Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
38991/13.9YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
APROVAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO
ACÇÕES PENDENTES
Nº do Documento: RP2019060438991/13.9YIPRT.P1
Data do Acordão: 06/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º896, FLS.14-21)
Área Temática: .
Sumário: I - Na previsão do art. 17º-E, nº 1 do CIRE é abrangida qualquer ação judicial – declarativa ou executiva - destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da atividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património.
II - Aprovado e homologado, no âmbito de processo especial de revitalização, o respetivo plano de recuperação, a instância deverá ser extinta no que concerne a uma ação declarativa em que se visa o reconhecimento de um direito de crédito resultante de um contrato de subempreitada celebrado pelo devedor.
III - Porém, tal já não sucederá se, nesse plano, de acordo com a ressalva da parte final do art. 17º, nº 1 do CIRE, estiver previsto o prosseguimento das ações declarativas que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre o devedor.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 38991/13.9YIPRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Central Cível do Porto – Juiz 3
Apelação
Recorrente: Massa Insolvente de “B…, S.A.”
Recorrida: “Sociedade C…, S.A.”
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Com data de 17.10.2018 foi proferido o seguinte despacho judicial (fls. 704/705):
“Conforme certificado a fls. 632v a 651v a aqui ré Soc. C…, S.A. recorreu ao Processo Especial de Revitalização, previsto nos artigos 17ºA a 17ºI do CIRE aditados pela Lei nº 16/2012 de 20/4, tendo sido proferida sentença de homologação do plano de recuperação devidamente transitada em julgado.
De acordo com o disposto no art. 17º E nº 1 do CIRE “a decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do art. 17ºC obsta à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as acções em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.”
Conforme consta do despacho proferido a fls. 519, considerou-se aplicável tal preceito legal, por se considerar que nesta acção a Autora, pretende cobrar dívidas da Ré, sendo que o entendimento jurisprudencial maioritário é no sentido de que no conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido (cfr., entre outros, Ac STJ de 17/11/2016, Proc. nº 43/13.4 TTPRT.P1.S1, Ac RP de 16/11/2015, Proc. nº 8176/11.5 TBMTS.P1, Ac RP de 16/5/2016, Proc. nº 2964/14.8 TBVNG-A.P1, www.dgsi.pt.).
O plano homologado vincula todos os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações, nos termos do art. 17º-F, nº 6, pelo que, “para os credores que não tenham intervindo – nomeadamente reclamando os seus créditos – isto implica estão ainda assim vinculados nos exactos termos constantes do plano. Se o plano contemplar pagamentos por categorias de créditos ou credores aplicar-se-á o previsto para a categoria respectiva” (Fátima Reis Silva, Processo Especial de Revitalização, p. 67).
Da leitura do Plano aprovado e junto aos autos, ressalta uma destrinça quanto aos efeitos legais sobre as acções pendentes (ver fls. 693), quanto às acções declarativas que têm em vista o reconhecimento de créditos e às acções pendentes à data da apresentação a PER destinadas à cobrança de créditos, prevendo-se que quanto às primeiras essas acções deverão prosseguir e quanto às segundas deverão ser consideradas extintas, gerando uma confusão desnecessária, para mais quando não identifica as acções pendentes instauradas contra a aqui Ré.
Ora, não constando especificamente do Plano aprovado que esta acção em concreto deve prosseguir, ao abrigo da prerrogativa prevista na parte final do art. 17º-E nº 1 do CIRE e, perfilhando-se o entendimento acima mencionado de que no conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido, a presente acção é uma das que se extingue com a homologação do PER.
Pelo exposto, perante a sentença homologatória do plano de recuperação da aqui Ré, transitada em julgado, julga-se extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo dos art. 17º-E, nº 1 do CIRE e art. 277º al. e) do CPC.
Custas a meias (art. 536º nº 1 e 2 al. e) do CPC).
Not.”
Inconformada com este despacho, dele interpôs recurso de apelação a autora Massa Insolvente de “B…, SA” que finalizou as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª Desde logo, cumpre esclarecer que, relativamente às acções pendentes, o Plano de Revitalização apresentado pela R. no âmbito do seu Processo Especial de Revitalização nº 4689/17.3 T8VNG-J2, que corre termos no Tribunal da Comarca do Porto/Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia estabelece que,~
“ (…)
D. EFEITOS LEGAIS SOBRE AS AÇÕES PENDENTES
Todas as ações declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do nº 1, do artigo 17º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às ações pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto de Segurança Social, I.P.) – e que se encontram suspensas – serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.
(…)”
2ª Isto dito e com o devido respeito, a aqui A./recorrente – ela própria uma Massa Insolvente – não é alheia à interpretação jurisprudencial e doutrinária da abrangência atribuída pelo legislador à expressão “acção para cobrança de dívida”.
3ª Contudo, face à redacção apontada pelo texto do Plano de Revitalização, compete aos tribunais desenvolver um labor interpretativo para uma aplicação mais satisfatória do Direito – do dever que todos têm de, resistindo à solução (fácil) de confinamento ao texto positivo, “resolver” o sistema jurídico à procura da leitura mais adequada das normas – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no processo de revista (comércio) nº 8074/16.6 T8CBR-D.C1.S2, em que foi relatora a Juiz Conselheira Catarina Serra.
4ª Assim, impunha-se que o Tribunal a quo tivesse feito uma interpretação adequada da tessitura do Plano de Revitalização, relevando a dicotomia introduzida pela própria R./recorrida no mesmo entre “ações declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…” e “ações pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto de Segurança Social, I.P.)”.
5ª Destarte, o Tribunal a quo entendeu englobar tudo isso na extinção resultante do aludido “confinamento ao texto positivo” das “acções para cobrança de dívidas”. Ora:
6ª Se é verdade que o art. 17º-E nº 1 do CIRE estabelece que “durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as acções em curso (…), extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação”
7ª Tal efeito regra é contrariado pela excepção contida na parte final daquele normativo de que “salvo quando este preveja a sua continuação.”
8ª Por sua vez e conforme supra referido, verdade é que o Plano de Revitalização homologado prevê expressamente que “Todas as ações declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do nº 1, do artigo 17º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.”;
9ª Para em oposição, referir que “No que respeita às ações pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto de Segurança Social, I.P.) – e que se encontram suspensas – serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.”.
10ª Ou seja e como se vê, neste último caso, a ali revitalizanda, aqui R./recorrida alude precisamente às execuções, das quais exclui aquelas relativas às dívidas fiscais e da Segurança Social.
11ª Assim, temos que:
a. as acções declarativas – como o é a destes autos, que se destina ao reconhecimento de um crédito e não à sua cobrança – deverão prosseguir os seus termos e;
b. as acções executivas – ou na terminologia usada no Plano, as acções destinadas à cobrança de créditos – serão extintas.
12ª Tal distinção tem obviamente a sua razão de ser:
a. as acções declarativas deverão prosseguir, até porque o fundamento do não reconhecimento dos créditos, nomeadamente da aqui A./recorrente no PER, é precisamente a pendência de tais acções, cujo desfecho determinará que se aplicam “a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza” e;
b. as acções executivas deverão ser extintas, porque os pagamentos serão realizados no âmbito do plano de pagamentos aprovado e homologado.
13ª Na verdade, veja-se que esse mesmo Tribunal da Relação do Porto – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, datado de 13.09.2018, no processo de apelação nº 4689/17.3 T8VNG.P1, em que foi relator o Juiz Desembargador Carlos Portela – na apreciação dos recursos da sentença acerca das impugnações da lista provisória de créditos estabeleceu precisamente que:
“(…)
Sumário (cf. art. 663º, nº 7 do CPC):
1. O processo especial de revitalização (PER) não constitui uma modalidade do processo de insolvência, constituindo antes o meio que se destina a evitar que o credor chegue à situação de insolvência e, nessa medida, visa satisfazer os interesses do credor, mas também o dos seus credores.
2. As impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material.
3. O PER atenta a sua natureza célere, não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor.
4. Por isso, o PER sendo um processo que se quer simples, célere e ágil, pressupõe que as decisões sobre as reclamações de créditos sejam fundamentalmente perfunctórias e baseadas em prova documental.
14ª A não ser assim e se fazendo letra morta da distinção realizada no Plano de Revitalização todas as acções pendentes cabem na alçada das “acções para cobrança de dívida”, gostava a aqui A./recorrente de ver esclarecido – já que a tal não se propôs a insolvente e também não consta da fundamentação da sentença recorrida – quais são as “acções declarativas [e muito menos os procedimentos cautelares, já que não se conhecem procedimentos cautelares destinados ao reconhecimento de crédito] que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…” e que “deverão prosseguir os seus termos ??? Senão a presente acção !!!
15ª O que não se pode admitir e legitima o presente recurso, por manifesta e mais elementar injustiça, é que a aqui A./recorrente se quede duplamente desprotegida:
a. seja porque vê o seu crédito não reconhecido no PER por força da pendência de tais acções, com a indicação jurisprudencial de que “2. As impugnações de que sejam alvo os créditos incluídos pelo administrador judicial na lista provisória de créditos e as decisões que sobre essas reclamações recaírem não operam caso julgado material. O PER atenta a sua natureza célere, não tem como finalidade dirimir litígios sobre a existência, natureza ou amplitude dos créditos dos credores perante o devedor. E;
b. seja porque vê a acção que poderia dirimir tal litígio extinta, sem ser proferida qualquer decisão de mérito.
16ª Em suma e pelo que resulta supra exposto, o Plano de Revitalização apresentado pela requerida no âmbito do Processo Especial de Revitalização nº 4689/17.3 T8VNG-J2, que corre termos no Tribunal da Comarca do Porto/Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, o qual prevê o prosseguimento dos autos, pelo que:
17ª Concluindo, pela procedência do presente recurso, deverá ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que ordene o prosseguimento dos presentes autos.
Não consta dos autos a apresentação de contra-alegações.
Cumpre então apreciar e decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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A questão a decidir é a seguinte:
Apurar se, face ao teor do plano de recuperação relativo à ré, aprovado e homologado, foi correta a decisão da 1ª Instância no sentido de julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, ao abrigo dos arts. 17º-E, nº 1 do CIRE e 277º, al. e) do Cód. de Proc. Civil.
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Para além do que consta do antecedente relatório, são ainda relevantes para o conhecimento do presente recurso os seguintes elementos processuais:
1. Em 18.3.2013 a autora Massa Insolvente de “B…, S.A.” intentou requerimento de injunção contra “D…, S.A.” no valor de 1.194.812,15€, acrescido de juros moratórios, valor esse respeitante a trabalhos, não pagos, efetuados pela insolvente no Centro Comercial E… no âmbito de um contrato de subempreitada que envolveu as duas empresas.
2. A sociedade “D… – Sociedade de Construções, S.A.” foi incorporada por fusão na “Sociedade de Construções C…, S.A.”.
3. Por despacho proferido em 5.9.2016 a instância foi declarada suspensa em virtude da ré “C…, S.A.” ter apresentado processo especial de revitalização.
4. Em 9.10.2017 foi novamente suspensa a instância em virtude de ter sido apresentado pela ré “C…, S.A.” novo processo especial de revitalização.
5. Em 12.2.2018 foi homologado o plano de recuperação apresentado pela “C…, S.A.” com vista à sua revitalização, do qual consta o seguinte relativamente aos efeitos legais sobre as ações pendentes:
“Todas as ações declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do nº 1, do artigo 17º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às ações pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto de Segurança Social, I.P.) – e que se encontram suspensas – serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.”
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Passemos à apreciação jurídica.
1. Na decisão recorrida, acima transcrita na íntegra, a Mmª Juíza “a quo”, apoiando-se no texto do plano de recuperação homologado e aprovado para a “C…, S.A.” e no disposto no art. 17º-E, nº 1 do Cód. da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), julgou extinta a presente instância por impossibilidade superveniente da lide.
Dispõe-se o seguinte neste artigo:
«1. A decisão a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo 17º-C[1] obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja homologado e aprovado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação
Este preceito tem dado lugar a interpretações dissonantes, na jurisprudência e na doutrina, no que toca à expressão «ações para cobrança de dívidas», entendendo uns que abrange apenas as ações executivas e considerando outros que abarca igualmente ações declarativas.
Na doutrina, Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis (in “PER, O processo especial de revitalização, 2014, Coimbra Editora, págs. 97/99) consideram que a “expressão acções para cobrança de dívidas a que se refere o artigo 17.º-E, n.º 1, abrange apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa (e as demais execuções sempre e quando se verifique a conversão das mesmas nos termos previstos no artigo 867.º ou 869.º do Código de Processo Civil) e os procedimentos cautelares antecipatórios das acções que deveriam ser suspensas ao abrigo do citado normativo legal. Encontram-se excluídas, pois, do âmbito de aplicação do nº 1 do artigo 17.º-E, as acções declarativas, as acções executivas para entrega de coisa certa, as acções executivas para prestação de facto e a generalidade dos procedimentos cautelares”.
Prosseguindo, sublinham que “(…) “a expressão utilizada – cobrança de dívidas – remete-nos imediatamente para uma acção destinada a obter o pagamento coercivo duma quantia pecuniária. Aliás, a expressão cobrança de dívidas é habitualmente utilizada ou encontra-se associada à realização coactiva de uma prestação em dinheiro (…)”.
E acrescentam que a diferente redação utilizada nos artigos 17º-E e 88º do CIRE (mais restritiva no primeiro caso) leva a concluir que se pretendeu limitar a aplicação da norma aqui em apreço às ações executivas para cobrança de dívida, deixando de fora as acções declarativas, até porque apenas “as acções executivas para pagamento de quantia certa podem ser consideradas como verdadeiras acções para cobrança de dívida para os efeitos do artº 17º-E, nº 1” .
Em suma, estes autores excluem do âmbito de aplicação do art. 17º-E, nº 1 as ações declarativas, as execuções para prestação de coisa e de facto, e a generalidade dos procedimentos cautelares, sendo nele abrangidas apenas as ações executivas para pagamento de quantia certa e os procedimentos cautelares antecipatórios de ações que deveriam ser suspensas ao abrigo deste normativo legal.
Em sentido semelhante se pronuncia Maria do Rosário Epifânio (in “O Processo Especial de Revitalização”, 2016, Almedina, págs. 32/34 e “Manual de Direito de Insolvência, 7ª ed., Almedina, págs. 427/430) sustentando que no art. 17º-E, nº 1 estão abrangidas apenas as ações executivas, ou as diligências executivas e ainda as providências cautelares de natureza executiva, propostas contra o devedor, e respeitantes a quaisquer dívidas, adiantando, porém, que essa abrangência abarca quaisquer ações executivas para cobrança de dívidas: prestação de coisa ou de facto, prestação de quantia em dinheiro ou de outra coisa.[2]
Pugnando por solução diferente Carvalho Fernandes e João Labareda (CIRE Anotado, 2ª ed., Quid Juris, págs. 164/165) entendem que “o despacho em questão obsta à instauração de quaisquer novas ações dirigidas à cobrança de dívidas pelas quais responde o devedor; além disso, importa a suspensão das que estiverem em curso com idêntica finalidade, incluindo os processos em que tenha já sido proferida sentença declaratória.
Apesar das similitudes com as soluções do artigo 88.º, n.º 1, são manifestas, várias e significativas as diferenças, para que importa advertir”.
E mais à frente: “... diferentemente do que ocorre em sede de processo de insolvência, a paralisação aqui determinada abrange todas as acções para cobrança de dívidas e não apenas as executivas, incluindo-se, assim, as ações declarativas condenatórias. Mas comunga com ele o facto de se abrangerem também ações com processo especial e procedimentos cautelares.”
Também Menezes Leitão (in “Direito de Insolvência”, 8ª ed., págs. 343/344, nota 449) sustenta que a melhor posição é a de que, no âmbito do art. 17º-E, nº 1, são abrangidas todas as ações destinadas à cobrança de dívidas, sejam elas declarativas ou executivas, e independentemente da natureza da dívida.[3]
Numa orientação próxima João Aveiro Pereira (in “O Direito” 145, I-II, pág. 24) defende que o art. 17º-E, nº 1 abrange tanto ações declarativas como executivas, mas apenas se forem relativas a obrigações pecuniárias.
Já na jurisprudência, conforme se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5.1.2016 (proc. 172724/12.6 YIPRT.L1.S1, relator Nuno Cameira, disponível in www.dgsi.pt.) é amplamente dominante o entendimento de que a expressão “ações para cobrança de dívidas” abrange qualquer ação judicial – declarativa ou executiva - destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito resultante da atividade económica do devedor e que, por isso, contenda com o seu património.[4] [5] [6]
Tal como se entendeu neste acórdão do nosso mais alto tribunal, cremos não haver razões suficientemente convincentes para nos afastarmos do entendimento maioritário que tem sido adotado pela jurisprudência nacional.
Por elucidativa, passaremos a seguir a sua argumentação:
“(…) Assim, e desde logo, parece-nos claro que esta interpretação é a única que se adequa e mostra inteiramente compatível com o objectivo do legislador ao instituir o PER, já acima posto em relevo, e que se traduziu, como bem explica Maria Rosário Epifânio, citando a exposição de motivos da Proposta de Lei nº 39/XII, de 30/Dezembro/11, na pretensão de este mecanismo legal se assumir como “uma solução, em si mesma, eficiente no combate ao desaparecimento de agentes económicos, visto que cada agente que desaparece representa um custo apreciável para a economia, contribuindo para o empobrecimento do tecido económico português, uma vez que gera desemprego e extingue oportunidades comerciais que, dificilmente se podem recuperar pelo surgimento de novas empresas”[7]
Sendo este o objectivo fundamental do PER, é lógico e perfeitamente razoável que durante o período das negociações para a revitalização - período, de resto, muito curto, por imposição do artº 17º-D, nº 5, já que não pode exceder três meses, prazo este peremptório e preclusivo, conforme decidiu o STJ no seu acórdão de 17/11/15, acessível em www.dgsi.pt - os credores fiquem impedidos de propor ou fazer prosseguir quaisquer acções, sejam elas declarativas ou executivas, contra o devedor, e que essas acções se extingam logo que seja aprovado e homologado o PER (dentro do referido prazo, bem entendido.
Depois, e como bem se pondera no acórdão da Relação de Lisboa de 21/11/12 (Procº 1290/13.4TBCLD.L1-2)[8], “Nos termos da norma legal que prevê a suspensão das ações em curso, por efeito da comunicação da pretensão do início das negociações do devedor com os credores, para a recuperação económica daquele, não se surpreende qualquer distinção entre acções declarativas e executivas instauradas contra o devedor, não devendo também o intérprete distinguir onde o legislador não distinguiu.
Para além do legislador não poder ignorar a existência das espécies de ações, consoante o seu fim, também, por outro lado, não pode o intérprete desprezar o efeito na vida do devedor, nomeadamente de uma sociedade comercial, provocado pela negação da suspensão da acção, depois de iniciado o processo especial de revitalização.
Destinando-se este processo a concluir um acordo do devedor com os credores, de modo a possibilitar a recuperação económica do primeiro, esta finalidade ficaria seriamente comprometida se qualquer credor pudesse continuar a exigir judicialmente os seus créditos.
Com efeito, não será prudente olvidar a intenção declarada do legislador, ao instituir o processo especial de revitalização, de permitir ao devedor, com o acordo total ou maioritário dos credores, a sua recuperação da situação económica difícil, caracterizada pela dificuldade séria em cumprir pontualmente as suas obrigações.
Por outro lado, tal acordo, depois de homologado judicialmente, vincula todos os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações com o devedor (art. 17.º-F, n.º 6, do CIRE).
Ora, se qualquer acção contra o devedor não fosse suspensa, estar-se-ia privilegiar, sem razão justificativa, um credor, sendo certo que o objetivo do legislador consistiu em proporcionar condições para a recuperação económica da empresa, com um tratamento igualitário dos credores. Se a pretensão da recuperação económica do devedor, encontrado numa situação económica difícil ou de insolvência meramente iminente, é iniciativa daquele, já a viabilização da recuperação cabe aos credores, sendo certo que, pelas relações económicas estabelecidas com o devedor, estão em condições privilegiadas para o fazerem e, por essa via, poderem salvaguardar, porventura de forma mais eficaz, a solvabilidade dos seus créditos, para além de outras vantagens sociais relevantes.
Nestes termos, e levando em consideração as regras de interpretação da lei, consagradas no art. 9.º do Código Civil, a suspensão das ações prevista no n.º 1 do art. 17.º-E do CIRE prevê qualquer acção judicial destinada a exigir o cumprimento de um direito de crédito, resultante do exercício da atividade económica do devedor”.
Claro está que as precedentes considerações, expostas a propósito das acções – declarativas e executivas – que se suspendem, valem inteiramente, mutatis mutandis, para aquelas que se extinguem, conforme previsto na norma em análise (…).
Em terceiro lugar, embora se reconheça que o legislador não foi muito feliz na formulação que adoptou, e que se impunha uma redacção menos ambígua do preceito, também se afigura claro que a circunstância de não ter distinguido entre acções declarativas e executivas, nos moldes previstos no artº 4º do CPC então em vigor (a que corresponde o artº 10º do CPC actual), indicia, por si só, que no artº 17º-E, nº 1, houve a pretensão de incluir ambos os tipos de acções, desde que visem a cobrança de dívidas contra o devedor (como, manifestamente, se verifica na hipótese dos autos). É de notar, aliás, que o preceito fala na sua segunda parte em “acções com idêntica finalidade” sem se referir à espécie de acção, mas à sua finalidade concreta – “cobrança de dívidas” – o que bem se compreende porque são as acções com este objectivo aquelas que, sem qualquer dúvida, podem atingir mais profunda e irreversivelmente o património do devedor que com o PER se pretende “resgatar” da insolvência iminente.
Finalmente, sem prejuízo do que antecede, deve ainda dizer-se que não é necessário um grande esforço do intérprete – quer dizer, não se lhe exige que, contra as regras fundamentais da interpretação das leis contidas no artº 9º, nºs 1 a 3, do CC, chegue ao ponto de considerar um pensamento legislativo sem um mínimo de ressonância na letra da lei – para se poder afirmar com relativa segurança que nas acções para cobrança de dívidas se incluem acções declarativas, além das executivas; pelo menos aquelas cuja finalidade é a de obter a condenação do devedor numa prestação pecuniária cabem sem dificuldade na designação que o legislador adoptou no artº 17º-E, nº 1, do CIRE, na exacta medida em que, ao fim e ao cabo, obtida sentença favorável, seguir-se-á, logicamente, o pagamento/cobrança - voluntário ou coercivo - do crédito reconhecido.”
2. Seguindo este entendimento jurisprudencialmente maioritário, e do qual, como já atrás referimos, não vemos motivo para dissentir, é de concluir que a presente ação declarativa, na qual se pretende a condenação da ré “C…, S.A.” no pagamento da quantia de 1.194.812,15€, acrescida de juros moratórios, quantia essa respeitante a trabalhos, não pagos, efetuados pela autora no Centro Comercial E… no âmbito de um contrato de subempreitada que envolveu as duas empresas, se encontra abrangida pela expressão “ações para cobrança de dívidas”, cabendo, por isso, na previsão do art. 17º-E, nº 1 do CIRE.
Assim, numa primeira abordagem, a decisão recorrida que, ao abrigo deste preceito legal, decidiu julgar extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide mostrar-se-ia acertada.
Sucede, porém, que na parte final do dito art. 17º-E, nº 1 salvaguardam-se da extinção da instância todas as ações em que, embora cabendo no seu âmbito de aplicação, a sua continuação esteja prevista no plano de recuperação.
Ora, no plano de recuperação apresentado pela “C…, S.A.” com vista à sua revitalização, homologado em 12.2.2018, consignou-se o seguinte relativamente aos efeitos legais sobre as ações pendentes:
“Todas as ações declarativas e procedimentos cautelares que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a C…, deverão prosseguir os seus termos, ao abrigo da prerrogativa legal prevista no disposto na parte final do nº 1, do artigo 17º-E, do CIRE, aplicando-se a tais créditos, uma vez reconhecidos, os termos previstos no Plano para créditos de igual natureza.
No que respeita às ações pendentes à data da apresentação a PER, destinadas à cobrança de créditos (com exceção das execuções fiscais e das execuções por dívidas ao Instituto de Segurança Social, I.P.) – e que se encontram suspensas – serão consideradas extintas logo que seja aprovado e homologado o presente Plano, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º-E, nº 1, do CIRE.”
Desta redação decorre que, no tocante às ações declarativas que têm em vista o reconhecimento de créditos sobre a “C…, SA”, o Plano de Recuperação, apoiando-se inclusive na ressalva constante da parte final do nº 1 do art. 17º-E, prevê expressamente que as mesmas prossigam os seus termos, o que se compreende, porquanto o fundamento para o não reconhecimento dos créditos é precisamente a pendência de tais ações, cujo desfecho determinará então que se apliquem a esses créditos os termos previstos no Plano para aqueles que tenham igual natureza.
Já no que tange às ações destinadas à cobrança de créditos que, face ao modo como está redigido o Plano, se deverão restringir às ações executivas, das quais deverão ser excluídas as relativas a dívidas fiscais e à Segurança Social, as mesmas serão de considerar extintas, até porque os pagamentos respetivos serão realizados no âmbito do plano de pagamentos aprovado e homologado.
Aliás, se não se fizesse esta destrinça, e se se aderisse ao entendimento jurisprudencial maioritário sem curar de apurar se o mesmo se adequa ao concreto texto do plano de recuperação, como se fez na decisão recorrida, a questão que então se colocaria era a de saber quais as ações declarativas que, tendo em vista o reconhecimento de créditos, deverão prosseguir os seus termos.
Com efeito, na perspetiva adotada pela 1ª Instância, todas as ações declarativas que tivessem como finalidade o reconhecimento de créditos seriam de subsumir ao segundo parágrafo do segmento do plano aqui em apreciação, o que implicaria a sua extinção, ficando assim vazio de conteúdo, e transformado em letra morta, o seu primeiro parágrafo que se reporta àquelas que deviam prosseguir a sua tramitação.
Por isso, cremos que o único entendimento compatível com o texto do Plano de Recuperação é o sustentado pela autora/recorrente que defende e, a nosso ver, bem que as ações declarativas que se destinam ao reconhecimento de créditos deverão prosseguir a sua tramitação.
Acontece que com a presente ação, conforme já se referiu, visa-se a condenação da ré no pagamento de uma quantia pecuniária respeitante a trabalhos, não pagos, efetuados pela autora no Centro Comercial E… no âmbito de um contrato de subempreitada que envolveu a “B…, SA” e a “D…, SA” depois englobada, por fusão, na “C…, SA”, donde flui que estamos perante uma ação declarativa que tem em vista o reconhecimento de créditos e que, face ao teor do Plano e à ressalva prevista na parte final do art. 17º-E, nº 1 do CIRE, deve prosseguir os seus termos, o que implica o êxito do recurso interposto e a revogação da decisão recorrida.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. de Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela autora Massa Insolvente de “B…, Lda.” e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, determinando-se o prosseguimento dos autos.
Sem custas.
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Porto, 4.6.2019
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] Trata-se do despacho de nomeação de administrador judicial provisório.
[2] No sentido de que apenas as ações executivas estão incluídas na previsão do artº 17º-E, nº 1, cfr. ainda Isabel Alexandre, “Efeitos Processuais da Abertura do Processo de Revitalização”, II Congresso de Direito de Insolvência, pág. 246 e Madalena Perestrelo Oliveira, “Limites da Autonomia dos Credores na Recuperação da Empresa Insolvente”, pág. 47.
[3] Em idêntico sentido, cfr. ainda Ana Prata, Jorge Morais de Carvalho e Rui Simões, “CIRE Anotado”, 2013, pág. 64; Alexandre de Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, pág. 471; e Catarina Serra, “Revitalização – A designação e o misterioso objecto designado. O processo homónimo (PER) e as suas ligações com a insolvência (situação e processo) e com o SIREVE”, I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, 2013, pág. 99.
[4] Neste sentido, para além dos referenciados, cfr., por ex., Ac. STJ de 17.11.2016, proc. 43/13.4 TTPRT.P1.S1, relatora Ana Luísa Geraldes; Ac. Rel. Lisboa de 5.6.2014, proc. 171805/12.0YIPRT.L1.2, relatora Ondina Carmo Alves; Ac. Rel. Coimbra de 19.2.2015, proc. 3105/13.4 TBLRA.C1, relator Moreira do Carmo (com um voto de vencido); Ac. Rel. Coimbra de 27.2.2014, proc. 1112/13.6 TTCBR.C1, relator Ramalho Pinto; Ac. Rel. Coimbra de 23.6.2017, proc. 732/16.1 T8CVL.C1, relator Felizardo Paiva; Ac. Rel. Porto de 15.2.2016, proc. 43/13.4 TTPRT.P1, relatora Maria José Costa Pinto; Ac. Rel. Évora de 25.6.2015, proc. 116428/13.7 YIPRT.E1, relator Mário Serrano; Ac. Rel. Guimarães de 29.1.2015, proc. 5632/12.1 TBBRG.G1, relator Antero Veiga, todos disponíveis in www.dgsi.pt
[5] Em sentido contrário, muito minoritário, defendendo que para os termos do nº 1 do art. 17º-E do CIRE não se deve considerar que as ações declarativas consubstanciam ações para cobrança de dívidas contra o devedor cfr., por ex., Ac. Rel. Lisboa de 11.7.2013, proc. 1190/12.5 TTLSB.L1-4, relator Leopoldo Soares, disponível in www.dgsi.pt.
[6] Defendendo que no art. 17º-E, nº 1 do CIRE são abrangidas apenas as ações declarativas e executivas relativas a obrigações pecuniárias, em sentido estrito, excluindo-se as dívidas de valor cfr., por ex., Ac. Rel. Coimbra de 3.3.2015, proc. 1075/13.8 TBVIS.C1, relator Manuel Capelo e Ac. Rel. Porto de 16.11.2015, proc. 8176/11.5 TBMTS.P1, relator Carlos Gil, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[7] In “O Processo Especial de Revitalização”, 2016, Almedina, pág. 10.
[8] Relator Olindo Geraldes.