Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1527/13.0TBVNG-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: M. PINTO DOS SANTOS
Descritores: EXECUÇÃO
OPOSIÇÃO
HOMOLOGAÇÃO
PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
AVALISTA
EXTINÇÃO POR NOVAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DO AVALISTA
Nº do Documento: RP201409161527/13.0TBVNG-A.P1
Data do Acordão: 09/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O plano de recuperação [aprovado e homologado no PER] contém um conjunto de medidas que se aplicam apenas à sociedade a revitalizar, vinculando-a a ela e aos respectivos credores, mesmo os que não participaram nas negociações; mas não produz efeitos [não vincula] relativamente a terceiros, sejam estes condevedores ou garantes, designadamente avalistas.
II - A norma do nº 4 do art. 217º do CIRE é aplicável, com as necessárias adaptações, por interpretação extensiva, ao plano de recuperação.
III - A homologação do plano de recuperação aprovado não determina a extinção, por novação, da obrigação do avalista perante o credor da sociedade devedora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pc. 1527/13.0TBVNG-A.P1 – 2ª Secção
(apelação)
__________________________________
Relator: Pinto dos Santos
Adjuntos: Des. Francisco Matos
Des. Maria de Jesus Pereira
* * *
Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

Por apenso à execução comum [para pagamento de quantia certa], instaurada pelo B…, SA contra C…, SA e D…, todos devidamente identificados nos autos, deduziu este último, a 20/05/2013, a presente oposição à execução e à penhora, alegando que a 1ª executada, de que o oponente é administrador, apresentou processo especial de revitalização, que nesse processo foi aprovado o plano de recuperação constante do documento junto a fls. 7, que, por via disso, a dívida reconhecida e aceite pelo banco exequente deixou de ser no valor reclamado na execução e passou a ser uma nova dívida, com montante e condições de pagamento diversas da inicial, com a consequente extinção da dívida dada à execução, baseada em livrança subscrita pela 1ª executada e avalizada pelo 2º executado/oponente, pelo que o banco exequente deixou de poder exigir-lhe o pagamento da dívida avalizada.
Além disso, sustentou que o bem móvel penhorado, que é propriedade sua, não pode responder pela dívida exequenda, por causa da referida extinção da sua dívida.
Concluiu pela procedência da oposição à execução e à penhora, com as legais consequências.

O Tribunal «a quo», por despacho de 27/01/2014, indeferiu liminarmente a oposição à execução e à penhora, nos seguintes termos [transcreve-se a parte relevante]:
“(…)
A instauração do PER pela primeira executada em nada modifica a dívida exequenda no que tange ás garantias da mesma, pelo que nada obsta a que nos presentes autos o exequente possa demandar , como demandou o avalista, não se vislumbrando como é que a sua demanda e condenação possa ultrapassar os limites da boa-fé, pois o acordo só foi firmado com a 1ª executada e o exequente dispõe de titulo válido contra o avalista.
Com efeito, não se nos afigura existir qualquer dúvida que o Plano de Recuperação da 1ª executada vincula o exequente, mas apenas no que se refere à exigibilidade do crédito relativamente ao devedor «C..., SA».
O outro executado, garante da responsabilidade assumida pela 1ª executada, ora oponente não está sob tutela do Plano de Recuperação de empresa, logo não pode opôr ao credor a excepção de inexigibilidade temporária do crédito.
Com efeito, o mesmo avalizou uma livrança, assumindo desse modo a obrigação solidária de pagar ao Banco as responsabilidades que para a sociedade subscritora resultavam (artºs 32º e 77º da L.U.L.).
Aparentemente o executado sustenta que, enquanto o credor estiver vinculado pelo PER, não há incumprimento. Mas não lhes assiste razão.
Haver incumprimento há, porque o contrato subjacente – financiamento - não está a ser pontualmente cumprido, tal como convencionado (artº 406º nº 1 do C.C.). O que se passa é que o devedor principal beneficia dum período de carência que inibe o credor de poder exigir o pagamento nos termos convencionados. Mas o PER, só por si, não opera a novação necessária da obrigação de pagamento, pois findo o prazo estabelecido para o Plano de Recuperação, nada inibe o credor que não tenha visto o seu crédito integralmente satisfeito de vir posteriormente exigir o pagamento devido em conformidade com a lei ordinária (artº 798º e ss do C.C.), nomeadamente no caso de incumprimento do plano de pagamentos aprovado.
Portanto, há incumprimento, só que a obrigação não é temporariamente exigível relativamente ao devedor principal.
Assim conclui-se que, ao oponente garante das responsabilidades assumidas pela 1ª executada, não só o Plano de Recuperação se lhe não aplica, como não lhe assiste qualquer fundamento para inibir o credor de exercer os seus direitos de forma legítima.
O oponente está obrigado ao cumprimento do contrato (artº 406º nº 1 do C.C.), não beneficia de qualquer moratória, ou período de carência, e não se pode opôr ao exercício legítimo dos direitos que assistem ao credor.
Por outro lado, também não encontra qualquer fundamento legal a oposição á penhora deduzida, pois se o bem penhorado é pertença de terceiro, como alega o executado, tal não é fundamento para dedução da respectiva oposição, mas antes do respectivos embargos de terceiro por parte do terceiro lesado com o acto da penhora.
Assim sendo, ao abrigo da al. c) do nº 1 do artº 817º do CPC, indefere-se liminarmente o requerimento (…) de oposição á execução e à penhora.
Custas a cargo do executado.
Notifique.”.

Inconformado com o decidido, interpôs o oponente o recurso de apelação ora em apreço, cuja motivação culminou com as seguintes conclusões:
“I. O Apelante/Executado não encontra justificação para o INDEFERIMENTO LIMINAR da Oposição apresentada, a qual, no seu modesto entender, deveria merecer uma «decisão de fundo sobre o mérito da questão apresentada» e não uma «decisão sobre a sua forma de apresentação», que é aquilo a que o «Indeferimento Liminar» se reporta no nosso processo civil;
II. Por outro lado, e quanto ao mérito da causa, a adesão, expressa e explícita da Exequente ao Plano de Pagamentos adotado no PER que corre no tribunal de Comércio de V. N. Gaia é o reconhecer de uma nova dívida, diferente da anteriormente existente entre a Exequente e a Executada C…, S.A.;
III. O Executado D… era avalista da primeira dívida existente;
IV. Não foi convencionado nem expressamente referido que o dito Executado/Avalista se manteria nesta situação (de Avalista) relativamente á nova dívida adotada e aceite expressamente pela Exequente;
V. O banco Exequente emitiu comunicação via email confirmando expressamente a sua adesão às novas condições de pagamento de dívida propostas pela Executada C…, S.A.;
VI. Nessas condições e proposta não constava nem consta a manutenção do Executado D…, aqui recorrente, como avalista na «nova dívida» aceite pelo Banco;
VII. Perante tal factualidade terá, necessariamente, de considerar-se que houve uma NOVAÇÃO da dívida, com a consequente cessação da obrigação de avalista por parte do aqui Executado D…;
VIII. Devendo, como tal, considerar-se o aqui recorrente como «libertado» de tal obrigação;
IX. Ao não decidir de tal forma, - indeferindo liminarmente (!!!) a Oposição à Execução -, este tribunal violou o disposto nos arts. 857º e seguintes do regime da novação do Código Civil;
X. No que concerne à Oposição à Penhora, está demonstrado que o bem penhorado nos autos é propriedade de D…;
XI. O dito D… é EXECUTADO nestes autos;
XII. Assim, a sede e local próprio para o D…, PROPRIETÁRIO E EXECUTADO apresentar a sua defesa nos autos é por «OPOSIÇÃO À PENHORA» e nu(n)ca «MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO»;
XIII. Ao decidir da forma como decidiu, o Tribunal «a quo» viola os mais elementares direitos de defesa do Executado, violando mormente o disposto nos arts. 728º a 733º do Código de Processo Civil.
TERMOS EM QUE, julgadas as presentes alegações Procedentes e revogando a Decisão proferida em 1ª Instância, este tribunal faria inteira Justiça.”.

Não houve contra-alegações.
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II. Objecto do recurso:

Sendo o recurso balizado pelas conclusões das alegações do recorrente e estando vedado a este Tribunal de 2ª instância apreciar e conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, o que «in casu» não acontece, a questão a decidir traduz-se em saber se a oposição à execução e à penhora podia ter sido liminarmente indeferida, como foi, o que passa pela análise das seguintes sub-questões:
● Posição do oponente avalista perante a dívida titulada na livrança subscrita pela 1ª executada;
● Efeitos do acordo relativo ao plano de recuperação estabelecido no processo especial de revitalização intentado pela 1ª executada, particularmente, se acarreta a extinção, por novação, da obrigação do oponente avalista;
● Inexistência de fundamento para a oposição à penhora.
* * *
III. Circunstancialismo fáctico:

Da documentação junta aos autos e do alegado na petição desta oposição decorre o seguinte circunstancialismo fáctico, relevante para a apreciação do recurso:
1) O título dado à execução de que esta oposição é dependência é uma livrança subscrita, em 24/02/2012, pela sociedade «C…, SA», na qual esta se obrigou a pagar ao B…, SA [exequente], na data de vencimento, 07/12/2012, a quantia de 25.650,36€.
2) O oponente exarou no local próprio daquela livrança a expressão «Bom para aval ao subscritor», seguida da sua assinatura.
3) A referida execução foi instaurada depois de 07/12/2012 e o ora oponente foi demandado na qualidade de avalista daquela livrança.
4) A «C…, SA», em data não apurada do ano de 2013, mas anterior a 18 de Março, deduziu processo especial de revitalização, no qual apresentou um plano de reestruturação de dívida em que propôs, designadamente, que as «dívidas até 30-11-2012» tivessem uma situação de carência de 2 anos e reembolso em 4 anos com uma remuneração de 6%/ano.
5) O Banco exequente deu o seu assentimento a tal plano.
6) Em 18/03/2013, foi proferido no âmbito do dito processo especial de revitalização o seguinte despacho:
«Nomeio como Exmo. AI Provisório o Sns. Dr. E….
Inicie-se o trato negocial ao qual é feita alusão no art. 17º-C nº 3 a) do CIRE, tudo com as pertinentes comunicações aos autos.
Legais D. N. na presente sede.
VNG, ds».
7) Desconhece-se [porque o oponente não juntou prova] se nesse processo foi proferido despacho de homologação do plano de recuperação/reestruturação.
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IV. Apreciação jurídica:

1. Como consta dos primeiros números do ponto anterior, o oponente, ora recorrente, foi demandado pelo banco exequente na qualidade de avalista da livrança dada à execução, subscrita pela sociedade executada, «C…, SA».
Aquele não questiona a aposição do aval em tal título de crédito, nem a sua qualidade de avalista; sustenta é que tendo a 1ª executada lançado mão do processo especial de revitalização [abreviadamente, PER] e tendo aí havido acordo quanto ao pagamento das dívidas aos respectivos credores, incluindo a subjacente à livrança que o banco exequente deu à execução a que esta oposição está apensa, daí resultou a extinção da dívida exequenda, bem assim, do aval que a garantia, por novação, pois, segundo o oponente, o acordo alcançado no PER, entre a «C…» e o banco exequente/credor, importou a constituição de uma nova obrigação com a consequente extinção da anterior. Daí que, em seu entender e por via dessa novação, a execução deva ser declarada extinta, com a consequente procedência da oposição.
Não foi este, contudo, o entendimento perfilhado pelo Tribunal «a quo», como decorre do despacho de indeferimento liminar da oposição que acima ficou transcrito na sua parte relevante.
Adiantamos já, relativamente à oposição à execução propriamente dita, que a argumentação do recorrente não encontra respaldo na jurisprudência nem na doutrina mais recentes e que bem andou o tribunal «a quo» em não ter acolhido a tese da extinção da dívida exequenda, por novação, invocada por aquele.
Vejamos porquê, analisando, ainda que sucintamente, as funções e principais características das figuras do aval e do plano de recuperação/revitalização.

2. Começando pelo aval – previsto nos arts. 30º a 32º da LULL e extensível à livrança «ex vi» do disposto no último parágrafo do art. 77º da mesma Lei –, diremos que o mesmo se configura como um acto pelo qual uma pessoa que não está obrigada por qualquer razão a pagar um determinado título cambiário [letra, livrança ou cheque] aceita fazê-lo para garantir a responsabilidade de um dos obrigados [na livrança, em regra, do respectivo subscritor].
Trata-se, pois, de “uma garantia cambiária unilateral, não receptícia, abstracta, formal e escrita, espontânea e independente, pode ser parcial e configura um direito literal autónomo” [Acórdão do STJ de 11/12/2012, AUJ nº 4/2013, publicado no DR, 1ª Série, de 21/01/2013].
Destas características do aval relevam sobretudo, no encontro da solução do caso «sub judice», o facto de se tratar de uma garantia, de um acto cambiário e a sua independência/autonomia.
O aval é uma garantia objectiva que se reporta apenas à relação cartular [e não também à relação subjacente] e visa o cumprimento pontual do direito de crédito cambiário, traduzindo-se “na adição (aglutinação) de um novo sujeito a uma ligação objectiva prévia”; o avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança [caso que nos interessa] e “não se vincula com a pessoa, nem com a obrigação avalizada”, já que o aval “é uma garantia de pagamento de uma obrigação que objectivamente emerge do título” [excertos extraídos do AUJ atrás citado].
Por ser também um acto cambiário, “a obrigação que nasce do aval é abstracta, isto é, prescinde da causa na sua relação circulatória” [idem].
É, ainda, independente ou autónoma na medida em que o art. 32º §§ 1º e 2º da LULL “considera válido o aval ainda que a obrigação avalizada seja nula, a menos que a referida nulidade seja puramente formal”, já que o mesmo subsiste e produz os seus efeitos legais “ainda que a obrigação do avalizado seja nula, o que não acontece com a fiança, pois que o vício da obrigação afiançada afecta a fiança civil, convertendo-a em nula ou anulável. Se a obrigação principal está afectada de nulidade absoluta, a fiança também se verá afectada. Ainda que ambas assegurem o cumprimento de dívidas pecuniárias, o aval é uma obrigação autónoma, materialmente, enquanto que a fiança é acessória de outra principal – a fiança não pode constituir-se sem uma obrigação válida. Isto significa que o aval consigna duas obrigações distintas com dois devedores e a fiança somente uma obrigação, mas com dois devedores” [idem].
Devido a tal independência ou autonomia, o avalista não pode valer-se das excepções pessoais do avalizado [diversamente do que acontece com o fiador que delas pode lançar mão, a não ser que sejam incompatíveis com a sua obrigação, conforme decorre do disposto no art. 637º nº 1 do CCiv.], nem pode valer-se da renovação ou da prorrogação do contrato que integra o negócio subjacente para se desobrigar da sua obrigação que, “pela sua abstracção e literalidade, se emancipou da relação subjacente para subsistir como obrigação independente e autónoma. O avalista não é responsável ou não se obriga ao cumprimento da obrigação constituída pelo avalizado, mas tão-só ao pagamento da quantia titulada no título de crédito. A obrigação firmada pelo avalista é perante a obrigação cartular e não perante a relação subjacente” [mesmo AUJ; no mesmo sentido, Acórdãos do STJ de 26/02/2013, proc. 597/11.0TBSSB-A.L1.S1 e de 19/06/2007, proc. 07A1811, disponíveis in www.dgsi.pt/jstj].
Sendo a obrigação do avalista perante o titular da letra ou da livrança [e não perante o avalizado], respondendo ele pelo pagamento da quantia titulada nesse título de crédito e constituindo o aval uma obrigação autónoma/independente [aquele apenas responde como obrigado cartular], “a circunstância de ocorrerem vicissitudes na relação subjacente não captam a virtualidade de se transmitirem à obrigação cambiária, pelo que esta se mantém inalterada e plenamente eficaz, podendo o beneficiário do aval agir, mediante acção cambiária, perante o avalista para obter a satisfação da quantia titulada na letra. A circunstância da relação subjacente se modificar ou possuir contornos de renovação não induz ou faz seguir que esses efeitos se repercutam ou obtenham incidência jurídica na relação cambiária”, permanecendo esta “independente às mutações ou alterações que se processem na relação subjacente, não acompanhando as eventuais transformações temporais e/ou de qualidade da obrigação causal” [Acs. do STJ de 26/02/2013 e de 11/12/2012, atrás citados].
Como corolário de tudo isto surge a constatação de que “o avalista não pode defender-se com as excepções que o seu avalizado pode opor ao portador do título, salvo a do pagamento” [citado Ac. de 26/02/2013; idem, Vaz Serra, in RLJ ano 113, pg. 186, nota 2, Ac. do STJ de 19/06/2007, in CJ-STJ, ano XV, tomo II, pgs. 118 e segs. e demais jurisprudência citada naquele acórdão].
O que fica exposto acerca da função e características do aval não conforta, como é fácil de constatar, a pretensão do recorrente; e o que se dirá de seguida afasta, de todo, a tese sustentada na petição da oposição e nas doutas alegações de recurso.

3. Com efeito, em consonância com a autonomia da obrigação do avalista, dispõe o art. 217º nº 4 do CIRE [Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas] que «as providências previstas no plano de insolvência com incidência no passivo do devedor não afectam a existência nem o montante dos direitos dos credores da insolvência contra os condevedores ou os terceiros garantes da obrigação, mas estes sujeitos apenas poderão agir contra o devedor em via de regresso nos termos em que o credor da insolvência pudesse exercer contra ele os seus direitos».
Deste preceito concluiu o STJ [Ac. de 26/02/2013, citado] que “a aprovação do plano de insolvência da sociedade subscritora da livrança (…), onde passou a existir uma moratória para o cumprimento das suas obrigações, quanto ao pagamento dos seus débitos, não é invocável pelos respectivos avalistas, (…), contra quem o Banco portador da mesma livrança instaurou a (…) execução para obter o seu pagamento”. E fundamentou esta conclusão afirmando que “o plano de insolvência é constituído por um conjunto de medidas que só se aplicam à sociedade insolvente”, já que “ao votar a favor do plano, o credor fá-lo apenas por se tratar de medidas aplicáveis a uma sociedade que está numa particular situação de impossibilidade de cumprir as suas obrigações para com os credores” e “não seria razoável que o credor ficasse inibido de accionar os respectivos avalistas, que não são insolventes, nem se encontram impossibilitados de cumprir as obrigações que livremente assumiram, face à autonomia da obrigação do aval que prestaram” [no mesmo sentido, quanto aos efeitos da homologação do plano de insolvência relativamente à obrigação do avalista, decidiram os Acórdãos desta Relação do Porto de 12/09/2013, proc. 2021/11.9TBVCD-A.P1, disponível in www.dgsi.pt/jtrp e da Relação de Coimbra de 01/07/2014, proc. 1355/13.2TBLRA-A.C1, disponível in www.dgsi.pt/jtrc; neste último proclamou-se, designadamente, que “sendo o plano de insolvência constituído por um conjunto de medidas que só visa a sociedade insolvente, regulando os termos e condições em que os débitos dele constantes irão ser pagos e não sendo as obrigações dos condevedores do insolvente ou dos terceiros garantes, afectadas por aquele plano – art. 217º, nº 4, do CIRE – o facto do credor não poder exigir à insolvente o pagamento do seu crédito, para além dos termos aí acordados, não é impeditivo de poder exigir a totalidade do crédito nos termos em que o podia fazer anteriormente a esse plano aos avalistas da insolvente”, até porque “aplicando-se o plano de insolvência somente à sociedade insolvente que está impossibilitada de cumprir as suas obrigações nada impede que o credor accione os avalistas com vista ao cumprimento da obrigação que assumiram em consequência do aval prestado”].
Surge, assim, inequívoco que a aprovação e homologação, no competente processo, do plano de insolvência não produz efeitos na obrigação do avalista que continua obrigado ao pagamento da dívida cartular, nos precisos termos em que se vinculou quando apôs o seu aval no título de crédito, não podendo invocar a seu favor a moratória e/ou o parcial perdão da dívida ali concedido pelos credores ao insolvente, seu avalizado.
Diversa era, porém, a solução acolhida no anterior CPEREF [Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência] – revogado pelo CIRE - que, no art. 63º, prescrevia que, quando tivessem votado favoravelmente ou aceitassem alguma providência de recuperação, os credores ficavam afectados nos seus direitos contra os co-obrigados e os garantes «na medida da extinção ou modificação dos respectivos créditos». Mas “o legislador (…) esteve atento [às críticas apontadas a tal solução] e houve por bem considerar os reparos, modificando a orientação, de sorte que agora, seja qual for a posição assumida no processo, o credor mantém incólumes os direitos de que dispunha contra condevedores e terceiros garantes, podendo exigir deles tudo aquilo por que respondem e no regime de responsabilidade originário”; estes [os condevedores e os garantes] é que “independentemente do que paguem, apenas poderão exigir pela via de regresso o que, homologado o plano, o próprio credor poderia solicitar ao devedor e nos termos e condições que o próprio plano estabeleceu – ou que dele decorrem por determinação legal” [Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., anotação 12 ao art. 217º, pgs. 724-725].

4. Aqui não está, no entanto, em causa a aprovação e homologação de um plano de insolvência, mas sim de um plano de recuperação da sociedade que subscreveu a livrança dada à execução.
A homologação do plano de recuperação aprovado pelos credores traduz o culminar e concretização do fim visado com a criação, no âmbito do CIRE [através das alterações introduzidas pela Lei nº 16/2012, de 20/04, que aditou um novo capítulo, o II, ao título I, constituído pelos arts. 17º-A a 17º-I], do processo especial de revitalização, como resulta do disposto nos seus arts. 17º-A nº 1 e 17º-F nº 6. O primeiro destes preceitos estabelece que «o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização»; o segundo dispõe que «a decisão do juiz [decisão homologatória do plano aprovado] vincula os credores, mesmo que não hajam participado nas negociações (…)», levando ao termo daquele processo especial.
Dos arts. 17º-A a 17º-I que regulam o processo especial de revitalização não consta, porém, norma equivalente à que o nº 4 do art. 217º contém para a homologação do plano de insolvência.
Apesar das diferenças entre o processo de revitalização e o processo de insolvência e entre o plano de recuperação e o plano de insolvência, poderá dizer-se que o plano de recuperação [tal como o plano de insolvência] “contém um conjunto de medidas que se aplicam à sociedade a revitalizar” [no segundo caso, à sociedade insolvente]”, que esse plano vincula-a e vincula os credores, mesmo os que não hajam participado nas negociações (…), mas só vincula os credores relativamente à sociedade requerente e não relativamente aos terceiros, (…)”, sejam estes condevedores ou garantes, designadamente avalistas. “Os credores votam o plano que é aprovado, atendendo à particular posição da sociedade que se encontra numa situação económica difícil ou de insolvência iminente (…), estando os garantes fora do âmbito da revitalização e do que nesta se delibera” [Acórdão da Relação de Guimarães de 05/12/2013, proc. 2088/12.2TBFAF-B.G1, disponível in www.dgsi.pt/jtrg].
Estas características são em tudo idênticas às que se verificam no plano de insolvência, cujos efeitos, como atrás ficou dito, não aproveitam [não são extensíveis], nem podem ser invocados pelos condevedores nem pelos garantes do devedor/insolvente, cingindo-se os mesmos às relações entre este e os seus credores.
Por via disso, terá de concluir-se que a norma do nº 4 do art. 217º do CIRE é aplicável, com as necessárias adaptações, por interpretação extensiva, ao plano de recuperação [é este o entendimento de Isabel Menéres Campos, em anotação concordante ao Ac. da Rel. de Guimarães atrás referenciado, constante dos Cadernos de Direito Privado, nº 46, Abril/Junho de 2014, a pgs. 61 e segs.; diz esta Autora, a pgs. 62, que “à falta de melhor regulamentação legal, têm de aplicar-se ao PER as normas do processo de insolvência, com as necessárias adaptações”].
E, assim sendo, “se a dívida em questão se encontra garantida por aval, considerando, (…), os princípios da autonomia, da incorporação e da independência da obrigação do avalista e também o disposto nos arts. 30º e 32º da LULL, conserva o credor todos os direitos de acção em relação aos avalistas, ainda que o plano de revitalização preveja a modificação dos créditos, designadamente, alteração do plano de pagamentos, perdões, períodos de carência, podendo accioná-los para cobrança da totalidade da dívida e não podendo os avalistas opor as providências previstas no plano. Na verdade, a obrigação do avalista é solidária em relação à obrigação do avalizado, conservando o credor, em resultado dessa solidariedade, o direito de exigir a prestação por inteiro” [Autora e anotação citadas no parágrafo anterior, pg. 65; mais adiante, a pgs. 66-67, conclui, ainda, a ilustre Professora da Escola de Direito da UM, que “o preceituado no nº 4 do art. 217º do CIRE, por contraposição à anterior norma do art. 63º do CPEREF, tem a clara intenção de estimular os credores a aprovarem um plano, não lhes tolhendo os direitos contra os co-obrigados” e que “aplicando a mesma lógica de raciocínio, pensamos que a intenção do legislador, ao consagrar o processo de revitalização, não foi a de impedir, diminuir ou extinguir as garantias pessoais de que os seus créditos beneficiavam”].
Para concluir este item resta dizer que o direito do credor exigir a prestação por inteiro do avalista está, ainda, em consonância com o disposto no nº 1 do art. 519º do CCiv. [como atrás afirmado, a obrigação do avalista é solidária em relação à obrigação do avalizado], que o autoriza a reclamar o seu crédito da sociedade subscritora da livrança [situação que ainda releva] e a instaurar execução contra o avalista, por haver “razão atendível para o efeito, que é a insolvência iminente da sociedade subscritora ou a dificuldade de obter a prestação por dificuldades económicas que conduziram à instauração de um processo de revitalização” [Ac. Rel. Guimarães atrás citado].
De tudo o exposto decorre então que o plano de recuperação aprovado e homologado no processo de revitalização só diz respeito e só vincula os credores e o devedor que se apresentou à revitalização [ao respectivo processo] e que o aí acordado quanto à dívida deste [prorrogação do prazo de pagamento, perdão parcial, períodos de carência, etc.] não é extensível às obrigações dos condevedores nem dos garantes, nem por estes invocável, permanecendo as obrigações destes inalteradas.

5. No caso «sub judice», admitindo que o plano de recuperação invocado pelo recorrente tenha sido aprovado pelos demais credores e homologado pelo tribunal [prova que aquele não fez nestes autos, pois limitou-se a juntar cópia do despacho proferido nos termos do art. 17º-C nºs 3 al. a) e 4 e não do despacho homologatório previsto no art. 17º-F nºs 1, 5 e 6, ambos do CIRE; o plano de recuperação só produz os seus efeitos depois de judicialmente homologado], apresenta-se, ainda assim, inequívoco, face ao que se deixou exarado nos itens anteriores, que daí não resultou a extinção, por novação [esta é uma das causas extintivas das obrigações e está prevista nos arts. 857º a 862º do CCiv., comportando a novação objectiva e a novação subjectiva], nem sequer qualquer modificação, da sua obrigação perante o banco exequente, já que o que foi alterado entre os credores [incluindo o banco exequente] e a sociedade subscritora da livrança dada à execução foi apenas e só a obrigação desta [passou a beneficiar de um prazo de carência de 2 anos e de um prazo de reembolso de 4 anos, com uma remuneração de 6%/ano] e não também a obrigação daquele avalista.
Consequentemente, não assiste razão ao recorrente na tese da novação que invoca, pelo que, por manifestamente improcedente, a oposição à execução não podia deixar de ser liminarmente indeferida, como foi, em conformidade com o prescrito no art. 817º nº 1 al. c) do CPC, na redacção anterior à Reforma introduzida pela Lei nº 41/2013, de 26/06, já que esta, de acordo com o nº 4 do seu art. 6º, não é aplicável a este procedimento de natureza declarativa, instaurado antes de 01/09/2013].
Deste modo, improcede, nesta parte [conclusões I a IX das doutas alegações], o recurso.

6. Quanto à oposição à penhora não há muito a dizer, sendo de manter, igualmente, o indeferimento decretado na 1ª instância, embora com diversa fundamentação.
O despacho recorrido equivocou-se ao ter considerado que o oponente, ora recorrente, alegou que o bem penhorado é propriedade de terceira pessoa; por isso decidiu que “se o bem penhorado é pertença de terceiro, como alega o executado, tal não é fundamento para dedução da respectiva oposição, mas antes do(s) respectivos embargos de terceiro por parte do terceiro lesado com o acto da penhora”. Aquele equívoco radicou no modo como está redigido o art. 21º da p. i. da oposição, onde consta que “o bem móvel constante do auto de penhora na presente acção executiva, é um bem cujo proprietário é D…”, tendo a Mma. Juiz «a quo» tomado, erradamente, este como sendo pessoa diversa do oponente quando, afinal, são uma só e mesma pessoa: o oponente.
Ou seja, este alegou que o bem penhora lhe pertence.
A sua oposição à penhora radica no facto de ele entender que não devia ter sido demandado [na execução] por a sua obrigação se ter extinto, por novação, face ao plano de recuperação aprovado [e, certamente, homologado] no processo especial de revitalização relativo à sociedade que subscreveu a livrança que o oponente avalizou. Na sua óptica, não podendo ser parte da acção executiva, também não devia ter sido aí penhora um bem de que ele é o proprietário.
Já atrás se decidiu que o oponente foi bem demandado na execução [por a sua obrigação não se ter extinto por novação], pelo que, como executado, é ele ali parte legítima. E sendo ele executado, é evidente que podiam [tinham que] ser penhorados bens de sua propriedade, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 821º do CPC [na referida redacção].
Surge, assim, também manifestamente improcedente a oposição à penhora, pelo que, neste segmento [conclusões X a XIII das doutas alegações], o despacho recorrido não merece, igualmente, censura.
Há, pois, que confirmar a douta decisão recorrida.
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Síntese conclusiva:
● O plano de recuperação [aprovado e homologado no PER] contém um conjunto de medidas que se aplicam apenas à sociedade a revitalizar, vinculando-a a ela e aos respectivos credores, mesmo os que não participaram nas negociações; mas não produz efeitos [não vincula] relativamente a terceiros, sejam estes condevedores ou garantes, designadamente avalistas.
● A norma do nº 4 do art. 217º do CIRE é aplicável, com as necessárias adaptações, por interpretação extensiva, ao plano de recuperação.
● A homologação do plano de recuperação aprovado não determina a extinção, por novação, da obrigação do avalista perante o credor da sociedade devedora.
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V. Decisão:

Nesta conformidade, os Juízes desta secção cível do Tribunal da Relação do Porto acordam em:
1º) Julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
2º) Condenar o recorrente nas custas desta fase recursória, pelo total decaimento.
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Porto, 2014/09/16
M. Pinto dos Santos
Francisco Matos
Maria de Jesus Pereira