Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5857/16.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: COMERCIANTE
EMPRÉSTIMO MERCANTIL
NULIDADE FORMAL
Nº do Documento: RP201809135857/16.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 143, FLS 251-255)
Área Temática: .
Sumário: I - Embora não deixem de ser actos comerciais, celebrados entre o autor e uma empresa comercial, face ao disposto na primeira parte do artº 2º do Código Comercial, os contratos celebrados não são empréstimos mercantis entre duas partes com a qualidade de comerciantes relativamente aos mesmos e daí que não vigora o princípio da consensualidade da forma nos termos do artº 396º do Código Comercial.
II - Não foram celebrados por documento escrito particular assinado pela ré- o primeiro e terceiro- e por escritura pública ou documento particular autenticado- o segundo e quarto - como prescreve o artº 1143º do Código Civil de 1966. Daí que os contratos sejam nulos por vício de forma- artº 220º CC- conforme foi declarado na sentença.
III - Tendo as partes acordado na remuneração dos aludidos empréstimos, mediante o pagamento de juros à taxa de 6%- como a sentença deu como provado nos pontos 8) e 9) e que não foram impugnados- sendo os negócios nulos, não há obrigação da ré de pagar os pretensos juros objecto do pedido formulado na acção.
IV - A ampliação da matéria de facto, que deve até ser efectuada ex officio, importa a anulação da decisão da primeira instância e terá lugar quando tenham sido devidamente alegados ou suscitados no processo factos essenciais ou instrumentais para a boa decisão da causa, de acordo com as normas do CPC vigente, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº2, al. c) parte final.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 5857/16.0T8MAI.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
José Manuel Araújo de Barros
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Sumário:
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I-Relatório:
B..., casado, com domicílio profissional na Rua ..., ..., Frente, Maia, veio intentar a presente acção declarativa, com processo comum contra, C... Ldª, com sede na Rua ..., Zona Industrial ..., Sector ..., Lote .., Maia, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 24.985,48 (vinte e quatro mil e novecentos e oitenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida dos juros de mora que se vencerem desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegou para tal que, a pedido da ré e para financiamento da sua actividade comercial, lhe entregou, em quatro ocasiões entre 23.11.2012 e 06.03.2014, quantias em dinheiro, ficando esta com a obrigação de restituir tais importâncias, em prazo que não foi fixado; foi acordada uma taxa de juros remuneratórios de 9%; a ré pagou as quantias de capital emprestado em duas prestações, até 29.06.2016; não procedeu ao pagamento de qualquer importância a título de juros remuneratórios e daí o montante do pedido.
Devidamente citada, veio a ré contestar pugnando pela improcedência da ação, pedindo que sejam julgados nulos, por inobservância da forma legalmente prescrita, os contratos de mútuo celebrados e, porque foi pago todo o capital emprestado antes da propositura da ação, seja julgada verificada a exceção de impossibilidade ou inutilidade primitiva da lide, o que determina a extinção da instância, nos termos do art. 277º, al. e), do CPC, absolvendo-se a Ré e condenando-se o Autor nas custas do Processo, conforme preceitua o art. 536º, nº 3, 1ª parte, do CPC ou, julgar procedente a exceção dilatória inominada de falta de interesse em agir e absolver a Ré da instância.
Sem prejuízo, mas caso assim não se entenda, pugna pela total improcedência da presente ação e em consequência, ser a Ré absolvida do pedido, dado as mencionadas importâncias em dinheiro entraram nos cofres da sociedade, mas não a pedido da ré, antes pelo seu ex sócio, não gerente, filho do aqui autor, nada tendo a ré a ver com esses empréstimos, pois que não se vinculou a qualquer pagamento; sempre tais empréstimos foram a título gratuito e não foi convencionado prazo para pagamento do capital emprestado e que a haver lugar a juros serão à taxa legal das obrigações civis, porque o autor não tem actividade comercial de concessão de crédito.
Devidamente notificado o autor veio responder às suscitadas exceções, alegando que exerce actividade comercial e que os valores que entregou à ré advieram para si dessa actividade, concluindo pela improcedência das excepções invocadas pala ré.
Procedeu-se à prolação do despacho destinado a identificar o objecto do litígio e a enunciar os temas da prova e à audiência final, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.
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A sentença recorrida considerou como provados os seguintes factos:
1) A vinte e três de novembro do ano de dois mil e doze, o A. emprestou à R. a soma de capital de € 20.000,00 (vinte mil euros).
2) A dezoito de dezembro de dois mil e doze, o A. emprestou à R. a soma de capital de € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros).
3) A nove de dezembro de dois mil e treze, o A. emprestou à R. a soma de capital de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros).
4) A seis de março de dois mil catorze o A. efetuou novo empréstimo à R., desta feita, no montante de capital de € 30.000,00 (trinta mil euros).
5) Os empréstimos foram realizados, a pedido da Ré, que necessitava de financiamento para o desenvolvimento da sua actividade comercial e para fazer face a encargos da mesma.
6) Em onze de abril de dois mil e catorze foi pago ao Autor € 55.000,00 (cinquenta e cinco mil euros) para amortização parcial do capital mutuado.
7) E, em vinte e nove de junho de dois mil e dezasseis, a R. reembolsou o Autor do restante valor de capital que este lhe havia emprestado, ou seja, € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros).
8) Sucede que, pese embora os reembolsos de capital efetuados ao A., não foi este, até à data, pago do valor dos juros remuneratórios dos vários empréstimos que concedeu à R..
9) Provado com o esclarecimento de que foi convencionada entre as partes uma taxa de juro remuneratória de 6% (seis por cento),
10) A Sociedade Ré beneficiou das quantias mencionadas nos itens 1) a 4);
11) Aquando da disponibilização de tais quantias pelo Autor, a Sociedade Ré tinha como sócios:
i)-D..., nif .........; e;
ii)-E..., nif .........; (conforme Doc. 1 que se junta e aqui se dá integralmente reproduzido para todos os efeitos legais).
12) O Sócio E... é filho do aqui Autor;
13) O gerente da Sociedade Ré, era, D...;
14) O gerente da Sociedade Ré, celebrou em nome da sua representada os contratos de mútuo com o aqui Autor, não tendo acordado quaisquer prazos de restituição ou qualquer plano de amortização;
15) Inexiste qualquer documento escrito que titule os mencionados mútuos;
16) O Autor não tem como atividade comercial a concessão de crédito;
17) Os valores deram entrada nos cofres da sociedade;
E considerou não provados estes factos:
- Tais quantias não foram pedidas pela Ré ao Autor;
-Pretendendo a Sociedade ora Ré financiar-se junto da Banca o sócio E... solicitou ao seu pai as quantias mencionadas na p. i.;
-As quais foram disponibilizadas à Ré, a título gratuito, não tendo sido acordado qualquer pagamento de juros;
-O gerente da Sociedade Ré, não celebrou em nome da sua representada quaisquer contratos de mútuo com o aqui Autor, não tendo acordado quaisquer pagamentos de juros.
-Que a taxa de juro tenha sido fixada em 9%.
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Da sentença interpôs recurso o autor, com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso tem por objeto a sentença proferida pelo Tribunal da Comarca do Porto, proferida no âmbito do processo supra mencionado que julgou a ação interposta totalmente improcedente.
B. A sentença em causa desconsiderou factos pertinentes para a justa composição do litígio, ao ignorar factos alegados e sobretudo matéria que foi objecto de interrogatório, designadamente a testemunhas, prendendo-se ela com a qualidade de comerciante do Autor.
C. Essa desconsideração demanda a necessidade de ampliação da matéria de facto, de modo a que dela conste que o Autor é comerciante.
D. O moderno Processo Civil não se basta com a verdade formal, estando antes dominado pela verdade material.
E. Daí que os temas de prova não tenham a estanquicidade que era reconhecida aos quesitos e F. Se tenha atribuído ao Juiz um papel muito interventivo, como resulta nomeadamente do artigo 5º, n.º 2 do Cód. Processo Civil.
G. Consequentemente e tendo tal questão sido debatida na audiência de julgamento e sobre ela recaindo, entre outras, as respostas das testemunhas acima referidas, impõe-se tal ampliação.
H. Aliás, ela até resulta do facto de o Tribunal “a quo” afirmar que resultou da audiência de julgamento que o autor é empresário.
I. A ampliação em causa vai de encontro à justiça material, impondo decisão diversa da acolhida na douta sentença.
Sem prescindir:
J. A sentença recorrida violou o disposto nos artigos 1º, 2º, 99º e 396º do Código Comercial e ainda o artigo 9º, n.º 3 do Código Civil, K. Já que, por força de tais normas, não é necessário que todas as partes outorgantes de um mútuo sejam comerciantes para que ele seja considerado mercantil.
L. Pode até não o ser nenhuma delas, facto que manifestamente não ocorre no caso sub judicie,
M. Pois dúvidas não existem quanto ao facto de a Ré ser comerciante.
N. Sendo tal facto manifesto e tendo resultado provado que os montantes emprestados pelo Recorrente à Recorrida se destinaram a fazer face ao seu giro comercial e por causa dele, forçoso é concluir que estamos perante contratos de natureza mercantil e não perante contratos de natureza civil.
O. À mesma conclusão se chega por aplicação da 1ª parte do artigo 2º e do artigo 394º, ambos do Código Comercial.
P. Estipulando, como estipula, o artigo 99º do Cód. Comercial que, ainda que o acto seja mercantil apenas relativamente a uma das partes, todas elas ficam sujeitas à jurisdição comercial, impunha-se concluir que os empréstimos dos autos estavam submetidos a esta lei, assim como as partes neles intervenientes.
Q. Consequentemente que os negócios em causa não estavam sujeitos a obrigações de forma, sendo consequentemente plenamente válidos e eficazes.
NESTES TERMOS DEVE SER AMPLIADA A MATÉRIA DE FACTO OMITIDA NA SENTENÇA, DETERMINANTE PARA UMA MELHOR APRECIAÇÃO DO LITIGIO E CONSEQUENTEMENTE DECLARADA A MERCANTILIDADE DOS MÚTUOS COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.
NÃO OBSTANTE, E NÃO PRESCINDINDO:
DEVE SER DADO PROVIMENTO À APELAÇÃO, REVOGANDO-SE A SENTENÇA, PROFERINDO-SE DECISÃO QUE DÊ PROVIMENTO À AÇÃO EM CONFORMIDADE COM A PROVA PRODUZIDA E COM O DIREITO, POR TAL CONSTITUIR JUDICIOSA JUSTIÇA.
Apresentou contra alegações a recorrida, concluindo pela manutenção do julgado.
Admitido o recurso nesta Relação e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II-Do Recurso:
Os recursos são balizados pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal superior apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e que o tribunal ad quem não aprecia razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo por força do disposto nos artº 8º do diploma preambular.
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II.1-O recorrente pretende claramente impugnar a decisão da primeira instância sobre a matéria de facto, conforme resulta das conclusões B. e C.
O artº 640º, nºs 1 e 2 NCPC impôe ao apelante ónus rigorosos, cujo incumprimento acarreta a imediata rejeição do recurso, como expressamente ali se diz, sem possibilidade de convite ao aperfeiçoamento das conclusões – conforme vem sendo entendimento dominante da doutrina e da jurisprudência, quer no âmbito da versão do CPC introduzida pela Lei 41/13, quer no âmbito da versão anterior (redacções do DL 329-A/95, de 12.12 e do DL 303/07, de 24.08).
O apelante pretende que esta Relação dê como provada a sua qualidade de comerciante, sem concretizar esse conceito e que diz ter alegado na resposta à contestação. Entende que tal resultou provada em audiência de julgamento. Nas conclusões de recurso, o autor não indica os meios de prova em que funda essa alteração, mas indica para tal, no corpo das alegações recursivas e transcreve parcialmente, os depoimentos de duas testemunhas que foram gravados em registo áudio e cuja localização indica.
A jurisprudência maioritária do STJ é no sentido de que a indicação dos concretos meios de prova em que assenta a impugnação da matéria de facto pode apenas constar do corpo das alegações de recurso e não constarem integralmente nas conclusões recursivas, exigindo-se que nestas constem os demais ónus expressos naquela norma legal, já que é por elas que se delimita o âmbito do recurso – nº 4 do artº 635º do NCPC- uma vez que a intervenção do Tribunal da Relação não é nessa parte oficiosa. Sintetiza-se tal entendimento jurisprudencial no seguinte trecho do Acórdão do STJ de 23.02.10, in wwwdgsi.pt:
Não se exige que o recorrente, nas conclusões, reproduza o que alegou acerca dos requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas uma complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara no corpo alegatório. Mas, esta consideração não dispensa o recorrente de fazer alusão àquela questão que pretende ver apreciada, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados, de modo a que ao ler as conclusões das alegações resulte inquestionável que o recorrente pretende impugnar o julgamento da matéria de facto.”
Assim, admite-se o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, dessa questão se tratando de seguida.
O apelante apelida esta pretendida alteração da matéria de facto que esta Relação deve efectuar, nos termos do artº 662º, nº1 e 640º NCPC, de “ampliação da matéria de facto” pertinente para a boa decisão da causa. Lavra em confusão involuntária ou voluntária que torna confusa a alegação recursiva e que deveria ser clara, nos termos do disposto nos artºs 637º, nº 2, 639º, nº1 e 8º NCPC.
A ampliação da matéria de facto, que deve até ser efectuada ex officio, importa a anulação da decisão da primeira instância e terá lugar quando tenham sido devidamente alegados ou suscitados no processo factos essenciais ou instrumentais para a boa decisão da causa, de acordo com as normas do CPC vigente, ao abrigo do disposto no artº 662º, nº2, al. c) parte final.
Ora, tal ocorreria se houvessem factos essenciais alegados pelo autor no articulado próprio, que era petição inicial, integrantes da causa de pedir, que não tivessem sido incluídos nos temas da prova- artºs 5º, nº 1, 552º, nº1, al. d) e 596º, nº 1, NCPC. Tal não ocorreu e o autor não reclamou do despacho que enunciou os temas da prova no que aqui diz respeito- artº 596º, nº 2, NCPC.
Acresce que a alegação da sua qualidade de comerciante não foi realizada com a devida concretização da sua actividade comercial enquanto comerciante em nome individual no articulado próprio (petição inicial), antes uma convicção vaga alegada no artigo 8º do requerimento e não articulado processualmente admissível e relevante para o efeito, de resposta às excepções deduzidas pela ré na contestação.
Somente os factos, enquanto perceptíveis como realidades da vida podem e devem ser considerados pelo tribunal aquando da fixação da matéria provada na sentença e sobre os mesmos ser efectuada a aplicação e interpretação das normas jurídicas pertinentes- artºº 5º, nº1, 552º, nº1, al. d) e 607º, nºs 3 e 4 NCPC.
Relevante é ainda dizer que a qualidade de comerciante individual do autor, para efeitos de integrar a norma do artº 13º, 1º, do Código Comercial vigente e a qualidade de empresa comercial, importava a prova da prática comercial de empréstimos de dinheiro, enquanto profissão do autor. Ora, tal factualidade resultou não provada na sentença sob o ponto 16) e não foi impugnada em sede de recurso.
Nunca assim poderia ser considerada provada por esta Relação a alegada “qualidade de comerciante” do autor, por não ser por si um facto, antes um conceito de direito que para ser considerado deveria vir assente em factos suficientes alegados pelo autor na pi e que já vimos que não foram.
Também nenhuns factos resultam da instrução da causa que sejam complementares de outros essenciais (que não foram alegados pelo autor) e que possam ser tomados em conta por esta Relação para concretizar esse conceito jurídico da qualidade do autor como comerciante relativamente aos empréstimos em dinheiro à sociedade comercial ré e que resultaram provados e que foram pagos- pontos 1) a 7) dos factos provados da sentença. Com efeito, não há factos nesse sentido, admitidos por acordo, provados por documento bastante ou por confissão escrita- artº 607º, nº 4, NCPC.
O que resulta dos depoimentos do filho do autor e do contabilista da F..., transcritos nas alegações do recorrente é que o Autor será eventualmente sócio gerente desta sociedade e daí retira dividendos, o que nem sequer está provado documentalmente pela junção da respectiva certidão do registo comercial. Ignoram-se outras actividades comerciais do alegadamente “empresário” autor, mas seguramente não podem passar legalmente pela concessão de crédito, reservada por lei em Portugal às empresas bancárias e semelhantes. Ignora-se em concreto a proveniência do dinheiro emprestado pelo autor à ré, o que in casu é totalmente irrelevante.
Acresce que se o autor interveio enquanto gerente da referida sociedade não tem a qualidade de comerciante. Na verdade, o art. 13º do C. Comercial ("são comerciantes: 1º as pessoas que, tendo capacidade para praticar actos de comércio, fazem deste sua profissão; 2º as sociedades comerciais") exige, para a qualificação de alguém como comerciante que a pessoa, tendo capacidade para praticar actos de comércio, faça deste profissão. Esta exigência de profissionalidade supõe o exercício do comércio em nome próprio, como geralmente se entende, porque só em nome próprio se exerce uma profissão. É, pois, comerciante "quem exercer profissionalmente o comércio, sendo este um tipo de actividade económica que essencialmente se caracteriza por ser uma actividade de interposição nas trocas, isto é, de mediação entre a oferta e a procura"[1].
Assim, porque o exercício do comércio deve ser profissional, ou seja, é comerciante todo aquele que consagra, total ou parcialmente, a sua actividade à exploração da indústria mercantil, em vista de obter lucros, segue-se que não são comerciantes os gerentes, auxiliares do comércio e caixeiros, enquanto tais"[2].
Como refere Ferrer Correia[3], "a circunstância de ser sócio e gerente de uma sociedade, só por si, não garante a qualidade de comerciante. É que, por um lado, o gerente, enquanto tal, é um mandatário, agindo em nome e no interesse do representado. Por outro lado, as sociedades são pessoas jurídicas diferentes dos sócios (cfr. art. 108º do C. Comercial) pelo que os actos de comércio praticados por estes, como sócios, são actos da pessoa jurídica sociedade. Por isso, quem exerce o comércio é a própria sociedade, não os sócios".(4)
Pelo exposto, improcede a impugnação da matéria de facto da sentença, rejeitando-se o pretendido aditamento/alteração.
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II.1- Questão de Direito:
O pedido formulado nesta acção pelo autor diz respeito apenas ao pretendido pagamento de juros compensatórios do capital que emprestou à ré sociedade, por diversas ocasiões.
Da factualidade provada resulta que os aludidos contratos são actos de comércio pela teoria do acessório[4] e são unilateralmente comerciais (relativamente à ré), porquanto esta é uma sociedade comercial- artº 2º, 13º, nº2 e 394º, todos do Código Comercial.
Ficou provado que o capital emprestado pelo autor foi pago/devolvido pela ré antes da propositura desta acção,
Mais se provou que:
“8) Sucede que, pese embora os reembolsos de capital efetuados ao A., não foi este, até à data, pago do valor dos juros remuneratórios dos vários empréstimos que concedeu à R..
9) Foi convencionada entre as partes uma taxa de juro remuneratória de 6% (seis por cento),
10) A Sociedade Ré beneficiou das quantias mencionadas nos itens 1) a 4)”.
Fundamental para o desfecho da acção é saber se os contratos celebrados são empréstimos mercantis bilaterais, ou seja entre comerciantes. Se o forem admitem todo o género de prova- artº 396º do Código Comercial, independentemente do seu montante. E são retribuídos, através de juros remuneratórios do capital emprestado durante o período da disponibilização do dinheiro até ao seu integral reembolso- artº 395º do mesmo diploma legal.
Ora, perante a factualidade provada e o que supra referimos, os aludidos empréstimos não podem ser qualificados como bilateralmente mercantis, porque o autor não celebrou os contratos enquanto comerciante.
Embora não deixam de ser actos comerciais, celebrados entre o autor e uma empresa comercial, face ao disposto na primeira parte do artº 2º do Código Comercial, não são empréstimos mercantis entre duas partes com a qualidade de comerciantes relativamente aos mesmos e daí que não vigora o princípio da consensualidade da forma nos termos do artº 396º do Código Comercial[5].
Não foram celebrados por documento escrito particular assinado pela ré- o primeiro e terceiro- e por escritura pública ou documento particular autenticado- o segundo e quarto- como prescreve o artº 1143º do Código Civil de 1966. Daí que os contratos sejam nulos por vício de forma- artº 220º CC- conforme foi declarado na sentença.
Tendo as partes acordado na remuneração dos aludidos empréstimos, mediante o pagamento de juros à taxa de 6%- como a sentença deu como provado nos pontos 8) e 9) e que não foram impugnados- sendo os negócios nulos, não há obrigação da ré de pagar os pretensos juros objecto do pedido formulado na acção.
Concorda-se, pois, com o trecho final da sentença que resume a sua conclusão jurídica, quando considera que “Como consequência legal da declaração de nulidade de tais negócios jurídicos, decorre a obrigação de restituir tudo o que tiver sido prestado – artigo 289º, nº 1, do mesmo Código.
Como o montante global emprestado já foi pago e não foi convencionada, pelas partes qualquer prazo de pagamento, a ré nem sequer incorreu em mora no cumprimento das obrigações que lhe estavam adstritas, pois que a confirmar-se a situação de mora no cumprimento, dar-lhe ia direito a juros moratórios (note-se e não remuneratórios) à taxa de 4%, sendo encarados como frutos civis.
Assim, sendo a presente ação não poderá deixar de se considerar improcedente”.
Por tudo isto, improcedem as conclusões recursivas.
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III- Decisão:
Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo autor/recorrente.

Porto, 13/09/2018
Madeira Pinto
Carlos Portela
José Manuel Araújo de Barros
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[1] Ferrer Correia, in "Lições de Direito Comercial", Reprint, Lisboa, 1994, pag. 76.
[2] Abílio Neto, in "Código Comercial, Código das Sociedades, Legislação Complementar", 11ª edição, Lisboa, 1993, pag. 39; Cfr. Acs. STJ de 20/03/70, in BMJ nº 195, pag. 241 (relator campos de Carvalho); de 19/11/87, in BMJ nº 371, pag. 473 (relator Meneres Pimentel); e de 05/12/95, in BMJ nº 452, pag. 337 (relator César Marques).
[3] Ferrer Correia, ob. cit., pags. 87 a 93.
[4] Ver Vasco da Gama Lobo Xavier, Sumários das Lições ao 3º ano jurídico, Coimbra 1977-78, pág. 68 e 69.
[5] Entre tantos, ver Acórdão desta Relação de 06.03.2007 e Acórdão do STJ de 13.10.2011.