Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | NELSON FERNANDES | ||
Descritores: | EXECUÇÃO DE SENTENÇA OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS | ||
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Nº do Documento: | RP201612151418/13.4TTVNG-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 12/15/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 250, FLS.26-33) | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - O pagamento, ou outra causa de extinção da obrigação exequenda, só constitui fundamento de oposição à execução de sentença condenatória, transitada em julgado, desde que haja sido efetuado após o encerramento da discussão no processo declarativo. II - A compensação para ser operante em embargos pressupõe que a verificação dos respectivos pressupostos seja posterior à sentença. III - É fundado o indeferimento liminar dos embargos se o Embargante, nos casos do n.º 1 e 2, depois de ter sido notificado expressamente para tais efeitos, não proceder à junção do documento comprovativo da causa que invocou. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo Nº 1418/13.4TTVNG-A.P1 Apelação 1418/13.4TTVNG-A.P1 Tribunal: Comarca do Porto, IC 5ª Secção Trabalho, Vila Nova de Gaia Embargante: CTT - Correios de Portugal, SA Embargado: B… _______ Relator: Nélson Fernandes 1º Adjunto: Des. M. Fernanda Soares 2º Adjunto: Des. Domingos José de Morais Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto I - Relatório 1. CTT – Correios de Portugal, S.A., executada nos autos de processo executivo com n.º 1418/13.4TTVNG.1 (execução de sentença), em que é exequente B…, deduziu oposição à execução, com os fundamentos seguintes: «Da Inexequibilidade do Título. 1. A acção executiva visa a implementação das providências adequadas à realização coactiva de uma obrigação que lhe é devida, e tem por base um título pelo qual se determinam o seu fim e limites (art. 10.º C.P.Civ.). 2. A exigibilidade constitui um dos requisitos da exequibilidade do título, um dos pressupostos substanciais da obrigação exequenda, indispensável à promoção da execução. 3. Diz-se assim no Ac. do STJ de 30.03.1990: “Os fins e os limites da acção executiva são, face ao art. 45.º, n.º 1 do C.P.C., traçados ou definidos pela sentença condenatória, no caso de constituir esta o título executivo. Encontrando-se a sentença cumprida, nada mais há que executar, por insuficiência de título executivo”. 4. Ora, no caso em apreço, a obrigação que se pretende executar não é exigível porquanto o Acórdão se encontra totalmente cumprido, e que agora se junta como doc. n.º 1. 5. Na verdade, e por Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, foi a Executada condenada a pagar ao Exequente a quantia de 5.238,59€ a título de diferenças salariais relativas à retribuição e subsídio de férias e de Natal. 6. Decisão que foi cumprida em Julho de 2015, como consta do recibo de vencimento desse mês (vide doc 1). 7. Nessa conformidade nada tem a receber a este título. 8. Da referida declaração de cumprimento vemos que, o Autor excede a decisão que serve de base à Execução pois que, na verdade, aos valores de condenação foram devidamente descontadas as quantias devidas a título de IRS e TSU/CGA. 9. Mais foram descontados os complementos de retribuições de subsídio de férias no ano de 2012, determinada pelas reduções do Orçamento do Estado, bem como o subsídio de férias de 2013, que o Autor recebeu em Novembro desse ano. 10. Assim, a obrigação que se pretende executar não é exigível porquanto o pagamento efectuado pela Executada em Julho de 2015 não é parcial, antes sim, integral. 11. Assim sendo a Embargante pagou ao Exequente a quantia global de 5.238,59€, acrescidos os juros no valor de 706,46€, porém, porque sujeitos a IRS, a quantia líquida é de 589,89€. 12. Não basta ao Exequente apresentar uma qualquer sentença, no caso Acórdão, para que o título seja exequível. 13. É lícito à Executada, sendo o título executivo uma sentença (no caso, Acórdão), lançar mão da excepção peremptória da extinção da obrigação por qualquer meio extintivo, g) do art. 729.º do C.P.Civ.. 14. Para além do cumprimento, também é um facto extintivo, a compensação, que invoca agora a Executada, nos termos da al. h) do art. supra referido. 15. A respeito desta causa de extinção do direito exequendo a alegar em processo executivo, escreve J. Lebre de Freitas que ao executado é permitido deduzir a excepção da compensação, seja como objecção, seja como excepção propriamente dita, quer o seu crédito seja igual ou inferior, quer seja superior ao do exequente. 16. E acrescenta: “Bastará, portanto, que se provem por documento o facto constitutivo do contracrédito e as características relevantes para o efeito do art.847º/C.C., bem como a declaração de querer compensar (…) sem necessidade de observar os requisitos legais da exequibilidade dos documentos”- cfr. «A acção executiva», 2ª ed., pág.149. 17. Na verdade, a Embargante apenas descontou o valor de 164,38 €, quanto ao subsídio de férias de 2012 e 2013, este último que já havia sido pago ao Exequente, pelo que justamente lhe foi descontada esta quantia. 18. E ainda assim, pagou o capital que o Exequente reclama… 19. Pelo exposto, não é devida a sanção pecuniária compulsória peticionada 20. A conclusão é, por isso, no sentido de que o Exequente não dispõe de título executivo idóneo à sustentação da acção executiva que propôs, sendo por isso injustificada, atento o disposto nos arts. 10.º e 703.º do C.P.Civ.. 21. Quer quanto às diferenças salariais que reclama e respectivos juros bem como quanto à sanção pecuniária compulsória. 22. Razão pela qual devia a presente execução ter sido objecto de indeferimento liminar nos termos da al. b) do, do n.º 2 do art. 855.º e n.º 2, al. a) do art. 726.º do C.P.Civ.. 23. Não o tendo sido, e nesta fase do processo, deve a acção executiva ser extinta, sem mais. No entanto, e à cautela, = POR IMPUGNAÇÃO = 24. Do que antecede, resulta claro que a Executada cumpriu o Acórdão integralmente. 25. Tendo pago à Exequente a quantia a que foi condenada, 5945,05€, quantia essa sujeita a IRS e descontos para a CGA, conforme supra explicitado. 26. E, porque, a título de diferenças salariais e tendo em conta os valores peticionados, a Ré já havia pago a quantia global de 61,26€, respeitante a subsídio de férias do ano de 2013 (pago em 2014), procedeu à competente (e legítima) compensação, tendo igualmente retirado a quantia a título de subsídio de férias de 2012, dadas as restrições do Orçamento do Estado. 27. E ainda assim, o capital que o Exequente reclama diverge apenas por cerca de dois Euros, o que certamente se deve a lapso no apuramento dos valores que efectuou. 28. Mais impugnado o cálculo de juros efectuado, que nem sequer vem mencionado no requerimento executivo como foi efectuado mas que seguramente decorre de errada premissa. 29. Reforçando-se que a Embargante não compreende os cálculos efectuados pelo Autor, sendo certo que não resultam da diferença entre o valor da condenação e do valor efectivamente pago por esta. 30. Do que antecede, resulta claro que a Executada cumpriu o Acórdão integralmente, carecendo a presente acção de qualquer fundamento de facto ou de direito. Acresce que, nos termos do art. 858.º do C.P.Civ., se a oposição à execução vier a proceder, o exequente responde pelos danos culposamente causados ao executado, se não tiver atuado com a prudência normal, e incorre em multa. 29. Ora, como se demonstrou, é infundada a pretensão do Exequente. 30. O presente processo executivo e consequentes diligências de penhora de saldos bancários, causaram sérios prejuízos à Executada. 31. Não só os danos óbvios, resultantes da execução, custas processuais e todas as despesas inerentes a um processo judicial mas também danos decorrentes da penhora. 32. Porquanto a Executada vê a sua gestão de tesouraria limitada, com os cativos efectuados aos saldos bancários daquela, até à data, são os seguintes: banco conta valor C… …/……… 2.350,00 D… ……….. 2.350,00 E… …….. 2.350,00 F… …../………...-EUR 2.350,00 G… …. …-…-…..-.. 2.350,00 Não havendo título, ou sendo este inexequível, deve a penhora efectuada ser imediatamente levantada. Nestes termos, e sempre com o suprimento de V. Ex.ª, 1. Devem proceder as excepções invocadas com as consequências daí inerentes, ou, caso assim não se entenda, 2. Deverá a presente oposição à execução ser julgada procedente e, em consequência, ser julgada extinta a execução Requer, assim, a V. Ex.ª que, autuada por apenso ao processo de Execução, se digne receber a presente Oposição à execução, seguindo-se os ulteriores termos até final.» 2. Em 29-03-2016, foi proferido despacho com o seguinte teor: «Antes de mais, notifique a executada, aqui embargante, do documento nº 1 a que se reporta nos arts. 4º e 6º e que, alegadamente, comprovaria o pagamento da quantia exequenda, porquanto o mesmo não se mostra junto (devendo ser incluído na notificação ao exequente para os efeitos do art. 732º, nº 2, do C.P.C.).» 2.1. Posteriormente, em 22-04-2016, foi proferido novo despacho, nos termos que se seguem: «Renova-se o despacho de 29/03/2016, sob pena de indeferimento liminar dos embargos à execução, nos termos do art. 732º, nº 1, al. c), do C.P.C..» 2.1. Por fim, com data de 25-05-2016, foi proferido despacho com o conteúdo que se transcreve: «Não tendo a executada, aqui embargante, junto o documento nº 1 a que se reporta nos arts. 4º e 6º da oposição deduzida à execução e que, alegadamente, comprovaria o pagamento da quantia exequenda, apesar de ter sido notificada duas vezes para o efeito, a segunda com a cominação do preceituado no art. 732º, nº 1, al. c), do C.P.C., decide-se, ao abrigo deste mesmo preceito, indeferir liminarmente os embargos deduzidos. Custas pela embargante. Notifique.» 3. Não se conformando com o assim decidido, apelou a Executada/embargante, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões: «I. Tendo em conta o disposto no art. 732.º, a falta de junção de um documento não determina, por si só, o indeferimento liminar dos embargos. II. Na verdade, determina o n.º 2 do art. 423.º do C.P.Civ. que se os documentos não forem juntos com o articulado respetivo, podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, ainda que vá condenada em multa. III. Tendo em conta o teor do requerimento executivo e dos embargos, a questão a decidir é se a ora Recorrente cumpriu parcial ou integralmente o douto Acórdão proferido, o que equivale a dizer que ambas as partes estão de acordo que a Recorrente cumpriu a decisão, apenas discordam quanto ao cumprimento, isto é, se o mesmo foi integral ou parcial. IV. Tratando-se de um despacho liminar a manifesta improcedência tem que resultar dos próprios termos da petição e não das provas apresentadas, rectius, da falta de apresentação de provas ou da sua insuficiência. V. A falta de junção do documento foi um lapso, mas independentemente da Recorrente dar, ou não, cumprimento ao despacho que determinou a sua junção, havia que mandar prosseguir o processo, por não se verificarem os pressupostos do indeferimento liminar fixados no art. 732.º do C.P.Civ. VI. Por outro lado, tratando-se de matéria retributiva, as quantias a pagar, caso se viesse a verificar o incumprimento por parte da Ré, seriam sempre sujeitas aos impostos devidos e descontos para a Segurança Social, o que o Exequente não contempla, sendo certo que esta matéria não é susceptível de prova por documento, antes sim, decorre da lei. VII. Razão pela qual pelo menos nesta parte, teriam os Embargos que ser recebidos. VIII. O M.mo Juiz a quo violou, entre outras e com o douto suprimento desse Venerando Tribunal, os arts. 423 e 732.º do C.P.Civ., aplicáveis por remissão do art. 98.º-A, c), do C.P.Trab.. Nestes termos, e nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Ex.as, deverá ser concedido provimento ao presente Recurso e ser revogado o Despacho Recorrido, com as legais consequências, como é de inteira J U S T I Ç A!» 3.1. Contra-alegou o Exequente/embargado, apresentando as conclusões seguintes: «A douta sentença de fls. … que indeferiu liminarmente os embargos de executado deduzidos pela Recorrente CTT – Correios de Portugal, S.A. não é susceptível de ser impugnado através de recurso, atento o valor da causa. De qualquer modo, e ainda que assim não fosse, a decisão proferida fez uma correcta aplicação da lei processual, não merecendo a mínima censura. Termos em que, Deverá ser negado provimento ao recurso interposto pela Executada-Embargante, mantendo-se integralmente a douta Sentença de 1.ª Instância, como é de INTEIRA JUSTIÇA!» 3. Nesta Relação, aberta vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto o mesmo deixou exarada a sua posição no sentido de estar vedada, neste recurso, a possibilidade de emitir parecer. 4. Por tal não constar dos autos, estes baixaram à 1ª Instância, tendo aí sido proferida decisão que fixou o valor da causa em €4578,08. *** Cumpre decidirII – Questões a resolver Sendo pelas conclusões que se delimita o objecto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do NCPC – aplicável “ex vi” do art. 87º/1 do Código de Processo do Trabalho (CPT) –, integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, sem prejuízo da verificação sobre a admissibilidade do recurso, é a seguinte a única questão a decidir: saber se, face ao regime legal, é fundada a decisão liminar de indeferimento dos embargos de executado por falta de junção de documento. Da admissibilidade do recurso. Na sua resposta, o Recorrido sustenta a inadmissibilidade do recurso, por decorrência do valor da causa. Esquece porém o regime estabelecido no artigo 629.º, n.º 3, al. c) do Código de Processo Civil (NCPC) – Das decisões de indeferimento liminar da petição de ação ou do requerimento inicial de procedimento cautelar –, ex vi artigo 853.º, n.º 1, do mesmo Código, razão pela qual, apreciando, nada se impõe dizer em contrário quanto ao despacho do tribunal recorrido que admitiu o presente recurso. *** III – FundamentaçãoA) De facto Os factos relevantes para a decisão do recurso resultam do relatório a que se procedeu. *** B) DiscussãoComo resulta da decisão recorrida, nessa, com fundamento no disposto no artigo 732.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil (NCPC), decidiu-se indeferir liminarmente os embargos deduzidos, sendo que, como da mesma resulta, tal deveu-se à falta de junção pela Embargante/recorrente, não obstante notificada por duas vezes para tais efeitos – na segunda com advertência de aplicação do que resulta daquele normativo –, do documento que, na petição de embargos, se considerou demonstrar o pagamento a que ficara obrigada pelo acórdão proferido e que serve de título executivo. Dispõe o citado artigo que os embargos são liminarmente indeferidos quando: (...) c) Forem manifestamente improcedentes. Por sua vez, estabelece o 729.º (com exacta correspondência ao artigo 814.º, na redacção anterior), fundando-se a execução numa sentença, a oposição só pode ter algum dos seguintes fundamentos: “a) Inexistência ou inexequibilidade do título; b) Falsidade do processo ou do traslado ou infidelidade deste, quando uma ou outra influa nos termos da execução; c) Falta de qualquer pressuposto processual de que dependa a regularidade da instância executiva, sem prejuízo do seu suprimento; d) Falta ou nulidade da citação para a acção declarativa quando o réu não tenha intervindo no processo; e) Incerteza, inexigibilidade ou iliquidez da obrigação exequenda, não supridas na fase introdutória da execução; f) Caso julgado anterior à sentença que se executa; g) Qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento. A prescrição do direito ou da obrigação pode ser provada por qualquer meio; h) Tratando-se de sentença homologatória de confissão ou transacção, qualquer causa de nulidade ou anulabilidade desses actos.” Desde logo, face à sua redacção, constata-se que apenas podem servir de oposição a uma execução baseada numa sentença os fundamentos nesse elencados.[1] Entrando directamente na análise do caso, a Recorrente, invocando na sua petição que cumpriu em Julho de 2015 a sua obrigação – que resultou do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto em que foi condenada a pagar ao Exequente a quantia de 5.238,59€ a título de diferenças salariais relativas à retribuição e subsídio de férias e de Natal –, remetendo a comprovação desse pagamento para o recibo do vencimento desse mês, não juntou porém o correspondente documento. Como ainda, posteriormente, não obstante ter sido notificada por duas vezes para proceder a essa junção, a última das quais com a cominação de indeferimento liminar por manifesta improcedência – artigo 732.º, n.º 1, al. c), do C.P.C. –, a verdade é que também não o fez. Argumenta porém que, tendo em conta o disposto no artigo 732.º, a falta de junção de um documento não determina, por si só, o indeferimento liminar dos embargos, sustentando essa sua posição no disposto no n.º 2 do artigo 432.º do CPC, podendo assim o documento, se não for junto com o articulado respetivo, ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, ainda que com condenação em multa (conclusões I e II). Mas sem razão, adiante-se desde já. Em primeiro lugar, quanto à essencialidade do documento, importa não esquecer que a exigência imposta na citada alínea g) decorre naturalmente do respeito que é devido ao caso julgado, tanto mais que, impondo-se ao réu o ónus de deduzir na contestação da acção todos os meios de que disponha – artigo 573.º do NCPC (antes, artigo 489.º) –, caso não o faça, não sendo assim esses meios tomados em conta, fica depois excluída a possibilidade de serem opostos ao que na acção vier a ser decidido. Utilizando os ensinamentos de Antunes Varela[2], cuja validade se mantém neste âmbito, a lei não permite “ao réu vencido (em acção de cumprimento) a alegação em nova acção, de quaisquer factos não invocados na acção anterior, mas verificados antes do encerramento da discussão, para contrariar a decisão contida na sentença. Parte-se fundamentalmente da ideia de que, tendo reconhecido no todo ou em parte, o direito do autor, a sentença preclude todos os meios de defesa do réu, no pleno desenvolvimento do pensamento esboçado no art. 489.º/1. É a consagração do ensinamento já condensado na velha máxima segundo a qual “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat”. É pois esse o fundamento encontrado para a imposição, constante da citada alínea g), de que os factos extintivos ou modificativos da obrigação que tenha sido reconhecida na sentença tenham de ser posteriores ao encerramento da discussão no processo de declaração. Importa no entanto, até porque invocada também pela Recorrente, verificar em que medida pode operar a compensação, tanto mais que, prevendo o n.º 1 do artigo 848.º do Código Civil (CC) que a mesma “se torna efectiva mediante declaração de uma das partes à outra”, pode entender-se que, para poder operar como meio de oposição à execução, baste que o exercício do direito potestativo (declaração de compensação) seja afinal posterior ao encerramento da discussão. Ou seja, baseando-se a execução em sentença, centrando a questão, importará saber se, para efeitos da alínea g) do artigo 730.º do NCPC), a superveniência da compensação deve ser aferida pela declaração da intenção de fazer operar a compensação ou antes, diversamente, pela situação de compensabilidade dos créditos. A resposta, em caminho diverso do traçado por Vaz Serra[3], para a orientação dominante tem sido a de que o que releva para os efeitos analisados é a situação de compensação, tanto mais que, se assim não fosse, o ónus da apresentação de toda a defesa na contestação perdia força – pois que o demandado poderia sempre tornar a compensação superveniente, ao emitir a declaração posteriormente ao termo da contestação ou do encerramento da discussão e julgamento[4] –, para além de que nesse caso se estaria a sujeitar o credor, cujo crédito já foi afirmado por sentença, à possibilidade de dedução tardia de excepções cuja existência pode afinal ser duvidosa. Deste modo, segundo esta posição, a aferição da superveniência da compensação – facto extintivo/modificativo em que se configura – deve fazer-se por referência ao momento em que se verificou a situação de compensabilidade, ou seja, a data da verificação dos pressupostos do direito[5]. Mas mais, pois que importará ter presente que se exige, também na citada alínea g), que os factos extintivos ou modificativos da obrigação sejam provados por documento[6], muito embora, esclareça-se, não sendo necessário que a existência do crédito e os requisitos substantivos da compensação se provem por documento com força executiva, é no entanto de exigir que se prove por documento o facto constitutivo do contra-crédito, bem como as suas características relevantes para efeitos do artigo 847.º do CC, a declaração de querer compensar (artigo 848.º) se essa tiver sido feita fora do processo – a prova documental, para além da declaração extrajudicial de querer compensar, inclui ainda, também, o facto constitutivo do contra-crédito. Como se refere no Acórdão da Relação de Coimbra de 21 de Abril de 2015[7], por apelo também ao afirmado no Acórdão STJ de 06-10-1987, «a prova documental de ter proferido a declaração compensatória “é, manifestamente, pouco. Seria necessário provar-se por este meio, antes de mais, a própria existência dos créditos contrapostos pela embargante. A compensação não se prova por documento se por documento não se provam os pressupostos materiais da declaração a que se refere o art. 848.º/1 do C. Civil, mas apenas que a declaração foi feita”. Sintetizando o exposto, temos que a compensação (ou o contracrédito compensável) é fundamento de oposição à execução, porém, sendo esta baseada em sentença, só é invocável a compensação cuja “situação de compensação” (cuja data da verificação dos respectivos pressupostos) seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e, ainda assim, tem que ser/estar provada por documento»[8]. Revertendo ao caso, estamos sem dúvidas, para efeitos de admissibilidade dos fundamentos de oposição, perante uma execução baseada em sentença. Sendo este o contexto – de obrigação exequenda totalmente consolidada por sentença – só é invocável, em oposição superveniente, a extinção da obrigação por pagamento posterior à sentença ou, no caso da compensação, em que a data da verificação dos respectivos pressupostos seja posterior à sentença, e, ainda, o que é relevante para o caso, que o fundamento invocado esteja provado, nos termos expostos, por documento. Invocando-se em parte essa superveniência – mas também noutra parte anteriores à sentença, assim para efeitos de eventual compensação –, em particular quanto a pagamento que a Recorrente diz ter efectuado, a verdade é que não foi junto com o requerimento inicial qualquer documento que comprove os fundamentos invocados. E não o foi quando se exigia que tivesse sido pois que só esse permitiria, até porque de uma execução baseada em sentença se trata, aferir da verificação do pressuposto, exigido pela alínea g) do artigo 729.º, para a sua admissibilidade. Na verdade, até pelo sentido que traduzem as alterações operadas no domínio da reforma da acção executiva, cuja reforma, como é consabido, introduziu profundas e amplas transformações na acção executiva tendo precisamente como um dos seus objectivos primordiais agilizar e simplificar todo o processo executivo, mal se compreenderia, diversamente do que parece sustentar a Recorrente, que a junção de um documento, exigido como se viu para aferir da admissibilidade da oposição, pudesse ser junto, não com o próprio requerimento em que esse fundamento se invoca, e sim mais tarde, sujeitando-o a um regime previsto para a fase posterior, de instrução do processo, quanto à prova dos factos, assim o artigo 423.º do NCPC. É que, neste caso, diversamente do que ocorre nessa previsão, do que se trata é de demonstrar, como o exige a norma habilitante, que não obstante a força do caso julgado que envolve a decisão condenatória, o executado cumpriu a obrigação que por essa estava vinculado – ou, dentro do regime anteriormente afirmado, que lhe pode opor validamente a compensação – e que, como também se exige, oferece para o demonstrar esse documento. Não o fazendo, nem justificando minimamente no requerimento essa omissão, com a agravante de nem sequer ter cumprido essa obrigação apesar de ter sido notificado por duas vezes para o fazer – no limite, mantendo essa mesma postura apesar de ter sido notificado para proceder à junção sob pena de indeferimento liminar (anunciando assim a decisão que seria proferida nesse caso) –, a decisão do tribunal a quo, apesar de não primar pelos melhores padrões ao nível da fundamentação, não merece censura quando concluiu pelo indeferido liminarmente dos embargos de executado. Não obtêm sustentação, pelo exposto, as conclusões da Recorrente, improcedendo o recurso interposto. * As custas do recurso deverão ser suportadas pela Recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).*** IV - DECISÃONos termos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em declarar improcedente o recurso. Custas pela Recorrente. Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão. Porto, 15 de Dezembro de 2016 Nelson Fernandes Fernanda Soares Domingos Morais ____ [1] Em geral agrupados em três categorias, a primeira integrada pelos casos de falta de pressupostos processuais gerais da acção – alíneas c) e f) –, a segunda por falta de pressupostos específicos da acção executiva – alíneas a), b), d) e e) – e a última, por sua vez, referente à oposição por motivos substanciais – referidos na al. g). Assim: Lebre de Freitas, in “Acção Executiva, 2004, 4ª ed.. Coimbra Editora, págs. 172 e ss; Anselmo de Castro, in “Acção Executiva, págs. 279/280. [2] Manual de Processo Civil, 1ª Ed., pág. 698. [3] Que entendia ser a declaração de compensação que extingue o crédito, e, portanto, “se esta for posterior ao encerramento da discussão do processo declarativo, tanto basta para poder ser oposto pelo devedor-executado ao credor-exequente” –“Algumas questões em matéria de compensação no processo”, in RLJ, ano 105, pág. 52. Ainda, Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva”, 1993, pág. 150, sustentando que a lei admite que se possa fazer valer nos embargos, mesmo quando se baseia em pressupostos já verificados à data do encerramento da discussão, nos casos em que “a excepção se funde num direito que, por ter existência autónoma, não se extingue pelo facto da excepção não ter sido exercida”. Por outro lado, como excepção propriamente dita, poderá ser declarada na própria petição de oposição/embargos, o que significa, neste entendimento, que quase sempre se verificará afinal a superveniência. [4] Cf. Teixeira de Sousa, in “ Observações críticas sobre algumas alterações ao Código de Processo Civil”, BMJ 328, pág.113. [5] Vejam-se: Miguel Mesquita, “Reconvenção e Excepção no Processo Civil”, 2009, pág.470 e segs.; Rui Pinto, “Manual de Execução”, pág. 413/4; Na jurisprudência: Acs. STJ de 6/10/87, in BMJ 498/9, 02-12-2008, 02-06-2015 – em que se faz uma relevante resenha da posição assumida pelo STJ neste domínio, afirmando-se designadamente, citando, «(...) Aliás, em publicação mais recente (2001), o Prof. Antunes Varela proclama, textualmente, que “Para que o devedor se possa livrar da obrigação por compensação, é preciso que ele possa impor nesse momento ao notificado a realização coactiva do crédito (contra-crédito) que se arroga contra este”[5]. Encontrando-se em total sintonia o Prof. Menezes Leitão, quando, a propósito, sustenta que “Só podem ser assim compensados os créditos em relação aos quais o declarante esteja em condições de obter a realização coactiva da prestação”[6]. Não se legitimando, pois, quaisquer dúvidas de que, para estes dois insignes civilistas e pressuposta a não aceitação da existência do crédito compensante pelo credor principal, a admissibilidade da compensação visada pelo titular do crédito compensante encontra-se condicionada, no processo executivo, ao prévio reconhecimento judicial da existência deste último crédito (...)» – e 16-12-2015, e Ac da RC de 25-01-2011, o primeiro in BMJ 498/9 e os demais em www.dgsi.pt. [6] A esse respeito, Lebre de Freitas, ob. e loc. citados, refere que a lei, ao exigir a prova documental destes factos (com excepção da prescrição) introduz um desfasamento entre o direito substantivo e o direito processual executivo – a presunção estabelecida pelo título só pode ser destruída, mesmo em embargos de executado, por prova documental –, pelo que o executado que não deva e não tenha documento tenha que propor acção declarativa de restituição daquilo que pague indevidamente em consequência do processo executivo. [7] Disponível em www.dgsi.pt. [8] Diz-se ainda no mesmo Acórdão, citando (com exclusão de notas de rodapé): «Isto era assim até 1 de Setembro de 2013 (data da entrada em vigor do NCPC) e continua do mesmo modo, salvo o devido respeito por opinião diversa, após tal data. Efectivamente, interpretando a alínea h) do art. 729.º do NCPC – em que tão só se diz ser fundamento de oposição o “contra crédito sobre o exequente, com vista a obter a compensação de créditos” – entendemos que tal alínea apenas teve em vista afastar o ressurgimento de “velhas” dúvidas (sobre a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução, na medida em que, estabelecendo o art. 266.º/2/c) do NCPC, como já se referiu, que a compensação passa a ser sempre deduzida por reconvenção, poder-se-ia ser tentado a entender, em face da inadmissibilidade da dedução de reconvenção em oposição à execução, que a compensação deixava de poder aqui ser invocada. Ou seja, em face do estabelecido no art. 266.º/2/c) do NCPC, sentiu-se o legislador na necessidade de clarificar a admissibilidade da compensação como fundamento de oposição a uma execução, não querendo/pretendendo dizer que, caso a execução seja baseada em sentença, podem ser compensados todos e quaisquer créditos (mesmo os constituídos em data anterior ao encerramento da discussão no processo de declaração) e que os mesmos podem ser provados por qualquer meio.» _____ Sumário – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC: I - O pagamento, ou outra causa de extinção da obrigação exequenda, só constitui fundamento de oposição à execução de sentença condenatória, transitada em julgado, desde que haja sido efetuado após o encerramento da discussão no processo declarativo. II - A compensação para ser operante em embargos pressupõe que a verificação dos respectivos pressupostos seja posterior à sentença. III - É fundado o indeferimento liminar dos embargos se o Embargante, nos casos do n.º 1 e 2, depois de ter sido notificado expressamente para tais efeitos, não proceder à junção do documento comprovativo da causa que invocou. Nélson Fernandes |