de receção, datada de 17/10/2022, recebida pela requerente em 19/10/2022, junta sob a refª 14609585, dando-se aqui por reproduzido o respetivo teor.
11. O requerido padece de incapacidade permanente definitiva de 94%, não possui marcha autónoma, utilizando cadeira de rodas. Tem hipovisão, o que não lhe permite ver objetos a menos de um metro de distância. Manifesta discurso escasso, com disartria acentuada. Não tem capacidade de ler, escrever e efetuar cálculos aritméticos. Encontra-se totalmente dependente da ajuda de terceiros, dando-se por reproduzido o demais teor da sentença junta sob a refª 14609587, proferida nos autos de Acompanhamento de Maior, que correu termos sob o Proc. 150/22.2T8OAZ no Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis.
12. Considerando os problemas de visão de que padece, o facto de habitar no mesmo local desde o tempo em que não tinha a capacidade visual afetada facilita a orientação do requerido no espaço.
13. A sua mudança repentina para outra habitação causaria ao requerido transtorno emocional.
14. O requerido não tem capacidade para exercer uma profissão remunerada e aufere uma pensão de invalidez de 556,00 € mensais.
Factos não provados Não há.
DESTA SENTENÇA APELOU O RÉU QUE FORMULOU AS SEGUINTES CONCLUSÕES:
(…)
5ª-Através de carta(s) registada(s) com aviso de receção enviada(s) para a Rua ..., ... ..., datadas de 29/09/2022 e 07/11/2022, a requerente comunicou ao requerido que se opunha à renovação do arrendamento referido em 1. asseverando nessa comunicação que o mesmo cessaria os seus efeitos em 28.02.2023, devendo o requerido desocupar nessa data o local.
6ª-O requerido respondeu a tal comunicação, conforme referido em 10. dos factos provados, dizendo em suma
“O contrato de arrendamento em causa foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de março de 2016. Dado que não houve oposição à renovação do mesmo no termo do prazo, o mesmo renovou-se automaticamente em 1 de março de 2021.
Nos termos do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na sua redação atual, norma de natureza imperativa, o contrato de arrendamento para habitação celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por iguais períodos de duração.
Assim sendo, o contrato de arrendamento a que aqui se faz referência tendo sido celebrado pelo prazo inicial de cinco anos renovou-se automaticamente em 1 de março de 2021 pelo período de cinco anos, pelo que, consequentemente, só poderá haver oposição do senhorio à renovação do contrato para o termo do prazo da renovação em curso, ou seja, 28 de fevereiro de 2026.”
(…)
Nos termos do artigo 1096º, nº 1 do Código Civil, na sua redação atual, introduzida pela Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, o contrato de arrendamento para habitação, celebrado com prazo certo, renova-se automaticamente no seu termo e por iguais períodos de duração ou de três anos se esta for inferior. Tal norma é de natureza imperativa.
Assim sendo, o contrato de arrendamento aqui em causa tendo sido celebrado pelo prazo inicial de cinco anos renovou-se automaticamente em 1 de março de 2021 pelo período de cinco anos, pelo que, consequentemente, só poderá haver oposição do senhorio à renovação do contrato para o termo do prazo da renovação em curso, ou seja, 28 de fevereiro de 2026. (…)
9ª- Feito julgamento na douta sentença começou por se decidir que ser de aplicar nos presente autos, a lei nova - Lei n.º 13/2019 de 12 de Fevereiro - nos termos do artigo 12.º, n.º 2, 2.ª parte, do Código Civil, por se tratar de questão que regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento, aplicando-se, assim, às relações de arrendamento já constituídas e que se mantêm.
11ª- Na douta sentença segue-se a tese que defende a natureza supletiva e por isso improcede a oposição do Réu quanto á renovação do contrato de arrendamento.
12ª- O Réu defende que a nova redação dada ao art.1096º, nº1 do CC, pela Lei nº13/2019, tem natureza imperativa e que, por via disso o contrato de arrendamento se renovou por prazo igual ao período inicial pelo que a oposição á renovação feita pela A. é inócua e ineficaz.
13ª- A questão está na interpretação do art.1096º após a entrada em vigor da Lei nº13/2019 de 12 de fevereiro, conforme anotação em Novo Regime do Arrendamento Urbano, Manteigas Martins, Carlos Nabais, José M.Raimundo, “A alteração introduzida pela Lei nº13/2019, de 12 de fevereiro, veio definir períodos mínimos de renovação automática do contrato, celebrado com prazo certo, de três anos, se outro superior não tiver sido convencionado, ficando , contudo, na disponibilidade das partes afastarem tal renovação automática do contrato.”
14ª-E com a devida vénia, seguindo douto Acórdão do TRP de 15.06.2023, Relator Aristides Rodrigues de Almeida, in www.dgsi.pt, “V- O nº1 do artigo 1096 do Código Civil, na redação da lei nº 13/2019 de 12 de fevereiro, fixa um prazo imperativo mínimo de três anos de renovação do contrato, pelo que as partes de um contrato de arrendamento para habitação com prazo certo podem acordar a sua não renovação, mas se acordarem a renovação não podem estipular que esta ocorra por prazo inferior a três anos.”
16ª-O Acórdão TRP, de 04.05.2023, Relatora Isabel Silva, in www.dgsi.pt, “I- A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº1 do art.1096 do CC, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos.”
Ou seja, passou agora a possibilitar-se que a renovação se operasse pelo período do contrato, mas também de 3 anos se a duração do contrato fosse inferior.
No caso, o período do contrato era superior, 5 anos, pelo que é esse o prazo a considerar. 18ª-E no mesmo sentido de que o art.1096 do CC na redação dada pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro reveste a natureza imperativa quanto á questão da renovação automática, Acórdão do STJ de 17.01.2023, P.7135/20.1T8LSB.L1.S1 relator Pedro Lima, in www.dgsi.pt.
19ª- Assim, o contrato dos autos, celebrado em 2016 pelo prazo de cinco anos e sujeito a renovação automática por convenção das partes, tal renovação ocorre no termo do contrato e por força da aplicação substantiva da nova redação do art.1096º, nº1 do CC, dada pela Lei nº 13/2019, por força das regras da aplicação das leis no tempo, art.12º CC, tal renovação ocorre pelo período igual ao da duração inicial não podendo ser inferior a três anos.
1ª- Aliás interpretação plasmada em douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, referido citado no douto Acórdão TRP de 04.05.2023.
(…)
26ª- O contrato de arrendamento em causa foi celebrado pelo prazo de cinco anos, com início em 1 de março de 2016.
27ª- Dado que não houve oposição à renovação no termo do prazo, o mesmo contrato renovou-se automaticamente em 1 de março de 2021.
28ª- O contrato de arrendamento celebrado pelo prazo de cinco anos renovou-se automaticamente em 1 de março de 2021 pelo período de cinco anos,
29ª- Consequentemente, só poderá haver oposição do senhorio à renovação do contrato para o termo do prazo da renovação em curso, ou seja, 28 de fevereiro de 2026.
36ª- Padece de erro a sentença ao considerar a oposição á renovação do contrato válida e eficaz, ao considerar o contrato renovado por períodos de um ano e que tal arrendamento cessou em 28.02.2023, porquanto não está de acordo com a lei, viola o disposto no art.1096º, nº1 do CC com a redação atual e os doutos entendimentos jurisprudências citados, fazendo a sentença errada aplicação do direito.
Deve a sentença ser revogada e substituída por decisão que, considerando renovado o contrato de arrendamento pelo prazo de 5 anos no fim do seu termo inicial, considere inócua e ineficaz a declaração do senhorio de oposição á renovação, e considere que o contrato está ainda em vigor de modo pleno e por isso julgue procedente o Oposição do Réu. Nada obsta ao mérito.

O OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, ressalvadas as
matérias que sejam de conhecimento oficioso (artigos 635º, n.º 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do código de processo civil).
Atentas as conclusões do recorrente a única questão a decidir é saber se à luz do artigo 1096º, nº 1, do código civil, redação da lei 13/2019, de 12.02, a oposição à renovação do contrato de arrendamento sub iudice é (in) válida.

O MÉRITO DO RECURSO:

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
Dá-se aqui por reproduzida a fundamentação supra. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
I.
QUESTÃO PRÉVIA:
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex offício, é pelas conclusões da sua alegação (aí se indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: (art. 639.º, n.º 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem. Efetivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 635.º, n.º 3, do C.P.C. de 2013), esse objeto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (n.º 4, do mesmo art. 635.º). Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo(a) recorrente, que o objeto da presente apelação consiste, em saber, qual o prazo mínimo de renovação do contrato de arrendamento dos autos, estando definitivamente resolvida, a questão já decidida, quanto ao pedido de diferimento da desocupação, de que por isso, não nos cabe ocupar.
I.1
A LEI APLICÁVEL AO CONTRATO SUB IUDICE.
Nos autos, estamos na presença de um contrato de arrendamento habitacional de duração determinada, porquanto foi celebrado pelo prazo de cinco anos, tendo-se acordado na renovação automática pelo período de um ano.
Este contrato foi celebrado em 01.03.2016, para iniciar na mesma data, sendo o termo fixado para 28.01.2021, tendo ficado estipulado no contrato a sua renovação automática por períodos de um ano, salvo se denunciado por qualquer das partes.
O regime legal da cessação deste contrato veio a ser objeto de alteração com a publicação da Lei 13/2019, de 12.02, que entrou em vigor a 13.02.2019.
Não existe controvérsia quanto à lei aplicável à matéria da cessação contratual, sendo a sentença e o recorrente concordantes no sentido de que o regime legal em vigor constante da lei 13/2019, é o que se aplica de acordo com o disposto no artigo 12º, nº 2, do CC.
É por consequência à luz deste diploma legal que se impõe reapreciar o direito, não revestindo interesse o estudo do regime legal vigente à data da celebração do contrato, por isso mesmo. I.2
A INTERPRETAÇÃO DO ARTIGO 1096º, Nº 1, DO C.C. NA REDAÇÃO DA LEI 13/2019 DE 12.02.
I.2.1
O artigo 1096º, nº 1, do CC, na redação em vigor sob a epígrafe “Renovação automática”, dispõe que: «1 - Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte».
A letra da lei tem suscitado divergência interpretativa, nomeadamente quanto à natureza imperativa da norma.
Maria Olinda Garcia, in Alterações em matéria de Arrendamento Urbano introduzidas pela Lei n.º 12/2019 e pela Lei n.º 13/2019, Julgar Online, março de 2019, pp 11, afirma: «quanto à renovação do contrato, a nova redação do artigo 1096.º suscita alguma dificuldade interpretativa, nomeadamente quanto ao alcance da possibilidade de “estipulação em contrário” aí prevista. Por um lado, pode questionar-se se tal convenção poderá excluir a possibilidade de renovação do contrato ou apenas estabelecer um diferente prazo de renovação. Parece-nos que (na sequência do que já se verificava anteriormente) as partes poderão convencionar que o contrato não se renova no final do prazo inicial (o qual tem de ser de, pelo menos, um ano). O contrato caducará, assim, verificado esse termo. Mais delicada é a questão de saber se as partes podem estipular um prazo de renovação inferior a 3 anos (hipótese em que o prazo legal de 3 anos teria natureza supletiva). Atendendo ao segmento literal que diz que o contrato se renova “por períodos sucessivos de igual duração”, pareceria poder concluir-se que, se o período inicial pode ser de 1 ou de 2 anos, as partes também teriam liberdade para convencionar igual prazo de renovação. Todavia, ao estabelecer o prazo de 3 anos para a renovação, caso o prazo de renovação seja inferior, parece ser de concluir que o legislador estabeleceu imperativamente um prazo mínimo de renovação. Afigura-se, assim, que a liberdade das partes só terá autónomo alcance normativo se o prazo de renovação estipulado for superior a 3 anos.»
Nesta mesma senda, Mascarenhas Ataíde e Ramalho Rodrigues, in Denúncia e oposição à renovação do contrato de arrendamento urbano, Revista de Direito Civil, Ano IV (2019), n.º 2, Almedina, 2019, página 303, ao escreverem «Quando aplicável, a renovação automática ocorre no termo do contrato e por períodos sucessivos de igual duração, ou de três anos se esta for inferior (artigo 1096.º, n.º 1), podendo qualquer das partes opor-se à renovação (artigo 1096.º, n.º 3), variando a antecedência necessária consoante a iniciativa parta do senhorio (artigo 1097.º, n.º 1) ou do arrendatário (artigo 1098.º, n.º 1). A inovação da Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, consistiu na consagração da renovação automática pelo período mínimo de 3 anos, independentemente de duração inicial inferior. Na redação anterior do preceito, conferida pela Lei n.º 31/2012, de 14 de agosto, o contrato renovava-se no final do seu termo por períodos sucessivos de igual duração, os quais poderiam ser inferiores a 3 anos (recorde-se que não existia duração mínima do contrato de arrendamento urbano). A renovação automática (de natureza supletiva) pelo período mínimo de 3 anos (período mínimo imperativo de renovação) recupera a regra do RAU, de 1990, reiterada no NRAU de 2006. Deve-se notar, contudo, que os prazos supletivos previstos no regime transitório do artigo 26.º, nº3 NRAU são mais permissivos do que os decorrentes da atual redação do Código Civil, conferida pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro.»
Sobre a interpretação desta norma o acórdão, deste tribunal e secção, proferido a 04 de maio de 2023 (Isabel Silva), 1598/22.8YLPRT.P1, publicado in dgsi, citado pelo recorrente acentua: «Conjugando esta disposição com o teor do artigo 1097.º, n.º 3, que impede que a oposição à renovação, por iniciativa do senhorio, opere antes de decorrerem 3 anos de duração do contrato, fica-se com a ideia de que o legislador pretende que o contrato tenha, efetivamente, uma vigência mínima de 3 anos (se for essa a vontade do arrendatário). Assim, o contrato só não terá duração mínima de 3 anos se o arrendatário se opuser à renovação do contrato no final do primeiro ou do segundo ano de vigência. No final destes períodos (tratando-se de contrato celebrado por 1 ano), o senhorio não terá direito de oposição à renovação. Tal direito extintivo cabe, assim, exclusivamente ao arrendatário antes de o contrato atingir 3 anos de vigência.
Se as partes não convencionarem a exclusão da renovação, o senhorio só poderá impedir que o contrato tenha uma duração inferior a 3 anos, na hipótese que agora é criada pelo n.º 4 do artigo 1097.º, ou seja, em casos de necessidade da habitação pelo próprio ou pelos seus descendentes em primeiro grau. Trata-se de um tipo de solução que, até agora, só vigorava no domínio dos arrendamentos de duração indeterminada, a qual depende do preenchimento dos requisitos do artigo 1102.º e exige o cumprimento dos deveres impostos pelo artigo 1103.º, n.ºs 1, 5 e 9.».
No sentido da imperatividade da norma, veja-se os acórdãos do STJ de 17-01-2023 (PEDRO LIMA GONÇALVES) 7135/20.1T8LSB.L1.S1, e de 20-09-2023 JORGE LEAL 3966/21.3T8GDM.P1.S1 com voto de vencido; acórdão do TRE, de 25/01/2023 (MARIA ADELAIDE DOMINGOS) 3934/21.5T8STB.E1 e acórdão do TRG de 08/04/2021 (ROSÁLIA CUNHA), 95/20.5T8VNF.G1, e bem assim o deste tribunal e desta secção de 12-10-2023 (PAULO DIAS DA SILVA) 328/23.1YLPRT.P1, de 25-10-2023 (PAULO DUARTE TEIXEIRA), 998/22.3T8PRD.P1 todos consultáveis in dgsi.
Assumiu ainda esta interpretação, o acórdão deste tribunal e secção de 15.06.2023, (ARISTIDES RODRIGUES DE ALMEIDA) 944/22.9T8VCD.P1, in www.dgsi.pt, no qual se acentua que: « justifica-se que a lei deixe na disposição das partes acordar a renovação do contratou ou afastá-la, mas também se justifica que tendo havido acordo sobre a renovação a lei limite de algum modo o período de duração da renovação para impedir a instabilidade que advém para o arrendatário e os riscos que ele corre de se encontrar, por força do exercício do direito potestativo do senhorio de oposição à renovação, confrontado com a necessidade de num curto espaço de tempo arranjar nova habitação (e se ele é arrendatário, o normal será que necessite novamente de recorrer a esse mercado para arranjar habitação) (…) Todas as normas que se ocupam dos períodos de duração do contrato e/ou das suas renovações, do direito de oposição à renovação, dos prazos para o exercício desse direito e dos prazos em que o contrato se extingue são normas que visam proteger a posição do inquilino e a estabilidade do arrendamento, conforme pretendia a Lei nº 13/2019, recordando-se que não é por acaso que ela é de 2019, momento em que no mercado imobiliário em Portugal se observava já uma preocupante falta de acesso ao comum dos cidadãos, face ao montante que atingiram os valores das rendas e os preços de aquisição. Nessa medida, não é por essa preocupação ter conduzido também à alteração do n.º 3 do artigo 1097.º que a alteração do n.º 1 do artigo 1096.º deixa de visar a mesma finalidade do legislador e de a tornar viável».
Destaca-se ainda sobre esta matéria o supra referido acórdão de 12-10-2023 (PAULO DIAS DA SILVA) 328/23.1YLPRT.P1, cujo sumário vai citado: “(…) A expressão “salvo estipulação em contrário”, contida no nº 1 do artigo 1096º do Código Civil, deve ser interpretada como reportando-se apenas à possibilidade de as partes afastarem a renovação automática do contrato, e já não a de poderem contratar períodos diferentes de renovação. Assim, não havendo oposição válida e eficaz, os contratos de arrendamento para habitação renovam-se por mínimos de 3 anos, ou por período superior, caso o período de duração do contrato seja superior a 3 anos. IV - Assim, o artigo 1096.º, n.º 1, do Código Civil, na nova redacção introduzida pela Lei 13/2019, de 12.2, fixa um prazo de renovação mínimo de três anos, de natureza imperativa não podendo as partes convencionar um prazo de renovação inferior.” podendo ler-se no mesmo referido aresto citando Maria Olinda Garcia que: “Quer com tal dizer-se que, com a nova redação deste artigo, as partes:
a) têm liberdade para fixar a não renovação do contrato - o que é permitido pela oração “Salvo estipulação em contrário.
b) Caso prevejam a sua renovação, e agora de forma imperativa, esta terá de ser igual ao período do contrato ou de 3 anos, caso este seja inferior”.
Defendemos, sufragando o entendimento deste referido acórdão que o artigo 1096º, nº 1, do CC, sujeita imperativamente a um período mínimo de (nova) duração do contrato no caso de renovação, desde que as partes tenham acordado essa renovação, o qual nunca poderá ser inferior a três anos, podendo ser superior no caso de o contrato ter convencionado período de renovação superior a três anos.
1.2.2
Seguiram a posição contrária como elenca o referido acórdão de 15.06.2023 os acórdãos da Relação de Lisboa de 17/03/2022, de proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6, da R.L. de 24/05/2022, nº 7855/20.0T8LRS.L1-7, da R.L. de 10/01/2023 (apud acórdão desta Relação 998/22.3T8PRD.P1) e ainda o acórdão nº 3966/21.3T8GDM.P1- acórdão de 23-03-23 (de que a presente Relatora, foi 2ª adjunta mas cuja posição é agora revista e alterada), todos in www.dgsi.pt, e na doutrina entre outros, Jessica Rodrigues Ferreira, artigo “Análise das principais alterações introduzidas pela Lei n.º 13/2019, de 12 de fevereiro, aos regimes da denúncia e oposição à renovação dos contratos de arrendamento urbano para fins não habitacionais”, in Revista Eletrónica de Direito (RED), fevereiro de 2020, nº 1 (VOL. 21), pág. 82 e seguintes, bem como os Autores aí referidos, em nota (13), disponível em https://cij.up.pt/client/files/0000000001/5-artigo-jessica-ferreira_1584.pdf.
1.2.3
DAQUI PARA O CONCRETO CASO DOS AUTOS.
Está assente que “O contrato de arrendamento para habitação permanente do Réu foi celebrado em 1.03.2016 pelo prazo de 5 anos renovável automaticamente por períodos sucessivos de um ano.
O termo do prazo contratualizado ocorreu em 1.03.2021, pelo que em face do exposto não é de validar a oposição à renovação contratual requerendo a entrega do locado em 28.02.22, comunicada ao Réu pelo senhorio por carta datada de 29/09/2022, uma vez que como se procurou demonstrar a disposição contratual não prevalece sobre o disposto no n.º 1, do artigo 1096.º, do Código Civil na redação da Lei n.º 13/2019.
No caso presente, o contrato de arrendamento habitacional tendo sido celebrado pelo prazo de 5 anos, é este o prazo da renovação a considerar, que não outro. Consequentemente, a oposição à renovação comunicada pelo senhorio não é válida para a data para que foi comunicada.
Merece acolhimento o recurso. SEGUE DELIBERAÇÃO:
PROVIDO O RECURSO. REVOGADA A SENTENÇA. IMPROCEDE A AÇÃO ABSOLVENDO-SE O RÉU DO PEDIDO.
Custas pelo Autor.

Porto, 8 de fevereiro de 2024
Isoleta de Almeida Costa (com a declaração de ter revisto a posição assumida como 2ª adjunta no Processo nº 3966/21.3T8GDM.P1- acórdão de 23-03-23)
Ana Vieira
Isabel Rebelo Ferreira [(VENCIDA CONFORME DECLARAÇÃO DE VOTO QUE SEGUE).
DECLARAÇÃO DE VOTO:
Conforme decidido no acórdão proferido no Processo nº 3966/21.3T8GDM.P1, do qual fomos relatora (publicado em www.dgsi.pt), e pelas razões aí aduzidas, perfilhamos o entendimento de que a norma constante do art. 1096º, nº 1, do Código Civil, respeitante à renovação automática dos contratos de arrendamento para habitação com prazo certo, é de natureza supletiva, mesmo na sua redação atual, introduzida pela Lei nº 13/2019, de 12/02.
Sendo assim, entendemos que nada impedia a fixação do prazo de um ano para a renovação do contrato dos autos, pelo que concordamos com a decisão recorrida, que confirmaríamos, negando provimento ao recurso.]