Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | LILIANA DE PÁRIS DIAS | ||
Descritores: | CRIME ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA BEM JURÍDICO PROTEGIDO ELEMENTOS DO TIPO CONSUMAÇÃO BANDO | ||
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Nº do Documento: | RP202103105148/20.2JAPRT.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/10/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I – O crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 299.º do Código Penal, exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa. II - Tal crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou - relativamente a associados não fundadores - com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso efetivo com estes. III - O bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública, entendida no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes. IV - Com o objetivo de densificar a categoria em apreço, por forma a permitir a sua delimitação de situações de simples coautoria ou ainda da figura do bando (forma especial de comparticipação, por vezes utilizada para qualificar determinados tipos de crime), o crime de associação criminosa exige “a existência de um encontro de vontades dos participantes que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros”; uma certa duração, isto é, que a organização perdure no tempo, ainda que incerto, para permitir a realização do seu fim criminoso; uma estrutura minimamente organizada, isto é, a existência de um substrato material que supere os simples agentes e que permita a concretização do encontro de vontades para a prática de crimes; um qualquer processo de formação da vontade coletiva, isto é, a adesão dos seus membros a uma realidade que transcende a realidade pessoal de cada um dos membros; a existência de sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação a uma unidade diversa de cada um dos seus membros. V - O conceito de bando abarca uma situação de atuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa - mais grave do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censurável do que aquelas em que existe uma perfeita e definida “associação criminosa” -, integrando aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes atuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes, como sucede na associação criminosa. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Proc. nº 5148/20.2JAPRT-A.P1 Recurso Penal Juízo de Instrução Criminal do Porto – Juiz 4 Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto. I - Relatório Por despacho proferido em 22/12/2020 pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto – J4 (Comarca do Porto), no processo de inquérito nº 5148/20.2JAPRT, foi decidido que os arguidos B…, C… e D… aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, acrescida da proibição de contatos entre si, por qualquer meio – ao abrigo do disposto nos artigos 191º, 192º, 193º, 196º, 201º, 202º, n.º 1, alínea d) e 204º, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal e, ainda, dos artigos 1º, alínea a), 2º e 4º da Lei 33/10, de 2/9. Não se conformando com a decisão, dela veio interpor recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem [1]: “1. Ao considerar sustentados com razoável certeza os crimes de “roubo agravado [quatro crimes, acrescente-se], de detenção de arma proibida e de falsificação de documentos – bem como de tráfico de menor gravidade (relativamente ao C…) e de condução sem habilitação legal (no que respeita ao B…)”, deveria o Tribunal a quo ter sujeitado os arguidos à única medida de coacção necessária, adequada e proporcional. 2. Sujeitando-os às medidas de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e proibição de contactos, e sem pelo menos determinar a prisão preventiva até à instalação dos meios tecnológicos, violou o Tribunal recorrido, ostensivamente, as disposições dos artigos 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 2 e 3, 202.º, n.º 1, al. a), b) e c), 204.º, als. a), b) e c) do Código de Proc. Penal, e 7.º, n.º 2 e 16.º, n.º 1 da Lei n.º 33/2010, de 02/09. 3. Devia ter-se antes decretado a prisão preventiva, como a única interpretação correcta dos comandos legais que neste caso obrigam o aplicador do Direito a responder aos riscos cautelares sentidos de modo necessário, adequado e proporcional, atendendo aos fortes indícios de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1, 2 e 5 do Código Penal (e, ainda que assim se não entendesse quanto a este crime), de quatro crimes de roubo agravado, p. e pelo art. 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ainda ao art. 204.º, n.º 2, al. f) do Código Penal. 4. Foi essa a posição do Ministério Público no segmento VI do despacho de apresentação, e no interrogatório, tentando-se ali demonstrar, com argumentos concretos, a indiciação efectuada, e os riscos cautelares sentidos, com incidência no núcleo de crimes que se entendiam convocar com maior acuidade esses riscos cautelares: “o Ministério Público considera essencial, para a presente análise, os fortes indícios da prática dos crimes de associação criminosa, roubo agravado, coacção agravada e falsificação de documentos agravada, sendo os demais crimes indiciados ou instrumentais, ou estando ainda necessitados de mais prova”. 5. Os “fortes indícios”, pressuposto legal da aplicação da prisão preventiva, conforme art. 202.º, n.º 1, als. a) a e) do Código de Proc. Penal, configuram um conceito mais exigente do que a mera suspeita, mas não poderão ser, já nesta fase, o mesmo que “indícios suficientes”, e muito menos, a certeza exigida pelo julgador para condenar ou absolver um arguido. 6. No que concerne à associação criminosa, caberia perguntar, como não se fez na decisão recorrida: um bando planeia roubar veículos automóveis para os utilizar noutros crimes de roubo? Lança fogo a esses carros? Utiliza um veículo com o VIN oculto e depois vão trocando as matrículas? Faz deslocar um deles a uma ourivesaria que depois vem a assaltar para estudar o local e o seu interesse? Encontra todos os seus membros a residir na mesma casa, onde são detidos no dia 21/12/2020? Compra e opera vários telemóveis? 7. Todos estes elementos, e outros mais, presentes nos autos, indiciam já uma actuação com uma concertação mais meticulosa, e por isso organizada, vislumbrando-se já uma vontade colectiva formada e apta a qualificar-se como uma verdadeira associação com vista à prática de crimes, ainda que necessitada de maior enquadramento que só o decurso da investigação poderia tentar delinear. 8. De resto, a pretensão do Ministério Público nesse sentido havia sido já acolhida por douto despacho judicial, que deferiu todas as promoções do Ministério Público, incluindo aquelas que tinham por base o crime de associação criminosa. 9. Sem prejuízo, e ainda que assim não se considerasse, não sendo concedida razão ao Ministério Público nesta parte, sempre haveria que ponderar os crimes que o Tribunal a quo entendeu indiciados com razoável certeza, e as medidas de coacção que esses crimes imporiam, crimes esses indicados em 1. 10. Ancorados na afirmação do Tribunal a quo, que também admitiu que “Sem dúvida que a prisão preventiva afastaria por completo os aludidos perigos.”, poderemos concluir, e nesta parte concorda-se, que quanto a tais crimes, há já fortes indícios da sua prática, pelo que a aplicação da prisão preventiva não veria obstáculos a propósito da consideração dos “fortes indícios”. 11. O Tribunal a quo entendeu relevar: “o risco de persistência da sua actividade criminosa é elevado”, “à luz do dia”, “mediante a ameaça de arma de fogo”, “sob ameaça de lesão física ou mesmo de morte”, “um disparo de intimidação”, “se não for cerceada a sua liberdade ambulatória, possam prosseguir nessa actividade delituosa”, “receio de perturbação do inquérito, por via da intimidação das testemunhas”, e “muito previsível aplicação de penas de prisão efectivas”. 12. No entanto, de um modo assaz inconsistente e até contraditório, mais considerou: “o invocado receio de fuga não tem a intensidade, actualidade e premência que se acha vertida na promoção em apreço: os meios financeiros de que dispõem os arguidos (…) não se afiguram suficientes para assegurar a sua subsistência no caso de se pretenderem furtar à justiça, uma vez que, nesse caso, ficariam privados dessas fontes de rendimento; acresce que todos vivem com familiares, ou seja, acham-se familiar e socialmente integrados, o que de igual modo não estimulará a sua fuga.”. 13. Aqui, na consideração sobre o risco de fuga, para concluir pela aparente inserção dos arguidos, bastou-se o Tribunal a quo nas declarações dos próprios, declarações essas que não foram devidamente pesadas com a máxima reserva que a situação aconselhava, quanto a arguidos que haviam sido apresentados detidos, depois de terem sido verdadeiramente apanhados com objectos que os relacionam com os crimes investigados, e que só poderiam estar cientes da elevada probabilidade de serem sujeitos a prisão preventiva. 14. As considerações que se entendem verdadeiramente críticas serviram para aligeirar o perigo de fuga, e assim diminuir a necessidade de sujeição a prisão preventiva, porque em caso de fuga os arguidos se viriam privados “dessas fontes de rendimentos”, nas palavras do Tribunal a quo, e porque estão inseridos ao nível social e familiar, argumentos estes incompreensíveis. 15. As únicas fontes de rendimentos conhecidos e demonstráveis dos arguidos são, pelo menos, os quatro crimes de roubo que com “audácia”, conforme expresso na decisão recorrida, praticaram, o que não fizeram por apego ao perigo, ou para exercitarem uma “ousada” valentia, e nesta parte, o juízo de prognose efectuado pelo Tribunal a quo é ostensivamente inconsistente, e patentemente contraditório. 16. A ninguém convence que os arguidos se encontram inseridos social e familiarmente. Se é patente a desinserção social, a inserção familiar não menos é, pois tem que resultar do facto de o visado se orientar em função da sua integração num núcleo de relações próximas, mantendo uma conduta o mais normativa possível, e não se encontrará plenamente inserido nesse sentido quem, sem poiso certo, se dedicar à prática de crimes violentos e meticulosamente preparados. 17. A medida de coação a aplicar deve ser idónea a satisfazer as necessidades cautelares do caso, e aqui, vimos já como são elevados os riscos de continuação da actividade criminosa, e de perturbação do inquérito, com o que concordou o Tribunal a quo, e como se viu, é também relevado o perigo de fuga. 18. Ademais, atenta a gravidade da “audácia” da conduta dos arguidos, a sua violência, a forma meticulosa como agiram e planearam a execução dos seus crimes, e a tentativa de activamente ocultar a sua responsabilidade, não se crê minimamente compatível com a paz social proporcionar-lhes o recato do lar – se chegar a ser executada a obrigação de permanência na habitação. 19. É que inseridos no seu meio poderão, livremente, se o pretenderem fazer, destruir provas, articular condutas iguais às aqui em causa (designadamente, com outros suspeitos, como não podia ignorar o Tribunal a quo a sua existência) ainda que na segurança da distância, agir sobre testemunhas, e compatibilizar entre eles versões (sendo indiferente a proibição de contactos, cuja violação é praticamente indemonstrável). 20. Este contexto não poderá ter qualquer efeito tranquilizador na comunidade, e que crie um mínimo de respeito pela norma, antes contribuindo para um descrédito acentuado das instituições formais de controlo, e para um forte incentivo de adopção do mesmo tipo de práticas, porque inconsequentes. 21. A medida de coacção a aplicar também deve ser a adequada, e não o será, se a mesma não contraria as exigências cautelares. A obrigação de permanência na habitação permitirá aos arguidos gozar de uma liberdade de actuação, dando continuidade à meticulosa concertação que iniciaram, ainda que agindo à distância, como se referiu, articulando actividades, dificultando a aquisição de prova, sobretudo, tendo em conta a existência de mais suspeitos, que não podia ser ignorada na decisão recorrida. 22. E, finalmente, a medida de coacção a aplicar deve ser proporcionada à gravidade do crime, e à sanção que previsivelmente venha a ser aplicada ao arguido em razão da prática do crime, sendo certo que na decisão recorrida se reconheceu a “muito previsível aplicação de penas de prisão efectivas”. 23. É indiferente, para o caso, a inexistência de antecedentes criminais significativos. Os arguidos, patentemente desinseridos, demonstraram, com a sua conduta, e com a notória e patente desinserção, como são elevadas as necessidades preventivas especiais, não se encontrando indiciados pela prática de crimes ocasionais, mas de algo planeado, executado por quatro vezes, com violência e ostensiva desconsideração pelos bens jurídicos afectados. 24. Ainda que não considere o Ministério Público necessária, adequada e proporcional a sujeição dos arguidos a obrigação de permanência na habitação, o Tribunal a quo decretou-a sem mais determinar pelo menos a prisão preventiva enquanto os meios tecnológicos não eram instalados, para quatro arguidos que, com razoável certeza, praticaram quatro crimes punidos com penas de entre 3 a 15 anos de prisão, conforme estava de resto obrigado a considerar pelas já indicadas normas, ciente que a DGRSP ainda terá que avaliar se há condições para aplicação desses meios tecnológicos. 25. Por tudo isto, e considerando que era o que impunha a interpretação correcta do disposto pelos artigos 191.º, n.º 1, 193.º, n.º 1, 2 e 3, 202.º, n.º 1, al. a), b) e c), 204.º, als. a), b) e c) do Código de Proc. Penal, cuja violação na decisão recorrida se tem por ostensiva, deve ser julgado procedente o recurso, e por sua via, revogarem-se as medidas decretadas, decretando-se em substituição a prisão preventiva dos arguidos, com imediata emissão dos competentes mandados de detenção e condução ao estabelecimento prisional. TERMOS EM QUE, MERECENDO O PRESENTE RECURSO INTEIRA PROCEDÊNCIA, V. EXAS., NO QUE MAIS DOUTAMENTE SUPRIRÃO, FARÃO A JÁ ACOSTUMADA JUSTIÇA!”. * O recurso foi admitido por despacho de 29/12/2020, para subir imediatamente, em separado e sem efeito suspensivo.* O arguido D… apresentou resposta, concluindo dever ser mantido na íntegra o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso, continuando a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização eletrónica, judicialmente determinada, salientando, para tanto, fundamentalmente o seguinte:- O arguido sempre trabalhou na área da restauração. - Atualmente, ainda não temos nada mais que indícios, que serão ou não confirmados com o decurso da investigação. - Tendo em conta a fase em que se encontra o processo, a continuação do arguido em casa, sujeito à V.E., como tem vindo a estar (por ter sido instalada já no dia 26), não causa qualquer perturbação, como não tem causado. - O arguido tem residência fixa, na morada constante dos autos, estando perfeitamente localizado e localizável. - É bem conceituado por toda a comunidade. - Tem um filho pequeno. - O arguido não causou qualquer perturbação, pelo contrário ajudou à descoberta da verdade. - A aplicação ao arguido da prisão preventiva nesta fase e perante este quadro de vida do mesmo, iria funcionar como uma verdadeira antecipação da condenação, o que em nada se coaduna com o seu carácter excecional, já que esta deve ser a «ultima ratio». * O Sr. Procurador Geral-Adjunto, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos invocados pelo Ministério Público na 1ª instância, concluiu pela procedência do recurso, salientando que a medida de coação de prisão preventiva é a única que se revela proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados, sendo ainda expectável que aos arguidos venham a ser aplicadas penas de prisão efetivas.* Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo os arguidos C… e D… apresentado resposta ao parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, a que têm estado sujeitos, acrescentando o arguido D… que continua a cumprir escrupulosamente com as suas obrigações, não lhe sendo conhecidos quaisquer incumprimentos ou incidentes, sendo certo que o sistema de vigilância eletrónica encontra-se em funcionamento desde 26 de dezembro de 2020. Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência. Cumpre apreciar e decidir. * É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).II - Fundamentação Aquilo que importa apreciar e decidir é saber se as medidas de coação aplicadas se revelam insuficientes face às exigências cautelares concretamente verificadas, o que passa por apreciar se: ● em face da prova constante dos autos é de considerar indiciariamente demonstrada a prática pelos arguidos de um crime de associação criminosa; e se ● a medida de coação de prisão preventiva se afigura necessária e proporcional às exigências cautelares verificadas no caso concreto. * Na sequência de interrogatório judicial a que foram sujeitos, em 22/12/2020, aos arguidos B…, D… e C… foram aplicadas as medidas de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, acrescida da proibição de contatos entre si e por qualquer meio, por estar fortemente indiciada a prática de quatro crimes de roubo agravado (artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao art.º 204.º, n.º 2, alínea f), do Código Penal), de quatro crimes de falsificação de documento (p. e p. pelo art.º 256.º, n.º 1, alínea e) e n.º 3 do CP), de um crime de detenção de arma proibida (p. e p. pelo art.º 86., n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2000, de 23/2) – e, ainda, embora com menor relevo, de três crimes de condução sem habilitação legal e de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, respetivamente cometidos, em autoria material, pelo arguido B… e C… -, com base na demonstração (indiciária) dos seguintes factos: “1. Em data não concretamente apurada, mas certamente anterior aos factos infra descritos, os arguidos B… B1…, E… E1…, C… C1…, e D…, mediante acordo formulado para esse efeito, e em concertação de esforços, dedicaram-se à apropriação de bens patrimoniais de terceiros, 2. com recurso à intimidação, designadamente por meio da utilização de armas de fogo, e atuando com rapidez, e de surpresa, utilizando vestuário que oculta a face, e com recurso à força física, 3. após prévio estudo dos locais e das pessoas a abordar, e seleção dos mesmos, 4. atividades essas a que se dedicaram com uma periodicidade pelo menos semanal, no momento não sendo possível apurar mais. 5. Intitularam-se FIRMA F… ou GANG F…, e reuniram-se frequentemente na BARBEARIA/G…, sita na Rua …, n.º …, ….-…, Vila Nova de Gaia. 6. Nas situações descritas infra, atuaram os arguidos em execução de tal determinação, num acordo entre todos efetuado, permanecendo por vezes um deles num veículo de recuo, sem que no momento, salvo indicação em contrário, seja possível individualizar cada um dos arguidos na execução de tais factos. 7. Um dos veículos usados pelos arguidos foi um BMW …, de cor …, ao qual foram associadas diversas chapas de matrículas, como ..-QB-..., k….., e …BC.... [NUIPC 5135/20.0JAPRT] 8. No dia 25/11/2020, pelas 06H15, na Estrada Nacional .., junto ao Shopping H…, os arguidos, acompanhados de um outro indivíduo, fizeram embater ligeiramente o veículo automóvel BMW … supra indicado nas traseiras do veículo automóvel RENAULT …, com a matrícula ..-IZ-.., obrigando o condutor – I… – a imobilizar o veículo. 9. Após, três deles, um empunhando uma espingarda/caçadeira de cano comprido, abordaram o condutor, e porque, com os gestos e palavras (“Encosta à parede, filho”) que lhe dirigiram o fizeram temer pela vida, obrigaram-no a sair do veículo, que valia €3.000, e do qual se apoderaram, e com o que fugiram – seguidos do já indicado BMW … – em direção à cidade do Porto. [NUIPC 5148/20.2JAPRT] 10. Fizeram-no por perspetivarem já a utilização do veículo RENAULT … de que se apoderaram, 11. pois, no dia mesmo dia, pelas 16:00, junto ao CAFÉ J…, na Rua … n.º …, em …, Vila Nova de Gaia, 12. três dos arguidos, encapuzados, e usando luvas, com vestuário desportivo, e novamente empunhando um deles uma espingarda/caçadeira, 13. aguardaram a chegada do distribuidor de tabaco – K… -, o qual retornava, apeado, do mencionado CAFÉ J…, onde carregou o tabaco e retirou o dinheiro inserido na máquina de distribuição. 14. O distribuidor abriu a zona de carga da carrinha de que fazia uso, uma CITROEN …, com a matrícula ..-TV-.., e com a inscrição “Tabacaria L…”. 15. Os arguidos, repentinamente, e sem que o distribuidor tivesse oportunidade para reagir, abordaram-no, e empurraram-no para dentro da caixa da sua carrinha. 16. Um deles disse-lhe: “tá calado, tá calado, nós não te queremos fazer mal, só queremos levar as coisas”. 17. Estacionaram o veículo RENAULT …, de matrícula ..-IZ-.. (de que se haviam apoderado na cidade da Maia) ao lado da carrinha. 18. Após, porque fizeram o distribuidor temer pela sua vida, por causa dos gestos e palavras que lhe dirigiram, e visto que empunhava um deles uma arma de fogo, obrigaram-no a aceitar que um deles o seguisse para dentro da caixa, e passasse a outro deles caixas de tabaco, que foram armazenadas no interior do já indicado RENAULT …. 19. Apoderaram-se de um total de volumes de tabaco ainda não concretamente individualizados, mas que rondaram o valor de €10.000,00, uma caixa contendo raspadinhas da SCML, uma caixa contendo vários sacos com moedas em valor total ainda não apurado, e um computador pocket (usado para comunicação com as máquinas de venda de tabaco), e ainda, um molho de chaves de acesso às máquinas dos clientes. 20. O CAFÉ J… é explorado, ou nele trabalha, M…, com quem B… por vezes acompanha, e que por vezes pernoita na sua residência. 21. De seguida, os arguidos dirigiram-se para a Rua …, em …, Vila Nova de Gaia, e de um modo que ainda não foi possível apurar, lançaram fogo ao veículo RENAULT …, de matrícula ..-IZ-.., levando com eles os maços de tabaco. 22. Nesse local, foi visualizada a deslocação de indivíduos jovens no interior de um veículo BMW …, de cor …. [NUIPC 5299/20.3JAPRT] 23. No dia 07/12/2020, pelas 04H45, junto ao CAFÉ N…, sito na Avenida …l (EN…), n.º …, …, Santa Maria da Feira, o condutor do veículo automóvel RENAULT …O, com a matrícula ...-XT-.. – O… -, no fim da sua jornada de trabalho de distribuição de jornais, enquanto se mantinha no interior do veículo ainda ligado a escrever uma SMS, foi surpreendido por dois dos arguidos. 24. Faziam-se transportar no veículo BMW …, de cor preta, já mencionado, onde permaneceu um dos arguidos. 25. Os arguidos usavam cara encoberta por máscaras comunitárias e capuzes, e um deles empunhou uma caçadeira de canos justapostos e completos, os quais lhe abriram a porta do condutor, puxando-o pelo casaco para o exterior, ao mesmo tempo que um deles lhe desferiu um soco no olho esquerdo, que o fez cair ao chão, e perder os óculos graduados, e lhe gritava “Anda cá para fora!”. 26. Um dos indivíduos entrou no lugar do condutor do veículo RENAULT …, enquanto o segundo, que empunhava a arma, permaneceu no exterior, inicialmente apontando-lhe a caçadeira ao condutor, e posteriormente dirigindo-a na direção do café, porque ali se deu conta o arguido da presença de um trabalhador camarário da recolha de lixo. 27. Seguidamente, o indivíduo que empunhava a arma dirigiu-se para a viatura que o havia transportado até ao local, entrando no lugar do pendura, e dali se retirando pela EN… na direção do Porto, sendo imediatamente seguido pelo indivíduo que conduzia o RENAULT …, com a matrícula ..-XT-... [NUIPC 5306/20.0JAPRT] 28. Em dias concretamente não apurados, mas antes desta situação, o suspeito E… deslocou-se por três vezes à OURIVESARIA P…, na Rua …, Vila Nova de Gaia, onde comprou alguns artigos em ouro e prata, e teve a oportunidade para estudar, e depois reportar aos demais, o que tinha encontrado. 29. Assim, no dia 07/12/2020, pelas 10:50, fazendo uso do veículo RENAULT …, com a matrícula ..-XT-.., mas nela apondo, pelo seu punho, ou pelo punho de alguém a seu mando, com o objetivo de passarem despercebidos perante as autoridades policiais, a matrícula CT-..-.. (correspondente a um mercedes), pararam em segunda fila, na Rua …, em frente à ourivesaria P…. 30. Logo de seguida, saíram do interior três dos arguidos, encapuzados, um deles empunhando o que aparentava uma espingarda/caçadeira de canos justapostos e compridos, e entraram na ourivesaria. 31. No interior encontravam-se Q… e S…. 32. O arguido que detinha a espingarda/caçadeira disse: “isto é um assalto!”. 33. Porque Q… pretendeu resistir, a dado momento, o mesmo indivíduo gritou constantemente com ela, dizendo para se calar ou dava-lhe um tiro. 34. Ali, porque fizeram com que os presentes – Q… e S… - temessem pela vida, atentos os gestos e palavras que lhes dirigiram, e a utilização do já mencionado objeto, lograram apoderar-se de diversos relógios da marca …, argolas em prata dourada, e dinheiro, artigos que ainda não foi possível enumerar. 35. Enquanto tais factos tinham lugar, o quarto arguido, que se encontrava a conduzir o veículo já mencionado, do veículo, e empunhando igualmente uma espingarda/caçadeira com as mesmas características já apontadas, direcionou-a a T…, testemunha que se encontrava na esplanada contigua à ourivesaria, ordenando-lhe que entrasse no café e não utilizasse o telemóvel, como esta se preparava para fazer. T… entrou no estabelecimento comercial e não efetuou qualquer chamada. 36. Porque os seus coautores ainda se encontravam no interior da ourivesaria, esse quarto arguido entrou neste estabelecimento e disparou para o painel atrás do balcão, precipitando deste modo a fuga de todos. 37. No dia 21/12/2020, pelas 07:00, na habitação de B…, sita na rua …, n.º …, ….-… (… – Vila Nova de Gaia), os arguidos, que ali se encontravam, detinham: a. No anexo e na posse do C… i. Um telemóvel Iphone 11; b. Na garagem do anexo: i. 93 raspadinhas, algumas delas raspadas com a designação “13 mágicos” ii. 125 raspadinhas com a designação “feliz Natal” c. No interior da máquina da máquina de secar; i. 14 munições de calibre 7.65mm ii. 19 munições de calibre .22 iii. Um par de luvas de cor preta tamanho “M” iv. 186 raspinhas várias d. Em cima da mesa do anexo i. Uma chave do Renault … com a matrícula ..-XT-...; e. Na cozinha i. Um molho com 23 chaves, cada uma delas com uma etiqueta manuscrita identificando estabelecimentos diversos f. No wc, que se encontrava a ser usado pelo arguido B…: i. Um telemóvel Huawei, modelo 930 Pro; g. No quarto de dormir do B…, este detinha ainda: i. 3 telemóveis (um IPHONE XR, um da marca SAMSUNG e um SAMSUNG modelo S20, este contendo um cartão SIM associado ao n.º ……….) ii. Dois pares de sapatilhas da marca NIKE tamanho 42 iii. Uma minicâmara full HD iv. Um relógio de cor rosa v. Duas caixas de cor preta contendo cada uma um relógio; vi. Uma caixa plástica com 8 embalagens da operadora NOS, 8 embalagens da WTF, 11 embalagens de cartões livres da operadora NOS vii. €800 (oitocentos euros) em numerário viii. Duas chaves comando da marca BMW correspondente ao … com matrícula alemã pertença de B… ix. Seis embalagens vários artigos de joalharia (pulseira, brincos, anéis) x. Uma nota com valor facial de 1000 escudos, 12 notas de 500 escudos, 61 de 100 escudos, 26 de 50 escudos e 50 de vinte escudos xi. 80 impressões a imitar notas do Banco Central Europeu com valor facial de 10 euros cada; h. No quarto de dormir onde se encontrava o D…, este detinha: i. Um telemóvel da marca Alcatel com um cartão SIM da operadora Vodafone ii. Uma chave de um BMW de sua pertença, viatura que se acidentada numa oficina iii. Na mochila de sua pertença, um telemóvel da marca Samsung e um Iphone 7; iv. Uma chave de uma viatura da marca Peugeot v. Um saco de plástico com a inscrição manuscrita €10, contendo €12.5 em moedas vi. Num saco de compras dois relógios da marca “RADIANT” etiquetados com as referencia RA…… e RA……., respetivamente, com PVP €29.00 e €65, pertencentes ao rol de objetos apropriados no interior da ourivesaria; vii. Três cartuchos de calibre 12 viii. Um casaco acolchoado de cor cinzenta da marca NIKE (igual àquele que um dos autores do roubo à ourivesaria usava vestido). ix. Um par de luvas de cor preta, x. Um par de sapatilhas da marca NIKE, de cor brancas com símbolo preto xi. Na sua posse, um telemóvel da marca XIAOMI, modelo REDMI Note 8-T com capa de um cartão SIM da operadora Vodafone com o pin ….. 38. No interior da viatura da marca PEUGEOT com a matrícula ..-ZF-.., pertença do B…, este detinha um par de luvas de cor preta e uma balaclava da mesma cor. 39. No mesmo dia e hora, e no interior do veículo de matrícula ..-..-QB, utilizado pelo arguido D…, junto à residência sita na Praceta …, n.º …, …, … – Vila Nova de Gaia, na bagageira detinha aquele umas calças de fato de treino, de cor …, com logotipo e marca da Adidas, referentes ao tamanho “s”, que apresentam caraterísticas individualizadoras muito idênticas às que um dos autores utiliza na prática dos factos em investigação no NUIPC: 5306/20.0JAPRT. 40. No mesmo dia e hora, na residência do arguido C…, sita na Rua …, nr. …, em V. N. de Gaia, mais concretamente no seu quarto de dormir, este detinha: a. Um (1) saco de plástico, transparente, contendo três (3) pedaços de produto de cor acastanhada, supostamente estupefaciente; Realizado teste rápido, o mesmo reagiu positivo para CANABIS – RESINA, com o peso bruto total, aproximado de 94,10 gramas; b. Dois moinhos próprios para triturar produto estupefaciente, nomeadamente marijuana, os quais contêm vestígios de substância que, presumivelmente, será produto estupefaciente; c. Um par de sapatilhas da marca “Nike”, de cor branca, com o símbolo de cor cinza, tamanho “40”; d. Um par de calças de fato de treino, da marca “Nike”, tamanho “XS”, de cor cinzenta, com uma facha de cor branca nas partes interior e inferior de ambas as pernas. Tal peça de vestuário é exatamente igual àquela que um dos autores do roubo na ourivesaria usava aquando dos factos relativos ao NUIPC 5306/20.0JAPRT. 41. B… faz-se transportar habitualmente no veículo BMW … supra referido, como por exemplo, nos dias 24/11/2020 e 25/11/2020 – fls. 49 e 89 do NUIPC 844/20.7T9VNG -, dias em que o conduziu, e ainda conduziu no dia 08/12/2020 o veículo de matrícula ..-ZF-.. – fls. 159 e ss. do mesmo NUIPC -, circulando em diversas artérias do município de Vila Nova de Gaia, apesar de não ser detentor de título de condução válido. 42. Quiseram os arguidos, mediante acordo, e em articulação de esforços, e disso cientes, criar um grupo, intitulado FIRMA F… ou GANG F…, dedicado à prática de crimes de roubo, entre outros, para se apoderarem do património de terceiros. 43. Mais quiseram, nas situações indicada supra, apoderar-se de bens patrimoniais pertencentes a terceiros, como fizeram, sem o consentimento e contra a vontade destes, apenas por causa dos gestos e palavras que dirigiram às respetivas vítimas, e por empunharem uma arma de fogo, fazendo com que tais pessoas temessem pela vida, do que estavam igualmente cientes. 44. Quiseram ainda apor nos veículos supramencionados chapas de matrícula que não correspondiam às emitidas pelas autoridades, de modo a despistar o controlo por parte das autoridades policiais. 45. Na situação indicada supra, em 35, conforme era plano dos arguidos caso existisse essa necessidade, dirigir à testemunha uma ordem, para que não chamasse a polícia, o que ocorreu porque a testemunha, perante a sugestão de utilização de arma de fogo contra a sua pessoa, temeu pela vida, conduta essa adequada, como sabiam ser o caso, a coartar a sua liberdade de determinação. 46. Ademais, os arguidos, respetivamente indicados, conheciam as características dos objetos que detinham, como supra indicado, e designadamente, as munições, cientes de que não titulavam licença de uso e porte de arma ou autorização legal para o efeito, e as imitações de notas do Banco Central Europeu, que bem sabiam sê-lo, sem que tivessem sido emitidas pela autoridade legítima, e as quais detinham para utilizar consoante fosse necessário para a aquisição de produtos e serviços. 47. O arguido C…, em especial, conhecia as características do produto estupefaciente apreendido, ciente de que não o podia deter, o que o não deteve, tendo o mesmo por fim a sua venda a terceiros. 48. O arguido B… quis conduzir veículo automóvel em via pública ou equiparada, renovando os seus intuitos entre cada situação, sabendo que não o poderia fazer por não titular um título de condução válido. 49. Os arguidos agiram, em tudo, de um modo livre, deliberado e consciente, cientes de que incorriam em responsabilidade penal. Para fundamentar as medidas de coação aplicadas ao arguido, escreveu-se no despacho recorrido (transcrição): “O M. Público imputa aos arguidos B…, C… e D…, em co-autoria material, e na forma consumada de: - um crime de associação criminosa, p. e p. pelo art. 299.º, n.º 1, 2 e 5 do Código Penal; - quatro crimes de roubo agravado, p. e pelo art. 210.º, n.º 1 e 2, al. b), por referência ainda ao art. 204.º, n.º 2, al. f) do Código Penal; - um crime de coacção agravada, p. e p. pelo art. 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a) do Código Penal; - quatro crimes de falsificação de documentos agravada, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. e) e n.º 3 do Código Penal; - um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. d) da Lei n.º 5/200, de 23/02; Relativamente ao arguido B…, imputa-lhe igualmente em autoria material, e na forma tentada, de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelos arts. 22.º, n.º 1 e 2, al. a) e c) e 265.º, n.º 1, al. a) e n.º 3 do Código Penal, bem como de três crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art. 3.º, n.º 1 e 2 do Dec.-Lei n.º 2/98, de 03/01. Ao arguido C…, por sua vez, atribui-lhe a autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art. 25.º, n.º 1, al. b) do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro. Entende o M. Público que os três arguidos - e ainda um quarto suspeito que não foi possível deter - se organizaram para, com um nível de detalhe já não de mera circunstância, e que a experiência entretanto adquirida só iria apurar, praticar crimes de roubo; sendo que os crimes seriam preparados antes da sua prática, e havia especial cuidado na apropriação prévia de veículos automóveis de terceiros, para utilização posterior, de modo a despistar as autoridades, veículos esses que eram depois desmarcados com notável eficácia. Prossegue o M. Público que, na consumação dos diversos crimes a que se dedicaram os arguidos, estes recorreram a arma de fogo, com uma situação de disparo na presença dos proprietários e uma funcionária que estavam no interior do espaço, facto demonstrativo que os arguidos demonstraram como estavam dispostos a tudo para levar avante os seus intentos delituosos. No entender do M. Público e para respaldar a indiciação do crime de associação criminosa, refere que tal implica, desde já, um nível de organização considerável, qualificante, diverso da situação de mera co-autoria. Neste particular, importa sublinhar que o referido crime de associação criminosa pressupõe a congregação de um elemento organizativo, outro de estabilidade associativa, e também de um elemento de finalidade criminosa; desse modo, a associação há-de perdurar no tempo (ainda que não determinado a fim de realizar o seu fim criminoso), ter um mínimo de estrutura organizatória que imprima uma certa estabilidade, evidenciar um processo de formação de vontade colectiva e patentear um sentimento comum de ligação a uma realidade autónoma. Por isso, e logo que se verifique a existência de um grupo de pessoas que se juntam para praticar vários crimes contra o património, que os planeiam e executam num dado período de tempo, mas onde não existe um líder nem uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade colectiva estar-se-á perante um bando. No caso em apreço, e dos elementos probatórios indiciários até agora recolhidos no inquérito, ainda não é possível afirmar, com um mínimo de certeza e razoabilidade, que os arguidos tenham constituído – porventura com outro ou outros – uma associação criminosa digna desse nome, pelo que se consigna que não se mostra suficientemente indiciado tal crime. Relativamente ao dinheiro falso achado no quarto de dormir do arguido B… (80 impressões a imitar notas do Banco Central Europeu, com valor facial de 10 euros cada), da análise macroscópica a essas impressões parece resultar evidente a natureza grosseira das mesmas, sendo por isso insusceptíveis de poderem servir na prática de crimes tais como de burla; por conseguinte, relativamente a esse imputado crime também não é possível, neste momento, atribuir-lhe a comissão desse crime de passagem de moeda falsa. Relativamente ao crime de coacção agravada que o M. Público igualmente imputa aos arguidos, é duvidoso que se possa autonomizá-lo relativamente ao roubo ocorrido na ourivesaria: a ameaça com a arma relativamente à testemunha que se propunha usar o telemóvel e o disparo dela no interior do café onde a mesma foi compelida a entrar é instrumental relativamente ao roubo em curso nesse momento no interior da ourivesaria. Relativamente aos demais crimes - de roubo agravado, de detenção de arma proibida e de falsificação de documentos – bem como de tráfico de menor gravidade (relativamente ao C…) e de condução sem habilitação legal (no que respeita ao B…), a actividade investigatória levada a cabo pelo órgão de polícia criminal e que se acha referida na promoção do M. Público, permite sustentar com razoável certeza que os arguidos praticaram os actos correspondentes a tais crimes, não olvidando que, mercê da sua co-autoria, são solidariamente responsáveis pelos actos concretos por cada um deles praticado. Assim sendo, e com fundamento no perigo de continuação da actividade criminosa dos arguidos, do receio que, se em liberdade, os mesmos tentarão agir sobre as testemunhas de modo a inverter o possível resultado da audiência de julgamento e, ainda, ante o risco de saberem que este tipo de criminalidade é punido, em regra, com penas de prisão e que são jovens, não têm actividade profissional estável conhecida, e uma mobilidade muito impressiva, existe o risco da sua fuga. Por isso, preconiza o M. Público que todos os três fiquem sujeitos à medida coactiva da prisão preventiva. Cumpre decidir. No nosso ordenamento jurídico, a regra fundamental no que respeita às medidas de coacção é que a liberdade – enquanto direito fundamental com dignidade constitucional: art.º 27.º da Constituição – apenas pode ser limitada, no todo ou em parte, quando se mostre necessário acautelar a eficácia do procedimento penal: o seu bom e normal andamento e o efeito útil da decisão final. É o que dispõe o art.º 191.º do C. Pr. Penal. Por outro lado, outra coordenada legal fundamental é a que se acha plasmada no art.º 192.º do mesmo catálogo normativo: que o sujeito de qualquer medida de coacção tenha sido previamente constituído como arguido e que, além disso, que não se recortem motivos fundados para crer na existência de quaisquer causas que excluam a responsabilidade do arguido ou da extinção do procedimento criminal. Ainda, na escolha da concreta medida de coacção a aplicar a todo aquele que seja arguido em processo penal, há que atentar aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, que se acham previstos no art.º 193.º do C. Pr. Penal. Por último, é igualmente imperativo legal que as medidas coactivas privativas da liberdade apenas se podem aplicar quando as demais legalmente previstas se mostrem inadequadas ou insuficientes (art.º 193.º, n.º 2 do C. Pr. Penal). No caso em apreço, aceita-se de boa mente que a factualidade que se indicia tenha sido cometida pelos arguidos, pela sua gravidade, desembaraço e ousadia, permite concluir que o risco de persistência da sua actividade criminosa é elevado; com efeito, não se coibiram de, à luz do dia, se terem apropriado, mediante a ameaça de arma de fogo aos seus donos, de duas viaturas automóveis; igualmente de dia, e novamente sob ameaça de lesão física ou mesmo de morte, apropriaram-se de tabaco e outros bens que se achavam no interior de uma viatura automóvel, da qual igualmente se apropriaram, vindo depois a abandoná-la; finalmente, à luz do dia assaltaram uma ourivesaria de onde subtraíram – novamente mediante a ameaça da utilização de arma de fogo – relógios e artefactos em prata e numerário, sendo que um dos assaltantes (que tinha ficado no interior da viatura de fuga), fez um disparo de intimidação no interior de um café contíguo a esse estabelecimento, quando se apercebeu que uma testemunha se aprestava para usar o seu telemóvel, possivelmente para chamar as autoridades. A ousadia e audácia manifestada pelos assaltantes aquando da prática dos factos faz assim recear que os arguidos, se não for cerceada a sua liberdade ambulatória, possam prosseguir nessa actividade delituosa. O mesmo raciocínio é válido quanto ao invocado receio de perturbação do inquérito, por via da intimidação das testemunhas (nomeadamente aquela que se aprestava para usar o telemóvel aquando do assalto à ourivesaria ou o condutor da carrinha onde estava o tabaco roubado). Já quanto ao perigo de fuga igualmente trazido à liça pelo M. Público, é certo que – tendo os detidos conhecimento que vão ser submetidos a julgamento e estando cientes das provas recolhidas no inquérito e da muito previsível aplicação de penas de prisão efectivas - o estímulo para se porem em fuga não pode ser descartado. Contudo, afigura-se que o invocado receio de fuga não tem a intensidade, actualidade e premência que se acha vertida na promoção em apreço: os meios financeiros de que dispõem os arguidos (o C… e o B… auferindo, mensalmente, não mais que 1200 e 1500 euros, respectivamente; o D… cerca de 700 euros por mês) não se afiguram suficientes para assegurar a sua subsistência no caso de se pretenderem furtar à justiça, uma vez que, nesse caso, ficariam privados dessas fontes de rendimento; acresce que todos vivem com familiares, ou seja, acham-se familiar e socialmente integrados, o que de igual modo não estimulará a sua fuga. Ou seja, o perigo de fuga dos arguidos - ainda que em abstracto não possa ser de afastar por completo - evidencia menor intensidade que os perigos acima referidos, de perturbação do inquérito e de reiteração criminosa. Do que vem de referir-se, resulta então que para afastar, ou pelo menos obviar àqueles perigos (de perturbação do inquérito e de continuação da actividade criminosa), se recorta no horizonte a necessidade de submeter os arguidos a medida coactiva susceptível de obstaculizar a sua liberdade ambulatória: os crimes de roubo que lhes são imputados pelo M. Público pressupõem naturalmente a deslocação e movimentação física deles, pelo que a necessidade de os privar dessa liberdade fundamental é premente. Sem dúvida que a prisão preventiva afastaria por completo os aludidos perigos. Todavia, atendendo, por um lado, à preferência legal pela obrigação de permanência na habitação (art.º 193.º, n.º 3 do C. Pr. Penal) e à circunstância de os arguidos não evidenciarem antecedentes criminais no domínio dos crimes contra o património, a permanência forçada deles no respectivo domicílio é suficiente para satisfazer as exigências cautelares dos autos. Por outro lado, tal medida coactiva – controlada remotamente, uma vez que os arguidos declararam nisso consentir – é adequada a lograr a finalidade pretendida (evitar a perturbação do inquérito em curso e o perigo de persistência da actividade delituosa dos arguidos) e proporcional à gravidade dos factos indiciados, como decorre das penas abtractamente aplicáveis, sobretudo no que respeita aos roubos. Qualquer outra medida coactiva – tal como a obrigação de apresentações periódicas ou a caução – não são susceptíveis de evitar a verificação dos aludidos perigos (designadamente o da repetição de outros roubos), sendo que, por isso, e nos termos dos art.ºs 191.º a 193, 196.º, 201.º e 204.º, al.s b) e c), todos do C. Pr. Penal e dos art.ºs 1.º, al. a) , 2.º e 4.º da Lei 33/10, de 02.SET, os arguidos aguardarão os ulteriores termos processuais mediante a obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica. Ainda nos termos do art.º 202.º, n.º 1, al. d) do C. Pr. Penal, fica vedado aos arguidos contactarem entre si, por qualquer meio.”. * Antes de se entrar na apreciação do recurso apresentado pelo Ministério Público, importa recordar o seguinte conjunto de princípios gerais a que a lei processual penal sujeita a aplicação das medidas de coação:- princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade: as medidas de coação devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer (a medida deve ser idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso concreto) e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art.º 193º, nº 1 do Código de Processo Penal), desdobrando-se o último num critério quantitativo: a medida de coação deve ser proporcionada à gravidade do crime, tomando-se em consideração a medida abstrata da pena e fazendo-se uma prognose da pena que em concreto virá a ser aplicada ao arguido; e num critério qualitativo: tem-se em conta o comportamento e personalidade do arguido; - princípio da subsidiariedade das medidas de coação privativas da liberdade (prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) – art.º 193º, nº 2, 201º, nº 1 e 202º, nº 1, todos do Código de Processo Penal [2]. Por outro lado, impõe-se que se verifiquem os denominados pericula libertatis (art.º 204º do Código de Processo Penal): a) fuga ou perigo de fuga (perigo concreto e não mera probabilidade, sendo certo que se tem que ter presente que estamos perante um perigo, não se confundindo com existência de atos preparatórios da fuga); ou b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (perigo concreto a que não seja possível obstar com outros meios); ou c) perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas (função cautelar com validade no próprio processo e não medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada). Feitas estas considerações, apreciemos, então, os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público – que, como vimos, considera, por um lado, que, diversamente do que foi entendido pelo tribunal a quo, encontra-se já suficientemente indiciada a prática pelos arguidos de um crime de associação criminosa e, por outro, que a medida de obrigação de permanência na habitação mostra-se insuficiente para garantir as exigências cautelares verificadas no caso concreto (em particular, os perigos de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas) que, pela sua gravidade e premência, só a prisão preventiva poderá acautelar adequadamente. * Sob o título “prisão preventiva”, estabelece o n.º 1, do art.º 202.º, do Código do Processo Penal:“1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando: a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos; b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta; c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos; f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.”. A “natureza indiciária da prova significa que não se exige prova plena, mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança criminal” [3]. Como nos dá conta o acórdão do STJ de 28/8/2018 [4], quando na fase de inquérito, para a fixação da medida de coação da prisão preventiva, se alude, como no art.º 202.º, n.º 1, als. a) a e), a fortes indícios, o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas, mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objetivadas a partir dos elementos recolhidos. Sendo diferente o contexto probatório em relação ao (primeiro) momento da aplicação da medida de coação e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art.º 202.º e o de «indícios suficientes» explicitado no art.º 283.º, n.º 2 CPP: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal. Mas aferida essa idoneidade pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas. “Fortes indícios”, tendo em conta que a medida de coação é fixada ainda numa fase de aquisição da prova, configurando-se esse conceito como uma exigência de que ela não se apoie numa débil consistência probatória, mas antes em elementos probatórios já de solidez suficiente embora, porventura, não bastantes ainda para deduzir uma acusação. “Indícios suficientes”, no sentido em que, finda essa fase de investigação e aquisição da prova eles terão então de possuir, força necessária e solidez vincada, para deles resultar uma possibilidade razoável de em julgamento ser aplicada uma pena ao arguido. No presente caso, insurge-se o recorrente relativamente à consideração do juiz de instrução criminal de que, “dos elementos probatórios indiciários recolhidos no inquérito, ainda não é possível afirmar, com um mínimo de certeza e razoabilidade, que os arguidos tenham constituído – porventura com outro ou outros – uma associação criminosa digna desse nome”. Cremos que assiste razão ao tribunal a quo quanto à consideração de que o crime de associação criminosa não se mostra suficientemente indiciado, não sendo possível, perante os elementos já constantes do processo, afastar claramente a hipótese de nos encontrarmos perante uma simples situação de comparticipação (coautoria, embora já com as caraterísticas de um bando). Com efeito, o crime de associação criminosa, previsto e punido pelo art.º 299.º do Código Penal [5], exige a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa. Tal crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou - relativamente a associados não fundadores - com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso efetivo com estes. O bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa consiste na paz pública, entendida no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes [6]. Com o objetivo de densificar a categoria em apreço, por forma a permitir a sua delimitação de situações de simples coautoria ou ainda da figura do bando (forma especial de comparticipação, por vezes utilizada para qualificar determinados tipos de crime), destaca-se normalmente o seguinte conjunto de caraterísticas e requisitos: - a existência de uma pluralidade de pessoas, isto é, “a existência de um encontro de vontades dos participantes que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros” - neste sentido, vide Jorge Figueiredo Dias, in “Comentário Conimbricense”, Tomo II, 1160; - uma certa duração, isto é, que a organização perdure no tempo, ainda que incerto, para permitir a realização do seu fim criminoso; - uma estrutura minimamente organizada, isto é, a existência de um substrato material que supere os simples agentes e que permita a concretização do encontro de vontades para a prática de crimes; - um qualquer processo de formação da vontade coletiva, isto é, a adesão dos seus membros a uma realidade que transcende a realidade pessoal de cada um dos membros; - a existência de sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação a uma unidade diversa de cada um dos seus membros [7]. O conceito de bando integra uma situação de atuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa - mais grave do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censurável do que aquelas em que existe uma perfeita e definida "associação criminosa" -, integrando aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes atuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes, como sucede na associação criminosa [8]. No presente caso, consideramos que os elementos de facto e a prova indiciária disponível à data da prolação da decisão recorrida não são ainda suficientes para revelar a existência de uma organização caracterizada por hierarquias de comando definidas e certa divisão e especialização de funções, típicas da associação criminosa – muito embora a prova indiciária sugira que na estrutura do grupo assuma preponderância o papel do arguido B…, como veremos mais à frente. Como é salientado no acórdão do TRP de 14/12/2017 [9], “Existindo um grupo de pessoas que se juntam para praticar vários crimes contra o património, que os planeiam e executam num dado período de tempo, mas onde não existe um líder nem uma estrutura de comando e um processo de formação da vontade coletiva, estamos perante um bando”. * Afastada que está a demonstração indiciária do crime de associação criminosa, analisemos se as medidas de coação aplicadas são adequadas a prevenir as exigências cautelares verificadas no caso concreto, por referência aos restantes crimes indiciados – com particular destaque para os crimes de roubo qualificado, de detenção de arma proibida e de falsificação de documentos, afigurando-se os demais ilícitos tidos por verificados pelo JIC como acessórios relativamente à ponderação da aplicação das medidas cautelares (e, em particular, da prisão preventiva), como reconhece o recorrente.Relativamente ao “perigo de continuação da atividade criminosa” importa assinalar que este decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efetuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta (art.º 204º, al. c) do Código de Processo Penal), e concordamos com o tribunal a quo quando assinala que tal perigo se verifica por referência à totalidade dos arguidos/recorridos [10]. Contudo, também se nos afigura, tal como entendeu o tribunal a quo, que a obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, revela-se como medida cautelar adequada e suficiente para impedir a continuação da atividade criminosa consistente na pratica de crimes de roubo [11]. O perigo de fuga foi também devidamente equacionado pelo tribunal de primeira instância. Com efeito, assinalou-se na decisão recorrida que, tendo os arguidos/recorridos conhecimento de que vão ser submetidos a julgamento e estando cientes das provas recolhidas no inquérito e da muito previsível aplicação de penas de prisão efetivas, o estímulo para se porem em fuga não pode ser descartado. Mas nada nos autos indicava que o perigo de fuga, em concreto, fosse de tal forma atual e acentuado que não pudesse ser adequadamente contido através da medida de OPH, com fiscalização eletrónica [12]. Para além disso, a medida de coação deve ainda corresponder adequada e proporcionalmente ao receio de perturbação da ordem e tranquilidade públicas decorrente dos termos em que são perpetrados certos crimes, pela revolta e insegurança que geram nas pessoas, sobretudo quando não se lhes segue uma imediata reação reasseguradora, por parte do aparelho repressivo, em que repousa a crença da ordem e segurança comunitárias. Este perigo está claramente evidenciado na reiteração e gravidade dos factos praticados pelos arguidos, sendo muito expressivo o grau de organização e de violência utilizado para o cometimento dos crimes de roubo – com recurso à utilização de armas de fogo -, tudo contribuindo para gerar um forte sentimento de insegurança e intranquilidade na comunidade [13]. Cremos, por outro lado, que este perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas mostra-se exacerbado relativamente ao arguido B… que, para além de apresentar antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património [14], assume um papel predominante, provavelmente de liderança, dentro da estrutura do grupo, como indica a prova indiciária contida no processo [15]. A gravidade dos crimes de roubo praticados e o associado modo de execução, dando nota da indiciada existência de uma planificação prévia e de algum profissionalismo, remete-nos para a existência de elevadas preocupações em sede de prevenção geral, na vertente da necessidade de resposta adequada por forma a tranquilizar a sociedade, aspeto que a obrigação de permanência na habitação, mesmo que com vigilância eletrónica, não tem o condão de alcançar, como se reconhece no acórdão do TRP de 21/12/2016 [16]. Além disso, também o perigo de perturbação do inquérito [17], cuja existência foi reconhecida no despacho recorrido, se nos afigura especialmente acentuado relativamente ao arguido B…, sendo de recear que este possa contactar os arguidos e/ou outros suspeitos que se encontram em liberdade ou intimidar as testemunhas, com o objetivo de ver afastada ou atenuada a sua responsabilização criminal. Tudo ponderado, e relativamente ao arguido B…, não consideramos que a obrigação de permanência na habitação, mesmo com vigilância eletrónica, se apresente como adequada nem suficiente para prevenir os perigos acima detalhadamente analisados, sobretudo o de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, mas também o de perturbação do inquérito, tendo em conta o facto de ainda haver arguidos/suspeitos em liberdade e o de não ser possível, através da vigilância eletrónica, controlar eficazmente os contactos que o arguido possa estabelecer, mesmo à distância, a partir da sua residência e que poderiam comprometer irremediavelmente os resultados da investigação. Nessa medida, entendemos que a imposição da obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, não é suficiente para satisfazer as elevadíssimas exigências cautelares que no caso se fazem sentir, motivo pelo qual deverá o arguido B… ficar sujeito a prisão preventiva. Com efeito, a medida de coação de prisão preventiva, atendendo à natureza dos crimes em causa, à personalidade e condições pessoais do arguido e às elevadas exigências cautelares, sobretudo no que se refere ao perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, é a adequada e proporcional ao caso em apreço, mostrando-se inidónea, pelas razões apontadas, a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica. Assim, entendemos que a prisão preventiva é a única medida que se revela adequada e proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados e à personalidade manifestada pelo arguido, sendo de esperar, num juízo de prognose, que lhe será aplicada uma pena de prisão efetiva. Relativamente aos arguidos D… e C…, atendendo à circunstância de não apresentarem antecedentes criminais pela prática de crimes contra o património [18] e de se afigurarem menos acentuados os concretos perigos atrás assinalados, consideramos adequada a manutenção da obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, acrescida da proibição de contactos, medidas aplicadas no despacho recorrido. Na decorrência dos princípios da necessidade e subsidiariedade que regulam a aplicação das medidas de coação e, em particular, da prisão preventiva, esta medida cautelar mais gravosa apenas deverá ser aplicada aos arguidos D… e C… se a obrigação de permanência na habitação se revelar inexequível ou, como sugere o MP recorrente, enquanto não for possível efetivar a vigilância eletrónica [19], que se afigura absolutamente indispensável no caso concreto. Procede, assim, parcialmente, o presente recurso. * Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência:III - Dispositivo 1) Revoga-se o despacho recorrido na parte em que aplicou ao arguido B… a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, impondo-se-lhe, em substituição, a medida de coação de prisão preventiva. 2) Mantém-se a medida de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, aplicada aos arguidos D… e C…, sem prejuízo de deverem aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva se e enquanto não for possível efetivar a referida vigilância eletrónica. Sem custas. Notifique. * (Texto processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2, do CPP – e assinado digitalmente).* Porto, 10 de março de 2021Liliana de Páris Dias Cláudia Rodrigues _______________ [1] Mantendo-se a ortografia original do documento. [2] Salienta-se no acórdão deste TRP, de 4/7/2012, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Silva e Sousa e disponível em www.dgsi.pt, o seguinte: “O princípio da necessidade vem a traduzir-se na impossibilidade de o fim visado pela concreta medida de coação decretada não poder ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido. Deste princípio decorrem as seguintes consequências: a). Estabelecimento de uma escala de gravidade relativa das medidas de coação, ordenadas da mais para a menos grave, em consequência das restrições dos direitos, impostas ao arguido. i. prisão preventiva; ii. obrigação de permanência na habitação; iii. proibição de permanência, de ausência e de contactos; iv. suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos; v. obrigação de apresentação periódica; vi. caução; vii. termo de identidade e residência. b). subsidiariedade da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação em relação às outras medidas de coação. c). subsidiariedade da prisão preventiva em relação à obrigação de permanência na habitação. d). preferência pela cumulação de duas ou mais medidas de coação menos gravosas em detrimento da aplicação de uma medida mais gravosa. (Cfr. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, pág. 525 e Frederico Isasca, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pág. 99 a 118, sob o tema A Prisão Preventiva e Restantes Medidas de Coação). [3] Cfr. o acórdão deste TRP, de 9/1/2019 (relatado pela Desembargadora Elsa Paixão e disponível em www.dgsi.pt). [4] Relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva e disponível para consulta em www.dgsi.pt. [5] O art.º 299.º do CP tem o seguinte teor: 1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos. 2 - Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos. 3 - Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos. 4 - As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes. 5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo. [6] Cfr. o acórdão deste TRP de 17/10/2018, relatado pelo Desembargador Borges Martins e disponível em www.dgsi.pt. [7] Cfr. o acórdão do TRP de 21/2/2018, relatado pelo Desembargador Neto de Moura e disponível em www.dgsi.pt. [8] Cfr., neste sentido, o acórdão deste TRP de 23/2/2011, relatado pelo Desembargador Melo Lima e disponível em www.dgsi.pt. [9] Relatado pela Desembargadora Maria Deolinda Dionísio e disponível em www.dgsi.pt. [10] Como é salientado no acórdão deste TRP, de 26/10/2016 (relatado pelo Desembargador Neto de Moura e disponível em www.dgsi.pt), o perigo tem de ser real e não meramente hipotético ou virtual e resultar de todos os elementos factuais disponíveis no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da experiência comum. Por seu turno, o acórdão do TRL de 19/6/2019, relatado por João Lee Ferreira e disponível em www.dgsi.pt, refere que “No âmbito da apreciação dos requisitos de aplicação de medida de coação, impõe-se formular um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse juízo de prognose terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão díspares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstratamente aplicável, a forma concreta de atuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afetiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a atividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza.”. [11] No mesmo sentido, ver o acórdão do TRP de 24/9/2014, relatado pelo Desembargador Ernesto Nascimento e disponível em www.dgsi.pt. Como é salientado no acórdão do TRL de 24/11/2020 (relatado pelo Desembargador Luís Gominho, igualmente disponível para consulta em www.dgsi.pt), “A continuação da atividade criminosa, que se pretende impedir mediante a medida de coação, não pode abranger comportamentos que ultrapassem o prolongamento daquele que constitui o objeto do processo, sob pena de se transformar a medida de coação numa medida de segurança.”. [12] Adianta Frederico Isasca (in “A prisão preventiva e as restantes medidas de coação”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 3, Julho-Setembro 2003, páginas 375 e 376), relativamente ao perigo de fuga: “Quanto ao perigo (…) deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo”. Como se refere no acórdão do TRP, de 26/9/2007 (relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves, consultável em www.dgsi.pt), o perigo de fuga não se presume, sendo, ainda, necessário que haja elementos concretos que apontem no sentido de que o recorrente tem condições (económicas e/ou de apoio logístico) para a empreender e denota a intenção de se eximir à ação da justiça. [13] Refere-se no acórdão deste TRP, de 8/2/2012 (relatado pelo Desembargador Ricardo Costa e Silva, disponível em www.dgsi.pt): “O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas decorre diretamente dos termos em que são perpetrados certos crimes, pela revolta e insegurança que geram nas pessoas, sobretudo quando não se lhes segue uma imediata reação reasseguradora, por parte do aparelho repressivo, em que repousa a crença da ordem e segurança comunitárias.”. [14] Tendo sido já condenado pela prática de crimes de furto, incluindo de furto qualificado, como resulta do teor do CRC junto aos autos (cfr. fls. 288/299). [15] Sendo de destacar a circunstância de ter sido na sua residência que foram encontrados e apreendidos, na sua maioria, os objetos relacionados com os crimes em apreço, designadamente relógios e artigos de joalharia provenientes do “assalto” à ourivesaria “P…”, para além das munições. Por outro lado, o arguido B… era o possuidor de pelo menos dois dos veículos utilizados pelo grupo, destacando-se o veículo BMW …, de matrícula alemã. [16] Relatado pelo Desembargador Moreira Ramos e disponível em www.dgsi.pt. Como é salientado no acórdão do TRP de 26/9/2007 (relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves, in www.dgsi.pt), tendo em conta “a própria natureza dos crimes, bem como as circunstâncias que rodearam a sua prática – roubos à mão armada, perpetrados por indivíduos encapuçados – não podemos deixar de convir que a manutenção em liberdade de alguém conotado com a prática de tais crimes é fonte de sentimentos de grave insegurança, não só para os ofendidos e testemunhas, mas também para a comunidade em geral.”. [17] O perigo de perturbação do inquérito ou da instrução reporta-se às fontes probatórias que já se encontram nos autos ou que possam vir a ser obtidas e consiste no risco sério de ocultação ou alteração das mesmas por parte do arguido. [18] O arguido C… é primário e o arguido D… foi condenado, em pena de multa, pela prática de dois crimes de desobediência. [19] Algo que presumimos que se encontrará já ultrapassado, dado o lapso temporal decorrido deste a determinação das medidas de coação. |