Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
991/12.9TYVNG-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO VENADE
Descritores: INSOLVÊNCIA
INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO
LACUNA DA LEI
Nº do Documento: RP20200109991/12.9TYVNG-D.P1
Data do Acordão: 01/09/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A atual redação do C. I. R. E. não prevê a possibilidade de abertura do incidente de qualificação de insolvência após o prazo previsto no artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E..
II - Existindo elementos que demonstrem ao tribunal, pelo menos, a possibilidade de a insolvência ser culposa, obtidos após o prazo referido naquele n.º 1, do indicado artigo 188.º e antes de proferido o despacho de encerramento do processo de insolvência, essa falta de previsão legislativa constitui uma lacuna.
III - A referida lacuna deve ser integrada através do disposto no n.º 3, do artigo 10.º, do C. Civil, permitindo-se assim que o tribunal, quando ocorra o circunstancialismo referido em 2), possa declarar aberto o incidente de qualificação de insolvência a requerimento do administrador de insolvência ou de qualquer interessado.
IV - A junção aos autos de cópia de acusação formulada contra uma gerente de direito e de facto e um alegado gerente de facto da insolvente pela prática de crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo artigo 227.º, do C. P., é fundamento bastante para, depois de requerimento do administrador de insolvência nesse sentido, se abrir o mencionado incidente de qualificação de insolvência.
V - Existindo dúvidas sobre a localização de bens que a insolvente detinha a título de locação financeira e não tendo sido adquiridos para a massa insolvente, não se preenche a alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º, do C. I. R. E. desde logo por não estar em causa património do devedor.
VI - Tendo sido adquiridos bens objeto de contrato de locação financeira para a massa insolvente após a declaração de insolvência e desconhecendo-se se os mesmos poderão estar na detenção de franchisados, não se apurando que tipo de informação seria relevante o administrador de insolvência saber e o que então teria sido em concreto omitido pela gerente da insolvente, não se preenche o circunstancialismo previsto no n.º 2, alínea i), do artigo 186.º, do C. I. R. E.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n° 991/12.9TYVNG-D.P1.
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1). Relatório.
Nos presentes autos de incidente de qualificação de insolvência em que são requeridos B…, residente na Rua …, …, casa …, …, Vila Nova de Gaia, e C…, residente na Rua …, n.º …, …, Porto, foi proferida decisão pelo juízo de comércio de Vila Nova de Gaia, juiz 1, em 17/07/2019, nos seguintes termos:
a). Qualificar a insolvência de D… – Unipessoal, Lda. como culposa;
b). Declarar afetada pela qualificação de insolvência culposa a sua sócia e gerente B…;
c). Declarar afetado pela qualificação de insolvência culposa o seu gerente de facto C…;
d). Decretar a inibição da sócia e gerente B… para administrar patrimónios de terceiros, pelo período de 5 (cinco) anos;
e). Decretar a inibição do gerente de facto C… para administrar patrimónios de terceiros, pelo período de cinco anos;
f). Declarar a sócia e gerente B… inibida para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de cinco anos;
g). Declarar o gerente de facto C… inibido para o exercício do comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de cinco anos; e
h). Condenar os gerentes B… e C… a indemnizarem, solidariamente, os credores da devedora insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respectivos patrimónios, sendo que tal valor será fixado em liquidação de sentença, tendo como critério o prejuízo que os credores não teriam sofrido se os bens móveis supra identificados sob os nºs 11 e 13 tivessem sido apreendidos para a massa insolvente e alienados, no âmbito da liquidação, pelo valor total máximo de 70 000 EUR.
Inconformados, interpõem B… e C… o presente recurso alegando, em síntese, que:
a sentença é nula - artigo 615.º, n.º 1, d), do C. P. C. – por o juiz ter tomado conhecimento de questões que não podia já que o incidente de qualificação de insolvência ter sido intentado fora de prazo (prazo perentório do artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E.);
o administrador de insolvência propôs inicialmente a qualificação da insolvência como fortuita e o M.º P.º promoveu o arquivamento dos autos face à inexistência de fundamento para a abertura do incidente de qualificação., tendo sido proferido despacho em 23/04/2014 que determinou o arquivamento do apenso;
após remessa de expediente aos autos (acusação proferida em 05/02/2018 no processo que correu termos no juízo local criminal de Valongo, juiz 1, n.º 2348/ 12.2TAVLG), o M.º P.º entendeu que face factos indiciariamente apurados no referido processo se deveria declarar aberto formalmente o incidente de qualificação da insolvência nos termos e ao abrigo do artigo 186.º, n.º 1, 2, a) e d), do C. I. R. E.;
foi então declarado aberto o incidente em causa;
o administrador de insolvência emitiu parecer no sentido de se qualificar a insolvência como culposa;
o M.º P.º aderiu ao parecer;
tendo sido invocada aquela nulidade, a mesma foi julgada improcedente por despacho de 27/03/2019;
o artigo 188.º, do C. I. R. E. não permite o incidente em causa possa ser aberto até ao encerramento dos autos de insolvência;
com a alteração do C. I. R. E. introduzida pela Lei 16/2012, de 20/04, o incidente de qualificação da insolvência passou a ter carater não obrigatório, só se iniciando nas situações em que haja indícios carreados para o processos de que a insolvência foi criada deforma culposa pelo devedor ou pelos seus administradores de direito ou de facto, quando se trate de pessoa coletiva;
só pode ser aberto na sentença em que se declara a insolvência ou em momento posterior, se o juiz o considerar oportuno em face das alegações que, a propósito dessa matéria, sejam efetuadas pelo administrador da insolvência ou por qualquer interessado nos quinze dias subsequentes à realização da assembleia de apreciação do relatório (ou nos quinze dias subsequentes ao 45.º dia subsequente à data da prolação da sentença de declaração da insolvência, caso não haja lugar à aludida assembleia);
a iniciativa do administrador com vista à abertura do incidente de qualificação não pode deixar de ser vista como um dever funcional e, decorrido o prazo legalmente estabelecido, o juiz não pode concluir que o administrador tenha omitido a prática de um acto que devesse ter praticado, apenas podendo concluir que o mesmo não teve conhecimento de quaisquer factos relevantes para esse efeito e por isso não tomou qualquer iniciativa;
mesmo que o juiz entenda admitir tal requerimento e declarar aberto o incidente por o considerar oportuno em face dos factos que sejam invocados, não o pode fazer após o termo do prazo legalmente estabelecido;
o juiz apenas poderá oficiosamente declarar aberto o incidente na sentença que declara a insolvência se dispuser, então, de elementos relevantes;
assim, ao contrário do que acontece com o prazo fixado no n.º 3, do artigo 188.º, do C. I. R. E. para a apresentação de parecer, o prazo fixado no n.º 1 da norma citada não é um prazo meramente regulador ou ordenador, mas sim perentório - Acs. da R. C. de 10/03/2015, 08/09/2015, R. G. 30/05/2018, em www.dgsi.pt.;
assim, deve a sentença recorrida ser revogada, encerrando-se o presente apenso de imediato considerando-se a presente insolvência como fortuita;
caso assim não se entenda, os oponentes foram absolvidos naquele processo crime por decisão transitada em 15/10/2018;
de acordo com o preceituado no artigo 300.º, do C. I. R. E. e 624.º, do C. P. C. ex vi 17.º, do C. I. R. E., deveria o tribunal recorrido ter atendido à factualidade provada e não provada, bem como a respetiva motivação;
houve erro de julgamento quer quanto a saber se os oponentes devem ser afetados pela qualificação da insolvência como culposa e se os mesmos praticaram atos de gestão da devedora;
toda a prova produzida aponta na direção de que deve resultar não provado que o oponente C… praticou atos de gestão da devedora;
nos termos do artigo 624.º, n.º 1, do C. P. C., a decisão penal, transitada em julgado, que haja absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer ações de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário;
assim, o tribunal incorreu em erro de facto, decidindo contra factos anteriormente julgados de forma diversa, aplicando erradamente aquela presunção legal;
o depoimento do administrador de insolvência foi insuficiente para se dar como provada aquela factualidade;
os factos provados 11 e 13 também não podem manter-se provados (ocultação de bens);
nenhuma prova foi produzida em sentido contrário ao decidido pelo tribunal criminal que considerou esta matéria não provada;
quanto a dez máquinas de luz pulsada de fotodepilação, a recorrente acompanhou o A. I. à sede da insolvente em …, onde estas se encontravam à data, para a elaboração de auto de apreensão e entrega dos bens móveis aí existentes;
à data da declaração de insolvência, mostravam-se tais máquinas profundamente desvalorizadas e obsoletas;
quanto aos veículos automóveis, o A. I. comunicou às financeiras que optava pela recusa do cumprimento dos mesmos (artigo 102.º, do C. I. R. E.);
não ocorreram factos supervenientes ocorreram que determinasse a reabertura do incidente e a sua qualificação como culposa, não estando preenchidos os elementos típicos das presunções legais das alíneas a) e i), do n.º 2 ou a), do n.º 3, do artigo 186.º, do C. I. R E.
Conclui pedindo, por este motivo, a substituição da sentença por outra que qualifique a presente insolvência como fortuita;
caso assim não se entenda, não resultou provada a culpa, nos seus diversos graus, dos recorrentes nem do nexo de causalidade entre a conduta destes e a criação ou agravamento da situação de insolvência nos três anos anteriores ao início do processo, não podendo assim ser considerada culposa mas sim fortuita;
por fim, caso improceda o anteriormente referido, deverão ser reduzidas as sanções aplicadas aos requeridos, atendendo ao disposto nas alíneas b), c) e e), do n.º 2, do artigo 189.º, do C. I. R. E. a dois anos quanto ao período de inibição aplicado a cada um dos requeridos para administrar património de terceiros, bem como para o exercício de comércio e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil;
a indemnização deve ser reduzida a 12.000 EUR.
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Não foram apresentadas contra - alegações.
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2). Fundamentação.
2.1). De facto.
1). Resultaram provados os seguintes factos:
«1. Na Conservatória do Registo Comercial, desde 4.07.2010, a requerida B… consta como única sócia da Devedora, enquanto titular de uma quota no valor de 5.000€, sendo o capital social de 5.000 € – cf. doc. de fls. 11-13 dos autos principais.
2. Na Conservatória do Registo Comercial, a requerida B… consta como única gerente da Devedora, desde 4.07.2010 – cf. doc. de fls. 11-13 dos autos principais.
3. E…, Lda. foi constituída em 24.10.2003, tendo como sócios e gerentes o requerido C… e F… – cf. doc. de fls. 83-86, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
4. Em 4.07.2010, a sociedade identificada em 3) foi transformada em sociedade unipessoal por quotas, com a firma “E…, Unipessoal, Lda.”, tendo como único sócio e único gerente o requerido C… – cf. doc. de fls. 83-86, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
5. G…, S.A. foi constituída em 5.09.2012, tendo por objecto a actividade e manutenção do bem estar físico e beleza, nomeadamente solário, endermologia, comércio de produtos diversos, cosméticos, prestação de serviços de estética, aluguer e vending de equipamentos de estética – cf. doc. de fls. 81-82, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
6. Na Conservatória do Registo Comercial, H… consta como administradora única da sociedade identificada em 5), desde 5.09.2012 até 12.03.2018, e I… consta como seu administrador único a partir de 12.03.2018 – cf. doc. de fls. 81-82, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
7. Por escritos particulares de 4.10.2010, 11.07.2011, 10.02.2012 e 8.03.2012, a Devedora, na qualidade de franchisador, celebrou contratos de franchising com J…, Unipessoal, Lda., K…, L…, Lda. e K…, respectivamente – cf. docs. de fls. 157-158, 148-150, 151 v.º-154 v.º e 40-142, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
8. Os Requeridos sempre praticaram os actos de gestão da Devedora, tomando as decisões sobre a contratação de fornecedores e funcionários e os pagamentos a efectuar aos mesmos.
9. Em 12.09.2012, Fama Ilustre, S.A. requereu a declaração de insolvência de D…, - Unipessoal, Lda. – cf. petição inicial de fls. 2-18 dos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
10. Por sentença de 19.10.2012, transitada em julgado em 12.11.2012, foi declarada a insolvência de D… - Unipessoal, Lda. – cf. fls. 40-46 dos autos principais, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
11. Os Requeridos ocultaram ao Sr. Administrador da Insolvência dez máquinas de luz pulsada de fotodepilação, que estavam afectas à actividade da Devedora, com base no «contrato de locação financeira nº…….», celebrado, em 1.02.2007, entre a Devedora e M…, S.A..
12. Em Fevereiro de 2007, as máquinas referidas em 11) tinham o valor total de 114.000€.
13. Os Requeridos ocultaram ao Sr. Administrador da Insolvência os veículos automóveis com as matrículas .. – JV - .. e .. – JV - .., que estavam afectos à actividade da Devedora, com base no «contrato de locação financeira nº…………..» e no «contrato de locação financeira nº…………..», respectivamente, celebrados, em 29.10.2010, entre a Devedora e N….
14. Em Outubro de 2010, cada um dos veículos identificados em 13) tinha o valor de 14.337,84€.
15. Por sentença de 14.10.2016, transitada em julgado, foram julgados verificados créditos sobre a insolvência, no valor total de 393.608,14€ – cf. fls.107-110 do apenso B, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.»
E não provados:
«a) Os Requeridos procederam à transferência de capital e bens móveis da Devedora para as sociedades identificadas em 3) e 5), sem qualquer contrapartida para a Devedora.
b) G…, S.A. não exerceu qualquer actividade.
c) Os Requeridos fizeram seus bens móveis e o produto da venda de outros bens móveis, todos pertença da Devedora, no valor total de cerca de 200.000€.
d) Os Requeridos actuaram como descrito em a) e c) mediante um plano prévio, elaborado entre ambos entre Dezembro de 2011 e Janeiro de 2012, com vista a não efectuar pagamentos aos credores da Devedora.».
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2). Em 26/02/2014, o administrador de insolvência de «D…» apresentou fax onde alega oferecer o seu «parecer» em relação à qualificação da insolvência em causa ao abrigo do disposto nos artigos 185.º e seguintes do C. I. R. E. em apenso a constituir de incidente de qualificação de insolvência, concluindo que a mesma deveria ser classificada de fortuita – fls. 2 a 5 dos presentes autos -.
3). Por promoção de 17/03/2014, o M.º P.º pediu que se arquivassem os autos por inexistência de fundamento para a abertura do incidente de qualificação (fls. 6).
4). Por despacho de 23/04/2014, o tribunal menciona que:
na sentença que decretou a insolvência em 19/10/2012 não foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência;
decorrido o prazo legalmente fixado, não foi requerida a abertura de tal incidente;
não tendo assim sido pedida essa abertura, não havendo fundamento para tal, ordenou-se o arquivamento dos presentes autos, tendo sido colocados vistos em correição em 17/07/2015 – fls. 7 -.
5). Em 07/02/2018 o DIAP de Valongo envia para os presentes autos cópia de acusação proferida em 05/02/2018 contra B… e C… pela prática, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelos artigos 227.º, nºs. 1, a) e b), 3 e 229.º-A, do C. P., a primeira como gerente de direito de facto da empresa e o segundo como gerente de facto – fls. 12 a 25 –.
6). O M.º P.º promoveu em 05/03/2018 que, face aos factos indiciados, se declarasse aberto formalmente o incidente de qualificação de insolvência nos termos do artigo 16.º, nºs 1 e 2, a) e d), do C. I. R. E. bem como que se notificasse o administrador de insolvência para emitir, então sim, o parecer sobre a qualificação da insolvência (fls. 26).
7). Em 12/03/2018, o tribunal, referindo que atendendo ao fundamento invocado pelo M.º P.º e que em 23/04/2014 (facto 4) não foi aberto o incidente de qualificação de insolvência e ainda que o prazo revisto no artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E. para o administrador de insolvência apresentar o parecer não é perentório, foi declarado aberto o incidente de qualificação de insolvência (fls. 27).
8). O administrador de insolvência apresentou parecer nos termos do artigo 188.º, n.º 3, do C. I. R. E. concluindo por entender que a insolvência deveria ser considerada culposa por, em síntese:
os acima indicados gerentes dissiparam bens da insolvente;
diminuíram ficticiamente o ativo da insolvente;
falta de cumprimento do dever de apresentação à insolvência no prazo de 30 dias – fls. 28 verso a 37 -.
9). Por sentença proferida em 13/09/2018, foram os arguidos referidos em 5) absolvidos do crime por que foram acusados conforme fls. 96 a 109 verso -.
9.1). Por Acórdão da relação do Porto de 11/04/2019 foi decidido revogar despacho proferido em 13/06/2018 no processo crime referido em 5) que tinha indeferido pedido de constituição de assistente da massa insolvente de «D…», determinando que se proferisse outro despacho.
9.2). Esse despacho foi proferido em 04/09/2019 admitindo a constituição de massa insolvente de «D…» como assistente, despacho que não foi objeto de recurso.
9.3). Após tal despacho de 04/09/2019, não houve recurso da sentença absolutória acima referida.
10). Em 05/12/2016 foi ordenada pelo tribunal a elaboração de conta e rateio final nos autos de insolvência o que foi reafirmado em 27/02/2018.
10.1). Após requerimento de 15/03/2018 apresentado pelo administrador de insolvência, no sentido de não se realizar o rateio final por poderem existir mais receitas para a massa insolvente incluindo por ter sido deduzido pedido de indemnização civil no processo-crime referido em 5), o tribunal, em 30/05/2018 determina que não se proceda à elaboração de conta, a qual ainda não foi efetuada.
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Estes factos têm por base as folhas dos autos aí referidas e o teor do processo eletrónico incluindo informação pedida por este tribunal ao tribunal criminal referido em 5) e 9), junta aos autos em 23/12/2019.
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As questões a solucionar são:
possibilidade de abertura do incidente de qualificação de insolvência como decidido pelo tribunal;
na afirmação dessa possibilidade, se há que proceder a alteração de matéria de facto e em seguida aferir se há factualidade integradora da ocorrência de uma insolvência culposa de «D…».
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2.2). De direito.
1). Da possibilidade de abertura do incidente de qualificação de insolvência.
Os recorrentes alegam que o incidente de qualificação de insolvência, aberto em 12/03/2018 não o podia ter sido por ter ocorrido em momento posterior ao legalmente previsto.
É uma questão relevante aquela que os recorrentes colocam, sendo a sua visão estruturada na análise do artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E., com a redação dada pela Lei n.º 16/2012, de 20/04 (que entrou em vigor em 20/05/2012 – artigo 6.º, de tal diploma tendo o pedido de declaração de insolvência dado entrada em 12/09/2012 – facto 9 dado como provado do despacho sob recurso -).
Esse artigo dispõe no n.º 1 que:
«até 15 dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, após a junção aos autos do relatório a que se refere o artigo 155.º, o administrador da insolvência ou qualquer interessado pode alegar, fundamentadamente, por escrito, em requerimento autuado por apenso, o que tiver por conveniente para efeito da qualificação da insolvência como culposa e indicar as pessoas que devem ser afetadas por tal qualificação, cabendo ao juiz conhecer dos factos alegados e, se o considerar oportuno, declarar aberto o incidente de qualificação da insolvência, nos 10 dias subsequentes.».
A este artigo junta-se a necessária análise do artigo 36.º, n.º 1, i), do C. I. R. E. que determina que, quando é declarada a insolvência, o juiz, caso disponha de elementos que justifiquem a abertura do incidente de qualificação da insolvência, declara aberto o incidente de qualificação, com caráter pleno ou limitado, sem prejuízo do disposto no artigo 187.º (este reporta-se a anterior insolvência que não releva apara o caso em análise).
Assim, quando o juiz assim o entenda, ao declarar a insolvência, declara aberto este incidente de qualificação; não é assim o incidente automaticamente aberto mas só quando o tribunal tenha elementos para tal.
Não o tendo feito na sentença, o incidente ainda pode ser aberto em momento posterior conforme menciona o citado artigo 188.º, n.º 1: até quinze dias após a assembleia de apreciação do relatório ou, no caso de dispensa da realização desta, quinze dias após a junção aos autos do relatório elaborado pelo administrador de insolvência, relatório que tem de ser junto aos autos até ao 45.º dia posterior à sentença que declarou a insolvência (artigo 36.º, n.º 4, do C. I. R. E. – veja-se Luís Leitão, Direito da insolvência, 9.ª edição, página 288).
Pode, nestas duas últimas situações, o incidente ser aberto a requerimento do administrador de insolvência ou de qualquer interessado, apreciando então o juiz esse requerimento.
Na sentença que declarou a insolvência em 19/10/2012 de «D….» não foi aberto o incidente de qualificação de insolvência, facto que não suscita discussão dos autos e que resulta da consulta via eletrónica do processo.
Quando o incidente é aberto, em 12/03/2018 (facto assente 7), há muito que estavam decorridos os sessenta dias após a prolação da sentença que declaração a insolvência em 19/10/2012 (quinze dias após o quadragésimo quinto dias a seguir à prolação da sentença) pelo que, numa análise mais literal e rápida, os recorrentes teriam a razão do seu lado; porém, sem prejuízo de não termos uma absoluta certeza sobre a nossa conjugação de ideias, entendemos que, até o processo de insolvência ser declarado encerrado, é possível o incidente autónomo de qualificação de insolvência ser aberto.
Na realidade, quando o tribunal vai proferir o despacho de encerramento do processo, no caso, após o rateio final (que, como se denota do facto assente 10.1, ainda não se efetuou), nos termos do artigo 230.º, n.º 1, a), do C. I. R. E., tem que se declarar o caráter fortuito da insolvência quando o incidente não foi aberto – artigo 233.º, n.º 6, do C. I. R. E. (sempre que ocorra o encerramento do processo de insolvência sem que tenha sido aberto incidente de qualificação por aplicação do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 36.º, deve o juiz declarar expressamente na decisão prevista no artigo 230.º o caráter fortuito da insolvência.).
Se não tiver sido declarado aberto o incidente em causa na sentença que declara a insolvência ou, na nossa opinião claramente, também quando esse incidente não é requerido e aberto ao abrigo do artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E. pois são ambos os momentos os que o legislador entende adequados para existir o incidente, o tribunal tem de declarar a insolvência como fortuita.
Ora, se pelo menos neste momento em que o tribunal vai declarar o encerramento do processo, existirem ou elementos seguros de que a insolvência é culposa ou então que há elementos que merecem que sejam analisados antes de se declarar o caráter fortuito da insolvência, não vemos como, num sistema que se pretende congruente, o legislador possa permitir que não se dê azo a que o incidente ainda possa ser aberto, a requerimento das mesmas pessoas que o artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E. prevê.
Estando nos autos, por exemplo, cópia de sentença transitada em julgado que condene o gerente da empresa insolvente pelo crime de insolvência dolosa (artigo 227.º, do C. P.), na nossa opinião não pode ter sido intenção do legislador permitir que o tribunal tivesse de emitir uma declaração automática de insolvência fortuita, alheio a elementos que apontam para uma insolvência causada culposamente.
Se porventura, dando-se conhecimento dessa decisão ao administrador de insolvência e credores, nenhum destes pedir que se declare aberto o incidente, o tribunal não o poderá fazer oficiosamente, tendo de se respeitar os interesses dos credores que se sobrepõem ao eventual entendimento do tribunal.
Mas se houver esse requerimento de modo a que se obtenha a decisão mais consentânea com a realidade, estando ainda em cima da mesa a classificação da insolvência (antes de proferido o despacho que declara encerrado o processo de insolvência), pensamos que a unidade e congruência do sistema legislativo, que não pretende uma omissão injustificada e sem sentido da função de averiguação do tribunal, impõe que o incidente seja aberto.
No caso concreto, foi enviada aos autos cópia de acusação que continha factos que poderiam levar a que se considerasse que a insolvência tinha sido culposamente causada e, dando-se conhecimento da mesma, o administrador de insolvência pediu (através do que denominou de «parecer») que se analisasse essa questão.
O tribunal poderia ter aguardado se havia elementos penais que demonstrassem inequivocamente que a insolvência tinha sido causada culposamente ou, como fez, avançar contemporaneamente ao processo-crime com a análise da questão.
Depois da produção de prova, se fosse necessária, ir-se-á concluir se houve ou não caráter culposo na ocorrência da insolvência, assim se declarando.
De outro modo, sem se avançar para a abertura deste incidente, estar-se-ia a proferir uma decisão irreal ou potencialmente irreal (caráter fortuito da insolvência) dispondo-se nos autos de matéria que poderia alterar essa decisão.
Para se ultrapassar a questão de o prazo previsto ser expresso e rígido quanto ao momento de abertura do incidente, pensamos que se tem de concluir que o legislador foi imperfeito na redação da lei.
O legislador não previu que, não tendo sido aberto o incidente de qualificação de insolvência oficiosamente na sentença que declara a insolvência nem ocorrendo essa abertura nos termos do artigo 188.º, n.º 1, do C. I. R. E., podia vir ao conhecimento dos autos, antes do processo de insolvência ser encerrado, situações que impunham que se analisasse uma possível qualificação da insolvência como culposa.
Essa análise, ocorrendo antes do momento do juiz encerrar o processo e em que tem de se pronunciar pelo caráter fortuito ou culposo da insolvência, impede uma declaração automática do caráter fortuito da insolvência quando há elementos que exigem uma outra ponderação; assim, ao abrigo do disposto no artigo 10.º, n.º 3, do C. C., importa resolver a situação de acordo com a norma que pensamos que deveria ter sido criada pelo legislador.
Ou seja, a lacuna que, para nós existe quanto à possibilidade de o incidente de qualificação de insolvência poder ser aberto até ao encerramento do processo de insolvência sempre que o tribunal considere haver fundamento e a requerimento do administrador de insolvência ou de qualquer interessado, é sanada com a integração de norma que deveria existir nesse sentido, assim se permitindo essa abertura, no caso concreto, quando haja indícios de que pode ter havido uma insolvência dolosa/culposa.
Pode entender-se que o legislador pretendeu que esta questão ficasse sanada num momento temporal prévio ao encerramento para não perturbar o andamento do rito que visa a mais célere possível compensação dos credores; mas sabendo-se que, sendo declarada a insolvência como culposa, as pessoas afetadas com essa declaração são condenadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios (artigo 189.º, n.º 2, e), do C. I. R. E.), se houvesse uma declaração cega à possível culpabilidade dos gerentes da insolvente, estaria sempre a adotar-se uma decisão que poderia prejudicar os credores.
Ou, dito de outro modo, se o processo de insolvência deve procurar satisfazer os interesses dos credores, não se podem ignorar indícios de que os seus interesses foram violados de modo intencional se o processo tiver elementos que ou permitam essa conclusão ou que imponham a averiguação se tal intencionalidade ocorreu sob pena de se estar a postergar uma das principais finalidades da existência do processo de insolvência.
Esta situação foi alertada pelo Conselho Geral da Ordem dos Advogados no seu parecer quanto à «nova» redação do C. I. R. E. depois aprovada em 2012 quando menciona que deveria ser prevista a possibilidade de este incidente ser “aberto” no decurso do processo de insolvência, permitindo-se a qualquer interessado que, depois dos 15 dias após da realização da assembleia de apreciação do relatório, leve novos factos ao conhecimento do juiz na medida em que, muitas vezes, nem os credores nem o administrador de insolvência dispõem de informações relevantes para efeitos de qualificação da insolvência dentro do prazo actualmente previsto (www.parlamento.pt).
Deste modo, por a norma que integra a lacuna existente ser no sentido de que o incidente de qualificação de insolvência pode ser aberto, a requerimento daquelas pessoas, até ao encerramento do processo de insolvência se o tribunal entender que há fundamento para tal, existindo no caso tal fundamento – indícios suficientes de prática de atos conducentes à insolvência constantes de acusação criminal e parecer nesse sentido do administrador de insolvência - conclui-se que foi corretamente aberto o incidente em causa podendo o tribunal apreciar os seus fundamentos.
Inexiste assim qualquer nulidade praticada pelo tribunal ao apreciar se a insolvência dos autos foi fortuita ou culposa nomeadamente a invocada pelos recorrentes – artigo 615.º, n.º 1, d), do C. P. C. .
Improcede assim esta argumentação.
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2). Do erro de julgamento quanto aos factos provados 8, 11, 13.
a). Facto 8:
Os Requeridos sempre praticaram os atos de gestão da Devedora, tomando as decisões sobre a contratação de fornecedores e funcionários e os pagamentos a efetuar aos mesmos.
Sobre este facto o tribunal recorrido menciona que: O Sr. Administrador da Insolvência, em declarações prestadas na audiência de julgamento, afirmou que ambos os Requeridos geriam a ora Insolvente, pois, numa reunião que teve com o Mandatário da sociedade, estiveram presentes os dois Requeridos e, nas questões que aí colocou, a requerida B… remetia para o requerido C…, por ser este quem detinha as informações necessárias (por exemplo, sobre a localização ou o destino dos veículos automóveis, não revelado). Ora, ponderando as máximas da experiência comum, o requerido C… não teria estado presente nessa reunião se não estivesse também envolvido, tal como a requerida B…, na actividade ou, melhor dizendo, na gestão da sociedade.
E, de facto, ouvida a prova produzida em julgamento, nada mais foi referido quanto a esta questão, sendo que o mesmo administrador também referiu que não se lembrava o que o recorrente C… lhe possa ter dito acerca da localização de veículos que seriam para apreender para a massa insolvente.
Com o devido respeito, pensamos que não se produziu prova nos autos (nem terá sido produzida no processo crime como iremos referir) sobre a gerência de facto do recorrente.
Na realidade, nenhum documento referente à empresa está claramente assinado pelo recorrente – por exemplo, contratos de franquia de fls. 140 a 162 em que ou surge manifestamente o nome de B… – fls. 157 – ou surge uma rubrica que não se pode concluir que pertença ao recorrente C… – nem nos autos foi referido que assim era -, vejam-se contratos de locação financeira de fls. 263 a 264 verso e 269 e 270, assinados pela recorrente -.
Não está nos autos junta cópia de um cheque ou outro meio de pagamento a fornecedores ou a colaboradores em que o recorrente intervenha e não houve uma testemunha que tenha referido que o recorrente praticava atos de gestão na insolvente.
Esta nossa ideia foi aquela que o tribunal criminal retirou, com mais produção de prova, quando refere que foi reconhecido que o aí arguido também falava sobre os contratos de franchising com os franchisados mas nenhuma testemunha mencionou quais as funções concretas que ele teria (veja-se a motivação na sentença criminal a fls. 105).
O estar presente numa reunião com um administrador de insolvência não significa que se seja gerente de uma empresa num caso em que se aparenta que, à data, existia uma relação afetiva entre os recorrentes – veja-se a mesma motivação de factos não provados da sentença criminal a fls. 105 -, o que pode indiciar a proximidade do recorrente em relação ao funcionamento da empresa insolvente.
Não estamos a referir que o recorrente não era gerente de facto da insolvente, apenas que não há prova suficiente para se retirar tal conclusão; teriam de existir outros depoimentos ou documentos que demonstrassem uma intervenção forte e/ou reiterada de onde se pudesse concluir que o recorrente decidia com quem se iria contratar, com que meios se pagavam a fornecedores ou se investia em novos negócios, algo que não ocorreu nos autos.
Assim, conclui-se que não há prova de que o recorrente C… praticasse atos de gestão da devedora, tomando decisões sobre a contratação de fornecedores e funcionários e os pagamentos a efetuar aos mesmos, resultando assim não provada esta factualidade.
Quanto à gerência da recorrente, a mesma não a questiona.
Altera-se deste modo a redação do facto provado 8 para a seguinte redação:
A Requerida sempre praticou atos de gestão na devedora, tomando as decisões sobre a contratação de fornecedores e funcionários e os pagamentos a efetuar aos mesmos.
E resulta não provado:
e). C… praticasse atos de gestão da devedora, tomando decisões sobre a contratação de fornecedores e funcionários e os pagamentos a efetuar aos mesmos.
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Factos provados 11 e 13:
11). Os Requeridos ocultaram ao Sr. Administrador da Insolvência dez máquinas de luz pulsada de fotodepilação, que estavam afetas à atividade da Devedora, com base no «contrato de locação financeira nº…….», celebrado, em 1.02.2007, entre a Devedora e M…, S.A..
13). Os Requeridos ocultaram ao Sr. Administrador da Insolvência os veículos automóveis com as matrículas .. – JV - .. e ... – JV - .., que estavam afetos à atividade da Devedora, com base no «contrato de locação financeira nº………………» e no «contrato de locação financeira nº…………..», respetivamente, celebrados, em 29.10.2010, entre a Devedora e N….
Está em causa a ocultação de bens pelos recorrentes ao administrador de insolvência de bens que deveriam ter sido apreendidos para a massa insolvente; o tribunal mencionou que:
ponderando o teor do documento a fls. 271 v.º-272, verifica-se que a Devedora, em 21.08.2012, prometeu ceder a sua posição contratual de locatária a O…, em relação aos veículos com as matrículas .. – JV - .. e .. – JV - ..;
do documento a fls. 272 v.º-273 resulta que a Devedora, em 11.10.2012, prometeu ceder a sua posição contratual no contrato de ALD a O…, em relação aos veículos com as matrículas .. – LD - .. e .. – LD - ..;
a testemunha H… afirmou, ainda, não ter qualquer conhecimento sobre as mencionadas máquinas de fotodepilação, sendo que “G…, S.A.” não chegou a prestar este tipo de serviço, exercendo a sua actividade com outro tipo de equipamentos.
confrontando estes elementos probatórios com os autos de apreensão a fls. 7-9, 10-11, 12, 129, 141, 240 e 253-254 do apenso A, conclui-se que o Sr. Administrador da Insolvência não conseguiu apreender para a massa insolvente as sobreditas máquinas e os referidos veículos;
considerando que todos estes bens estiveram na disponibilidade da sociedade ora insolvente e, consequentemente, sob o domínio de facto de ambos os requeridos, enquanto decisores e propulsores da actividade da empresa, conclui-se, segundo as regras da experiência comum, que estes efetivamente ocultaram-nos, de modo deliberado, ao Sr. Administrador da Insolvência, pois não o informaram do local onde se encontravam, sendo certo que não há notícia de que tais bens foram furtados ou destruídos e, tendo presente as características e dimensão deste tipo de bens, os mesmos não são, seguramente, bens que facilmente se deterioram ou perdem.
Como o tribunal recorrido afirma, no julgamento criminal os recorrentes, tendo sido absolvidos da prática do crime de insolvência dolosa, viram também ser julgado como não provado que tenham feito desaparecer as máquinas de fotodepilação e património da insolvente (factos não provados H e L) sendo que, por outro lado, resultou provado que as viaturas de matrícula .. – JV - .. e .. – JV - .. eram pertença de «N…» - facto provado 41.º -.
Começando a análise por estas duas viaturas, o que se indicia dos presentes autos (como no processo crime) é que as viaturas foram efetivamente adquiridas por N…, S. A. que as deu em locação à insolvente em 29/10/2010 por cinco anos (contratos com cópias a fls. 263 e 264) e que o administrador de insolvência não quis, em 03/05/2013, o cumprimento do contrato pelo que foram os mesmos cancelados (assim o refere «N…» na participação cuja cópia consta a fls. 265).
O administrador de insolvência menciona que desconhecia a localização das viaturas mas saberia que existiam pois até terá comunicado que não pretendia que a massa insolvente as adquirisse.
E como a própria «N…» refere que não sabe da localização de um dos veículos, pensamos ponderado dar como provado que não foi dado conhecimento àquele administrador de insolvência o paradeiro das viaturas mas não se ocultou a sua existência que resultava do teor dos contratos.
Assim, o facto 13 passa a ter a seguinte redação:
A Requerida não indicou ao Administrador da Insolvência a localização dos veículos automóveis com as matrículas .. – JV - .. e .. – JV - .., que estavam afetos à atividade da Devedora, com base no «contrato de locação financeira nº…………..» e no «contrato de locação financeira nº…………..», respetivamente, celebrados, em 29.10.2010, entre a Devedora e N….
E resulta não provado que:
Os requeridos tenham ocultado ao administrador de insolvência a existência das duas viaturas automóveis referidas em 13), dos factos provados.
No que concerne ao facto 11, em relação a dez máquinas de fotodepilação, também temos dúvidas como é que se pode concluir que a insolvente, através da recorrente, ocultou a existência de tal equipamento.
O administrador de insolvência afirmou em julgamento nestes autos que sabia que havia dez máquinas que tinham sido fornecidas por E…, Lda. à insolvente que as obteve através de contrato de locação financeira, o que efetivamente se retira de fls. 269 a 270, sendo locador o Banco M1….
Ora, existindo franchisados através de contrato celebrado com a insolvente, certamente algumas (ou todas) essas máquinas estariam na posse desses mesmos franchisados como é referido na sentença criminal a fls. 105 verso e 106 na motivação sobre a factualidade não provada.
O próprio administrador de insolvência referiu, no seu requerimento de 26/02/2014 que daria início ao incidente de qualificação de insolvência como fortuita, que teve conhecimento através do Banco M1… que foi celebrado o referido contrato de locação financeira e que essas máquinas não tinham ainda sido apreendidas, sendo a possibilidade de se conseguirem encontrar bens suscetíveis de «penhora» bastante reduzida – pontos 15, 16, 21 -.
Ora, se o administrador sabia da existência do contrato e se existem contratos de franquia à sua disposição (sendo que estão juntos aos autos pelo menos contratos referentes a cinco diferentes contraentes), não vemos como é que a insolvente ocultou a sua existência – através do teor dos contratos, seria necessário averiguar junto dessas empresas/pessoas singulares se tinham consigo as máquinas, isto se tal fosse igualmente necessário para os fins da insolvência como infra se abordará -.
O depoimento do administrador de insolvência nesta parte é vago e não permite, salvo o devido respeito, concluir que a insolvente tinha de saber onde estava o equipamento por terem estado na sua disponibilidade como se refere na sentença recorrida; se as máquinas tiverem sido entregues aos franchisados, a insolvente já não os detinha pelo que essa conclusão não pode ser desde logo alcançada.
Seria necessário que se apurasse, desde logo, se as máquinas tinham sido entregues aos franchisados e, sendo a resposta afirmativa, que destino estes tinham dado às mesmas.
Se não tiverem sido entregues, então seria necessário determinar onde se encontravam e aí sim, a insolvente tinha de referir onde se encontravam. Mas aqui ficamos sempre na dúvida pois não há certeza sobre qual o destino do referido equipamento.
Mesmo a questão (que não consta dos factos provados nem não provados e que não é objeto do presente recurso) de também se indiciar que os bens em causa foram adquiridos pela insolvente após a declaração de insolvência em 29/09/2014 (o que pode resultar da declaração do Banco M1… de fls. 271) é algo dúbia desde logo por que o administrador de insolvência manifestou no julgamento destes autos que o que sabia sobre este assunto tinha advindo da acusação crime, não tendo assim conhecimento direto sobre o que teria sucedido ao equipamento.
Assim sendo, existindo um contrato de locação financeira, eventualmente não terá aquele administrador averiguado o que tinha sucedido a esse contrato, não tendo descortinado que a insolvente tinha adquirido a propriedade dos bens para a massa insolvente.
Depois, nesse negócio que teria sido celebrado pela própria insolvente, enriquecendo o seu património e assim podendo beneficiar os credores, ficamos com a mesma dúvida sobre se houve alguma responsabilidade na falta de descoberta do paradeiro do equipamento pois este poderia continuar na posse dos franchisados não tendo a insolvente culpa por não serem descobertos ou efetivamente entregues à massa insolvente.
No apenso de apreensão de bens foram sendo realizadas apreensões, referindo o administrador de insolvência, a solicitação da locadora, por exemplo em 30/06/2014, que os bens que são apreendidos são os conhecidos e que deveria ser a fornecedora dos bens a informar onde se encontravam as máquinas; ou ainda em 05/02/2019 são apreendidos outros três bens provenientes de uma anterior apreensão em ação executiva, não havendo notícia que a insolvente tenha dificultado a localização das mesmas máquinas.
Em suma, mesmo que se atenda a que houve a aquisição do equipamento pela insolvente em setembro de 2014, daí não se consegue retirar por que motivo se efetuou esse negócio (e por que não o fez o administrador de insolvência) nem que antes, ou após essa compra, a insolvente ficou a saber onde se encontravam as máquinas, podendo continuar na posse de franchisados.
Também não se pode concluir que houve um conluio entre a insolvente e outros contraentes no sentido de se ficcionar uma entrega ocorrendo antes uma dissipação/ocultação do equipamento que ficava na posse da gerente da insolvente. Nesta última situação, teria que se ter averiguado e provado o que pode ter sido o pensamento do administrador de insolvência, a saber: sendo «E…» gerida por C…, com quem a aqui recorrente tinha uma relação próxima, as máquinas estariam em lugar que aquele conheceria por ter havido um estratagema de as dissipar à esfera da massa insolvente (sendo adquiridas por esta mas nunca entrando na detenção da insolvente), mas essa prova não foi aqui (nem no processo crime) efetuada.
Assim, pensamos que não há elementos probatórios nos autos para se concluir com segurança que a requerida/recorrente ocultou ao administrador de insolvência a existência do equipamento em questão.
Deste modo, o facto 11) passa a considerar-se não provado.
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3). Da classificação da insolvência como culposa.
O tribunal recorrido determinou que a insolvência de «D…» foi culposa por se ter preenchido o circunstancialismo previsto nas alíneas a) e i) do n.º 2, do artigo 186.º, do C. I. R. E..
Vejamos então.
A referida alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º menciona que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património dos devedores.
Como já referimos, por um lado não se provou que a gerente da empresa insolvente tenha ocultado equipamento consistente em máquinas de fotodepilação e, por outro lado, provou-se que a mesma gerente não terá indicado onde se encontravam duas viaturas automóveis.
Assim, quanto às máquinas de fotodepilação (anterior facto provado 11), não há prova de prática de qualquer das situações previstas naquela alínea a).
No que respeita às viaturas automóveis, resultou provado que não foi indicado o paradeiro das mesmas ao administrador de insolvência – facto 13 -; porém, em relação a estas viaturas não está em causa património dos devedores como exige o artigo 186.º, n.º 2, do C. I. R. E..
Os veículos não eram pertença da insolvente mas sim da empresa locadora (artigos 1.º e 9.º, n.º 1, a) e c), do Decreto-Lei n.º 149/95, de 24/06) pelo que não tinham de ser apreendidos para a massa insolvente por não fazerem parte desta já que eram propriedade de outra entidade.
Assim, podendo haver interesse em que a insolvente informasse o paradeiro dos veículos (até para este eventualmente os visualizar a aferir se interessava ou não a denúncia do contrato de locação – artigo 108.º, do C. I. R. E. -), o certo é que não estava em causa um bem que se pudesse considerar património dos devedores.
Se o administrador de insolvência tivesse decidido cumprir o contrato e adquirir as viaturas, aí já estaria em causa propriedade da devedora; não o tendo feito – pelo que se indicia, de modo expresso em relação aos veículos automóveis -, não se preenche a alínea a), do n.º 2, do artigo 186.º, do C. I. R. E..
Alínea i), do n.º 2, do artigo 186.º, do C. I. R. E..
O devedor incumpre, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º.
Também aqui não se vislumbra que a recorrente, de forma reiterada, tenha incumprido o seu dever de colaboração com o administrador da insolvência. Não sabemos que tipo de colaboração omitiu quanto a bens que interessavam para a insolvência, ou seja, excluindo as viaturas automóveis que já vimos que não eram pertença da insolvência e respeitando assim somente quanto às máquinas de fotodepilação.
Não querendo repetir o que já se referiu em sede de apreciação de facto, não se apura que tipo de colaboração foi pedida pelo administrador de insolvência ao abrigo do artigo 83.º, n.º 1, c), do C. I. R. E. e que foi recusada ou omitida nem quantas vezes tal sucedeu nem se, tendo existido essa falta, se foi relevante ou podia ter sido ultrapassada de outro modo (pela análise dos contratos e seguimento dos contraentes, maxime dos franchisados).
Deste modo, também não se preenche o pressuposto da existência de falta de colaboração pela recorrente com o administrador de insolvência.
E, assim sendo, não havendo prova do preenchimento daquelas duas presunções de culpa na ocorrência da insolvência de «D…» e não se obtendo o preenchimento de qualquer outra factualidade que demonstre que a insolvência foi criada ou agravada por dolo ou culpa grave do devedor, através da gerente de direito e de facto, nos três anos anteriores ao processo de insolvência, conclui-se pela não prova da culpabilidade na ocorrência da insolvência pelo que esta deve ser declarada como fortuita, assim se revogando a decisão recorrida.
*
3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente o recurso interposto e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, qualificando-se a insolvência de D… - Unipessoal, Lda. como fortuita.
Custas do recurso pela massa insolvente – artigos 303.º, 304.º, do C. I. R. E. e 527.º, nºs. 1 e 2, do C. P. C. -.
Registe e notifique.
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Porto, 9 de Janeiro de 2020
João Venade
Paulo Duarte
Amaral Ferreira