Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1353/15.1T8OVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: AUGUSTO DE CARVALHO
Descritores: INTERVENÇÃO PROVOCADA ACESSÓRIA
DIREITOS PROCESSUAIS
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RP201706191353/15.1T8OVR-A.P1
Data do Acordão: 06/19/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 653, FLS.80-83)
Área Temática: .
Sumário: I - Embora limitado à discussão das questões relacionadas com o direito de regresso, o interveniente acessório pode sempre contestar.
II - Se o réu não contestar a acção, o interveniente acessório fica na posição de substituto processual daquele, podendo apresentar contestação e exercer todos os direitos e deveres processuais, embora sem poder realizar atos em relação aos quais a parte principal tenha perdido o direito de praticar.
III - Quando o réu não contesta, o interveniente acessório pode deduzir contestação e oferecer prova testemunhal.
IV - O que se pretende com o estabelecido no artigo 330º é que, no caso de o réu contestar e arrolar testemunhas, o chamado não possa oferecer mais do que aquelas que juntamente com as do primeiro ultrapassem o número máximo permitido pelo nº 1 do artigo 511º do C.P.C.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº 1353/15.1T8OVR-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

B… e mulher C… intentaram acção com processo comum de declaração contra D….

A ré não contestou, mas deduziu o incidente de intervenção provocada acessória da Companhia de Seguros E…, S.A., e da F…, S.A., alegando que, à data dos factos invocados na petição inicial, a Ordem dos Advogados tinha celebrado, e mantinha em vigor, com a 1ª seguradora o contrato de seguro de grupo titulado pela apólice nº ………., tendo como objeto da sua cobertura a responsabilidade civil profissional emergente de atos e omissões dos advogados inscritos na Ordem dos Advogados.
A ré encontra-se inscrita na Ordem dos Advogados, sendo titular da cédula profissional nº …... Também, à data dos factos, mantinha em vigor com a 2ª seguradora o contrato de seguro titulado pela apólice nº ………., que tinha como objeto da sua cobertura a responsabilidade civil profissional emergente de atos e omissões da ré, enquanto e no exercício da sua profissão de advogada, actividade que ainda se encontra a exercer.
Por isso, e caso venha a ser condenada no pagamento de qualquer indemnização, terá direito de regresso contra as chamadas.

Foi admitida a intervenção acessória da Companhia de Seguros E…, S.A., e da F…, S.A., as quais apresentaram as respectivas contestações e arrolaram testemunhas.

Foi proferido, então, o seguinte despacho:
«Segundo o disposto no artigo 330º do C.P.C., aplicável por força do preceituado no artigo 323º, nº 1, do mesmo diploma, os intervenientes a título acessório “(…) podem fazer uso de quaisquer meios de prova, mas quanto à prova testemunhal somente para completar o número de testemunhas facultado à parte principal” – neste sentido, Salvador da Costa, in Os Incidentes da instância, Almedina, 3ª Edição, Atualizada e Ampliada, pág. 136, a propósito do artigo 339º do anterior C.P.C., segundo o qual o chamado “pode oferecer qualquer meio de prova legalmente previsto, salvo a testemunhal, em que só pode completar o número de testemunhas facultado ao réu, naturalmente, no caso de o último haver contestado e arrolado testemunhas”.
Nestes termos, e não tendo a ré apresentado contestação, nem arrolado testemunhas, não admito os róis de testemunhas apresentados pelas chamadas com as suas contestações».

Inconformada, G…, S.A., sociedade resultante da fusão por transferência global do património da F…, S.A., para a Companhia de Seguros E…, S.A., recorreu para esta Relação, formulando as seguintes conclusões:
1. Considera o despacho saneador recorrido que, não tendo a ré apresentado contestação, nem arrolado testemunhas, ficaram as intervenientes irremediavelmente impedidas de deduzir prova testemunhal, mostrando-se inadmissível os róis por estas apresentados com as suas contestações.
2. Tendo o interveniente a título acessório um direito próprio a contestar, distinto do réu assistido, mesmo quando este não apresenta aquele articulado de defesa, é necessário que se retirem todas as consequências legais dessa circunstância, enquanto substituto processual do réu assistido.
3. Assim, não obstante parecer resultar numa interpretação apriorística do texto do nº 2 do artigo 328º do C.P.C. – quando aí se estatui que “[os] assistentes gozam dos mesmos direito e estão sujeitos aos mesmos deveres que a parte assistida, mas a sua actividade está subordinada à da parte principal, não podendo praticar actos que esta tenha perdido o direito de praticar (…)” -, que a não apresentação de contestação pelo réu redundaria na preclusão do direito do interveniente acessório de fazer uso de quaisquer meios de prova,
4. Acontece que a lei processual civil determina nos artigos 322º, n.º 1 e 323º, nº 1, ambos do C.P.C., a possibilidade de o interveniente a título acessório poder deduzir contestação, mesmo quando o réu o não faça e, bem assim, que podem fazer uso de quaisquer meios de prova, com a limitação prevista no artigo 330º do C.P.C., aplicável ex vi do artigo 323º, nº 1, parte final, quanto à prova testemunhal, apenas para completar o número de testemunhas facultado à parte principal.
5. Isto precisamente porque, dadas as limitações impostas ao número total de dez testemunhas (cfr. artigo 511º do C.P.C., para o processo comum), o interveniente, tendo em conta a subordinação da sua atividade (artigo 328º, nº 2, 1ª parte, aplicável ex vi do 323º, nº 1, parte final), não pode oferecer e fazer ouvir mais testemunhas do que aquelas que, com as do assistido, preencham o número máximo legal permitido (vd. José Lebre de Freitas, op. cit., pág. 645, em anotação ao artigo 330º).
6. A ratio legis da norma não é a de coartar ao interveniente a possibilidade de apresentar prova testemunhal quando o réu não contesta, mas sim, bem outra, o de limitar o número de testemunhas facultado à parte principal, tendo em conta a posição do interveniente, subordinada àquele.
7. Pelo que, não tendo, no caso, a ré apresentado contestação, sempre poderiam as intervenientes apresentar um número de testemunhas até ao máximo legal de 10, facultado à parte assistida e previsto no nº 1 do artigo 511º do C.P.C.
8. Posto que, tendo a interveniente F…, S.A., arrolado 3 (três) testemunhas e a interveniente Companhia de Seguros E…, S.A., 1 (uma), não se mostra excedido o referido número máximo facultado à parte principal e que ao interveniente a lei possibilitava completar nos termos do artigo 330º do C.P.C.
9. Deverá, assim, revogar-se o despacho recorrido, admitindo-se os róis apresentados por aquelas, na sua integralidade.
10. O Meritíssimo Tribunal a quo, ao decidir da forma como fez, violou frontalmente o disposto nos artigos 322º, nº 1, 323º, nº 1, e 328º, nº 2, 1ª parte, 330º e 511º, nº 1, todos do C.P.C.

Não houve contra-alegações.

Cumpre decidir.

São apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do novo C.P.C.
A única questão a decidir consiste em saber se, não tendo a ré contestado, nem arrolado testemunhas, a interveniente acessória pode apresentar prova testemunhal.

I. No despacho recorrido considerou-se que, não tendo a ré contestado, nem arrolado testemunhas, ficaram as intervenientes irremediavelmente impedidas de deduzir prova testemunhal, mostrando-se inadmissíveis os róis por estas apresentados com as suas contestações.
Dispõe o artigo 321º do C.P.C:
1 – O réu que tenha acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda pode chamá-lo a intervir como auxiliar na defesa, sempre que o terceiro careça de legitimidade para intervir como parte principal.
2 – A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento.
Por sua vez, no artigo 323º estabelece-se:
1 – O chamado é citado, correndo novamente a seu favor o prazo para contestar e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nos artigos 328º e seguintes.
Como se refere no preâmbulo do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12/12, «a fisionomia atribuída a este incidente traduz-se, nesta perspetiva, numa intervenção acessória ou subordinada, suscitada pelo réu, na altura em que deduz a sua defesa, visando colocar o terceiro em condições de o auxiliar na defesa, relativamente à discussão das questões que possam ter repercussão na acção de regresso ou indemnização invocada como fundamento do chamamento.
Procurou, por outro lado, operar-se uma ponderação adequada entre os interesses do autor (que normalmente não terá qualquer vantagem em ver a linearidade e celeridade da acção que intentou perturbada com a dedução de um incidente que lhe não aproveita, já que o chamado não é devedor no seu confronto, nunca podendo ser condenado mesmo que a ação proceda) e do réu, que pretende tornar, desde logo, indiscutíveis certos pressupostos de uma futura e eventual acção de regresso contra o terceiro, nele repercutindo o prejuízo que lhe cause a perda da demanda».
Na base deste incidente encontram-se, deste modo, duas relações jurídicas diversas, por um lado, a relação material controvertida na acção principal, de que é sujeito ativo o autor e passivo o réu; por outro lado, a eventual acção de regresso, na qual é titular ativo o réu da acção principal e passivo o terceiro chamado por aquele a intervir como auxiliar na sua defesa.
Este auxílio na defesa ao réu da acção principal resume-se às questões relacionadas com a acção de regresso ou indemnização com aquela conexa (circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, no dizer do nº 1 do artigo 321º). cfr. nº 4 do artigo 323º.
Embora limitado à discussão das questões relacionadas com o direito de regresso, o interveniente acessório pode sempre contestar.
Se o réu não contestar a acção, como sucede no caso dos autos, o chamado fica na posição de substituto processual daquele, podendo apresentar contestação e exercer todos os direitos e deveres processuais, embora sem poder realizar atos em relação aos quais a parte principal tenha perdido o direito de praticar.
Como refere Lebre de Freitas, «com a citação, o chamado fica logo investido no estatuto de assistente, iniciando-se o prazo para contestar a ação.
Aplicando-se-lhe os artigos 328º a 332º, dir-se-ia que, quando o réu não tenha contestado, o chamado não pode tão-pouco fazê-lo, por se tratar de ato que a parte principal perdeu o direito de praticar e porque tal implicaria assumir atitude oposta à do réu (artigos 328º-2 e 329º). Mas, não distinguindo o nº 1 quando concede ao chamado o direito de contestar e carecendo de adaptação e aplicação das disposições predispostas para o interveniente acessório espontâneo, afigura-se mais correto, atentos os fins do chamamento (a produção de caso julgado em face do chamado) e tido em conta o disposto no artigo 332º-a, entender que o chamado pode sempre contestar (mas não deduzir na contestação exceções que o réu, tendo contestado, não tenha deduzido na sua, ficando, no caso de não o ter feito o réu, na posição de substituto processual deste (artigo 329º), com o que a revelia do réu não surtirá os efeitos do artigo 567º. Temos então que, não obstante esta revelia ser relativa (o réu interveio no processo, requerendo o chamamento, mas seguidamente não contestou) aplica-se o preceito da 1ª parte do artigo 329º, ainda que este artigo só diretamente regule a revelia absoluta do assistido (ver o nº 2 da respetiva anotação).
Em tudo o mais, os direitos, ónus e faculdades do chamado são, a partir do momento da situação, e independentemente da sua intervenção efetiva na causa, idênticos aos do interveniente espontâneo, pelo que a reserva a este da denominação de assistente não tem expressão material diferenciadora de regimes. Aliás, podendo o chamado não chegar a ter qualquer intervenção ativa no processo, quadra-lhe melhor a denominação de assistente (auxiliar na defesa: cf. artigos 321º-1 e 326º-1) do que a de interveniente acessório. À distinção destas duas figuras nem sempre a lei se mostra fiel (ver o n.º 3 da anotação ao artigo 325º).
Terminado o prazo para a contestação do chamado, o autor é notificado para, sendo caso disso, replicar às contestações apresentadas, quer pelo réu, quer pelo chamado». Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2014, págs. 634-635.
No mesmo sentido, refere Salvador da Costa que, «no caso de o réu não contestar a ação, assume o chamado a posição de substituto processual, ou seja, passa a atuar para tutela de um interesse próprio na gestão de um processo que tem por objecto uma relação jurídica alheia, não podendo, porém, praticar atos que o primeiro tenha deixado de poder praticar (artigo 329º).
Tendo em conta a regra da adaptação constante do nº 1, não deduzindo o réu contestação, esgota-se-lhe o prazo para o efeito antes da citação do chamado, mas este pode fazê-lo, não obstante aquele ter perdido o direito de contestar». Os Incidentes da Instância, Almedina, 7.ª Edição, 2014, págs. 112 e 113.
Ou seja, a intervenção do chamado apenas está condicionada nos termos do nº 2 do artigo 328º, não podendo praticar atos que a parte principal haja perdido o direito de praticar, nem assumir atitudes processuais em oposição às daquela.
Em nosso entender, quando o réu não contesta, o chamado pode deduzir contestação e oferecer prova testemunhal. A limitação, quanto à prova testemunhal, prevista no artigo 330º, não tem como objectivo retirar ou restringir ao chamado a possibilidade de apresentar prova testemunhal quando o réu não contesta.
Nesta situação em que o assistido é revel, o chamado é considerado como seu substituto processual nos termos do artigo 329º e, portanto, «não funciona o limite residual a que alude o artigo em análise (actual artigo 330º), podendo oferecer as testemunhas que o assistido poderia oferecer, como se tivesse o estatuto de parte principal». Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, 4ª Edição, 2006, pág. 165.
O que se pretende com o estabelecido naquele artigo 330º é que, no caso de o réu contestar e arrolar testemunhas, o chamado não possa oferecer mais do que aquelas que juntamente com as do primeiro ultrapassem o número máximo permitido pelo nº 1 do artigo 511º do C.P.C.
Conclui-se assim que, não tendo a ré apresentado contestação, como substitutas processuais, a chamada/apelante pode apresentar testemunhas até ao limite previsto no artigo 511º, nº 1, do C.P.C.
Procede, deste modo, o recurso da chamada G…, S.A.

Decisão:
Pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes desta secção cível em julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogam a decisão recorrida, a qual se substitui por outra em que se admitem os róis de testemunhas apresentados.

Custas pela parte vencida a final.

Sumário:
I. Embora limitado à discussão das questões relacionadas com o direito de regresso, o interveniente acessório pode sempre contestar.
II. Se o réu não contestar a acção, o interveniente acessório fica na posição de substituto processual daquele, podendo apresentar contestação e exercer todos os direitos e deveres processuais, embora sem poder realizar atos em relação aos quais a parte principal tenha perdido o direito de praticar.
III. Quando o réu não contesta, o interveniente acessório pode deduzir contestação e oferecer prova testemunhal.
IV. O que se pretende com o estabelecido no artigo 330º é que, no caso de o réu contestar e arrolar testemunhas, o chamado não possa oferecer mais do que aquelas que juntamente com as do primeiro ultrapassem o número máximo permitido pelo nº 1 do artigo 511º do C.P.C.

Porto, 19.6.2017
Augusto de Carvalho
Carlos Gil
Carlos Querido