Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6292/06.4TBVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS
TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES
JUIZOS DE EXECUÇÃO
Nº do Documento: RP201903086292/06.4TBVNG-B.P1
Data do Acordão: 03/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º878, FLS.58-62)
Área Temática: .
Sumário: I - O artigo 85.º do Código de Processo Civil, não trata, em qualquer um dos seus dois primeiros números, de questões de competência.
II - Em matéria executiva, compete aos juízos de família e menores a execução por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges, a execução por alimentos devidos a menores ou maiores e a execução das decisões relativas a multas, custas e indemnizações.
III - Por sua vez, fora destas hipóteses, compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil, estando delas excluídos os processos atribuídos aos juízos de família e menores.
IV - Quando se pretenda executar uma decisão judicial proferida por um juízo de família e menores, diversa das já elencadas (em 2), o requerimento executivo é apresentado no juízo que proferiu a decisão exequenda, mas este deve, com caráter de urgência, remeter ao juízo de execução competente, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanharam.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6292/06.4TBVNG-B.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I- Relatório
1- B…, instaurou, no dia 14/11/2017, a presente execução contra C…, pedindo que esta seja compelida a pagar-lhe, com juros moratórios e outros acréscimos, o capital de 1.811,50€, proveniente de tornas que lhe são devidas pela partilha que foi levada a cabo no processo de inventário n.º 6292/06.4TBVNG-A, que correu termos no Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, J2, partilha essa já judicialmente homologada por despacho transitado em julgado.
2- Perante este pedido recaiu o seguinte despacho:
“De acordo com o disposto nos arts. 122º e 131º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ), os Juízos de família e Menores apenas são competentes, em sede executiva, para tramitar, preparar e julgar execuções por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges e ainda para executar as decisões por si proferidas relativas a custas, multas ou indemnizações previstas na lei processual civil.
Por sua vez, estabelece o art. 129º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil (nº 1), e que estão excluídos do número anterior os processos atribuídos aos juízos de família e menores (nº 2).
No caso concreto, pretende a Exequente executar sentença proferida no processo de inventário que sob o nº 6292/06.4TBVNG-A corre termos neste Tribunal de Família e Menores.
Não cabe, conforme decorre dos citados normativos, a presente execução no âmbito da competência material especializada dos juízos de família e menores (no sentido defendido cfr. decisões dos conflitos negativos de competência suscitados junto do Tribunal da Relação do Porto nºs 3494/11.5TBVNG – B e 10087/17.1T8PRT).
Posto isto, e porque tal é de conhecimento oficioso, em obediência ao estatuído nos arts. 64, 65º, 96º, a), 97º, 98º, 99º, 576º, 577º, al. a), 578º, do C. de Processo Civil, 122º, 129º e 131º, da LOSJ, declaro este Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia incompetente em razão da matéria para a tramitação da presente execução.
Consequentemente, ao abrigo do estabelecido nos arts. 734º e 726º, nº 2, al. b), do C. de Processo Civil, rejeito a apresente execução e determino a sua extinção.
(…)”.
3- Inconformado com este despacho, dele recorre o exequente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A) É nulo o despacho de fls. do Tribunal a quo com referência citius n.º 392439812 de 10/05/2018, onde sumariamente o Tribunal a quo se declara incompetente em razão de matéria e rejeita liminarmente a presente execução e determina a sua extinção sem mais em clara violação dos art.ºs 6.º, 85.º, 152.º, 195º, 726.º, n.º 2 do CPC, e 122.º, n.º 2 da LOSJ porquanto, se trata de acto que a lei não admite;
B) Já que a execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo onde tal decisão foi proferida, correndo tal execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, conforme o estatuído no art.º 85.º, n.º 1 do CPC, bem como, o vertido no art.º 122.º, n.º 2 da LOSJ, pois que: “(…)
2. As secções de família e menores exercem ainda as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e divórcio (…);
C) Ora, com tal omissão e com a prolação do despacho que rejeita liminarmente a presente execução e a extingue sem mais, a actuação do Exmº. Juiz está ferida de nulidade, por violação do vertido nos art.ºs 6.º, 85.º, 195.º e 726.º do CPC, pois que o conhecimento de qualquer excepção dilatória, apenas se admitiria em caso de ser insuprível o que que neste caso não acontece; Mas não só, ainda que assim não entendesse o Exmo. Juiz “a quo”, hipótese que apenas se admite por mera cautela de patrocínio e não se concede,
D) A Meritíssima Juiz “a quo”, sempre estaria obrigada a o cumprimento do n.º 2 do art.º 85.º do CPC, que estabelece que “(…) 2. Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com carácter de urgência, cópia da sentença, do requerimento executivo que deu início à execução e dos documentos que a acompanhavam.”
E) Pelo que, ainda que se pudesse considerar incompetente, como fez no despacho aqui em crise, sempre estaria a Exmª. Senhora Juiz legalmente obrigada, na remissão para Juízo de execução competente, o que não o fez,
F) Ora, com tal omissão e com a prolação do despacho que rejeita liminarmente a presente execução e a extingue sem mais, a actuação do Exmo. Juiz está ferida de nulidade, por violação do vertido nos art.ºs 6.º, 85.º, 195.º e 726.º do CPC, pois que o conhecimento de qualquer excepção dilatória, apenas se admitiria em caso de ser insuprível o que que neste caso não acontece.
G) Ao mais, não há lugar como se disse à rejeição liminar do presente requerimento executivo e sua extinção sem mais, mas sim, teria sempre lugar a remissão oficiosa à secção de competência especializada competente, o que não veio a acontecer, mais uma vez ao arrepio do normativo legal, art.º 85.º, n.º 2 do CPC.
H) Aliás, no sentido, Ac. da Relação de Évora de 19/11/2015 (disponível para consulta in www.dgsi.pt Proc. N.º 664/14.8T8FAR.1.E1), em que foi Relator Mário Serrano, no qual se atesta expressamente e por unanimidade que: “Resulta da normação aplicável “in casu” (os artigos 85.º, n.º 1 do NCPC e 103.º da LOFTJ) que caberá o ao tribunal autor da decisão condenatória em sede de execução tramitar a execução da sua própria decisão.”
I) Ou na impossibilidade de o fazer anteriormente,” in extremis”, sempre estaria vinculada a Meritíssima Juiz a quo na remissão oficiosa dos autos, com urgência aos Juízos de execução competentes, em cumprimento do art.º 85.º, n.º 2 do CPC;.
J) Em face da ausência de prolação de tal despacho de remissão, foi violado o estatuído no art.º 85.º, n.º2 do CPC, razão pela qual está o presente despacho ferido de Nulidade, nos termos do art.ºs 195.º do CPC em virtude da violação dos art.ºs 6.º, 85.º, 195º, 726.º do CPC.
K) Ora tais nulidades, inclusivamente questionam até o direito do aqui Recorrente ao acesso aos tribunais de ter direito a uma justiça equitativa e em tempo útil, art.ºs 6.º, n.ºs 1/2, 61.º, 85.º do CPC, art.º 26. º, n.ºs 2/3 da LOSJ e art.º 20.º, n.º 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa;
L) Termos em que o presente recurso deve merecer integral provimento, revogando-se a douto despacho recorrido, com todas as consequências legais, designadamente aquelas que se prendem com: a) Ser declarado competente o Tribunal de Família e Menores, deve o despacho em crise ser revogado e proferida decisão que considere o Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia competente na presente execução, b) Ou na falta de tal entendimento, hipótese que apenas se admite por cautela de patrocínio, e não se concebe, que em cumprimento do estatuído no art.º 85.º, n.º 2, seja proferido despacho a ordenar a remissão da presente Execução para o Tribunal considerado competente”.
É o que pede.
6- Não consta que tivesse havido resposta.
7- Recebido o recurso nesta instância e preparada a deliberação, importa tomá-la.
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II- Mérito do recurso
A- Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações da recorrente (artigos 608.º n.º 2, “in fine”, 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º1, do Código de Processo Civil), restringe-se à questão de saber se o Tribunal recorrido é competente para a presente execução e, na negativa, qual o procedimento que deveria ter sido adotado.
2- Baseando-nos nos factos descritos no relatório supra exarado -que são os únicos relevantes para o efeito -, vejamos, então, como solucionar a referida questão:
Antes de mais, é importante esclarecer que o artigo 85.º do Código de Processo Civil, não trata, em qualquer um dos seus dois primeiros números, de questões de competência[1]; que é como quem diz, da repartição da função jurisdicional por diferentes tribunais. Do que trata é de determinar o processo no qual a execução é tramitada e o que deve ser feito quando competente para a execução seja um juízo diverso daquele onde a decisão exequenda foi proferida, especializado em execução.
Assim, nele se dispõe o seguinte:
“1- Na execução de decisão proferida por tribunais portugueses, o requerimento executivo é apresentado no processo em que aquela foi proferida, correndo a execução nos próprios autos e sendo tramitada de forma autónoma, exceto quando o processo tenha entretanto subido em recurso, casos em que corre no traslado.
2- Quando, nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”.
Não se regula, pois, nestas normas, a questão da competência para a execução.
Essas terão de ser procuradas na Lei da Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto), que, na redação aqui aplicável[2], prevê a existência, nos tribunais de comarca, de juízos especializados, designadamente – para o que ora nos importa – de família e menores e execução [artigo 81.º, n.º 3, als. g) e j)].
Em matéria executiva, compete aos juízos de família e menores a execução por alimentos entre cônjuges e ex-cônjuges, a execução por alimentos devidos a menores ou maiores e a execução das decisões relativas a multas, custas e indemnizações (artigos 122.º, n.º 1, al f), 123.º, n.º 1, al e), e 131.º).
Por sua vez, nos termos do artigo 129.º, “compete aos juízos de execução exercer, no âmbito dos processos de execução de natureza cível, as competências previstas no Código de Processo Civil” (1).
Mas, “[e]stão excluídos do número anterior os processos atribuídos ao tribunal da propriedade intelectual, ao tribunal da concorrência, regulação e supervisão, ao tribunal marítimo, aos juízos de família e menores, aos juízos do trabalho, aos juízos de comércio, bem como as execuções de sentenças proferidas em processos de natureza criminal que, nos termos da lei processual penal, não devam correr perante um juízo cível” (2).
Em qualquer caso “[p]ara a execução das decisões proferidas pelo juízo central cível é competente o juízo de execução que seria competente se a causa não fosse da competência daquele juízo em razão do valor” (3).
Da articulação destas normas, resulta, assim, inequivocamente, que, ressalvadas as execuções já referenciadas, os juízos de família e menores são materialmente incompetentes para todas as demais.
Como vimos, no entanto, isso não significa que a execução não deva ser instaurada nesses juízos, em relação às decisões por eles proferidas.
Pelo contrário, resulta do disposto no artigo 85.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, que o requerimento executivo é apresentado no juízo no qual a decisão exequenda foi proferida, mas quando, “nos termos da lei de organização judiciária, seja competente para a execução secção especializada de execução, deve ser remetida a esta, com caráter de urgência, cópia da sentença, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham”.
Ou seja, não há lugar à rejeição de tal requerimento, como sucedeu neste caso, mas à remessa dos referidos elementos ao juízo de execução competente para o prosseguimento da execução.
Era o que devia ter sido feito no caso presente. Isto, porque pretendendo o exequente executar uma decisão judicial proferida no âmbito do processo de inventário que correu termos num juízo de família e menores, não é esse juízo materialmente competente para o prosseguimento dessa execução, mas já é competente para receber o requerimento inicial e lhe dar o encaminhamento legalmente previsto[3].
Consequentemente, porque assim não sucedeu, o despacho recorrido carece de fundamento legal e, por isso mesmo, deve ser revogado, para que se proceda nos termos já descritos.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida e determina-se que, com caráter de urgência, se remeta ao juízo de execução competente cópia da decisão exequenda, do requerimento que deu início à execução e dos documentos que o acompanham.
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-Sem custas.
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Porto, 08/03/2019
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, 4ª edição, Almedina, págs. 193 e 194.
[2] Conferida pela Lei n.º 40-A/2016, de 22 de Dezembro, Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto e Lei Orgânica n.º 4/2017, de 25 de Agosto. Isto, porque, nos termos do artigo 39.º, n.º 1, da LOSJ, “[a] competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei”, casos excecionais que não estão aqui em causa, tendo esta ação sido proposta no dia 14/11/2017.
[3] Neste sentido, Ac. RC de 08/05/2018, Processo n.º 74/12.1TBPNI.1.C1, consultável em www.dgsi.pt.