Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
304/11.7TMPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA AMÁLIA SANTOS
Descritores: ALIMENTOS A EX-CONJUGE
Nº do Documento: RP20130710304/11.7TMPRT-A.P1
Data do Acordão: 07/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A situação de carência económica do ex-cônjuge deve ser analisada no momento em que a pensão de alimentos é pedida.
II - Se o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência e o outro ex-cônjuge reunir condições económicas suficientes, deve ser decretada a pensão de alimentos a favor daquele, quantificada de acordo com os critérios legais previstos nos art.ºs 2003.º, 2004.º, 2016.º e 2016.º-A, todos do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 304/11.7TMPRT- A.P1- Apelação 2ª
Tribunal de Família e Menores de Vila Nova de Gaia
Relatora: Maria Amália Santos
1º Adjunto: Desembargador Aristides de Almeida
2º Adjunto: Desembargador José Amaral
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
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A requerente B…, divorciada, residente na …, .., .º dto. Em …, Vila Nova de Gaia, veio propor providência cautelar de alimentos provisórios, por apenso à acção principal de alimentos, contra o requerido C…, residente na Rua …, …, .º dto. Vila Nova de Gaia, pedindo que o mesmo seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 400,00 a título de alimentos provisórios, até serem fixados os alimentos definitivos.
Alega para tanto, em síntese, que foi casada com o requerido durante 22 anos, encontrando-se divorciados desde Maio de 2010.
Durante o período do casamento, numa fase inicial, e por opção do casal, a requerente, apesar de ter o curso de “Educadora de Infância” foi doméstica e mãe, cuidando do marido, da casa e da filha do casal, abdicando da sua carreira profissional para o marido poder ir estudar à noite, concluir o ensino secundário e ingressar no curso superior de engenharia mecânica.
A partir de 1997 a requerente começou a trabalhar, a tempo inteiro, como educadora de infância num infantário em Espinho, continuando sempre a depender economicamente do marido, o qual concluiu, nessa altura, o curso de Engenharia Mecânica no …, tendo tirado um MBA em 2008, para progredir profissionalmente na empresa onde trabalhava.
A requerente, mais uma vez, teve de abdicar do seu desejo de concluir a licenciatura ou progredir profissionalmente na carreira, a favor do requerido e do seu casamento.
Acontece que em Setembro de 2008 o infantário onde trabalhava encerrou, tendo aquela ficado desempregada, aumentando de forma manifesta a sua dependência económica do requerido.
Na altura da separação, nos meses de Abril e Maio de 2009, o requerido ainda ajudou a requerente com uma contribuição mensal de € 300,00 – o que deixou de fazer, no entanto, a partir de então, assim como deixou de ajudar a filha do casal, que apesar de maior vive com a mãe.
Actualmente a Requerente encontra-se desempregada, já não recebendo nenhum subsídio social - de valor inferior a € 420,00 -, o qual que terminou em Dezembro de 2011, e dada a sua idade (45 anos) não tem expectativa de vir a arranjar emprego no imediato.
Necessita a requerente de um valor mensal não inferior a € 360,00 para a sua alimentação; € 50,00 para vestuário e calçado; € 50,00 para deslocações para procurar emprego, idas ao supermercado, médico e serviço de saúde; € 151,65 para habitação (metade do valor da prestação de empréstimo bancário para aquisição de habitação própria, sita na morada indicada, como sua residência; € 45,82 para pagamento do condomínio; € 75,00 para despesas médicas e medicamentosas; € 60,00 para despesas de electricidade; € 30,00 para despesas de água; € 20,00 para gás canalizado; € 50,00 para despesas de manutenção da casa e reparação ou substituição de equipamentos domésticos; e € 45,00 para despesas com telefone, internet e TV cabo.
Ora, a requerente não possui rendimentos suficientes para suportar as despesas mencionadas, sendo certo que actualmente não tem nenhum rendimento, vivendo com a ajuda financeira de familiares, nomeadamente dos pais.
Acresce que a filha do casal, já com 18 anos de idade, estudante, não possui qualquer fonte de rendimento, vivendo com a requerente, e aumentando, significativamente os seus encargos.
Daí que necessite de alimentos, a cargo do requerido, para fazer face às referidas despesas (e da sua filha).
O requerido, por sua vez, está a trabalhar, auferindo um vencimento mensal líquido superior a €.2.000,00, sendo suportadas pela “D…, S.A.”, sua entidade patronal, todas as despesas por ele tidas com viatura, gasóleo e telemóvel.
Vive assim o requerido desafogadamente, porque, além do mais, divide com a actual esposa todas as despesas do agregado familiar. Além disso, deixou de pagar as propinas à filha, que entretanto concluiu a sua licenciatura.
Conclui que tem necessidade dos alimentos pedidos ao requerido, no valor de € 400,00, estando aquele em condições de lhos prestar.
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O requerido contestou impugnando (embora parcialmente) os factos alegados pela requerente na p.i., nomeadamente que tenha sido opção do casal que a A. tenha ficado em casa após o casamento (em 1987), assim como quando nasceu a filha do casal (em 1991), tendo sido opção da A. a sua não progressão académica e profissional, tendo-a o requerido sempre incentivado a isso, necessitando mesmo o casal do contributo económico da A.
Foi a A. que definiu, em exclusividade, o seu percurso profissional, e foi consequência da sua opção de não querer assumir uma carreira profissional com carácter estável e com futuro.
Aliás, a A. sempre trabalhou, desde 1988 (um ano após o casamento e logo que terminou o seu curso de educadora de infância), embora de forma precária. Em 1991, quando nasceu a filha do casal, a A., por opção sua, interrompeu a sua actividade profissional, que retomou em 1996 até 2008, altura em que ficou desempregada.
Alega que é certo que durante a pendência do casamento contribuiu em maior proporção para as despesas domésticas, contribuindo ambos na medida das suas possibilidades. Após a separação, o requerido manteve, na íntegra, o seu apoio à filha do casal, suportando exclusivamente as despesas de educação daquela (licenciada pela Universidade …), de saúde e outros gastos diversos.
Assumiu sempre também metade da prestação do empréstimo bancário contraído pelo casal para a aquisição da sua habitação, na qual a requerente e a filha do casal continuam a viver, assim como assumiu integralmente o pagamento do IMI.
Alega ainda que a requerente, antes da separação, sem o conhecimento e sem o consentimento do requerido levantou várias quantias da conta conjunta do casal, no valor aproximado de € 17.000,00.
Além disso, recebeu a quantia de € 4.211,35, do subsídio de desemprego.
O requerido aufere um salário líquido de €.2.000,00 mensais, encontrando-se a esposa desempregada por motivos de doença. Habita em casa arrendada pagando de renda €.500,00 euros mensais, suportando assim despesas num total de €.2533,80 euros (que especifica).
A estas despesas acrescerão ainda as que vai suportar com os estudos da filha do casal, que vai iniciar um curso de Mestrado, estando a diligenciar, para esse efeito, pela obtenção de um empréstimo bancário.
Não possui assim o requerido condições económicas que lhe permitam pagar qualquer pensão de alimentos à requerente.
Segundo o mesmo, a A. alega factos que sabe serem falsos, pelo que solicita a condenação da mesma como litigante de má fé em multa condigna, assim como a pagar as despesas tidas pelo requerido com a presente acção, em quantia que fixa em € 1.500,00 euros a título de indemnização.
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Foi proferida decisão a julgar a providência cautelar parcialmente procedente e em consequência a atribuir à requerente, a título de alimentos provisórios, a cargo do requerido, a quantia de € 200,00 (duzentos euros) mensais a pagar por transferência bancária até ao dia 30 do mês a que disser respeito.
Julgou ainda improcedente o pedido de condenação da A. como litigante de má fé.
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Não se conformando com a decisão recorrida, veio o Requerido dela interpor recurso de Apelação, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões:
1. Apelante e apelada foram casados e dessa relação matrimonial tiveram uma filha, hoje maior.
2. Desde que se separaram a apelada manteve-se desempregada, não tendo feito qualquer esforço para reverter essa situação.
3. A filha do apelante é licenciada e pretende continuar a sua formação profissional, especializando-se com um mestrado.
4. O apelante concorda com a decisão da filha, pretendendo pagar essa formação especializada.
5. O tribunal a quo decidiu conceder alimentos provisórios à apelada, à custa do apelante, de €200,00 mensais.
6. Para formar tal convicção, baseado na prova produzida nos autos, considerou os rendimentos do apelante e a insuficiência de meios da apelada.
7. Porém, reapreciada a prova produzida nos autos, a decisão terá de ser outra, pois que a apelada não tem carência de meios que justifiquem a fixação de uma pensão de alimentos pelo ex-cônjuge. 8. Deve, pois, alterar-se a matéria de facto dada como provada, analisados os documentos dos autos, bem como a prova produzida em sede de audiência de julgamento.
9. Deve considerar-se provado que entre Setembro de 2008 e Janeiro de 2010 a Apelada auferiu da Segurança Social um subsídio de €16.321,50.
10. Deve considerar-se provado que entre Agosto de 2009 e Outubro de 2012 a Apelada recebeu da Segurança Social, a título de prestações de abono de família €1.492,92.
11. Deve considerar-se provado que o Apelante suporta a totalidade do pagamento do IMI daquela que foi a casa de morada de família.
12. Por fim, deve considerar-se provado que a apelada recebeu do Fundo de Garantia Salarial, pelo menos, € 7.000,00.
13. E deve ainda considerar-se provado que, com o levantamento das economias da família, entrou no património da apelada a quantia de €13.345,00.
14. Desde que o casal se separou, em Março de 2008, e até à presente data, a apelada amealhou um total aproximado de €45.000,00.
15. Face a esta factualidade, não se pode afirmar que a apelada não tem meios para prover ao seu sustento.
16. Por outro lado, face às despesas que o Apelado suporta, o mesmo não tem condições económicas de prestar alimentos à apelada, sua ex-cônjuge, uma vez que a filha de ambos carece desses alimentos.
17. Para prestar alimentos à apelada, ex-cônjuge, o apelante comprometerá, irremediavelmente, o futuro da sua filha, solução que não aceita.
18. Impõe-se fazer uma ponderação entre a obrigação de alimentos devidos a ex-cônjuges e a obrigação de alimentos devidos a filhos maiores ainda em formação profissional.
19. Nos termos do disposto no art. 2016.º, n.º1 do CC “cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio”.
20. Sendo certo que “a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges tem carácter excepcional, transitório e precário, já que tem apenas em vista permitir-lhe a satisfação das suas necessidades básicas até poder reorganizar autonomamente a sua vida” – Ac. do TRP proferido no proc. 1985/07.1TBVNG em 28.09.2010.
21. Nos termos do disposto no art. 1880.º do CC “se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
22. Significa isto que a obrigação de alimentos devidos a filhos se mantém na maioridade, enquanto o filho ainda não houver completado a sua formação profissional.
23. Isto posto, cremos que a obrigação de alimentos devidos a filhos maiores no período da sua formação profissional deverá prevalecer sobre a obrigação de alimentos devidos a ex-cônjuges, atendendo à natureza das obrigações em confronto.
24. Assim, por ser prevalecente o direito a alimentos devidos a filhos, para que este direito a alimentos da filha do apelante não fique irremediavelmente comprometido, deverá a sentença ser revogada.
Termos em que deverá ser revogada, na íntegra, a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.
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Pela recorrida foram apresentadas contra-alegações nas quais pugna pela manutenção da decisão recorrida.
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Cumpre decidir, sendo certo que o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões do recorrente, acima transcritas, no qual se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do acto recorrido e não sobre matéria nova, excepção feita para o que for do conhecimento oficioso.
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Nessa linha de orientação, as questões a apreciar, suscitadas pelo recorrente na presente apelação são:
- a de saber se deve ser alterada a matéria de facto;
- se com a matéria de facto alterada deve ser julgada improcedente a providência cautelar.
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Factos dados como provados na 1ª Instância:
1) Requerente e requerido foram casados entre si encontrando-se actualmente o casamento dissolvido por divórcio desde Maio de 2010.
2) Desse casamento nasceu uma filha já maior de idade e licenciada.
3) A Requerente não exerce qualquer actividade remunerada desde 2008, após o encerramento do Infantário onde exerceu funções de educadora desde o ano de 1997.
De acordo com os documentos juntos constata-se que:
(…)
-A R. tem despesas com gás, electricidade, água, ZON, condomínio que, em média, coincidem com os valores alegados;
-No período de 02.12.2010 a 16.01.2012 a R. beneficiou de subsídio num valor total de €.5.657,85 euros, sendo que deixou de auferir qualquer subsídio social/desemprego desde 02.10.2012 (cfr. Fls.62).
-O requerido transfere mensalmente, e em media, para a conta bancária titulada pela filha, maior de idade, o montante €300,00 euros mensais como contributo para as despesas da mesma.
-O requerido é titular de um seguro de saúde do qual é também beneficiária a sua filha;
-O requerido aufere €.1.958,77 euros mensais (cfr. Fls. 88 dos autos principais).
-O requerido suporta o pagamento de juros e amortizações contraídas com a aquisição de casa própria (casa da R. e r.) no montante anual de €.2.799,97.
-O requerido paga a renda habitacional, que em Janeiro de 2011 era de €.500,00 euros mensais.
-O requerido apresentou despesas de saúde várias verificadas desde o ano de 2010;
-O requerido tem despesas com água, luz , gás, Zon, seguro de saúde , sindicato dos engenheiro, condomínio, IMI (50%).
Factos que seriam relevantes para a decisão, mas sem prova documental nos autos, razão pela qual são dados por não provados:
-o montante auferido pela R. do FGS e resultante das poupanças do casal alegadamente partilhadas.
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Da Impugnação da matéria de facto:
Alega o recorrente que a ponderação da prova testemunhal e documental junta aos autos impõe que parte da matéria de facto seja alterada.
Diz que relativamente ao ponto 2 da matéria de facto, deveria ter sido também considerado provado que a filha do casal, apesar de ter concluído já a sua licenciatura, não terminou ainda a sua formação académica que lhe permitirá ingressar na vida ativa, tendo em consideração o depoimento prestado pela testemunha E… (cujo depoimento prestado no dia 04.10.2012, se encontra gravado), pai da apelada e avô da filha do casal, e o doc. 4 junto com a contestação, onde esse facto é relevado.
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Diz que foi também considerado provado que “No período de 02.12.2010 a 16.01.2012 a R beneficiou de um subsídio num valor total de € 5.657,85 euros, sendo que deixou de auferir qualquer subsídio social/desemprego desde 02.10.2012”.
Sucede que do documento junto aos autos pela Segurança Social, fls…, é indicado, para além destes valores, o recebimento por parte da apelada de €:16.321,50 “no período de 2008-09-02 a 2010-12-01, no valor diário de € 20,15 (vinte euros e quinze cêntimos).
Nesse mesmo documento é ainda referido que, a título de prestações de abono de família, desde Agosto de 2009 a Outubro de 2012, a apelada recebeu a quantia de €:1.492,92.
Ou seja, a título de subsídios (grosso modo) a apelada auferiu a quantia global de €:17.814,42, facto que deveria ter sido dado como provado, com base no doc. mencionado.
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Foi igualmente dado como provado que o requerido apenas suporta o IMI do prédio do casal em 50%. Acontece porém que ao contrário do que foi dado como provado, o apelante suporta a totalidade desse IMI.
A testemunha F…, refere que o Apelante “paga o IMI na totalidade”.
Aliás, nunca a apelada alegou no seu articulado que pagava parte do IMI.
Assim, deve considerar-se provado que a ora apelante suporta a totalidade do pagamento do IMI daquela que foi a casa de morada de família.
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Alega finalmente que a sentença considerou como não provado “o montante auferido pela R do FGS e resultante das poupanças do casal alegadamente partilhadas”.
Porém, analisados os depoimentos das testemunhas G…, H…, I…, F… pode-se concluir com segurança que a apelada, já depois da separação do casal, recebeu do Fundo de Garantia Salarial um valor que se situou entre os € 7.000,00 e os € 8.000,00 e que em data próxima da separação do casal, levantou das economias do casal a quantia de cerca € 17.000,00.
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É de referir, desde logo, que assiste ao recorrente o direito de impugnar a matéria de facto, já que a prova testemunhal foi registada, tendo sido dado cumprimento ao disposto no art.º 685º-B, nº 1, als a) e b) do C.P.C., encontrando-se também nos autos todos os documentos a apreciar, pelo que está este tribunal em condições de reapreciar a prova produzida na 1ª Instância (artº 712º nº1, alínea a) do CPC).
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E perante a prova produzida nos autos, temos de concordar (embora parcialmente) com o recorrente, de que deveriam constar da matéria de facto provada alguns dos factos indicados pelo apelante (embora sem relevância, adiantamos já, na decisão final da causa)
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Deveria efectivamente ter sido considerado provado que “a filha do casal, apesar de ter concluído já a sua licenciatura, não terminou ainda a sua formação académica, sendo sua intenção iniciar um curso de mestrado” (facto alegado pelo recorrente no artº 84º da oposição).
Tal facto foi confirmado pela testemunha E…, pai da requerente e avô da filha do casal, sendo também aceitável, à luz das regras da experiência, que após a reforma do ensino ocorrida com o acordo de Bolonha, os alunos só concluam a sua formação académica com o curso de Mestrado (integrado ou não no curso superior que frequentem).
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Quanto ao teor do documento junto aos autos principais pela Segurança Social, relativo ao subsídio de desemprego auferido pela requerente, consta do mesmo, o recebimento por parte da apelada, de €:16.321,50 “no período de 2.9.2008 a 1.12.2010, no valor diário de € 20,15 (vinte euros e quinze cêntimos).
Nesse mesmo documento é ainda referido que a título de prestações de abono de família, desde Agosto de 2009 a Outubro de 2012, a apelada recebeu a quantia de €:1.492,92.
Assim, face ao teor daquele documento (não impugnado pela requerente), deveria ter-se considerado provado que entre Setembro de 2008 e Dezembro de 2010 a apelada auferiu da Segurança Social a quantia global de € 16.321,50, (facto alegado pelo requerido no artº 68 da oposição), acrescida das prestações de abono de família na quantia de € 1.492,92
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Quanto ao pagamento da totalidade do IMI pelo recorrente, referente ao prédio do casal, tal facto foi confirmado pela testemunha F…, que refere que o Apelante “paga o IMI na totalidade”.
Aliás, tal facto nem sequer foi “contestado” pela requerente, que nunca se referiu a ele no seu articulado, nem o incluiu também nas suas despesas.
Assim, deve considerar-se provado que o requerido suporta a totalidade do pagamento do IMI daquela que foi a casa de morada de família.
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Já não podemos concordar com o apelante quanto aos factos dados como “não provados” na matéria de facto e que no entender daquele deveriam ser considerados provados, nomeadamente por força do depoimento das testemunhas que indica.
Considerou-se na sentença recorrida como não provado “o montante auferido pela R do FGS (Fundo de Garantia Salarial) e resultante das poupanças do casal alegadamente partilhadas”, acrescentando-se que se trata de factos que seriam relevantes para a decisão, mas sem prova documental nos autos, razão pela qual são dados por não provados.
Embora não seja referido naquela decisão em que medida esses factos seriam relevantes para a decisão, não nos parece que tais factos pudessem integrar sequer a matéria de facto – provada ou não provada – porque não alegada por nenhuma das partes (artº 264º do CPC).
Segundo o art. 264º nº 2 do CPC – que concretiza o princípio processual básico do dispositivo -, “o juiz só pode fundar a decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo do disposto nos arts. 514º e 665 e da consideração, mesmo oficiosa, dos factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa”. Além disso, e de acordo com o nº 3 do mesmo preceito, “serão ainda considerados na decisão os factos essenciais à procedência das pretensões formuladas (…) que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório”.
Na mesma linha, estabelece o art. 664º daquele corpo de normas que “o juiz (…) só pode servir-se dos factos articulados pelas partes, sem prejuízo do disposto no artigo 264º”.
A regra imposta pelo aludido princípio do dispositivo é, pois, a de que o Juiz só pode, no despacho (ou no acórdão, se o julgamento decorrer perante tribunal colectivo) de fixação da matéria de facto (com ou sem elaboração prévia da base instrutória) e na sentença, ter em conta os factos alegados pelas partes nos articulados. As excepções (ou limitações) a tal princípio são as que constam da 2ª parte do nº 2 e do nº 3 do citado art. 264º.
No caso, porém, não está em causa a verificação de nenhuma dessas excepções/limitações, pelo que tais factos nunca poderiam ser considerados na decisão a proferir.
Sempre se dirá, contudo, que os factos em análise nunca poderiam ser dados como provados com base no depoimento das testemunhas, como pretende o recorrente.
Trata-se de matéria de facto (prestações pagas pelo Fundo de Garantia Salarial e quantias levantadas pela requerente das contas do casal) que só poderiam ser provadas documentalmente (artº 655º nº2 do CPC).
Não devem, assim, ser considerados (muito menos como provados) os factos dados como não provados na decisão da matéria de facto.
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Da pensão de alimentos:
Decidida em definitivo a matéria de facto, haverá agora que apreciar se a decisão proferida – ainda que provisória – de condenação do requerido a pagar à requerente uma pensão de alimentos mensal de € 200,00 deve ser revogada, como pretende o recorrente.
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Nos termos do n.º 1 do artigo 2003.º do Código Civil “por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, integrando o n.º 2 neste conceito “a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
O artigo 2004.º define a medida dos alimentos, determinando que os mesmos serão proporcionados aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los, e que na sua fixação concreta se atenderá à possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Estão vinculados à prestação de alimentos o cônjuge e o ex-cônjuge, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2009.º do Código Civil, sendo esses obrigados os primeiros a serem demandados, na ordem do preceito legal citado.
Referindo-se especificamente ao divórcio e separação judicial de pessoas e bens, preceitua o artigo 2016.º nº1 do CC (na redacção introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, vigente a partir de 30 de Novembro de 2008, aplicável ao caso dos autos), que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio, e no n.º 3, que por razões manifestas de equidade, o direito a alimentos pode ser negado.
Por sua vez, o n.º 1 do artigo 2016.º- A do mesmo diploma legal define critérios objectivos para a definição do montante da prestação alimentar na sequência do divórcio ou da separação de bens: “Na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a duração do casamento, a colaboração prestada à economia do casal, a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos, um novo casamento ou união de facto e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.
Nos termos do n.º 3 do normativo citado, o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio.
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Como se decidiu em acórdão desta Relação, de 15 de Setembro de 2011 (disponível em www.dgsi.pt), do qual fomos adjunta, desde a versão inicial do Código Civil (Decreto-lei nº 47334 de 25 de Novembro de 1966) até à versão actual introduzida pela Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro (aqui aplicável), pelas alterações introduzidas no art.º 2016º, os alimentos devidos entre os ex-cônjuges foram vistos, primeiro, basicamente, como uma sanção sobre o cônjuge único culpado, ou o cônjuge principal culpado pelo divórcio quando ambos sejam considerados culpados, passando depois a predominar a sua natureza indemnizatória na reforma de 1977 (Decreto-lei nº 496/77, de 25 de Novembro), que ainda se mantém na mais recente actualização do referido preceito legal, como parte de uma reforma mais abrangente que eliminou a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos entre os ex-cônjuges (Lei 61/2008).
Quanto ao montante de alimentos, enquanto na versão inicial do Código Civil não existia norma especial relativa a alimentos em caso de separação judicial de pessoas e bens ou divórcio, devendo aplicar-se a regra geral do art.º 2004º - segundo a qual os alimentos eram proporcionados aos meios daquele que haveria de prestá-los e à necessidade daquele com direito a recebê-los, considerando também a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência -, já a reforma de 1977 estabeleceu um regime especial para o efeito no art.º 2016º, nº 3, segundo o qual “na fixação do montante dos alimentos deve o tribunal tomar em conta a idade e estado de saúde dos cônjuges, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego, o tempo que terão de dedicar, eventualmente, à criação de filhos comuns, os seus rendimentos e proventos e, de modo geral, todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que recebe os alimentos e as possibilidades do que os presta”.
E foi assim também que a jurisprudência transitou da ideia de que o cônjuge culpado deveria proporcionar ao alimentando uma situação económica tendencialmente idêntica à da constância do matrimónio, para a posição de que “o direito a alimentos do divorciado, ao abrigo do art.º 2016º, tem natureza alimentar, pelo que não nasce por mero efeito da verificação do pressuposto da culpa previsto no n.º 1 do mesmo artigo, nem tem como finalidade assegurar ao requerente o mesmo padrão de vida que usufruía na vigência do casamento (Amadeu Colaço, Novo regime do Divórcio, Almedina, 2ª edição, pág.s 148 e 149, citando, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1985, de 8.2.2000, de 16.5.2002 de 27.1.2005 e de 14.11.2006).
A versão actual do Código Civil, dada pela Lei 61/2008, foi mais longe.
Viabilizando o divórcio a pedido de um cônjuge sem o consentimento do outro, com afastamento da apreciação da culpa por violação dos deveres conjugais, e com base na mera constatação de ruptura do casamento (art.ºs 1773º, nº 3 e 1781º), além de reforçar a ideia de que qualquer dos cônjuges tem direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (por mútuo consentimento ou sem o consentimento do outro) afirmou o princípio de que cada ex-cônjuge deve prover à sua própria subsistência depois do divórcio (art.º 2016º, nº 1) e deixou expresso em letra de lei que “o cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio” (art.º 2016º-A).
Para a determinação do montante de alimentos a atribuir ao ex-cônjuge necessitado, além dos elementos acima referidos e indicados no art.º 2016º, nº 3, na versão da reforma de 1977, a última reforma acrescentou: a duração do casamento; a colaboração prestada à economia do casal; e um novo casamento ou união de facto.
E se o princípio da autonomia económica do ex-cônjuge não foi tão longe quanto se chegou a propor - pois no texto da Proposta de Lei n.º 509/X, que chegou a ser aprovada no Plenário da Assembleia da República e no âmbito da qual resultou o Decreto da AR n.º 232/X, era então estipulado, no artigo 2016.°-B do C.C, que a obrigação de alimentos devia ser estabelecida por um período limitado, salvo razões ponderosas, sendo que este período podia ser renovado, preceito que foi eliminado -, a verdade é que cada um dos ex-cônjuges deverá em princípio prover à sua subsistência.
E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir um mínimo de vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los.
Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário (Amadeu Colaço, Novo regime do Divórcio, Almedina, 2ª edição, pág.s 148 e 149, citando, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.1985, de 8.2.2000, de 16.5.2002 de 27.1.2005 e de 14.11.2006), e, seguramente, limitado pela obrigação de socorro numa situação de grande exigência resultante de manifesta carência de meios de subsistência num quadro de impossibilidade ou séria dificuldade de obtenção de rendimento suficiente à realização de uma vida minimamente condigna.
Remete assim a norma em questão para os artigos 2003º e 2004.º do Código Civil, devendo-se atender ao conteúdo dos alimentos e a todas as circunstâncias que influam sobre as necessidades do cônjuge que receba alimentos e as possibilidades de quem os presta, nomeadamente à capacidade do primeiro prover à sua subsistência.
À luz da norma legal citada, a obrigação de alimentos entre cônjuges pode, por conseguinte, vigorar para lá da vigência da sociedade conjugal, pois como decorre da lei (1672º do Código Civil), os cônjuges estão vinculados, reciprocamente, pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência.
Aliás, a obrigação de alimentos em que os cônjuges, mutuamente, estão constituídos, ou, mais, precisamente, o respectivo dever de manutenção, tem natureza pessoal, sendo a contribuição para os encargos normais da vida familiar quantificada, estritamente, em função do padrão de vida ou do estatuto matrimonial.
Quando não existe ruptura da vida em comum, isto é, na plena efectividade de vigência da sociedade conjugal, as duas modalidades em que o dever de assistência, de carácter recíproco, se desdobra, ou seja, a obrigação de prestar alimentos e a de contribuir para os encargos da vida familiar, consagradas pelos artigos 1675º, nº 1 e 1672º, do CC, diluem-se no seio da aludida comunhão de vida, que importa o dever de compartilhar o mesmo tecto, sendo, então, a prestação de alimentos absorvida pela obrigação de contribuir para os encargos da vida familiar, a qual só adquire autonomia, em regra, quando os cônjuges se encontram separados de facto ou em caso de divórcio.
Na situação de dissolução ou de interrupção do vínculo conjugal, a prestação alimentar ganha autonomia e afere-se, então, pelo que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do cônjuge, mas, também pelo que é suficiente para satisfazer as exigências de vida correspondentes à condição económica e social da família, de acordo com o seu padrão de vida normal, sujeita a um critério de dupla proporcionalidade, quer em função dos meios do que houver de prestá-los, quer da necessidade daquele que houver de recebê-los, com o limite fixado pela possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Com efeito, a obrigação de prestação de alimentos entre ex-cônjuges, na sequência de divórcio, a que alude o artigo 2016º, do CC, constitui um efeito jurídico novo, que se radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal (Remédio Marques, Algumas Notas Sobre Alimentos (Devidos a Menores) «Versus» O Dever de Assistência dos Pais para Com os Filhos (Em Especial Filhos Menores), 2000, 12 e 162).
Como tem sido entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio, porquanto este, sem embargo do direito que lhe assiste a uma existência economicamente autónoma e condigna, não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, nem a expectativa jurídica da garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do casamento.
O alcance do auxílio a prestar ao ex-cônjuge que pretenda exercer um direito a alimentos concebe-se num plano intermédio, visando colocar, se possível, o ex-cônjuge numa situação razoável, isto é, acima do limiar de sobrevivência, nos termos dos limites de uma vida sóbria, embora provavelmente abaixo do padrão de vida que o casal atingiria.
Na prestação de alimentos de um cônjuge a outro, mesmo após a dissolução da sociedade conjugal, importa assim ter em atenção as necessidades mais prementes do cônjuge credor dos alimentos, através do confronto entre os respectivos rendimentos e as despesas essenciais – alimentação, vestuário, saúde.
Mas, a carência de alimentos não se esgota nas condições de sobrevivência. Sempre que possível, deverá visar igualmente um mínimo de condições de conforto que impeça uma ruptura absoluta com o nível de vida de que tal cônjuge usufruía durante a vigência do matrimónio, sem que isso signifique, contudo, o direito à manutenção do nível de vida existente na pendência do matrimónio”, que esse não contende, já, com a vida de divorciado.
Como refere o Professor Pereira Coelho (Curso de Direito da Família, Volume I, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág.s 741 e 742), “supomos que esta orientação cabe na nossa lei, desde que queiramos dar ao adjectivo “indispensável”, do art. 2003.º, n.º 1, uma interpretação mais folgada quando o pedido de alimentos for formulado por um ex-cônjuge, com base numa acentuação da ideia de solidariedade pós-conjugal.”
O entendimento perfilhado, e agora consagrado na nova redacção do artº 2016º, afasta-se, assim, da ideia indemnizatória ou compensatória da prestação de alimentos, que resultava da redacção anterior, ao conceder o direito a alimentos, em geral, apenas ao cônjuge inocente, ou ao menos culpado no divórcio.
Ou seja, o direito do divorciado a alimentos tem natureza, não indemnizatória ou compensatória, mas sim alimentar, e é condicionado pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do alimentante.
Quer isto significar que a prestação alimentícia nasce sempre de uma situação de carência; a delimitação dessa situação é que poderá variar consoante as situações; apenas tem direito a alimentos quem deles necessitar e na medida respectiva, e só está obrigado ao pagamento quem tiver condições económicas que lhe permitam efectuá-lo sem colocar em causa a sua própria subsistência.
Logo, o apuramento da real necessidade de alimentos implica que se pondere a possibilidade do próprio alimentado prover à sua subsistência, total ou parcialmente, seja com base no seu património pessoal, seja por referência à sua capacidade de trabalho, através da ponderação da sua aptidão física, qualificações profissionais e possibilidade real de efectiva ocupação laboral, fazendo “jus” ao disposto no nº 1 do art. 2016.º do CC de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio”.
Subjacente a esta disposição legal está o princípio de que “o ex-cônjuge deve providenciar e esforçar-se pela angariação de meios de subsistência, e não ficar dependente do outro ex-cônjuge e este, por sua vez, eternamente ficar vinculado a essa obrigação” – Tomé d’Almeida Ramião in “O Divórcio e Questões Conexas”.
Aliás, a regra prevista no n.º 1 do artigo 2016.º não constitui novidade, sendo já pacificamente aceite pela doutrina a ideia que lhe está subjacente (antes da entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro), desde a Reforma de 1977, que consagrou, por imperativo da Constituição, o princípio da igualdade dos cônjuges, proclamado no artigo 1671.º, onde se preceitua que o casamento se baseia na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges e que a direcção da família pertence a ambos.
No que toca à medida dos alimentos, a doutrina tradicional define-a com base nas seguintes condições: a necessidade do alimentando; a possibilidade do obrigado; a possibilidade de o alimentando prover à sua subsistência.
Como se disse, o terceiro pressuposto enunciado tem subjacente o princípio que o legislador veio proclamar na redacção que introduziu no n.º 1 do artigo 2016.º através da Lei n.º 61/2008, de 31 de Outubro, segundo a qual cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
Em suma, só na eventualidade de o ex-cônjuge não conseguir prover à sua subsistência, e se o outro cônjuge reunir condições económicas, deverá ser decretada a pensão alimentar, quantificada de acordo com os critérios objectivos enunciados no n.º 1 do artigo 2016.º-A, não esquecendo dois outros factores: o ex-cônjuge credor não tem o direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio (n.º 3 do art. 2016.º-A); por razões manifestas de equidade, pode ser negado o direito a alimentos (n.º 3 do art. 2016.º).
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Reportando-nos agora ao caso dos autos, preceitua o artº 2007º do C.C. que enquanto não se fixarem definitivamente os alimentos, pode o Tribunal, a requerimento do alimentado, conceder alimentos provisórios a taxar segundo prudente arbítrio.
Ora, é no conjunto de circunstâncias e condições acima expostas, essencialmente previstas nos art.ºs 2016º e 2016º-A, e à luz dos factos provados que há-de determinar-se o direito e, na afirmativa, o montante da pensão de alimentos a prestar pelo requerido a favor da requerente.
Alega o recorrente que tendo em consideração a matéria de facto dada como assente (onde se deverá incluir a que deve ser aditada), não se mostram verificados os pressupostos que levaram à fixação da pensão de alimentos provisórios.
Diz que já se passaram mais de quatro anos desde a separação do casal e que durante esse longo período de tempo a apelada permaneceu inactiva, do ponto de vista profissional, nada tendo feito para reverter tal situação.
Mas sem razão.
A requerente alegou – e provou – que não exerce, efectivamente, qualquer actividade remunerada desde 2008, após o encerramento do Infantário onde exerceu funções de educadora desde o ano de 1997, mas tal situação (não contrariada por qualquer facto alegado pelo requerido) é aceitável na actual conjuntura económica em que não é fácil arranjar emprego, mesmo em áreas diferentes daquela onde a requerente trabalhou e para a qual tem formação.
Aliás, é de referir que no período em que permaneceu inactiva mas recebia o subsídio de desemprego e, posteriormente, o subsídio social de desemprego subsequente – subsídios que se destinam a compensar a falta do vencimento -, nada reclamou do requerido.
De referir é também o facto de que os valores recebidos pela requerente nesse período destinaram-se precisamente a substituir o seu vencimento (embora em montantes consideravelmente inferiores); daí que não faça sentido a afirmação do requerido de que a requerente auferiu quantias (elevadas) da Segurança Social, durante o período em que esteve desempregada, que agora deveria utilizar, como se se tratasse de poupanças intactas, sem necessidade de irem sendo gastas pela requerente.
Trata-se, como se disse, de prestações sucedâneas do vencimento mensal (pagas com referencia a um valor diário), e que se destinam, precisamente, a suprir as carências dos beneficiários que se encontram involuntariamente desempregados, destinando-se, por outro lado, o “Abono de Família” à filha do casal e não à requerente.
Como se disse, durante o período em que recebeu essas prestações sociais (ainda que de valor inferior ao seu vencimento) a A. nada reclamou do R.
A situação há-de ser analisada, assim, à luz da realidade presente, num momento em que a requerente não recebe vencimento nem qualquer prestação substitutiva do mesmo (momento esse reportado ao da propositura da acção).
E a essa luz está provado nos autos que a Requerente não exerce actualmente qualquer actividade remunerada nem recebe qualquer prestação social.
Ou seja, perante a matéria de facto provada resulta que a requerente se encontra numa situação de absoluta carência económica, decorrente da sua situação de desemprego, e da falta de qualquer fonte de rendimento, necessitando, para fazer face às suas despesas (e da filha que consigo convive) do valor mensal de € 937,47.
Está assim a A. numa situação de dependência económica absoluta, embora relativamente à filha, o R. lhe preste já uma pensão mensal no valor de € 300,00.
Ou seja, a situação de carência económica da requerente coloca-a na situação de necessitar dos alimentos que vem pedir ao requerido, seu ex-marido.
Quanto ao requerido resultou da matéria de facto provada que o mesmo aufere de salário mensal a quantia de €.1.958,77, vivendo com a esposa.
Quanto às suas despesas, consta que transfere mensalmente, e em média, para a conta bancária titulada pela filha o montante €300,00, como contributo para as despesas da mesma.
Suporta ainda o pagamento de juros e amortizações decorrente de empréstimo contraído para a aquisição de casa própria (casa do casal ainda não partilhada) no montante anual de €.2.799,97 (cerca de € 230,00 mensais).
Além disso, paga a renda habitacional, que em Janeiro de 2011 era de €.500,00 mensais.
Tem despesas com água, luz, gás, Zon, seguro de saúde, sindicato dos engenheiro, condomínio, IMI, em montante não apurado.
Também não ficou apurado o valor que o requerido irá despender com a formação da filha (com o mestrado), nem sequer se tem intenções de o fazer.
Ou seja, logrou o requerido provar que aufere mensalmente cerca de € 2.000,00 e que tem despesas fixas mensais na ordem de € 1.030,00.
Encontra-se, assim, o requerido em situação de poder contribuir, com uma pensão de alimentos para a ex-mulher.
Contabilizados estão já nas despesas do requerido a pensão de alimentos que concede à filha (de € 300,00) pelo que se mostra aqui irrelevante analisar o argumento por ele utilizado na suas alegações de recurso de que para pagar a pensão de alimentos à ex-esposa, teria de deixar de pagar a pensão de alimentos à filha maior, colocando a questão como se de um conflito de direitos se tratasse – o que não é o caso, já que se trata de obrigações diferentes, autónomas uma da outra.
Quanto às despesas correntes do requerido, por ele alegadas no artº 82º da oposição, e cujo montante não logrou provar, sempre se dirá que elas deverão ser consideradas, sendo público e notório que qualquer cidadão tem despesas correntes com a sua alimentação, vestuário, calçado, e outras despesas normais de quem trabalha e vive em sociedade.
Mesmo assim, sendo retiradas do seu vencimento as despesas mais avultadas, acima referidas (€ 500,00 + € 230,00 + € 300,00) resta ainda ao requerido a quantia mensal de € 970,00 para fazer face às suas despesas correntes, o que se mostra mais do que suficiente para satisfazer as suas necessidades elementares – considerando, por outro lado, que o valor do salário mínimo nacional, actualmente de € 485,00, tem sido considerado como um valor referencial para suprir as necessidades básicas de um indivíduo (desconhecendo-se ainda qual a situação pessoal ou profissional da sua esposa).
Ou seja, considerando o que fica exposto, está o requerido em condições de prestar uma pensão de alimentos à requerente, sua ex-mulher, no valor que lhe foi fixado na decisão recorrida, de € 200,00 mensais.
Relevante no caso dos autos é ainda o período de casamento que manteve com a requerente – de 22 anos -, no âmbito do qual criaram uma filha em conjunto, ainda economicamente dependente, a viver com a progenitora.
Nesta perspectiva, ponderando o critério legal, temos como justo e adequado às circunstâncias do caso o que foi decidido na sentença recorrida, que o A. suporte uma pensão de alimentos mensal a favor da requerente, ainda que a título provisório, no montante de € 200,00.
Improcedem, assim, na íntegra, as conclusões das alegações do recorrente.
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Sumário do Acórdão (artº 713º nº 7 do CPC):
I- A situação de carência económica do ex-cônjuge deve ser analisada no momento em que a pensão de alimentos (provisória) é pedida.
II - Caso o ex-cônjuge não consiga prover à sua subsistência (nomeadamente devido a situação de desemprego) e o outro ex- cônjuge reunir condições económicas suficientes, deverá ser decretada a pensão alimentar a favor do 1º, quantificada de acordo com os critérios legais previstos nos artºs 2003º e 2004º do CC, bem como nos dos artºs 2016º e 2016.º-A do mesmo diploma legal.
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Decisão:
Pelo exposto, acorda-se em julgar a Apelação Improcedente, mantendo-se, na íntegra, a decisão proferida.
Custas (da Apelação) a cargo do recorrente.

Porto, 10.7.2013
Aristides Manuel da silva Rodrigues de Almeida
José Fernando Cardoso Amaral
Maria Amália Pereira dos Santos Rocha