Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
692/11.5TTMAI-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
OBRIGAÇÃO GENÉRICA
Nº do Documento: RP20141020692/11.5TTMAI-C.P1
Data do Acordão: 10/20/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução;
II - Diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso;
III - Para que a execução se possa fundar em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 716.º do Código de Processo Civil, é necessário que não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração;
IV - Tal não ocorre no circunstancialismo em que o título executivo é uma sentença que condenou a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declarou o mesmo ilícito, deduzidas as importâncias recebidas por este a título de subsídio de desemprego, situação em que a obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam a liquidação, o que implica que se observe o contraditório e que esta se realize na própria acção declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º, do novo Código de Processo Civil, e só fixada tal liquidação a sentença constitui título executivo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 692/11.5TTMAI-C.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, S.A. (NIPC ………, com sede no …, Edifício .., ….-… Lisboa), veio deduzir oposição à execução, oposição à penhora, requerer a substituição da penhora e suspensão da execução contra C… (NIF ………, residente na Rua …, n.º …, ..º Esq., ….-… Maia), pedindo, a final:
“a) a instância executiva ser declarada suspensa com o recebimento da presente oposição;
b) ser dispensada a prestação de caução e as penhoras levantadas, ou,
c) as penhoras de saldos bancários serem substituídas por garantia bancária de valor que venha a ser fixado, em reforço da garantia bancária já prestada;
d) a presente oposição ser julgada procedente, absolvendo-se da instância a Executada quanto ao pagamento das retribuições peticionadas;
e) a Executada ser absolvida dos pedidos quanto ao pagamento do abono do subsídio de refeição, subsídio de Férias e de Natal nos anos de 2011 e 2012 e dos juros de mora;
f) o Exequente ser condenado a pagar uma indemnização a favor da Executada no valor de € 5.991,00, em multa e custas.”.
Alegou para o efeito, em síntese e no que ora releva, que o exequente não dispõe de título executivo para instaurar a execução, uma vez que liquidou esta nos termos do artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, como se dependesse de um simples cálculo aritmético, quando deveria ter instaurado o incidente prévio de liquidação.

Contestou o embargado, a sustentar, em resumo, que dispõe de título executivo, pois que a obrigação dada à execução depende de simples cálculo aritmético.
Pugna, por isso, pela improcedência dos embargos e pede a condenação da embargante por litigância de má-fé.

Respondeu a embargante, a reiterar o constante do requerimento inicial e a concluir pela procedência dos embargos e ainda pela improcedência do pedido (do embargado) de condenação por litigância de má fé.

Em 30-04-2014 foi proferida sentença, que julgou os embargos procedentes, sendo a parte decisória do seguinte teor:
“Nestes termos, e pelo exposto, julgo os presentes embargos totalmente procedentes e, consequentemente:
- declaro extinta a execução que corre termos nos autos principais;
- ordeno o imediato levantamento de todas as penhoras levadas a cabo na execução.”.

Inconformado com o assim decidido, veio o exequente interpor recurso para este tribunal, tendo nas alegações que apresentou formulado as seguintes conclusões:
“1 - Para além de a sentença recorrida não ter feito o enquadramento exacto da questão que está na base da sua própria decisão – se existe mais do que um meio processual para se liquidar uma obrigação constante de uma sentença condenatória e, em caso afirmativo, qual o mais adequado para o efeito? – a mesma refugia-se ainda num argumento de autoridade ao qual falta o mínimo de fundamento legal.
2 - Apesar de na sentença se remeter a liquidação dos valores em dívida para o incidente previsto no artº 358º do CPC em vigor, o recorrente perfilha o entendimento de que o recurso a tal incidente é, no caso presente, redundante porquanto o apuramento das quantias em dívida pode ser feito no requerimento executivo como o permite o artº 716º, nº 1 do CPC.
3 - O dever de boa gestão processual – artº 6º do CPC - remete para a ideia de agilização processual.
4 - No mesmo sentido, al. c) do artº 535º do CPC, ao estabelecer que o autor é responsável pelas custas do processo quando munido de um título com manifesta força executiva recorra ao processo de declaração, tem subjacente o princípio da economia processual.
5 - Mesmo que o Tribunal remeta expressamente o apuramento do valor em dívida para o incidente de liquidação, como é o caso presente, o credor que tenha uma sentença que possa ser dada à execução e liquidada por simples cálculo aritmético no requerimento executivo (artº 716º, nº 1 do CPC) não está obrigado a recorrer ao referido incidente para o qual foi remetido por força dos princípios da agilização e da economia processual, sob pena de ter dado azo a uma lide que é inútil.
6 – A afirmação, constante da sentença recorrida, de que não sendo líquida a obrigação que o trabalhador pretende executar “...apenas em sede de incidente declarativo de liquidação a instaurar nos termos do artº 358º, nº 2 do CPC pode passar a revestir essa característica...” não tem qualquer suporte legal, bastando para tal ter presente a possibilidade de se fazer a liquidação no próprio requerimento executivo, como está previsto no artº 716º, nº 1 do CPC.
7 - A liquidação de uma obrigação tanto pode ser feita recorrendo ao incidente previsto no artº 358º do CPC, como no próprio requerimento executivo (artº 716º, nº 1 do CPC). É a obrigação que decorre do título que determina se é necessário recorrer ao incidente de liquidação ou, pelo contrário, se esta pode ser feita por simples cálculo aritmético no requerimento executivo.
8 - A sentença recorrida, refugiando-se no argumento de que a liquidação foi relegada para o incidente de liquidação, não aborda a questão essencial que devia explicar: podendo a liquidação da obrigação fazer-se por mais de uma forma processual, porque é que no caso presente ela só se pode fazer recorrendo ao incidente declarativo de liquidação?
9 – Ou seja, não demonstrou o que importava demonstrar: a conclusão a que chegou de que a liquidação só poderia ser feita com recurso ao incidente declarativo.
10 - Resulta evidente que, só por si, os argumentos invocados na sentença recorrida são manifestamente exíguos, quando não infundados, para se poder concluir pela procedência dos embargos.
11 - Para além das razões invocadas nos arts. 2º a 35º da resposta aos embargos nos quais se demonstra porque é possível, no caso presente, fazer a liquidação da sentença no requerimento executivo e para as quais remetemos para não sermos fastidiosos, acrescem ainda outros argumentos que aqui importa agora trazer em reforço da nossa posição.
12 – No caso presente, a liquidação através de simples cálculo aritmético está dependente da verificação dos seguintes elementos:
- data do despedimento;
- data do trânsito em julgado;
- retribuições auferidas;
- montante que o recorrente recebeu a título de subsídio de desemprego durante o período em causa.
13 - Relativamente à data do despedimento e à data do trânsito em julgado, tais elementos constam dos próprios autos.
14 - O mesmo sucede quanto às retribuições auferidas pelo recorrente, com excepção de uma (abono de refeição) que foi reclamada no requerimento executivo - vidé ponto 82 dos factos provados na sentença.
15 - Relativamente às quantias reclamadas no requerimento executivo, apenas não foi dado como provado a existência do abono de refeição e respectivo montante porque na folha de vencimentos - que serviu de base à resposta ao quesito 70 e foi transposta para o ponto 82. dos factos provados da sentença condenatória – os valores creditados a esse título naquele mês, respeitando apenas a um dia não permitiam concluir com segurança o valor pago mensalmente.
16 - Mesmo não tendo sido dado como provado na resposta ao quesito 70 que o recorrente auferia a quantia de € 137,06 a título de abono de refeição, tal facto não impedia o recorrente de reclamar também esse valor em sede executiva atendendo à forma como está redigida a parte condenatória “pagar ao trabalhador as retribuições que o mesmo deixou de auferir”.
17 - Se como decorre das folhas de vencimentos juntas quer com o procedimento cautelar quer com o requerimento executivo, o recorrente auferia abono de refeição – tal como recebia as outras retribuições referidas no ponto 82. dos factos provados -, não há razão para que o valor pago a esse título também não esteja abrangido pela decisão condenatória.
18 - Quanto ao subsídio de desemprego, naturalmente que esse elemento não constava dos autos, mas foi junto documento da Segurança Social com o requerimento executivo no qual se dizia que durante o período em causa o recorrente nada recebeu a tal respeito.
19 - Se analisarmos a obrigação de que o recorrente é credor, verificamos que a mesma estava dependente de uma prestação de terceiro, ter recebido, ou não, subsídio de desemprego. Neste caso, o recorrente podia alegar e provar documentalmente, no próprio requerimento executivo, como o fez efectivamente, que a condicionalidade constante da decisão condenatório não se verificava – artº 715º, nº 1 do CPC.
20 - Esta alegação e prova é o que se designa como prova complementar do título – vide “Acção Executiva, Depois da reforma da reforma”, de José Lebre de Freitas, Coimbra Editora 5ª Edição, pags. 93 e 94.
21 - Prova complementar do título, foi o que o recorrente igualmente fez com o valor do abono de refeição – sabia-se nos autos da existência do abono de refeição, não do seu exacto valor mensal -, juntando com o requerimento executivo uma nova folha de vencimentos da qual ele naturalmente constava, ao lado das outras retribuições já reconhecidas, pelo montante de € 137,06.
22 - Resumindo, com excepção do valor do abono de refeição e do subsídio de desemprego, todos os outros elementos necessários para se fazer a liquidação através de cálculo aritmético constavam dos próprios autos.
23 - Relativamente aos dois elementos em falta, foi feita prova documental – a chamada prova complementar do título - como a própria lei permite, nos termos do artº 715º, nº 1 do CPC.
24 - Então, o que impedia o recorrente de fazer a liquidação por simples cálculo aritmético no requerimento executivo se relativamente aos únicos valores em falta nos autos se fez a prova documental necessária para o efeito? Nada.
25 - O direito de defesa do executado é assegurado ao executado nos mesmos termos quer a liquidação se faça no requerimento executivo quer por recurso ao incidente do artº 358º do CPC.
26 - No caso presente o executado não viu postergado qualquer dos seus direitos de defesa.
27 - Um dos fundamentos da oposição à execução baseada em sentença é a inexigibilidade da obrigação exequenda, nos termos da al. e) do artº 729º do CPC.
28 - Nada impedia o executado de se opor à liquidação feita pelo exequente no requerimento executivo, pelo que está assegurado o seu direito de defesa tal como estaria na oposição ao incidente de liquidação.
29 - Tanto assim é que, dos valores reclamados no requerimento executivo, a recorrida apenas contestou directamente o exigibilidade do abono de refeição (arts. 48º e 49º dos embargos) – a única retribuição que não foi considerada no ponto 82 dos factos provados.
30 - Caso haja divergência entre as partes sobre as retribuições devidas, na decisão dos embargos pode e deve o Juiz dizer quais das retribuições reclamadas estão, ou não, contempladas pela parte decisória da sentença da acção principal e, em consequência, quantificar em definitivo o valor do crédito exequendo. Se o tribunal entender que algum valor reclamado não é devido, deve julgar parcialmente procedentes os embargos; caso entenda que todas as retribuições reclamadas são devidas em função da condenação decidida, os embargos deverão ser julgados improcedentes na totalidade.
31 - Em resumo, tendo presente o requerimento executivo e a liquidação que nele foi feita da obrigação decorrente da parte condenatória da sentença, não há nenhuma questão que, podendo ser suscitada em sede de incidente declarativo de liquidação, não o possa ser também aqui em sede de embargos. Então se assim é, para quê recorrer a mais um processo declarativo, se tudo pode ser resolvido no âmbito da execução e dos embargos que nele podem ser deduzidos?
32 - A sentença recorrida violou o disposto no nº 1 dos arts 6º, 716º e 715º, todos do CPC.
Termos em que, julgando-se procedente o presente recurso, deve em consequência revogar-se a sentença recorrida, com todas as consequências legais.
Assim se fazendo JUSTIÇA”.

A recorrida apresentou contra-alegações, que concluiu nos seguintes termos:
“1. A sentença proferida nos autos principais, já transitou em julgado, e no que ao presente recurso interessa, condenou a Recorrida a pagar ao trabalhador as retribuições deixadas de auferir desde o despedimento, remetendo liquidação para o respectivo incidente.
2. Sobre os requerimentos apresentados pela Recorrida, para levantamento da caução prestada, e sobre o requerimento do ora Recorrente para início da execução, recaiu despacho de indeferimento, já transitado em julgado (e que não foi objecto de reclamação ou de recurso), que determinou não poder ser dado início à execução sem que este lance previamente mão do incidente de liquidação.
3. A sentença ora em crise considerou os embargos procedentes, reafirmando que a execução não podia ser instaurada sem que previamente se liquidasse a quantia ainda em dívida, em incidente instaurado nos termos do disposto no art. 358º, nº 2 do Código de Processo Civil.
4. A ou as decisões judiciais que determinaram que o Recorrente ao executar a sentença proferida nos autos principais tinha que lançar mão previamente do incidente de liquidação, há muito transitaram em julgado.
5. Tanto basta para o presente recurso improceder totalmente.
6. A ora Recorrida não negou, nem nega, que o Recorrente tenha direito ao crédito que foi objecto de condenação genérica pela sentença que fundamenta a execução, estando apenas em causa, a determinação e quantificação desse crédito, bem como a forma processual de o fazer.
7. Nesse sentido, a sentença objecto da execução não é nos termos do art. 704º, nº 6 e 716º nº 5 do CPC título executivo, pois contendo uma condenação genérica, não se basta a ela própria para que a execução possa prosseguir, razão pela qual nunca seria “redundante” o incidente de liquidação previsto no art.º 358.º do CPC.
8. O incidente de liquidação desenvolve-se na fase executiva do processo, uma vez que não se discute o direito do Recorrente aos salários de tramitação, mas antes o quantum desses salários.
9. Na liquidação importa apurar os factores da operação para chegar ao resultado, enquanto no mero cálculo aritmético esses factores estão dados por provados, estando apenas em causa uma operação aritmética, insusceptível de outro resultado, que não seja o resultado dessa mesma operação.
10. Assim, e a título exemplificativo, importa apurar quanto é que o Recorrente auferiu de subsídio de desemprego, não bastando para tal, juntar uma declaração da Segurança Social, ou ainda quanto é que o Recorrente teria auferido caso não tivesse ocorrido o despedimento, não bastando invocar o último recibo de vencimento, e extrapolar para os meses e anos seguintes, os valores nele constantes (v.g. a questão do subsídio de alimentação), não estando demonstrado que o que deixou de auferir corresponde ao que auferia antes.
11. No caso concreto, haverá ainda que apurar os montantes que o Recorrente teria auferido se estivesse ao serviço da Recorrida, por força dos cortes salariais, e outras medidas de contenção de custos, impostos à Recorrida pelas Leis do Orçamento Geral do Estado de 2011, 2012 e 2013, e ainda pelos regimes especiais que nesse âmbito foram aplicados aos seus trabalhadores.
12. A liquidação só pode ser feita no próprio requerimento executivo quando (i) há título declarativo que o permita, (ii) tal seja possível mediante simples cálculo aritmético.
13. Tudo o que é junto aos autos após a sentença proferida no processo declarativo, não está provado, e não pode partir-se desses elementos, sem mais, para sustentar a possibilidade do mero recurso ao cálculo aritmético, já que aquela decisão não contém todos os elementos dados por provados para que a obrigação seja liquidada por este meio.
14. Até porque, a força probatória plena está reservada para os documentos autênticos (art. 371º do Código Civil), o que não se verifica com os documentos juntos com o processo executivo que, ainda assim, não dispensariam a alegação de factos.
15. Uma execução tem sempre por base um título executivo, pelo qual se determina o fim e os limites da execução (art. 10º, nº 5 e 6 do C.P.C.), sendo que no caso é impossível conhecer os limites da acção executiva através de sentença proferida nos autos principais.
16. Dependendo de factualidade que carece de alegação e prova, não admissível nem enquadrável nos termos do art. 716º do C.P.C., como é o caso, só através e após o respectivo processo de liquidação, haverá título executivo (art. 704º, nº 6 e 766º nº 5, a contrario do C.P.C.).
17. A liquidação da obrigação constante de decisão judicial só incumbe ao Exequente quando dependa de simples cálculo aritmético (arts. 358º, nº 2, 360º, nº 3 e 4 e 716º do CPC), como acontece na obrigação de pagamento de juros, convencionais ou moratórios, na obrigação do pagamento de rendas ou na obrigação do pagamento de determinado valor em referência à cotação de certa moeda, acção ou mercadoria, uma vez que só nestas condições, a liquidação tem lugar no próprio requerimento executivo, onde o Exequente, depois de proceder a operações aritméticas, conclui com um pedido liquido (art. 716º, nº 1 do CPC).
18. Nas situações em que a liquidação não dependa de simples cálculo aritmético, a liquidação tem que ser realizada pelo Tribunal, configurando-se esta como um verdadeiro processo declarativo destinado a determinar o montante da prestação ou a especificar os elementos da universalidade, sendo necessária a alegação e a prova dos factos que lhe estão subjacentes (arts. 704º, nº 6 e 716º nº 5, a contraio do CPC).
19. Assim, se o título executivo for uma decisão judicial de condenação ilíquida, o requerimento a que alude o art. 716º, nº 1 do CPC será um incidente de liquidação a deduzir no próprio processo onde a sentença foi proferida, determinando a sua admissão a renovação da instância declarativa extinta (art. 358º, nº 2 e 359º do CPC), com a competência para conhecer do incidente a pertencer ao Tribunal que proferiu a condenação (arts. 704, nº 6 e 716º, nº 5, a contrario do CPC).
20. E tal “obrigatoriedade” ficou expressamente definida em todas as decisões e despachos proferidos no processo.
21. Acresce que o Exequente não apresenta quaisquer datas, montantes e cálculos que permitam concluir pelo “valor líquido” e “valor dependente de simples cálculo aritmético” que indica.
22. Não é possível aferir se correspondem à verdade os créditos invocados, atendendo a que no período que mediou entre o despedimento e a reintegração do Recorrente houve cortes e reduções salariais impostas pelas Leis do Orçamento do Estado, por força do Programa de Assistência e Financiamento a Portugal (v.g. se o Recorrente tivesse estado ao serviço da Recorrida não teria auferido subsídios de Férias e de Natal em 2011 e 2012).
23. O Recorrente não refere os descontos legais, seja para a Segurança Social seja para a Autoridade Tributária e Aduaneira, que a Recorrida está obrigada a efectuar.
24. Os juros de mora não são devidos porque na Sentença não houve qualquer condenação em juros, quer na fundamentação quer na parte decisória, pelo que não podiam ser contemplados no requerimento executivo.
25. A sentença em crise atendeu a decisões judiciais já transitadas em julgado, e não violou qualquer preceito legal, designadamente o disposto nos arts. 6.º n.º 1, 715.º e 716.º do CPC.
Termos em que, pelo que antecede e pelo muito que V. Exas. haverão doutamente de suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, para assim se fazer JUSTIÇA!”.

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir imediatamente, nos autos e com efeito meramente devolutivo.

Neste tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, tendo-lhe sido presentes os autos para os efeitos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, entendeu “não [lhe] caber emitir parecer sobre o tema do processo/recurso.”.

Preparando a decisão, foi cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, e distribuída previamente cópia do projecto de solução aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso e factos
Sabido com é que o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06, ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, ambos do Código de Processo do Trabalho), no caso a questão a decidir centra-se em saber se o exequente dispõe de título executivo que possa servir de base à execução que instaurou, ou seja, em saber se a decisão, transitada em julgado e proferida na acção declarativa, constitui título executivo, sem necessidade de prévia liquidação.

Com vista à referida decisão, importa ter presente a seguinte factualidade que resulta da acção declarativa, do processo executivo, bem como dos presentes autos:
1. No âmbito de acção declarativa que correu termos no Tribunal do Trabalho da Maia, que o aqui embargado/recorrente instaurou contra a aqui embargante/recorrida, foi proferida sentença, transitada em julgado, que, declarando ilícito o despedimento daquele, condenou nos seguintes termos:
«II – Condena-se a entidade empregadora:
(…)
2 – a pagar ao trabalhador as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o seu despedimento, até ao transito em julgado da sentença, devendo-se deduzir o subsídio de desemprego que o mesmo eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo, o qual deverá ser entregue pela ré à segurança social, cuja liquidação se relega para o respectivo incidente, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil;
(…)»;
2. Tendo o trabalhador requerido o início da execução nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, sobre tal requerimento recaiu o despacho do tribunal a quo de 04-12-2013, que, no que ora importa, indeferiu tal requerimento;
3. Para tanto afirmou-se no referido despacho:
«Entidade empregadora e trabalhador estão de acordo quanto a ter sido paga a parte líquida da condenação e a não ter sido a parte dependente de liquidação. A sentença relegou essa parte para incidente de liquidação posterior, nos termos do (então em vigor) art.º 378.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. O art.º 716.º, n.º 5 do Código de Processo Civil atualmente em vigor exclui do incidente de liquidação em processo executivo as decisões judiciais em que vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração. Assim, não se pode dar início à execução pretendida pelo trabalhador sem que este lance mão previamente do incidente de liquidação.».
4. O embargado/exequente instaurou a presente execução em 11 de Dezembro de 2013, formulando requerimento executivo, onde consta, entre o mais, o seguinte:
«1 – Por decisão transitada em julgado foi a requerida condenada a pagar ao requerente as retribuições que o mesmo deixou de auferir desde o seu despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença, devendo deduzir-se o subsídio de desemprego que o mesmo eventualmente haja auferido no mesmo período de tempo.
2 – Estabelece o ar[]tº 716º, nº 1, do CPC que sempre que for ilíquida a quantia em dívida, deve especificar os valores que considera compreendidos na pretensão devida e concluir o requerimento executivo com um pedido líquido.
3 – Como a condenação proferida nos presentes autos estabelece um critério objectivo e determinável – pagamento que o exequente deixou de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença – que permite fazer a liquidação por simples cálculo aritmético, irá de seguida proceder-se à liquidação da obrigação».
5. Após proceder à referida liquidação, no requerimento executivo e nos termos anunciados, o exequente conclui que o valor total da obrigação é de € 54.464,28, a que corresponde o valor líquido de € 50.196,56, e o valor dependente de simples cálculo aritmético de € 4.267,72.

III. Fundamentação
Como se afirmou, a questão a decidir centra-se em saber se o exequente dispõe de título executivo para a execução, o que se traduz, em concreto, em saber se na acção declarativa, a Ré, aqui embargante, foi condenada a pagar ao Autor/exequente as quantias constantes do requerimento executivo.
A 1.ª instância deu resposta negativa a tal questão, desenvolvendo para tanto a seguinte fundamentação:
«Como claramente decorre do teor dos articulados das partes, a única questão aqui em apreço prende-se com a necessidade ou não de lançar o autor mão de um incidente de liquidação antes de iniciar o processo executivo.
Sobre esta questão já se pronunciou o tribunal no despacho proferido a fls. 695 dos autos principais, tendo aí expressamente decidido que a execução não pode ser instaurada sem que previamente se liquide a quantia ainda em dívida, em incidente instaurado nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Não se encontram motivos para decidir de modo diferente, sendo que o art.º 716.º, n.º 5 do Código de Processo Civil é claro ao excluir do âmbito da liquidação em processo executivo as situações em que exista “o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração”, como é o caso da presente.
Aliás, o despacho anteriormente proferido versou sobre requerimento apresentado pelo ora exequente, tendo indeferido a sua pretensão de início oficioso da execução, referindo-se expressamente naquele despacho que a execução não podia iniciar-se por falta de liquidez da obrigação exequenda. Sucede que, confrontado com tal despacho, o trabalhador, em vez de o impugnar, decidiu instaurar ele próprio uma execução, não obstante o tribunal ter expressamente dito que esta não podia ter início sem que aquela liquidação prévia fosse levada a cabo.
Nenhuma obrigação pode ser alvo de execução se não for certa, exigível e líquida. A obrigação que o trabalhador pretende executar não é líquida e apenas em sede de incidente declarativo de liquidação a instaurar nos termos do disposto no art.º 358.º, n.º 2 do Código de Processo Civil pode passar a revestir essa característica, conforme expressamente se disse quer na sentença proferida, quer no despacho proferido nos autos principais.
Assim, e sem necessidade de mais considerações, tem de se concluir pela procedência da oposição deduzida, declarando-se extinta a execução e ordenando-se o imediato levantamento de todas as penhoras levadas a cabo.”.

O recorrente/embargado rebela-se contra tal entendimento, argumentando, ao fim e ao resto, que a liquidação depende de simples cálculo aritmético, pelo que podia no próprio requerimento executivo proceder a essa liquidação.
Vejamos.

Nos termos do n.º 5 do artigo 10.º do Código de Processo Civil (aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, e aqui aplicável face ao que estatui o artigo 6.º do respectivo diploma preambular), «[t]oda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva.».
O título executivo, para além de determinar o fim da execução, que pode consistir no pagamento de quantia certa, na entrega de coisa certa ou na prestação de um facto, quer positivo, quer negativo (n.º 6 do artigo 10.º citado), define os limites objectivos (montante da quantia, identidade da coisa, especificação do facto) e os limites subjectivos (identidade das partes) em que se irá desenvolver a acção executiva.
Por sua vez, à execução podem servir de base as sentenças condenatórias [artigo 703.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil].
Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante (n.º 2 do mesmo artigo 703.º).

No caso em apreço, como resulta do relato supra, o exequente instaurou a execução precisamente com base numa sentença condenatória.
A referida sentença condenou a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde o seu despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, devendo deduzir-se o subsídio de desemprego que o mesmo eventualmente haja auferido no referido período de tempo.

No âmbito do Código de Processo Civil de 1961, posterior à reforma operada pelo Decreto-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, era, ao que se conhece, uniforme a doutrina e a jurisprudência no sentido de que a liquidação de sentença condenando em obrigações genéricas tem necessariamente que ser efectuada em sede declarativa, através do incidente previsto nos artigos 378.º a 380.º-A, daquele Código [cfr., entre outros, na doutrina, Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, 2004, págs. 337-339, Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, 4.ª Edição, Almedina, págs. 279-280, e na jurisprudência, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06-11-2012 (Proc. n.º 187/10.4YYLSB-1.L1.7), o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-03-2013 (Proc. n.º 4071/11.6TBGMR-B.G1), e os acórdãos desde tribunal de 28-03-2012 (Proc. n.º 55/2000.P1), de 06-01-2014 (Proc. n.º 1029/10.6TTVNG.P1, este relatado pelo ora relator e em que intervieram como adjuntos os também aqui adjuntos), e de 03-02-2014 (Proc. n.º 139/07.1TBTBC.P2), disponíveis em www.dgsi.pt.].
Com efeito, estipula o artigo 661.º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil, que se não houver elementos para fixar o objecto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.
Assim, de acordo com o preceito em causa a condenação no que vier a ser liquidado só deve verificar-se em relação a situações em relação às quais se encontre comprovada a existência de danos ou de direitos da parte, mas não existam elementos indispensáveis para fixar o quantitativo, ainda que com recurso à equidade.
E, como a jurisprudência da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado, o citado preceito contempla não apenas as situações em que foi deduzido um pedido genérico, mas também aquelas em que se formulou um pedido específico mas em que não foi possível coligir elementos probatórios suficientes para precisar o objecto e/ou a quantidade da condenação [vide, entre outros, os acórdãos de 28-08-2005 (Proc. n.º 578/05), de 22-03-2006 (Proc. n.º 3729/05), de 10-01-2007 (Proc. 4319/06), e de 23-11-2011 (Proc. n.º 277/09.6TTBCL.P1.S1), encontrando-se o segundo publicado em www.dgsi.pt].
Tem-se, pois, por incontroverso que só deve condenar-se no que vir a ser liquidado se no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitem fixar o objecto ou a quantidade do pedido.
De acordo com o n.º 5 do artigo 47.º do anterior Código de Processo Civil, tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 661.º, e não dependendo a liquidação da obrigação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 6 do artigo 805.º.
E, em conformidade, prescreve o n.º 2 do artigo 378.º que o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2, do artigo 661.º, e, caso seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.

O mesmo regime se extrai do novo Código de Processo Civil.
Assim, estipula o n.º 6 do artigo 704.º, deste compêndio legal, que tendo havido condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e não dependendo a condenação de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, sem prejuízo da imediata exequibilidade da parte que seja líquida e do disposto no n.º 7 do artigo 716.º.
E nos termos prescritos no n.º 2 do artigo 358.º, o incidente de liquidação pode ser deduzido depois de proferida sentença de condenação genérica, nos termos do n.º 2 do artigo 609.º, e, caso, seja admitido, a instância extinta considera-se renovada.
Finalmente, de acordo com o disposto no artigo 556.º, n.º 2, do mesmo compêndio legal, é permitido formular pedidos genéricos quando o objecto mediato da acção seja uma universalidade, de facto ou de direito, ou ainda quando não seja possível determinar de modo definitivo as consequências do facto ilícito, ou o lesado pretenda usar da faculdade que lhe confere o artigo 569.º do Código Civil.
Ensina Alberto dos Reis (Processo de Execução, vol. I, p. 446), que é ilíquida a obrigação quando é incerto o seu quantitativo; ou, no dizer de Antunes Varela é ilíquida a obrigação cuja existência é certa, mas cujo montante não está ainda fixado (Das Obrigações em Geral, vol. I, 7.ª edição, Almedina, págs. 918 e 920).
Salvador da Costa (Os Incidentes da Instância, 2014, 7.ª Edição, Almedina, pág. 241), escreve que «[a] expressão pedido genérico que consta no artigo 556º, nº 1, está utilizada no sentido de pretensão de fazer valer um direito de crédito pecuniário de quantitativo não apurado ou um direito real ou de crédito a uma universalidade, designadamente um rebanho, uma biblioteca ou uma herança.
Por seu turno, a expressão liquidação está utilizada em sentido amplo, em termos de abranger realidade diversa da mera determinação quantitativa de obrigações pecuniárias».

Assim, resulta dos normativos legais que se deixaram indicados:
i) deve condenar-se no que vier a ser liquidado se no momento da formulação do pedido ou no momento da prolação da sentença não existirem elementos que permitam fixar o objecto ou a quantidade do pedido;
ii) perante uma condenação genérica, que não dependa de simples cálculo aritmético, a sentença só constitui título executivo (quanto à parte ilíquida) após a liquidação no processo declarativo;
iii) essa liquidação pode ser deduzida depois de proferida a sentença de condenação genérica e, em tal caso, a instância extinta considera-se renovada.
Rui Pinto Duarte (Notas ao Código de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 483) escreve que «[a] liquidação dependente de simples cálculo aritmético assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução. Estes são, nos termos gerais, os factos notórios, de conhecimento resultante do exercício das suas funções ou cujo próprio regime permite esse conhecimento (…).
A liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, embora implique também, por definição, uma cálculo aritmético, assenta em factos (i.é., em matéria de facto) que, por não estarem abrangidos pela segurança do título executivo, não serem notórios ou não serem de conhecimento oficioso, são passíveis de controversão».
Deste modo, sempre que o título executivo é uma sentença e o quantum da obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido, deve a liquidação ser realizada na própria acção declarativa através do incidente de liquidação: nestes casos só perante a indicação pelo Autor de todos os elementos necessários para o apuramento da liquidação a efectuar, bem como a apresentação das respectivas provas, elementos esses que serão objecto de contraditório a ser exercido pela outra parte, é possível fixar o montante da obrigação.
Diversamente, a liquidação depende de simples cálculo aritmético, processando-se na própria execução, se, embora ilíquida, assenta em factos não controvertidos, que se encontram abrangidos pela segurança do título executivo, e o exequente especifica os valores que considera compreendidos na prestação devida e conclui o requerimento executivo com um pedido líquido (cfr. artigo 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); esta situação poderá verificar-se ainda que a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, uma vez que também aqui estão em causa factos não controvertidos – pois encontram-se abrangidos pelo título executivo –, e do que se trata é tão de apurar da verificação da condição suspensiva ou do cumprimento da prestação por parte do credor ou de terceiro, fixados na obrigação a cumprir (cfr. n.º 1 do artigo 715.º).

No caso em apreço, desde logo a sentença condenatória que o recorrente apresentou como título executivo aponta no sentido de que a liquidação não depende de simples cálculo aritmético.
Com efeito, na mesma se consignou expressamente – quanto à condenação da empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, deduzido o montante auferido a título de subsídio de desemprego –, que “a liquidação se relega para o respectivo incidente, nos termos dos artigos 661.º/2 e 378.º/2 do Código de Processo Civil”.
E o mesmo veio reiterar o tribunal a quo no despacho que recaiu sobre o requerimento do trabalhador para que se desse início à execução nos termos do disposto no artigo 90.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, ao afirmar, quanto à parte da condenação dependente da liquidação, que “[a] sentença relegou essa parte para incidente de liquidação posterior, nos termos do (então em vigor) art.º 378.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. O art.º 716.º, n.º 5 do Código de Processo Civil atualmente em vigor exclui do incidente de liquidação em processo executivo as decisões judiciais em que vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração. Assim, não se pode dar início à execução pretendida pelo trabalhador sem que este lance mão previamente do incidente de liquidação.”.
Assim, e desde logo, face à própria sentença condenatória, bem como ao despacho proferido posteriormente, resulta expressamente que o cálculo a efectuar não depende apenas de um simples cálculo aritmético antes impondo o recurso a uma liquidação.
Porém, face ao que se extrai do que se deixou anteriormente analisado, outro argumento, este bem mais decisivo, aponta no sentido da necessidade de se recorrer ao incidente prévio de liquidação.
Com efeito, a sentença recorrida, ao condenar a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, deduzido o subsídio de desemprego que o mesmo haja, eventualmente, auferido naquele período de tempo, não fixou o valor das retribuições intercalares em montante preciso e determinado.
Tanto assim é que o aqui recorrente, no requerimento executivo procede a essa liquidação, indicando nas retribuições intercalares o que auferia a título de “vencimento base”, “remuneração adicional”, “anuidades do pessoal de terra”, “abono de refeição” e “subsídio de refeição”: e com base nos valores que considera integrarem a retribuição, calcula o montante devido a título de retribuições intercalares, alegando, ainda, não ter auferido subsídio de desemprego.
Ora, sendo o quantitativo da obrigação incerto, designadamente porque não se encontra fixada matéria incontrovertida e específica para a sua determinação, não se transforma em obrigação líquida só porque o credor procede a uma avaliação unilateral e formula, no próprio requerimento executivo, uma quantia líquida: embora o exequente apresente um pedido certo e líquido no requerimento executivo, não deixa a obrigação de continuar a ser ilíquida, pois assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo.
Como já se deixou afirmado, o quantum da obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam o pedido; isto é, e dito de outro modo: a determinação do montante líquido da obrigação pressupõe a indicação por parte do Autor, aqui recorrente, de todos os elementos necessários para o apuramento da liquidação a efectuar, bem como a apresentação das respectivas provas, elementos esses que, naturalmente, serão objecto de contraditório por parte da Ré, aqui recorrida.
Tal apuramento não se compatibiliza com o disposto no artigo 716.º do Código de Processo Civil, designadamente nos seus n.ºs 1, 4 e 5, sendo de precisar que, como decorre destes últimos números, a execução só pode fundar-se em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, se não vigorar o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração; e, como se analisou, no caso vigora esse ónus de proceder à liquidação através do incidente previsto nos artigos 358.º a 361.º.

Em reforço da sua pretensão, alega o recorrente que o dever de boa gestão processual consagrado no artigo 6.º do Código de Processo Civil “remete para a ideia de agilização processual”.
Pois bem: sendo incontrovertida a consagração de tal princípio no Código de Processo Civil – de acordo com o qual o juiz tem o dever de providenciar, por exemplo, pelo suprimento da falta de pressupostos processuais sanáveis, ou de garantir o andamento célere do processo –, não pode, todavia, do mesmo decorrer o postergar de regras concretas inerentes a uma forma de processo e que constitui um requisito indispensável para a obtenção do título executivo.
Dito de forma directa: se tendo havido condenação genérica, a sentença só constitui título executivo após a liquidação no processo declarativo, para a qual a lei processual estabelece um regime próprio, não se vislumbra como possa desprezar-se tal regime e proceder-se à liquidação por outra forma processual, porventura pondo até em causa o princípio do contraditório e da igualdade das partes.
Entende-se, pois, que não pode a coberto do referido princípio de agilização processual desprezar-se o regime legalmente estipulado quanto à necessidade de previamente se proceder ao incidente de liquidação na acção declarativa para obter o título executivo com quantitativo certo.
Uma vez aqui chegados, só nos resta reafirmar que a liquidação de condenação genérica deverá ser efectuada no próprio processo declarativo, e não na acção executiva, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º do novo Código de Processo Civil (a que correspondem os artigos 378.º e 380.º-A, do anterior Código de Processo Civil); e só fixada tal liquidação a sentença constitui de título executivo.
Nesta conformidade, impõe-se concluir pela improcedência das conclusões das alegações de recurso e, por consequência, pela confirmação da decisão recorrida.

Vencido no recurso, deverá o recorrente suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por C…, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
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Porto, 20 de Outubro de 2014
João Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
______________
Sumário elaborado pelo relator, nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil:
(i) a liquidação de condenação genérica depende de simples cálculo aritmético se assenta em factos que ou estão abrangidos pela segurança do título executivo ou são factos que podem ser oficiosamente conhecidos pelo tribunal e agente de execução;
(ii) diversamente, não depende de simples cálculo aritmético (embora implique também, por definição, um cálculo aritmético) se assenta em factos controvertidos, que não estão abrangidos pela segurança do título executivo, e que não são notórios nem de conhecimento oficioso;
(iii) para que a execução se possa fundar em liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, nos termos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 716.º do Código de Processo Civil, é necessário que não vigore o ónus de proceder à liquidação no âmbito do processo de declaração;
(iv) tal não ocorre no circunstancialismo em que o título executivo é uma sentença que condenou a empregadora a pagar ao trabalhador as retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença que declarou o mesmo ilícito, deduzidas as importâncias recebidas por este a título de subsídio de desemprego, situação em que a obrigação exequenda está dependente de alegação e ulterior prova dos factos que fundamentam a liquidação, o que implica que se observe o contraditório e que esta se realize na própria acção declarativa através do incidente de liquidação, seguindo-se para o efeito o regime processual previsto nos artigos 358.º a 361.º, do novo Código de Processo Civil, e só fixada tal liquidação a sentença constitui título executivo.

João Nunes