Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
349/18.6T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
CONTRATO DE TRABALHO POR TEMPO INDETERMINADO
PERÍODO EXPERIMENTAL
Nº do Documento: RP20181108349/18.6T8MTS.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 284, FLS 293-302)
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo o trabalhador contratado por tempo indeterminado depois de anteriormente ter prestado atividade no âmbito de contrato de prestação de serviços para o mesmo objeto, o período experimental deve ser reduzido ou excluído, consoante a duração desse contrato.
II - Nada se fazendo constar do contrato de trabalho a propósito da duração do período experimental, a aplicação do prazo de 180 dias, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º do CT/2009, faz-se sobre a alegação concreta, pela entidade patronal, dos factos integrantes da complexidade técnica e especial responsabilidade.
III - Não fazendo a entidade patronal tal demonstração, é de aplicar o prazo geral de 90 dias, prevista na alínea a) do mesmo normativo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação 349/18.6T8MTS.P1

Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Valongo

Autor: B...
: C..., Lda.
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Relator: Nelson Fernandes
1.ª Adjunta: Des. Rita Romeira
2.ª Adjunta: Des. Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório
1. B... instaurou ação declarativa, com processo comum, contra C..., Lda., formulando os seguintes pedidos:
- Declarar-se que prestou ininterruptamente serviço para Ré como Analista Programador, no âmbito de um contrato de prestação de serviços, desde 2/02/2017 até 31/05/2017, que a partir de 1/06/2017 estava contratado sem termo ou por tempo indeterminado para continuar a desempenhar as funções de Analista Programador; declarar-se que o período experimental seria de 90 dias, mas que se mostra excluído por o autor ter prestado mais de 90 dias de trabalho para Ré no âmbito do supra citado contrato de prestação de serviços e declarar-se a ilicitude do despedimento e, por via disso, ser a Ré condenada a pagar-lhe: a indemnização pelo despedimento ilícito que, à data da propositura da ação, ascende a €3.817,50; o montante de €1.272,50 de RB mensal, respeitante á retribuição referente aos 30 dias anteriores á propositura da presente ação; o montante das prestações vincendas desde a data da propositura até ao trânsito em julgado da decisão final do tribunal; o montante de €155,64 reclamado no art.º 19º da P.I.;
- Ser ainda a Ré condenada a pagar ao autor juros de mora: sobre a indemnização reclamada no art.º 17º da PI desde o trânsito em julgado da decisão judicial; sobre as retribuições reclamadas no art.º 18º da P.I. desde os respetivos vencimentos; sobre o proporcional de férias reclamado nos art.º 19º da P.I. desde o dia seguinte à cessação do contrato de trabalho (15/07/2107).
Alegou, para tanto, em suma: que começou a prestar serviços para a Ré em 2/02/2017, como analista programador, o que durou até 31/5/2017; que a 1/6/2017 celebrou com a Ré contrato de trabalho por tempo indeterminado para exercer as mesmas funções de analista programador, mas que a partir de 14/7/2017 a ré recusou-se a receber a prestação do autor, impedindo-o de retomar suas funções.

1.1. Frustrada a tentativa de conciliação levada a efeito na audiência de partes, apresentou-se a Ré a contestar, sustentando, também em síntese, que o período experimental aplicável ao Autor é de 180 dias pela complexidade técnica das funções que o mesmo exercia, pelo que de qualquer modo não estava decorrido tal período de tempo na data de 14/7/2018.

1.2 Foi proferido despacho saneador, tendo ainda sido fixado o valor da ação em €5.245,64 e dispensada a indicação do objeto do litígio e a seleção dos temas de prova.

1.3 Realizada a audiência de discussão e julgamento foi, por fim, proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Nestes termos, e com fundamento no exposto, julgo parcialmente procedente o pedido formulado nos autos, pelo que:
a) declaro que o autor prestou ininterruptamente funções junto da ré como Analista Programador desde meados de Fevereiro de 2017 e até 31 de Maio de 2017, sob relação contratual não definida, e que a partir de 1/6/2017 estava contratado sem termo para continuar a desempenhar as funções de Analista Programador, cujo período experimental de 90 dias se mostrou excluído por força daquela relação contratual anterior;
b) declaro ilícito o despedimento do autor B..., levado a cabo pela entidade empregadora e ré C..., Lda por comunicação datada de 14/7/2017;
b) consequentemente, condeno a ré a pagar ao autor as seguintes quantias;
- as retribuições mensais, à razão de €1.170,00, desde os 30 dias anteriores à propositura desta acção (23 de Dezembro de 2017) e até ao trânsito em julgado da decisão final deste processo, a liquidar posteriormente, descontado do valor correspondente aos montantes recebidos pelo autor a título de subsídio de desemprego ou subsídio social de desemprego ou de outras importâncias auferidas pelo autor com a cessação do contrato e que não auferisse se não fosse o despedimento, nos termos do disposto no art. 390.º do Código do Trabalho;
- a quantia de €3.510,00 a título de indemnização em substituição da reintegração a que acrescerá a quantia de €1.170,00 por cada fracção de antiguidade (que seja superior aos 3 anos) que ocorra até ao transito em julgado da sentença.
b) condeno a ré a pagar ao autor a quantia de €155,94 a título de retribuição de férias relativas ao ano da cessação do contrato de trabalho, acrescida de juros de mora contados desde 15/7/2017 à taxa de 4% e até efectivo pagamento.
Custas a cargo de autor e ré, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.
Registe.”

2. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Ré, apresentando, no final das suas alegações as seguintes conclusões (transcrição):
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2.2 O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
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Nada obstando ao conhecimento, cumpre então apreciar e decidir:

III – Questões a resolver
Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se o Tribunal a quo errou na aplicação do Direito sobre o período experimental aplicável ao caso.
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IV – Fundamentação
A) De facto
O tribunal recorrido deu como provados os factos seguidamente transcritos:
“1. A Ré é uma sociedade por quotas com o objecto social de Actividades de Consultoria e Programação informática. Prestação de serviços em sistemas de informação e multimédia, importação, exportação, representação, assistência técnica de software e comercialização de dispositivos de material informático e multimédia.
2. Pelo menos desde meados Fevereiro de 2017, o autor começou a prestar serviços para Ré como Analista Programador, nas instalações da Ré sitas Av. ... n.º .. loja .., ....-..., união de freguesias ....
3. O autor desenvolveu a actividade supra referida ao serviço da Ré até 31 de Maio de 2017.
4. Tendo auferido /recebido mensalmente da Ré, como contrapartida da actividade desenvolvida como Analista Programador, as quantas de €318,18, €1.000,00, €1.000,00 e € 1.000,00, respectivamente.
5. No dia 1 de Junho de 2017 o autor celebrou com a Ré um contrato de trabalho por tempo indeterminado, para continuar com as funções de Analista Programador, nas instalações da Ré sitas Av. ... n.º .. loja .., ....-..., união de freguesias ..., competindo-lhe executar as tarefas correspondentes à categoria profissional de Analista Programador, com o período normal de trabalho de 40 horas por semana, 5 dias por semana e 8 horas por dia, com o horário de trabalho de Segunda-feira a Sexta-feira, das 9H00 às 18H00s, com uma hora de intervalo para o almoço, mediante a retribuição base mensal ilíquida de €1.170,00.
6. O autor executou para ré as funções de Analista Programador desde meados de Fevereiro até 14/07/2017.
7. Data em que a Ré, por carta enviada ao autor, lhe comunicou “a decisão de terminar o contrato de trabalho, a partir desta data, ao abrigo do período experimental”.
8. As funções do autor compreendiam a instalação, configuração e manutenção de ferramentas, equipamentos e sistemas informáticos, suportados em diferentes plataformas e sistemas operativos.
9. A pretensão da sociedade Ré, numa fase primária, prendia-se com a submissão do ora Autor a um regime de estágio profissional, por forma a melhor avaliar as qualidades e aptidões do mesmo para o exercício das funções pretendidas pela Ré, e, consequentemente, se verificadas essas circunstâncias, celebrar com o ora Autor um contrato de trabalho que se prolongaria no tempo.
10. Apesar da candidatura apresentada pela sociedade Ré junto do “Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P.” para que o Autor aí exercesse e desenvolvesse as funções pretendidas pela Ré, por um período de nove meses, foi a mesma indeferida.
11. Foi no seguimento deste indeferimento que a ré decidiu celebrar contrato de trabalho com o autor.
12. O autor tem formação académica em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, pela Universidade ..., de São Paulo, Brasil, e frequenta mestrado em Engenharia Matemática.”
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1. Do período experimental
Sustenta a Apelante que, diversamente do decidido na sentença, ainda que para efeitos de período experimental esse se tivesse iniciado em meados de Fevereiro e não no dia 1 de Junho de 2017, o cargo de “Analista Programador”, para o qual foi contratado o Autor, se configura como “de elevada complexidade”, tendo que, nesse caso, o período experimental deve passar para 180 dias, sendo que, diz, quando comunicou a cessão do contrato de trabalho ao Autor ainda se encontravam “no tempo inicial de execução do contrato de trabalho, período esse que as partes apreciam o interesse na sua manutenção”, podendo pôr termo ao mesmo sem invocação de justa causa, conforme consta do artigo 111 n.º 1 do código de trabalho".
Em abono da sua tese, tendo por base o que teria sido afirmado no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 4/2/2013 (processo n.º 247/10.1TTVRL.P1, in www.dgsi.pt) – assim de que “não basta discutir em abstracto se uma enfermeira, um cabeleireiro, um torneiro mecânico ou um técnico de computadores são funções de complexidade e responsabilidade. Isso há-de apurar-se mediante factos, alegados que devem ser, constituintes da dita complexidade e responsabilidade” –, parte então a agora Apelante para a tarefa de apresentar (utilizando as suas palavras) “um conjunto de critérios que aliados à prova feita e aos factos apresentados corroboram a posição de que o cargo de analista programador deve ser tido como de elevada complexidade” (conclusões 6.ª e 7.ª). Para o efeito fazendo ainda apelo a doutrina (assim Pedro Petrucci de Freitas, in Questões Laborais, N.º 46, p. 136-150, Associação de Estudos Laborais) e jurisprudência (neste caso o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 21.03.2006, proc. n.º 2610/05-3), considera que estamos perante um caso em que, “funções como, comandar operações de tratamento automático da informação, proceder à codificação dos programas, escrever instruções para o computador, proceder a testes para verificar a validade do programa e do software e introduzir-lhe alterações” se devem considerar “de complexidade técnica, uma vez que, sem ter uma elevada formação quer técnica, académica, quer prática, não é atingível – cfr. Anexo I da Convenção Colectiva de Trabalho APECA já junto como doc. 3 e que se dá por integralmente reproduzido”. Invocando ainda seguidamente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 632/2008, proc. n.º 977/2008 – “ trabalhadores que exerçam cargos de elevado grau de responsabilidade, e bem assim de complexidade técnica, integram um grupo de trabalhadores com especiais qualificações” – refere que no caso em apreço, o Autor/recorrido “é titular de um curso superior em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, é ainda mestre em Engenharia Matemática e possui ainda uma especialização em Multimédia – cfr. curriculum vitae já junto como doc.4 e que se dá por integralmente reproduzido” (conclusões 8.ª e 9.ª). Daí que, diga, se verifique “o grau de dificuldade das suas habilitações, bem como, da diferenciação que as mesmas fazem, além da elevada técnicidade que apresentam e que representam para o cargo para o qual foi contratado pela ora recorrente” (conclusão 10.ª). Seguidamente (conclusão 11.ª), referindo que “é ainda de apreciar o critério organizacional e também conforme refere Pedro Petrucci de Freitas já atrás referenciado, este critério está relacionado com a distribuição das mais diversas competências, conteúdo funcional, níveis de poder e autonomia”, no caso, “actuando o ora recorrido numa primeira linha, após apenas a recepção do problema, era o mesmo que o solucionava, era o mesmo que lidava e manipulava questões extremamente técnicas relacionadas com a programação de software, desenvolvimento e apresentação do mesmo. Era o mesmo que colaborava em qualquer nova programação ou produto que fosse lançado no mercado, bem como, com toda a instalação, configuração e manutenção de ferramentas, equipamentos e sistemas informáticos, suportados em diferentes plataformas e sistemas operativos”.
Tudo para concluir (conclusões 12.ª a 14.ª) que se verifica “a técnicidade da categoria profissional de Analista Programador, não podendo, como ficou provado, as suas funções serem tidas como genéricas” – “Percebemos o elevado grau de complexidade das suas funções, bem como, da formação que se tem que ter para desempenha-las, não estando ao alcance de qualquer pessoa” –, sendo ainda de referir que, “uma vez descritas as funções do ora requerido como analista programador, não nos parece crível que dado tudo isto a entidade empregadora efectuasse tal distribuição de funções sem cuidado na percepção do que a mesma implica para o desenvolvimento eficiente da sua organização”, daí decorrendo, o que afirma a final, que deve então ser revogada a sentença recorrida.
Em sentido contrário se pronuncia o Apelado, assim defendendo que no caso o período experimental é o da generalidade dos trabalhadores, isto é de 90 dias, devendo assim manter-se a sentença recorrida.
Cumprindo apreciar, debruçando-se sobre a questão, fez-se constar da sentença recorrida (citação):
“(…) Aceitam as partes e decorre do constante no ponto 5. dos factos, que a 1 de Junho de 2017 foi celebrado pelas partes um contrato de trabalho, nos termos em que este vem definido nos arts. 1152º do Código Civil e 11º do Código do Trabalho.
A questão a decidir nos autos prende-se com a bondade da denúncia do contrato por parte da ré, alegando que o fez no decurso do período experimental.
A propósito do período experimental e sua finalidade, escreveu António Monteiro Fernandes (in Direito do Trabalho, 14ª ed., Almedina, pg. 339) “O carácter duradouro da relação de trabalho põe em movimento relevantes interesses das partes. Do ponto de vista do empregador, interessa que a situação resultante do contrato só se estabilize se, na verdade, o trabalhador contratado mostrar que possui as aptidões laborais procuradas; do ângulo do trabalhador, pode ser que as condições concretas do trabalho, na organização em que se incorporou, tornem tolerável a permanência indefinida do vínculo assumido. Quanto a ambas as partes, só o desenvolvimento factual da relação de trabalho pode esclarecer com alguma nitidez, a compatibilidade do contrato com os respectivos interesses, conveniências ou necessidades.
E porque a finalidade, o objectivo do período experimental é permitir às partes esse conhecimento mútuo é que o n.º 4 do art. 112º estipula que este período “é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daqueles”.
Dos factos provados resulta que desde pelo menos meados de Fevereiro de 2017 que o autor começou a executar trabalhos de analista programador nas instalações da ré, e executou os mesmos de foram ininterrupta até 31 de Maio desse mesmo ano, tendo celebrado no dia seguinte, no dia 1 de Junho de 2017, contrato de trabalho com a ré para as mesmas funções de Analista Programador.
Perante tais factos é de concluir que a actividade do autor junto da ré foi a mesma desde meado de Fevereiro de 2017, ainda que ao abrigo de contrato que não o de trabalho, não tendo ocorrido qualquer alteração com a redução a escrito do contrato de trabalho a 1/6/2017. Assim, e por força do disposto no citado n.º 4 do art. 112º do Código do Trabalho, o período experimental há-de ser reduzido ou mesmo excluído, perante aqueles dias de trabalho anteriores a 1 de Junho.
Cumpre, no entanto, determinar qual a duração do período experimental a que o contrato de trabalho em causa estaria sujeito: os 90 dias previstos na al. a) do n.º 1 do art. 112º, do Código do Trabalho, para a generalidade dos trabalhadores, ou os 180 dias previstos na al. b) do mesmo art. 112º para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança.
Defende a ré a aplicação deste período de 180 dias por entender que as funções que o autor desempenhava eram de complexidade técnica e exigiam uma especial qualificação.
Como resulta do normativo legal mencionado, a regra é o período experimental ter uma duração de 90 dias, só se justificando seu aumento em situações excepcionais enquadráveis na previsão da alínea b) do n.º 1 do art. 112º: complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou especial qualificação. A dificuldade deste normativo é, sem dúvida, a integração destes conceitos. Estamos perante conceitos gerais, de formulação conclusiva e que, por tal, apenas casuisticamente se podem considerar ou não preenchidos (e não por mera referência à função desempenhada pelo trabalhador ou à categoria profissional que lhe é atribuída). Não basta a mera denominação abstracta da função desempenhada pelo trabalhador para concluirmos pela integração de um daqueles conceitos e, assim, estender a duração do período experimental.
No presente caso, invoca a ré a complexidade técnica das funções desempenhadas pelo autor e a sua especial qualificação.
De relevo para a resolução desta questão, resultou provado que as funções do autor compreendiam a instalação, configuração e manutenção de ferramentas, equipamentos e sistemas informáticos, suportados em diferentes plataformas e sistemas operativos. Trata-se de uma definição genérica das funções de um analista programador, que não nos permite perceber quais as específicas funções ou tarefas a que o autor se dedicava.
Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 4/2/2013 (processo n.º 247/10.1TTVRL.P1, in www.dgsi.pt) “não basta discutir em abstracto se uma enfermeira, um cabeleireiro, um torneiro mecânico ou um técnico de computadores são funções de complexidade e responsabilidade. Isso há-de apurar-se mediante os factos, alegados que devem ser, constituintes da dita complexidade e responsabilidade.”
Ora, no caso a ré não alegou factos que permitam a este Tribunal concluir que as funções, as tarefas que o autor desempenhava assumiam essa complexidade técnica.
Por outro lado, no que respeita à especial qualificação, sabemos apenas que o autor tem formação académica em Engenharia Electrotécnica e de Computadores, pela Universidade ..., de São Paulo, Brasil, e frequenta mestrado em Engenharia Matemática. No entanto, é também certo que a ré pretendia submeter o autor a um estágio profissional. desconhecemos, porém, quais as habilitações que a ré exigia para o desempenho dessa função, ou mesmo qual a qualificação necessária e bastante para sua execução.
Por outro lado, é ainda certo que “não se pode confundir a especial qualificação com uma licenciatura, nem sequer com a exigência duma habilitação profissional. São inúmeras as exigências deste tipo, não só legais, como, relativamente às licenciaturas, é absolutamente normal que as mesmas sejam exigidas como condição funcional indispensável aos mais banalíssimos cargos. Em nome dum acrescido grau de profissionalização e qualidade, reclamado pela sociedade de segurança, todas as ocupações profissionais tendem a ser precedidas por diversificados procedimentos de qualificação. Isto só não nos permite automaticamente elevar o período experimental.” (acórdão da Relação do Porto de 4/2/2013, supra referido)
Deste modo, porque entendemos que a integração dos conceitos constantes da alínea do n.º 1 do art. 112º do Código do Trabalho tem de ser feita casuisticamente e com ponderação das particularidade de cada situação, e porque a ré não alegou factos bastantes que permitam ao Tribunal fazer tal análise, tal ponderação, é de considerar que a duração do trabalho suplementar no contrato de trabalho celebrado entre autor e ré é de 90 dias.
Como tal, e sendo de tomar em conta o tempo da relação contratual que se desenvolveu entre autor e ré desde meados de Fevereiro a 31 de Maio de 2017 por força do disposto no n.º 4 do art. 112º do Código do Trabalho, é de considerar como excluído o período experimental de 90 dias aquando da celebração do contrato de trabalho entre as partes a 1/6/2017.
Excluindo-se o período experimental a denúncia operada pela ré por missiva de 14/7/2017 não tem base ou fundamento legal, pelo que a mesma constitui um despedimento ilícito. (…)”

Não obstante serem para nós bastantes as razões avançadas na sentença para fundamentar o seu sentido decisório, que de resto respondem já aos argumentos apresentados pelo Réu/apelante no presente recurso, ainda assim, com o único intuito de melhor esclarecermos a nossa posição, apesar do risco de podermos cair em repetição, sempre diremos também o seguinte:
Dada a data da celebração do contrato objeto de análise, a disciplina jus-laboral é a estabelecida no Código de Trabalho de 2009 (CT/2009).
Resulta desde logo do artigo 111.º que “O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção” (n.º 1), sendo que “No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho” (n.º 2). Por sua vez, resultando do artigo 112.º, n.º 1, “No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração: a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores; b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança; c) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior.”, estipula o seu n.º 4 que “O período experimental, de acordo com os números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual à duração daquele” – resultando ainda do n.º 1 do artigo 113.º que “O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período”.
No caso, vistas as conclusões da Apelante, não se questiona propriamente a aplicação ao caso na sentença recorrida do regime previsto no n.º 4 do artigo 112º do Código do Trabalho, muito menos com apresentação de argumentos jurídicos com tal objetivo.
Também este coletivo, em sede de recurso, acrescente-se, assim o considera, acompanhando pois o decidido nessa parte, sendo que, para melhor compreensão da nossa posição, nos limitaremos a citar o que assinalámos em recente acórdão, de 13 de junho de 2018[1], então seguindo já o Acórdão desta mesma Secção de 23 de Março de 2015[2], como ainda a doutrina nesse citada, no sentido de que (citação) “esta norma, introduzida pelo CT/2009, e portanto inovadora, como refere Pedro Fortunato Martins[39, tem como finalidade o combate a práticas fraudulentas destinadas a tornear diversas limitações que a lei impõe a formas precárias de contratação, radicando a razão de ser do preceito, nas palavras desse Autor, “sobretudo na presumida desnecessidade da sujeição a novo contrato ao norma período experimental, por as partes já terem um conhecimento mútuo que justificará a sua redução ou exclusão”, mais acrescentando que terá de fazer-se necessariamente “uma interpretação alicerçada na teleologia da norma, como de resto sucede com toda a interpretação jurídica”, sendo “em especial decisiva a circunstância de a actividade contratada, ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, ser idêntico ou equivalente ao trabalho que o trabalhador já prestou na mesma organização”.[4] Por sua vez, Luís Miguel Monteiro[5], depois de evidenciar que que sempre seria muito discutível a admissibilidade de período experimental nestas situações – pois que o “conhecimento recíproco alcançado pelas partes, bem como a afirmação do interesse na persistência de relacionamento contratual entre ambas que está subjacente à celebração de novo contrato, esvaziariam a finalidade do período de experiência, tornando quase óbvia a ilegitimidade da denúncia contratual que por via dele fosse operada” –, pronunciando-se sobre a questão que se coloca sobre o âmbito temporal da aplicação da norma, sustenta que, dada a sua redação, “a duração do período experimental do novo contrato toma em consideração o tempo de vigência de contratos anteriores para o exercício de funções idênticas (se ao abrigo de contrato de trabalho a termo), cumpridos no mesmo posto de trabalho (se por via de trabalho temporário) ou para o mesmo objecto (se em prestação de serviços), independentemente do intervalo temporal verificado entre a cessação de um destes contratos e a celebração do contrato de trabalho cujo período experimental se avalia”. Daí que acrescente que “a extensão significativa deste intervalo pode justificar a necessidade de nova avaliação, por ambas as partes, do interesse na manutenção do contrato (…)”. Como se conclui no mesmo Acórdão, solução que aqui acompanhamos, “a celebração de um novo contrato de trabalho por um trabalhador que antes esteve ao serviço do mesmo empregador ou da mesma organização onde exerceu a mesma actividade ou pelo menos o núcleo essencial das tarefas que a integram, leva a que o período experimental, no novo contrato de trabalho, seja reduzido ou excluído consoante a duração do anterior contrato”, sendo ainda de “esclarecer que o regime jurídico do período experimental, com algumas excepções, tem natureza imperativa.”
Porque assim é importa pois perguntar, sendo esta afinal a verdadeira questão que divide as partes e que é colocada à nossa apreciação, se a sentença recorrida aplicou ou não adequadamente o direito quanto à subsunção que fez do caso que se analisa à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 112.º do CT/2009, considerando assim ter o período experimental a duração de 90 dias – em vez de, como o entende a Apelante, posição que mantém em sede de recurso, o ter feito na previsão da sua alínea b), tendo nesse caso a duração de 180 dias, previsto para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança.
Como já avançámos anteriormente, a nossa resposta não diverge da que foi dada pelo Tribunal a quo, para cujos argumentos de resto remetemos.
É que, bem vistas as conclusões da Apelante, a mesma parte afinal do regime afirmado pelo Tribunal a quo (por apelo ao acórdão da Relação do Porto de 4/2/2013) no sentido de que a complexidade e responsabilidade das funções/cargo, para efeitos da aplicação da citada alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º, hão de apurar-se mediante os factos alegados, que devem ser “constituintes da dita complexidade e responsabilidade”, sendo que, concluindo-se afinal na sentença que afinal a Ré no caso “não alegou factos que permitam a este Tribunal concluir que as funções, as tarefas que o autor desempenhava assumiam essa complexidade técnica”, como que pretende agora, em sede de recurso, fazer tal alegação e demonstração. Ou seja, dito de outro modo, vem agora a Ré/apelante, apenas já pois em sede de recurso, alegar novos factos e circunstâncias que na sua ótica cumprem aquela afirmada necessidade de demonstração que se lhe impunha – alegando para o efeito os factos que tem por necessários, como que suprindo por esta forma aquela sua falta afirmada na sentença.
Ora, quanto a novos factos, não fazendo a Recorrente apelo, como se disse, a factos que diga ter alegado nos articulados, para que esses pudessem ser atendidos seria necessário que o Tribunal a quo tivesse usado da faculdade prevista no citado n.º 1 do artigo 72.º do CPT, se porventura os considerasse relevantes para a boa decisão da causa. Não sendo esse o caso, como decorre dos autos, não tendo pois o Tribunal a quo feito uso do citado preceito legal – sendo que, acrescente-se, nem sequer tal questão foi levantada pelas partes –, não compete a este Tribunal, aqui e agora, em sede de recurso, tomar esses pretensos factos em consideração, muito menos dá-los por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do citado artigo) – só ao Tribunal a quo, no uso do poder/dever conferido pelo aludido artigo 72º do CPT, tendo ocorrido discussão sobre a mesma, se fosse esse o caso, competia considerar provada tal factualidade.[6]’[7]
Tendo pois que ter-se por base, para ser afirmado o Direito do caso, apenas os factos que foram considerados provados pelo Tribunal recorrido, como ainda, como o mesmo bem refere, o que foi alegado pela Ré, não poderemos deixar de considerar que, sem dúvidas, não deu esta cumprimento a esse ónus de alegação e demonstração, no sentido de demonstrar, como se exigia, que as funções exercidas pelo Autor, tendo ainda presente que nada se fez constar do contrato sobre período experimental e em particular sua duração, assumem a natureza exigida na norma, assim a alínea b) do n.º 1 do artigo 112.º, para se ter como aplicável o prazo de 180 dias nesse previsto, do que resulta, em conformidade, como o sustenta o Autor/apelado, sem necessidade de outras considerações, tanto mais que quaisquer outras questões são levantadas pela Ré/apelante, a improcedência total do presente recurso.
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Decaindo, a Ré é responsável pelas custas do recurso que interpôs (artigo 527.º do CPC)
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V - DECISÃO
Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em declarar totalmente improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Ré/recorrente.
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663.º, n.º 7, do CPC.

Porto, 8 de novembro de 2018
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Mesmo relator e coletivo, apelação n.º 5333/17.4T8PRT.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Relator Desembargador António José Ramos, in www.dgsi.pt.
[3] Cessação do Contrato de Trabalho, 3ª Ed., 2012, pág. 583
[4] Obra cit., pág. 583/584.
[5] E Outros, Código do trabalho Anotado, 2013, 9ª Ed., pág. 302
[6] Neste sentido, Ac. desta Relação e Secção de 11 de Junho de 2012, Relatora Fernanda Soares, processo 2/10.9TTMTS.P1.
[7] O mesmo foi afirmado no Acórdão, de 16 de Janeiro de 2017, cujo sumário, nesta parte é o seguinte: «Os poderes atribuídos no n.º 1 do artigo 72.º do CPT quanto à consideração dos factos não alegados pelas partes são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, tendo ocorrido discussão sobre esses factos, não competindo ao tribunal de recurso tomar esses em consideração, e deste modo, dar os mesmos por provados, sob pena de violação do princípio do contraditório (nº 2 do mesmo artigo).» - Apelação 2311/14.9T8MAI.P1, com intervenção do aqui relator, disponível em www.dgsi.pt.