Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10546/18.9T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: DELEGADO SINDICAL
DIREITO DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO
LIBERDADE SINDICAL
Nº do Documento: RP2020021710546/18.9T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/17/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE, REVOGADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O “meio” utilizado por dois delegados sindicais de empresa de segurança privada onde trabalham – endereço electrónico de dois clientes da Ré onde os trabalhadores desta se encontravam a trabalhar – não é despropositado, dado não estar provado que aqueles trabalhadores poderiam ter usado outros “meios” disponibilizados pela Ré para o efeito.
II - O teor das notas informativas enviadas pelos Autores/delegados sindicais, aos trabalhadores da empresa, contendo “erro de informação”, não consubstancia, objectivamente, qualquer violação dos deveres de respeito, de urbanidade para com a entidade empregadora e superiores hierárquicos e do dever de lealdade previstos nas alíneas a) e f) do nº1 do artigo 128º do CT, na medida em que traduz, tão só, o exercício do direito de liberdade de expressão e do direito de liberdade sindical, previstos nos artigos 37º e 55º da CRP, respectivamente, e 14º do CT. 3. Perante esse “erro de informação” restava à empregadora fazer chegar aos trabalhadores o seu entendimento e a sua discordância, em suma, usar do direito de resposta consagrado no nº4 do artigo 37º da CRP.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º10546/18.9T8PRT.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1640
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… e C… instauraram no Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho da Maia – Juiz 2, acção declarativa com processo comum contra D…, S.A., pedindo a anulação da sanção disciplinar de 10 dias aplicada a cada um deles e, em consequência, a condenação da Ré a pagar aos Autores a remuneração correspondente àquele período, o qual deverá ser contabilizado para efeitos de antiguidade; ou então, deve a sanção disciplinar ser reduzida como for considerado justo e proporcional pelo Tribunal. Pedem a condenação da Ré a pagar ao 2º Autor as quantias indicadas na petição inicial, a título de deslocações e de desconto indevido processado pela Ré, bem como os juros moratórios sobre as quantias peticionadas, à taxa legal, contados desde a data do vencimento de cada retribuição e até integral pagamento.
Os Autores alegam serem filiados no STAD e são delegados sindicais na empresa Ré onde exercem as funções de vigilante, o 1º Autor desde 10.11.2010 e o 2º Autor desde 12.03.2005. Na sequência de procedimento disciplinar instaurado pela Ré a ambos os Autores, os mesmos foram notificados, em 14.11.2017, de uma nota de culpa onde são acusados de encaminharem correspondência que teria como destino os colegas através do recurso a endereços de correio electrónico dos clientes da empregadora, tendo o teor dessa correspondência sido causadora de forte perturbação e constrangimento perante o cliente, colocando em causa as boas relações comerciais e a boa imagem da Ré. Os Autores entenderam, assim como a Direcção do Sindicato, que aqueles, na qualidade de delegados sindicais, apenas emitiram a referida comunicação tendo em conta os interesses dos trabalhadores associados, não tendo violado qualquer dever laboral. Contudo, foi-lhes aplicada a sanção de 10 dias de suspensão com perda de retribuição, que cumpriram, sanção que consideram desproporcionada, desequilibrada e injusta.
Frustrada a conciliação entre as partes, a Ré contestou alegando que a missiva de 02.11.2017 foi remetida pelos Autores aos vigilantes da Ré, à ACT e também ao cliente da Ré E…, através de endereço electrónico utilizado no exercício da actividade sindical. Por outro lado, a missiva de 07.11.2017, remetida pelos Autores aos vigilantes da Ré, foi-o também ao cliente da Ré F…, sendo que o seu teor causou constrangimentos nos responsáveis dos clientes, bem sabendo os Autores, atendendo à sua condição de delegados sindicais, que a informação que prestaram era deturpada. Conclui pela improcedência da acção e pela sua absolvição dos pedidos.
Foi fixado à acção o valor de €5.000,01. Proferido despacho saneador, foi dispensada a realização de uma audiência preliminar, bem como a selecção da base instrutória. Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal e, em 07.06.2019, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente.
Os Autores, inconformados, vieram recorrer pedindo a revogação da sentença e a sua substituição por acórdão que condene a Ré nos pedidos formulados, concluindo do seguinte modo:
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A Ré veio contra alegar pugnando pela manutenção da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo:
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto desta Relação emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, ao qual as partes não responderam.
Admitido o recurso cumprir decidir.
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II
Matéria de facto dada como provada e a ter em conta na decisão do recurso.
1. Os Autores estão filiados no Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticos e Profissões Similares e Actividades Diversas (STAD), onde lhes foi atribuído, respectivamente, o número de sócio …… e …...
2. A Ré é uma empresa que tem por objecto a prestação de serviços de segurança privada, designadamente de vigilância e controlo de acesso, permanência e circulação de pessoas em instalações, edifícios e/ou recintos fechados.
3. À relação de trabalho discutida nos presentes autos a Ré aplica as condições estabelecidas no CCT publicado no BTE nº38, de 15.10.2017, celebrado entre a Associação de Empresas de Segurança (AES) e a Associação Nacional das Empresas de Segurança (AESSIRF), por um lado, e o STAD, por outro, CCT que sucede e revoga o anterior, publicado no BTE nº17, de 08.05.2011, cujo âmbito subjectivo foi estendido pela PE nº131/2012 de 07.05.
4. Nos termos da clª2ª do referido CCT, o mesmo entrou em vigor em 01.10.2017, excepto no que concerne ao que consta previsto na clª85ª e nos anexos II, III e IV, relativo às cláusulas 38ª e 42ª e demais cláusulas de natureza pecuniária, com alguns valores deferidos para 01.01.2018 [eliminado por constituir matéria de direito].
5. O 1º Autor integrou os quadros da Ré, em 10.11.2010, para sob as suas ordens e direcção lhe prestar trabalho de vigilância, tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de vigilante, ou seja, ao 1º Autor competia e compete prestar serviços de vigilância, prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais e outras, públicas ou particulares, para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias, faz rondas periódicas para inspeccionar as áreas sujeitas à sua vigilância e regista a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas horas prescritas, controla e anota o movimento de pessoas, veículos ou mercadorias, de acordo com as instruções recebidas.
6. O 2º Autor integrou os quadros da Ré, em 12.03.2005, para sob as suas ordens e direcção lhe prestar trabalho de vigilância, tendo-lhe sido atribuída a categoria profissional de vigilante, ou seja, ao 2º Autor competia e compete prestar serviços de vigilância, prevenção e segurança em instalações industriais, comerciais e outras, públicas ou particulares, para as proteger contra incêndios, inundações, roubos e outras anomalias, faz rondas periódicas para inspeccionar as áreas sujeitas à sua vigilância e regista a sua passagem nos postos de controlo, para provar que fez as rondas nas horas prescritas, controla e anota o movimento de pessoas, veículos ou mercadorias, de acordo com as instruções recebidas.
7. O 1º Autor tem como salário base a quantia de €661,32, com o valor/hora de €3,81 e um subsídio de alimentação de €6,00 pago por cada dia efectivo de trabalho.
8. O 2º Autor tem como salário base a quantia de €661,32, com o valor/hora de €3,81 e um subsídio de alimentação de €6,00 pago por cada dia efectivo de trabalho.
9. Nos termos das respectivas tabelas salariais que foram vigorando, até 30.09.2017 os Autores auferiam o vencimento base mensal ilíquido de €641,93 e o valor de €5,59 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
10. A partir de 01.10.2017 os Autores passaram a auferir o vencimento base ilíquido de €648,35 e o valor de €5,85 de subsídio de alimentação por cada dia de trabalho efectivamente prestado.
11. Ambos os Autores são delegados sindicais, tendo a informação sido comunicada pelo Sindicato dos Autores por carta datada de 13.04.2015.
12. Os Autores foram notificados de uma nota de culpa, em 14.11.2017, no âmbito do procedimento disciplinar que lhe foi movido pela Ré.
13. Na nota de culpa a Ré acusava o 1º Autor do seguinte: “3º No dia 02.112017, às 12H54, o arguido através do endereço electrónico que utiliza no exercício da actividade sindical, em conjunto com o seu colega B… – delegados ….@outlook.pt (B…) – remeteu, em conjunto com o referido colega uma comunicação electrónica, com o teor que se transcreve: “Assunto: Informação NOTA INFORMATIVA Esta nota informativa é para os vigilantes da D… S.A. a exercer serviço nas portarias do cliente E… (…, …, ….). Caros Camaradas, vimos por este meio responder e esclarecer as dúvidas que nos foram questionadas. 1º Devem os vigilantes requerer ao senhor supervisor G…, uma escala actualizada onde provenha a referida hora extra que nos pedido pelo mesmo supervisor, e onde o mesmo afirma ser um novo acordo com o cliente E…. 2º A hora que aqui se fala, deve ser apontada na folha diária de presença no posto, e nunca em outro ou outra folha à parte, porque essa mesma hora tem um custo para a D… no valor de 3,74 + 1,87 = 5,61, valor acordado com o novo CCT entre a AES e o STAD, acordo este que teve início na data de 01.10.2017. 3º Tem de se levar em conta que além da hora também tem de ser ressarcido o vigilante no valor de 1/8 referente ao subsídio de alimentação (ex: por cada 8 horas trabalhadas tem mais um subsídio de refeição completo extra). 4º Deve o vigilante ter o cuidado de conferir sempre o pagamento ou pagamentos de horas extra após a média semestral das 173.3, conforme é bem explícito no novo CCT acordado. Uma vez que o CCT da FETESE se equiparou as negociações do STAD e com a AES, e passando a só existir um comum acordo STAD FETESE ou seja o CCT passou a ser igual para elementos sindicalizados e não sindicalizados. 5º Alerto também aos elementos a prestar serviço nas referidas portarias, que as 12H do final da semana não está de acordo com o novo CCT podendo o vigilante vir a ser prejudicado no recebimento dessas horas sob o valor de cálculo aqui referido. Estamos ao dispor sempre que nos seja solicitado apoio esclarecimento sob o Contrato Colectivo de Trabalho aprovado em 01.10.2017”. 4º A referida mensagem, além de remetida à ACT, foi remetida directamente ao cliente da arguente E… para os endereços electrónicos geral@E....pt e museu@E....pt 5º No dia 07.11.2017, às 20H21, o arguido através do endereço electrónico que utiliza no exercício da actividade sindical, em conjunto com o seu colega B… - delegados D…@outlook.pt (D…) – remeteu, em conjunto com o referido colega uma comunicação electrónica, com o teor que se transcreve: “Assunto: Informação NOTA INFORMATIVA Esta nota informativa é para os vigilantes da D… S.A. a exercer serviço no cliente H… Shopping. Caros Camaradas, vimos por este meio responder e esclarecer as dúvidas que nos foram questionadas: 1º Devem os vigilantes requerer ao senhor supervisor ou à Central de Segurança uma escala de 6 meses ou anual com folgas rotativas de lei, turnos de 8 horas diárias e 40 horas semanais. 2º As horas extras têm um custo para a D… no valor de 3,74 + 1,87 = 5,61 (por cada hora) valor acordado com o novo CCT entre a AES e o STAD, acordo este que teve início na data de 01.10.2017. 3º Tem de se levar em conta que além da hora também tem de ser ressarcido o vigilante no valor de 1/8 referente ao subsídio de alimentação (ex: por cada 8 horas trabalhadas tem mais um subsídio de refeição completo extra). 4º Deve o vigilante ter o cuidado de conferir sempre o pagamento ou pagamentos de horas extra após a média semestral das 173.3, conforme é bem explícito no novo CCT acordado. Uma vez que o CCT da FETESE se equiparou as negociações do STAD e com a AES, e passando a só existir um comum acordo STAD FETESE ou seja o CCT passou a ser igual para elementos sindicalizados e não sindicalizados. 5º Alerto também aos elementos a prestar serviço nas referidas portarias, que as 12H do final da semana não está de acordo com o novo CCT podendo o vigilante vir a ser prejudicado no recebimento dessas horas sob o valor de cálculo aqui referido. Estamos ao dispor sempre que nos seja solicitado apoio esclarecimento sob o Contrato Colectivo de Trabalho aprovado em 01.10.2017”. 6º A referida mensagem, foi remetida directamente ao cliente da arguente F… para a Administração do H… Shopping através do endereço electrónico …@H…shopping.com 7º As duas referidas comunicações foram remetidas ao cliente tendo também como objectivo a sua divulgação junto dos vigilantes que exercem funções no cliente E…, num total de 32 vigilantes e também no H… Shopping, num total de 41 vigilantes. 8º Sendo as referidas comunicações efectivamente divulgadas perante o cliente e pelos referidos vigilantes. 9º Em face do teor das comunicações, os serviços operacionais têm recebido inúmeros contactos de vigilantes, reclamando pela aplicação das regras divulgadas pelo arguido e seu colega. 10º Bem como têm sido interpelados pelo cliente. 11º O teor das referidas comunicações tem causado constrangimentos nos responsáveis do cliente, que têm sido reportados aos serviços operacionais, supondo estes que a arguente não cumpre minimamente as suas obrigações laborais, perante o grupo de vigilantes que exerce actividade nas instalações daqueles. 12º O arguido, atendendo à sua comunicação de delegado sindical, não pode deixar de saber que o conteúdo da informação que divulgou é deturpada, porquanto, designadamente e apenas na parte mais relevante, (…) 15º Nos termos regulados nos referidos CCT, os mesmos entraram em vigor no dia 01.10.2017 mas, 16º Apenas se aplicam aos trabalhadores que sejam sindicalizados e não à totalidade dos vigilantes que prestam serviço nos referidos clientes, pois para que assim suceda será necessária a existência de uma Portaria de Extensão que ainda não foi sequer publicada. 17º Por outro lado, mesmo considerando os trabalhadores sindicalizados, não é verdade que as cláusulas relativas a trabalho suplementar e subsídio de refeição hajam entrado em vigor no dia 01.10.2017, pois tal sucederá a 01.01.2018. 18º Como também nos termos que constam expressos dos referidos Instrumentos de Regulamentação Colectiva (cf. cláusulas 2ª, 38ª e 85ª), relativamente a pagamento de trabalho suplementar, mantem-se em vigor até 31.12.2017 o CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e a FETESE – Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços e outro, publicado no BTE nº32 de 29.08.2014 e também o CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e o STAD – Sindicato dos Trabalhadores dos Serviços de Portaria, Vigilância, limpeza, Domésticas e Actividades Diversas e outros, na versão publicada no BTE nº8 de 28.02.2011. 19º De resto, por força da Portaria de Extensão nº95/2015 de 27.03, o CCT celebrado entre a AES – Associação de Empresas de Segurança e outra e a FETESE – Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços e outro, publicado no BTE nº32, de 29.08.2014 é aplicável a todos os trabalhadores à excepção dos que sejam sindicalizados na FEPCES e STAD. 20º Atendendo às funções de delegado sindical que o Autor exerce, não pode desconhecer que a informação que divulgou perante os seus colegas e cliente é deturpada, causando perturbação, constrangimento e conflito perante os vigilantes, colocando em crise a boa imagem que a Ré deve preservar perante estes. 21º Assim, como sabe que as relações laborais entre a arguente e os vigilantes são alheias aos clientes. 22º Não deixando contudo, o teor da informação prestada, de ser causadora de forte perturbação e constrangimento perante o cliente, colocando em causa as boas relações comerciais e boa imagem da arguente. 23º O arguido não pode desconhecer todos os seus deveres profissionais e de conduta, impostos pela sua profissão que conhece desde a sua admissão”.
14. O 2º Autor recebeu a nota de culpa contendo a mesma factualidade.
15. Os Autores não responderam à receptiva nota de culpa.
16. Em 22.12.2017 foi remetido ao STAD a cópia integral dos processos disciplinares dos Autores, tendo o STAD apresentado pareceres respectivos.
17. Em 22.01.2018 foi remetida aos Autores e ao STAD comunicação com cópia da decisão final tomada em cada um dos processos disciplinares, em que a Ré decidiu pela aplicação, a cada um dos Autores, da sanção de 10 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade, na sequência do referido processo disciplinar, acompanhada de cópia do relatório final.
18. Os Autores, quando ficaram a saber que aquelas informações, destinadas aos seus colegas, foram lidas por terceiros, endereçaram um pedido de desculpas para cada um dos emails, ou seja, para os emails do E…, designadamente: geral@E....pt e museu@E....pt e para o email do H… Shopping: …@adm.H…shoping.com
19. Em tal comunicação, os Autores dizem o seguinte: “Assunto: Informação NOTA INFORMATIVA Exmos. Senhores, No passado dia 2 de Novembro de 2017, enviamos para este endereço electrónico uma informação que em boa verdade só deveria ter sido enviada aos vigilantes da empresa D… S.A. Acabamos de tomar conhecimento que foi lida por outros, aos quais aqui e desde já pedimos desculpa pelo incómodo. O conteúdo da nossa comunicação respeitava apenas a questões laborais relativas aos trabalhadores da empresa D… S.A. E quanto a estes continuaremos disponíveis para lhes prestar todo o apoio e informação, podendo cada um contactar-nos para o nosso email que nós responderemos, um a um, enquanto a empresa D… S.A. não nos disponibilizar um endereço de correio electrónico que nos permita contactar exclusivamente com os trabalhadores da D… S.A., como devia estar a suceder. Aqui fica, pois, o nosso pedido de desculpas, a quem, involuntariamente, tenhamos causado qualquer incómodo. Apresentamos a todos os nossos melhores cumprimentos”.
20. A direcção do Sindicato dos Autores dirigiu a seguinte missiva à instrutora do processo, Dra. I…: “Exma. Senhora Drª. Não percebemos qual a finalidade das vossas notificações uma vez que tanto quanto se vislumbra os ditos processos disciplinares se encontram concluídos. Feita esta observação e apesar das consequências legais inerentes, cumpre-nos dizer o seguinte: 1º Os nossos representantes sindicais, a nosso ver, não cometeram qualquer ilícito disciplinar. 2º A actuação deles não revela nenhuma intenção de violar qualquer dever laboral; 3º Bem pelo contrário, os actos praticados inserem-se indubitavelmente no exercício das suas funções sindicais. 4º Aliás, o STAD tem conhecimento de que os referidos delegados sindicais se apressaram a dirigir aos mesmos destinatários as comunicações (três) de que ora se juntam cópias impressas. 5º Por tudo o exposto e na convicção de que os processos disciplinares em causa violam gravemente o respeito que é devido ao exercício dos direitos sindicais, o STAD opõe-se veementemente a qualquer sanção disciplinar e exige o imediato arquivamento dos processos em causa”.
21. No relatório final do procedimento disciplinar, além de serem considerados provados todos os factos constantes da nota de culpa, a instrutora do processo faz o seguinte enquadramento jurídico: “O arguido vem acusado de desrespeitar as determinações da arguente, no que respeita à boa execução e disciplina do trabalho, desrespeitar de forma grave a arguente, os clientes e os seus colegas, mais revelando falta de lealdade e denegrindo gravemente o bom nome e imagem da arguente. Nos termos das alíneas a), e) e f) do nº1 do artigo 128º do Código do Trabalho, o trabalhador deve respeitar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios. Também nos termos do disposto no nº1 do artigo 126º do Código do Trabalho, o trabalhador deve proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e cumprimento das respectivas obrigações. (…) “Consta, aliás, expressamente das normas de conduta que é proibido utilizar informações de carácter sigiloso que a profissão lhe permita obter, transmitindo-as, por qualquer meio, a terceiros ainda que não o seja para fins ilícitos. (…) “As duas comunicações remetidas pelo arguido e seu colega tiveram também como objectivo expresso e claro a sua divulgação junto dos vigilantes da arguente que exercem funções nos referidos clientes (…) O arguido atendendo à sua condição de delegado sindical, não pode deixar de saber que o conteúdo da informação que divulgou aos clientes e vigilantes da arguente é deturpada (…) As Portarias de Extensão dos referidos Contratos Colectivos de Trabalho apenas viriam a ser publicadas a 16 de Novembro de 2017 (…) ou seja, à data em que as comunicações foram remetidas pelo arguido e seu colega – 2 a 7 de Novembro de 2017 as Portarias de Extensão ainda nem sequer tinham sido publicadas (…) Ao proceder, como procedeu, o arguido extravasou aquilo que se pode admitir como reacção a situações que lhe pareceram injustas ou ilícitas, não se limitando a exercer o seu direito à contestação. O trabalhador delegado sindical tem direito a reclamar e a informar devidamente (…) Mas, para isso, em primeiro lugar importa que o faça com verdade e além do mais adopte comportamentos também eles ilegítimos e desadequados (…) O comportamento do arguido, além de infracção disciplinar gravíssima, constitui um abuso de direito, revelando-se tal comportamento desnecessário, desmesurado, excessivo e inoportuno (…)”.
22. Na sequência da decisão final proferida pela Ré, o Sindicato dos Autores endereçou uma nova comunicação à direcção da Ré, dizendo o seguinte: “Apesar da inequívoca tomada de posição sobre a matéria o STAD recebeu com data de 19.01.2018 a vossa comunicação com a decisão de punir os nossos dois delegados sindicais supra identificados. Reafirmamos tudo o que oportunamente dissemos na nossa tomada de posição em sede de processo disciplinar. Vimos aqui manifestar o nosso veemente repúdio pelas sanções aplicadas aos nossos representantes sindicais. Sanções que são de todo injustificadas e constituem uma inadmissível forma de intimidação e tentativa de dificultar e impedir o exercício dos direitos sindicais. Cumpre-nos exigir que as sanções sejam anuladas ou consideradas sem efeito, a fim de não sermos obrigados à acção judicial para a respectiva impugnação”.
23. Apesar da tomada de posição do Sindicato, a Ré manteve a sua intenção e acabou por aplicar as sanções aos Autores, tendo o 1º Autor cumprido a sanção de 28 de Fevereiro a 09 de Março p.p., e o 2º Autor de 17 a 26 de Março p.p.
24. O 2º Autor começou a prestar trabalho para a Ré no Hospital J…, na cidade do Porto.
25. Em 03.09.2015, foi colocado na DGRSP, em …, onde prestou trabalho até 24.10.2015.
26. Em 18.10.2015, foi colocado no cliente da Ré K.., em …, Santo Tirso, onde esteve até 31.12.2015.
27. Em 02.01.2016, foi colocado no Centro de Saúde L…, em Matosinhos e no Rent-a-car, no aeroporto M…. Esteve nestes dois locais até 02.03.2016.
28. Em 04.03.2016, passou a prestar trabalho no Centro de Emprego de …, até 30.06.2016.
29. Desde 01.10.2016, o 2º Autor prestou trabalho na ….
30. O 2º Autor utilizou viatura própria para as deslocações que efectuou para todos os locais de trabalho atribuídos pela Ré.
31. O Autor reclamou, por carta datada de 01.10.2015, o pagamento das despesas daquela primeira deslocação para a DGRSP, em ….
32. A Ré nada respondeu, tendo o Autor voltado a insistir no pagamento daquelas quantias, através das cartas de 15.12.2015 e de 25.01.2016.
33. Aquando da transferência para o Centro de Saúde L…, em Matosinhos e para a Rent-a-car, o Autor voltou a reclamar os pagamentos das despesas de deslocação, bem como dos acréscimos de tempo.
34. Quando foi transferido para a …, o Autor voltou a insistir no pagamento dos acréscimos na deslocação, sendo que a Ré nada disse.
35. Em Outubro de 2015, a Ré processou ao Autor um desconto por absentismo referente ao mês de Setembro, tendo-lhe sido retirado o valor de €171,18 e ainda €96,73 (17 dias) no subsídio de alimentação.
36. E em Novembro de 2015 voltou a descontar a quantia de €82,83 no salário e €28,45 (5 dias) no subsídio de alimentação.
37. Em Novembro de 2016, a Ré procedeu a novo desconto por alegado absentismo referente ao mês de Outubro, no valor de €310,61 na retribuição e €108,11 no subsídio de alimentação.
38. A Ré descontou ao Autor 48 horas nocturnas - €44,40 – e €56,90 no subsídio de alimentação em Outubro de 2017.
39. Os Autores nunca dirigiram à Ré qualquer comunicação a pedir desculpa pelo sucedido.
40. Nem rectificaram em nova comunicação escrita as informações dadas.
41. Em face do teor das referidas comunicações, os serviços operacionais da Ré têm recebido inúmeros contactos de vigilantes, reclamando pela aplicação das regras divulgadas pelos Autores.
42. Bem como têm sido interpelados pelo cliente [eliminado por conclusivo, genérico e vago].
43. O teor das referidas comunicações tem causado constrangimentos nos responsáveis do cliente, que têm sido reportados aos serviços operacionais, supondo estes que a Ré não cumpre minimamente as suas obrigações laborais, perante o grupo de vigilantes que exerce actividade nas instalações daqueles [eliminado por conclusivo, genérico e vago].
44. O Autor B… já anteriormente foi punido, em Novembro de 2015, com 10 dias de suspensão com perda de retribuição e antiguidade.
45. Sanção disciplinar que, após ter sido impugnada pelo Autor foi confirmada judicialmente, no âmbito do processo nº 5225/16.4T8MAI, que correu termos no Juiz 2 do Juízo do Trabalho da Maia e já transitada em julgado.
46. O Autor C… já anteriormente foi punido, em Junho de 2016, com repreensão registada, não tendo impugnado tal decisão.
47. Entre a residência do Autor – Rua …, em Vila Nova de Gaia – e o seu anterior posto de trabalho – Hospital J… – distam 13 km (26 km diários), despendendo o Autor em cada trajecto cerca de 20 minutos, no total de 40 minutos diários.
48. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto do DGRSP em …, passou a ser de cerca de 40 km, a percorrer em 36 minutos, no total de 80 km e 1H12M diários.
49. O acréscimo de deslocação para o cliente K…, em Santo Tirso, passou a ser de cerca de 13 km, no total de 26 km diários, a percorrer em 27 minutos em cada trajecto, no total de 54 minutos diários.
50. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto do Centro de Saúde L…, em Matosinhos, passou a ser de cerca de 17 km a percorrer em 21 minutos, no total de 34 km e 42 minutos diários.
51. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto Rent-a-car no aeroporto M…, passou a ser de cerca de 20 km a percorrer em 16 minutos, no total de 40 km e 32 minutos diários.
52. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto do Centro de Emprego de … passou a ser de cerca de 19 km a percorrer em 19 minutos, no total de 38 km e 38 minutos diários.
53. O acréscimo de deslocação para o posto … passou a ser de cerca de 6 km em cada trajecto.
54. Em Outubro de 2016 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho um dia.
55. Em Novembro de 2016 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 16 dias.
56. Em Dezembro de 2016 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 18 dias.
57. Em Janeiro de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 21 dias.
58. Em Fevereiro de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 20 dias.
59. Em Março de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 21 dias.
60. Em Abril de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 20 dias.
61. Em Maio de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 20 dias.
62. Em Agosto de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 21 dias.
63. Em Setembro de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 11 dias.
64. Em Outubro de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 19 dias.
65. Em Novembro de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 20 dias.
66. Em Dezembro de 2017 o Autor apenas se deslocou ao posto de trabalho em 21 dias.
67. A Ré processa o absentismo apenas no mês seguinte, ao mês a que o mesmo diz respeito.
68. No mês de Setembro de 2015, apesar de o Autor ter faltado injustificadamente ao serviço entre 1 e 8 e de ter gozado férias a partir do dia 16, além de outros créditos, foi-lhe pago na íntegra o vencimento base, no valor de €641,93, e o subsídio de refeição, no valor de €125,18 (carregado no cartão refeição), como se estivesse estado ao serviço efectivo durante todo o mês.
69. No mês seguinte – Outubro de 2015 – foi-lhe descontado o valor de €171,18 por absentismo do mês anterior e o correspondente subsídio de alimentação (carregado no cartão refeição no mês anterior), no valor de €96,73.
70. No mês de Outubro de 2015, apesar de o Autor ter faltado injustificadamente ao serviço entre 18 e 21 e no dia 23 e ter estado ausente no dia 22, devido a actividade sindical, além de outros créditos, foi-lhe pago na íntegra o vencimento base, no valor de €641,93, e o subsídio de refeição, no valor de €125,18 (carregado no cartão refeição), como se estivesse estado ao serviço efectivo durante todo o mês.
71. No mês seguinte – Novembro de 2015 – foi-lhe descontado o valor de €96,73 por absentismo do mês anterior, correspondente a 4 faltas injustificadas e o correspondente subsídio de alimentação a que acresceu 1 dia por ter estado ausente em actividade sindical (carregado no cartão refeição no mês anterior), no valor de €28,45.
72. No mês de Outubro de 2016, apesar de o Autor ter faltado injustificadamente ao serviço entre 1 e 15 e de ter gozado férias a partir do dia 18, além de outros créditos, foi-lhe pago na íntegra o vencimento base, no valor de €641,93, e o subsídio de refeição, no valor de €113,80 (carregado no cartão refeição), como se estivesse estado ao serviço efectivo durante todo o mês.
73. No mês seguinte – Novembro de 2016 – foi-lhe descontado o valor de €310,61 por absentismo do mês anterior, correspondente a faltas injustificadas e o correspondente subsídio de alimentação (carregado no cartão refeição no mês anterior) no valor de €108,11.
74. No mês de Outubro de 2017 não foi efectuado qualquer desconto relativo a horas nocturnas.
75. O único desconto que consta da remuneração desse mês é no valor de €56,90 e reporta-se a subsídio de alimentação.
76. No mês de Setembro de 2017, o Autor esteve ausente 2 dias em actividade sindical e esteve ausente por motivo de campanha eleitoral a partir do dia 18 de Outubro (8 dias), tendo recebido nesse mês, para além de outros créditos, o subsídio de refeição, no valor de €125,18 (carregado no cartão refeição) como se estivesse estado ao serviço efectivo durante todo o mês.
77. No mês seguinte – Outubro de 2017 – foi-lhe descontado o valor de €56,90 por absentismo do mês anterior/alimentação, correspondente a subsídio de alimentação (carregado no cartão refeição no mês anterior).
A matéria de facto constante dos nºs. 4, 42 e 43 merece-nos, oficiosamente, os seguintes reparos.
Atendendo à natureza normativa das convenções colectivas, o facto 4 é apenas, e tão só, matéria de direito. Como tal, não deve constar da matéria de facto. Os nºs.42 e 43 da factualidade provada são conclusivos, genéricos e vagos, já que aí não se indica qual o cliente que interpelou a Ré, e em que termos, e não se concretiza em que se traduziram os “constrangimentos” sendo que a “suposição” a que se alude na parte final do nº43 não se traduz num facto.
Assim, ao abrigo do artigo 607º, nº4 e nº5 do CPC se declaram não escritos os pontos 4, 42 e 43.
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III
Objecto do recurso.
1. Da ilicitude da sanção aplicada aos Autores.
2. O acréscimo de despesas com deslocações.
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IV
Da ilicitude da sanção aplicada aos Autores.
Na sentença recorrida escreveu-se, em face da factualidade dada como provada, o seguinte: “este comportamento, algo precipitado e até temerário dos Autores, divulgando informação que só aos trabalhadores da Ré interessa e diz respeito, perante clientes da Ré, e ainda ademais divulgando informação errada, que transmite a ideia que a Ré não cumpre os seus deveres laborais, afigura-se grave e configura uma grave quebra de disciplina, respeito e lealdade perante o empregador, sendo susceptível de aplicação de sanção disciplinar” (…) “Conclui-se que os Autores assumiram um comportamento ilícito e culposo, sendo que a culpa se presume nos termos gerais do disposto no artigo 799º, nº1, do Código Civil, afigurando-se que, em face das repercussões que tal comportamento causou, junto dos colegas de trabalho do Autor e dos clientes da Ré, entre as sanções conservatórias aplicáveis, a sanção concretamente aplicada a cada um dos Autores, que já tinham antecedentes disciplinares, de 10 dias de suspensão com perda de retribuição, apresenta-se lícita e proporcional à infracção cometida, sendo adequada a repor a normalidade da relação de trabalho que foi afectada com o comportamento dos Autores”.
Os Autores discordam argumentando do seguinte modo: o Tribunal a quo quando conclui que o comportamento dos Autores é sancionável deveria ter tido em conta o contexto em que foram produzidas as comunicações em causa, as especiais funções dos Autores e ainda a intenção destes. Tais comunicações foram feitas em prol da actividade sindical, por delegados sindicais, com o objectivo de informarem todos os colegas de profissão daqueles dois clientes da Ré. A recorrida quer e quis centrar o fundamento para a sanção dos Autores, alegando que estes não podiam endereçar “as comunicações aos clientes da Ré”. Tem-se entendido que o exercício de um direito tem como limite os direitos de outrem. Na prática, os direitos devem ser exercidos com respeito pelos direitos dos demais. No âmbito da empresa, o artigo 14º do CT reconhece a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa, em consonância com o preceituado nos artigos 37º e 55º, nº2, al. d) da CRP. A questão centra-se em encontrar a linha a partir da qual o exercício de um direito, deixa de ser um direito para passar a ser um abuso. A linha há-de ser encontrada casuisticamente. No caso dos autos, os Autores e delegados sindicais procederam à distribuição de uma comunicação com recurso ao uso de email público e disponível na INTERNET de informações relevantes para a actividade sindical e para os seus colegas. Não afectaram nem colocaram em causa o funcionamento quer da Ré quer de qualquer dos seus Clientes e usaram um expediente ao alcance de todos. Os Autores não devem ser sancionados por utilizarem as ferramentas que tinham disponíveis para fazerem chegar informação útil aos seus colegas, sendo que a Ré dificultou verdadeiramente essa tarefa, uma vez que nunca forneceu os contactos de correio electrónico dos seus trabalhadores. Ora, nas organizações em que o empregador disponibilize um correio electrónico geral, a informação sindical pode ser transmitida pelo mesmo, não obstante esse meio constituir instrumento de trabalho. E a utilização do correio electrónico como instrumento ao serviço da transmissão de informação sindical decorre da Lei Fundamental – artigo 55º, nº2, al. d). Os Autores apenas enviaram alguns emails com informação útil para os colegas, não comprometendo a utilização normal daqueles endereços electrónicos, pelo que, à luz dos critérios expostos não devem ser sancionados. Verdadeiramente em causa neste processo está o exercício de actividade sindical sem restrições a não ser os limites impostos pela CRP e pela Lei, tendo os recorrentes colocado, da única forma que tiveram acesso, informação pertinente nas mãos dos seus colegas. Ao manter a decisão da Ré, o Tribunal a quo acaba por limitar, comprimir e restringir a acção sindical no seu todo, uma vez que para o trabalhador comum passará a mensagem de que é preferível evitar os cargos sindicais. Que dizer?
Considerou-se na sentença recorrida que a factualidade provada preenche a violação, por parte dos Autores, dos deveres previstos no artigo 128º, nº1, alíneas a), e) e f) do CT e que essa violação justifica a sanção aplicada pela Ré aos Autores.
Nos termos do artigo 128º, nº1 do CT “ 1. Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve: a) Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionem com a empresa, com urbanidade e probidade” (…) “e) Cumprir as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho” (…) “f) Guardar lealdade ao empregador” (…).
Vamos centrar a nossa atenção no sentido de averiguarmos se as descritas condutas dos Autores integram a violação dos deveres previstos nas alíneas a) e f) do nº1 do artigo 128º do CT, posto que inexiste factualidade provada que nos permita concluir que os Autores deixaram de cumprir ordens e instruções emanadas da Ré respeitantes a execução ou disciplina do trabalho [posto que os actos praticados pelos Autores foram-no no exercício da actividade sindical].
O artigo 11º da Carta Dos Direitos Fundamentais da União Europeia, sobre a epígrafe “Liberdade de expressão e de informação” determina “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber e de transmitir informações ou ideias, sem que possa haver ingerência de quaisquer poderes públicos e sem consideração de fronteiras”. Este artigo corresponde ao artigo 10º da CEDH [Convenção Europeia dos Direitos do Homem] com a seguinte redacção: “1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras” (…) “2. O exercício destas liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providência necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a protecção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial”.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) tem sustentado que as excepções ao direito de liberdade de expressão – consagrado no artigo 10º, nº1 do CEDH – “têm de ser interpretadas muito restritamente e sempre atendendo à existência de uma «necessidade social imperiosa»” – Teresa Coelho Moreira, Limites à liberdade de expressão de sindicalistas, Questões Laborais, nº 37, página 31.
Nos termos do artigo 37º da Constituição da República Portuguesa (CRP) “1. Todos têm o direito de exprimir e divulgar livremente o seu pensamento pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, bem como o direito de informar, de se informar e de ser informado, sem impedimentos nem discriminações. 2. O exercício destes direitos não pode ser impedido ou limitado por qualquer tipo ou forma de censura. 3. As infracções cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais de direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação respectivamente da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei. 4. A todas as pessoas, singulares ou colectivas, é assegurado, em condições de igualdade e eficácia, o direito de resposta e de rectificação, bem como o direito a indemnização pelos danos sofridos”.
Sob a epígrafe “liberdade de expressão e de opinião” determina o artigo 14º do CT o seguinte: “É reconhecida, no âmbito da empresa, a liberdade de expressão e de divulgação do pensamento e opinião, com respeito dos direitos de personalidade do trabalhador e do empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e do normal funcionamento da empresa”.
Segundo Guilherme Machado Dray “a liberdade de expressão e de opinião no âmbito da empresa constitui uma condição necessária à tutela da dignidade do trabalhador. A circunstância de o trabalhador se obrigar a prestar uma actividade sob as ordens e direcção de outrem em regime de subordinação jurídica não significa que lhe esteja vedada a possibilidade de expor e divulgar livremente no local de trabalho o seu pensamento e opinião acerca de múltiplos aspectos da vida social, como se de um normal cidadão se tratasse” (…) “A liberdade de expressão e de opinião no local de trabalho não é todavia absoluta e ilimitada; a segunda parte do preceito determina que a referida situação de vantagem cessa na medida em que do seu exercício resulte a ofensa dos direitos de personalidade de outros sujeitos laborais ou quando o mesmo seja susceptível de afectar o normal funcionamento da empresa” – Direitos de Personalidade, páginas 72/73.
Também Jorge Leite refere que “a liberdade de divulgar factos, exteriorizar opiniões, revelar preferências, aplaudir ou criticar medidas, projectos, programas ou práticas, é uma liberdade que partilha, com as demais, regras comuns a todos os direitos fundamentais, desde logo a regra da universalidade significativa de que aquela é uma liberdade de todos e igual para todos, sem exclusões, cujos destinatários não são determinados pela aposição de qualquer adjectivação susceptível de contrair o seu âmbito pessoal de aplicação. Não há, pois, lugar para qualquer redução do seu âmbito estabelecida em função de uma qualquer qualidade, permanente ou transitória, dos sujeitos seus titulares” (…) “Aceita-se, na verdade, em geral, que, do feixe de direitos e deveres emergentes do contrato de trabalho resultem alguns constrangimentos ou condicionamentos no exercício desta e de outras liberdades, que desse estatuto resulte não poderem as partes tomarem atitudes ou prestar declarações claramente contrárias aos interesses directos da respectiva empresa ou instituição, não poderem, designadamente, denegrir produtos ou serviços ou contribuir, de alguma forma, para, levianamente, difundir uma imagem distorcida da respectiva entidade” (…) “Compreende-se, pois que «os limites da crítica aceitável» sejam aqui mais apertados do que os aplicáveis aos políticos ou a outras figuras públicas, aceita-se que o empregador deva ser considerado menos exposto ao escrutínio público, mas também se me afigura razoável entender-se que se não encontra no plano do cidadão comum. Afinal, é ele, empregador, que dirige uma instituição em que também convergem os interesses dos que nela trabalham e até interesses mais gerais” (…) “Desde que não ultrapasse os seus limites, a crítica, mesmo pública, corresponde ao exercício de um direito, aliás, como um longo e penoso percurso histórico. Também este direito à crítica faz parte das regras da convivência democrática, com ele se cumprindo, aliás, uma das mais essenciais funções da liberdade de expressão, desde logo a de suscitar a comunicação, o diálogo, o debate” (…) – Liberdade de expressão dos trabalhadores, Questões Laborais, nº37, páginas 145 a 167.
Mas cumpre, ainda, equacionar a questão em apreço mas agora no que respeita à liberdade de expressão dos representantes dos trabalhadores na medida em que os Autores eram, à data dos factos, delegados sindicais.
Estamos, pois, no âmbito da liberdade sindical, consagrada no artigo 55º da Constituição, onde se estabelece “1. É reconhecida aos trabalhadores a liberdade sindical, condição e garantia da construção da sua unidade para defesa dos seus direitos e interesses. 2. No exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores, sem qualquer discriminação, designadamente” (…) “d) O direito de exercício de actividade sindical na empresa” (…) “6. Os representantes eleitos dos trabalhadores gozam do direito à informação e consulta, bem como à protecção legal adequada contra quaisquer formas de condicionamento, constrangimento ou limitação do exercício legítimo das suas funções”.
Como direito fundamental, a liberdade sindical goza do regime de protecção previsto no artigo 18º da CRP
Por sua vez, o nº1 do artigo 465º do CT estabelece que o delegado sindical tem o direito “de afixar, nas instalações da empresa e em local apropriado disponibilizado pelo empregador, convocatórias, comunicações, informações ou outros textos relativos à vida sindical e aos interesses socioprofissionais dos trabalhadores, bem como proceder à sua distribuição, sem prejuízo do funcionamento normal da empresa” [sublinhado da nossa autoria].
Finalmente, a clª56ª do CCT, celebrado entre a AES e o STAD, publicado no BTE nº38, de 15.10.2017, determina, sob a epígrafe “Direitos dos dirigentes sindicais e delegados sindicais”, o seguinte: “ 1. Os delegados sindicais têm o direito de afixar, no interior da empresa e em local apropriado para o efeito e reservado pela entidade patronal, textos, convocatórias, comunicações ou informações relativas à vida sindical e aos interesses socioprofissionais dos trabalhadores, bem como proceder à sua distribuição, mas sem prejuízo, em qualquer dos casos, da laboração normal da empresa” [sublinhado da nossa autoria].
O CT determina que a afixação se realize nas instalações da empresa, em local disponibilizado pelo empregador.
Desde logo, inexistem elementos de facto para concluir que a Ré disponibilizou um local para o efeito. E igualmente não consta da matéria de facto que a Ré tenha disponibilizado aos trabalhadores, para fins profissionais, um endereço de correio electrónico – email – o que a acontecer permitiria aos delegados sindicais dirigir toda a informação aos trabalhadores através dessa via [a existirem esses meios, disponibilizados pela empregadora, poder-se-ia, então, concluir que o envio dos conteúdos informativos para o endereço electrónico de dois clientes da Ré seria um meio despropositado].
Aliás, sendo a actividade da Ré a prestação de serviços de segurança privada, necessariamente, que a maioria dos seus trabalhadores/vigilantes têm o seu local de trabalho em empresas clientes da Ré, o que impossibilita, à partida, a afixação nestas empresas dos conteúdos a que alude o artigo 465º, nº1 do CT. Mas já se nos afigura que as especiais condições em que os vigilantes prestam trabalho não constituem obstáculo à criação, pela Ré, de endereço de correio electrónico, que disponibilizará a todos os trabalhadores e para onde poderá ser dirigida toda a informação sindical.
Ora, se não foi alegado, nem está provado [ónus que competia à Ré – artigo 342º, nº1 do CC] que a Ré disponibilizou, como é sua obrigação, os meios necessários ao exercício da actividade sindical na “empresa”, certo é que esse exercício não pode sofrer limitações. Se a actividade dos vigilantes não é exercida, por regra, nas instalações da empregadora, tem esta que criar condições que facilite tal exercício.
Deste modo, e pelo que já referimos, não se nos afigura que o “meio” utilizado pelos Autores – endereço electrónico de dois clientes da Ré onde os trabalhadores desta se encontravam a trabalhar – não foi despropositado, dado não estar provado que poderiam ter usado outros “meios” disponibilizados pela Ré para o efeito.
Passemos, agora, ao conteúdo dessas informações e às suas consequências.
A Ré defende que as informações prestadas pelos Autores são deturpadas, ou seja, não correspondiam ao determinado na convenção colectiva em matéria de remunerações e que à data ainda não tinha sido publicada qualquer PE que estendesse os efeitos da mesma a todos os trabalhadores. Em suma: refere a Ré que as comunicações efectuadas não tinham fundamento legal.
Admitindo que assim seja, então só podemos concluir que os Autores “erraram” na informação que prestaram aos trabalhadores da Ré, posto que a Ré não lhes imputa o dolo neste particular, ou seja, a Ré não afirma que os Autores sabendo que a informação não era verdadeira mesmo assim não hesitaram em transmiti-la.
E se os Autores “erraram” na informação prestada aos trabalhadores, só estes poderão “queixar-se” dos Autores. À Ré restava, quando essas informações chegaram ao seu conhecimento, reagir fazendo chegar aos trabalhadores o seu entendimento e a sua discordância, em suma, usar do direito de resposta consagrado no nº4 do artigo 37º da CRP.
Não duvidamos que as notas informativas poderão ter causado algum mal-estar na Ré mas o seu teor não traduz, por parte dos Autores, a violação dos seus deveres de respeito e de lealdade para com a sua empregadora, sob pena de se “desprezar” o exercício do direito de liberdade de expressão que cabe a cada trabalhador e essencialmente aos seus legais representantes, como é o caso dos Autores.
É certo que o teor dessas notas informativas chegaram ao conhecimento dos dois clientes da Ré, para onde foram remetidas, mas logo de imediato, em 22.1.2017 [documento 6 junto com a petição inicial] os Autores dirigiram pedido de desculpas a esses clientes da Ré – factos 18 e 19 – assim “esclarecendo” a situação perante estes. E nada se provou no sentido de que aquelas “comunicações” denegriram a imagem da Ré perante aqueles dois clientes, no pressuposto de que elas se referiam, exclusivamente, a questões de ordem laboral respeitantes, unicamente, à Ré e aos seus trabalhadores e que surgem, como sabemos, com mais ou menor frequência, nas empresas.
Em resumo: o teor das notas informativas enviadas pelos Autores – nos termos que deixamos analisado – não consubstancia, objectivamente, qualquer violação dos deveres de respeito, de urbanidade para com a sua entidade empregadora e superiores hierárquicos e do dever de lealdade previstos nas alíneas a) e f) do nº1 do artigo 128º do CT, na medida em que traduz, tão só, o exercício do direito de liberdade de expressão e do direito de liberdade sindical, previstos nos artigos 37º e 55º da CRP, respectivamente, e 14º do CT.
Deste modo, concluímos que os Autores não violaram os deveres de respeito, de urbanidade para com a sua entidade empregadora e superiores hierárquicos e de lealdade – alíneas a) e f) do nº1 do artigo 128º do CT.
Procede o recurso nesta parte.
* * *
V
O acréscimo de despesas com deslocações.
Consideração o determinado nas cláusulas 17ª e 18ª do CCT – publicado no BTE nº38 de 15.10.2017 – concluiu-se na decisão recorrida, em face da factualidade provada “que as referidas deslocações do Autor em outros postos de trabalho não lhe causaram um acréscimo significativo de tempo e despesas de deslocação, nada sendo devido a este título ao Autor C…”.
O apelante discorda referindo: como ficou provado, o Autor percorria 13 km, 26 km no total (ida e volta) para prestar a sua força de trabalho à Ré no Hospital J…. Conforme o ponto 45 dos factos provados, na sua primeira transferência de local de trabalho o Autor passou a percorrer 80 km no total (ida e volta), ou seja, mais do dobro. O mesmo se diga relativamente ao tempo, tendo o recorrente passado de um tempo de viagem de 40 minutos (no total) para 1H12M (no total). Apesar de na clª15ª constar que a estipulação de local de trabalho não impede a rotatividade característica da actividade, aí também se ressalva, desde logo, que tal não obsta a que essa rotatividade deva ser entendida como mudança de local de trabalho. Os factos aqui em causa decorreram antes da existência daquela revisão, pelo que em rigor, ter-se-á de aplicar o CCT publicado no BTE nº17 de 08.05.2011, cujo âmbito subjectivo foi estendido pela PE nº131/2012 de 07.05. Segundo aquele CCT, local de trabalho é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da actividade laboral pelo trabalhador sendo que, na falta desta definição, o local de trabalho do trabalhador será aquele no qual o mesmo inicia as suas funções. No caso do recorrente não foi definido qualquer local de trabalho, pelo que, tendo o seu primeiro local de trabalho sido o Hospital J…, é com base na distância deste para a sua residência que se estabelece o acréscimo de distância/tempo. Estabelece a clª15ª do CCT, nº2, que entende-se por mudança de local de trabalho, para os efeitos previstos nesta clª, toda e qualquer alteração do local de trabalho definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, ainda que dentro da mesma cidade, desde que determine acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador. E no nº6 da mesma clª que havendo mudança de local da prestação de trabalho por causas ou factos não imputáveis ao trabalhador, a entidade empregadora custeará as despesas mensais, acrescidas do transporte do trabalhador, decorrentes da mudança verificada. O acréscimo de tempo (de ida para e regresso do local de trabalho), superior a 40 minutos, gasto com a deslocação do trabalhador para o novo local de trabalho será pago tendo em consideração o valor hora determinado nos termos da clª22ª, nº3, ou compensado com igual redução no período normal de trabalho diário. O Tribunal a quo parece julgar que esta cláusula estabelece que a entidade empregadora apenas tem de custear o acréscimo de despesas de deslocação se, ao mesmo tempo, o trabalhador utilizar mais de 40 minutos na viagem, o que não decorre da mesma. A clª15ª estabelece que, nos casos de mudança de local de trabalho, sendo estas considerados como aquelas de que resulte um acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação. A clª., no seu nº6, estabelece que o acréscimo de tempo superior a 40 minutos gasto com a deslocação do trabalhador será pago tendo em consideração o valor hora ou compensado com igual redução no período normal de trabalho diário. Não existe qualquer critério para se averiguar o que é ou não acréscimo significativo do tempo ou de distância. A clª estabelece apenas que a entidade empregadora somente pagará o acréscimo de tempo se superior a 40 minutos, não se pronunciando relativamente à distância. O acréscimo de despesas com a deslocação tem de ser avaliado casuisticamente, uma vez que um trabalhador que tenha iniciado a sua prestação de trabalho para uma entidade empregadora e sempre fizesse 50 km para o seu local de trabalho, se fizer mais 5 km não terá um acréscimo significativo. O mesmo não se poderá dizer de um trabalhador que faça 13 km e que passe a fazer 27 km, por exemplo, uma vez que tal representa um acréscimo de mais do dobro. Para que tal mudança seja relevante, para os efeitos pretendidos na presente acção, é necessário que a mesma implique um acréscimo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador, hipótese em que, de acordo com o nº5 da clª15ª, a entidade empregadora custeará as despesas decorrentes da mudança verificada, desde que esta tenha sido motivada pelas situações previstas nas alíneas a), c) e d) do seu nº2. Em todas as mudanças de local de trabalho o 2º Autor passou na primeira a percorrer 80 km no total, para se deslocar para a DGRSP em …, o que resulta numa diferença de 54 km diários. Posteriormente, passou para a K…, em Santo Tirso, passando a percorrer mais 52 km no total. Na transferência para o Centro de Saúde L… apenas passou a percorrer 34 km no total, pelo que o aumento foi de 4 km por viagem, Na transferência para o Rent-a-Car no Aeroporto M… passou a percorrer no total 40 km e 32 minutos diários, uma diferença de 16 km diários. No Centro de Emprego de … passou a percorrer no total 38 km e 38 minutos diários, uma diferença diária de 12 km. Por fim, relativamente à última transferência – … – passou a percorrer a distância total de 38 km, uma diferença de 12 km por dia. Pode-se afirmar que o Autor teve acréscimo de despesas com o transporte em todas as deslocações.
O 2º Autor reclamou o pagamento de acréscimo de despesas com deslocações no período compreendido entre Setembro de 2015 e Dezembro de 2017. Até 01.10.2017 é aplicável o CCT publicado no BTE nº17 de 08.05.2011 (PE nº131/2012 de 07.05) e a partir daquela data o CCT publicado no BTE nº38 de 15.10.2017.
Nos termos da clª14ª do CCT de 2011 “1. Local de trabalho é o local geograficamente definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, para a prestação da actividade laboral pelo trabalhador. 2. Na falta desta definição, o local de trabalho do trabalhador será aquele no qual o mesmo inicia as suas funções”. Segundo a clª15ª “1. A estipulação do local de trabalho não impede a rotatividade de postos de trabalho característica da actividade de segurança privada, sem prejuízo de, sendo caso disso, tal rotatividade vir a ser, no caso concreto, entendida como mudança de local de trabalho, nos termos e para os efeitos da presente cláusula. 2. Entende -se por mudança de local de trabalho, para os efeitos previstos nesta cláusula, toda e qualquer alteração do local de trabalho definido pela entidade empregadora, ou acordado entre as partes, ainda que dentro da mesma cidade, desde que determine acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação para o trabalhador” (…) “6. Havendo mudança de local da prestação de trabalho por causas ou factos não imputáveis ao trabalhador, a entidade empregadora custeará as despesas mensais, acrescidas do transporte do trabalhador, decorrentes da mudança verificada. O acréscimo de tempo (de ida para e regresso do local de trabalho), superior a quarenta minutos, gasto com a deslocação do trabalhador para o novo local de trabalho, será pago tendo em consideração o valor hora determinado nos termos da cláusula 22.ª, n.º 3, ou compensado com igual redução no período normal de trabalho diário”.
No CCT de 2017 as cláusulas 17ª e 18ª têm idêntica redacção às cláusulas acima indicadas, a significar que neste particular carece de justificação analisar a questão em função de cada uma das convenções colectivas.
Da factualidade provada não consta que a Ré tivesse definido o local de trabalho do Autor ou que o mesmo tivesse sido acordado entre as partes. Daí que o local de trabalho do 2º Autor seja aquele no qual o mesmo inicia as suas funções, que no caso foi no Hospital J…, … – facto 24.
Ocorre, de seguida, verificar se o 2º Autor, ao longo do período que vai de Setembro de 2015 a Dezembro de 2017, mudou de local de trabalho, atendendo ao determinado na cláusula 15ª, nº2 do CCT de 2011 e na cláusula 18ª, nº2 do CCT de 2017, posto que tal mudança verificar-se-á se ocorrer um “acréscimo significativo de tempo ou de despesas de deslocação”, sendo que tal acréscimo se obterá pela diferença entre o que o trabalhador demorava a percorrer [ou gastava] desde a sua residência ao primitivo local de trabalho e o que demora a percorrer [ou gasta] desde a sua residência ao “novo” local de trabalho.
A matéria de facto a considerar é a seguinte: 47. Entre a residência do Autor – Rua …, em Vila Nova de Gaia – e o seu anterior posto de trabalho – Hospital J… – distam 13 km (26 km diários), despendendo o Autor em cada trajecto cerca de 20 minutos, no total de 40 minutos diários. 48. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto do DGRSP em …, passou a ser de cerca de 40 km, a percorrer em 36 minutos, no total de 80 km e 1H12M diários. 49. O acréscimo de deslocação para o cliente K…, em Santo Tirso, passou a ser de cerca de 13 km, no total de 26 km diários, a percorrer em 27 minutos em cada trajecto, no total de 54 minutos diários. 50. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto do Centro de Saúde L…, em Matosinhos, passou a ser de cerca de 17 km a percorrer em 21 minutos, no total de 34 km e 42 minutos diários. 51. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto Rent-a-car no aeroporto M…, passou a ser de cerca de 20 km a percorrer em 16 minutos, no total de 40 km e 32 minutos diários. 52. A distância que passou a despender em cada trajecto da sua residência para o posto do Centro de Emprego de … passou a ser de cerca de 19 km a percorrer em 19 minutos, no total de 38 km e 38 minutos diários. 53. O acréscimo de deslocação para o posto … passou a ser de cerca de 6 km em cada trajecto.
E tendo em conta a referida factualidade dir-se-á:
1. Local de trabalho em Vila do Conde.
O 2º Autor passou a percorrer mais 54 km por dia e passou a gastar mais 32 minutos até chegar ao local de trabalho (percorria, quanto trabalhava no Hospital J…, 26 km e gastava 40 minutos). Para efeitos do determinado na cláusula 15ª, nº2 do CCT de 2011 e na cláusula 18ª, nº2 do CCT de 2017, não ocorreu mudança de local de trabalho, na medida em que esse tempo a mais (32 minutos) não constitui um acréscimo significativo de tempo.
Apesar de no CCT não se definir o que se deve entender por “acréscimo significativo de tempo”, considerámos, recorrendo às regras da equidade e tendo em conta o disposto no nº6 da clª15ª do CCT de 2011 e o nº6 da clª18ª do CCT de 2017, que tal situação se verifica sempre que o trabalhador, para se deslocar para o «novo» local de trabalho sofra uma perda de tempo, em comparação com o que gastava anteriormente, superior a 40 minutos.
E terá ocorrido um acréscimo significativo de despesas de deslocação?
Não se provou o montante das despesas suportadas pelo 2º Autor nas deslocações a Vila de Conde. No entanto, e considerando, tão só a título de exemplo, que o veículo em que se fazia transportar gastava, como ele alegou, 7 litros aos 100 km sendo o preço do gasóleo, à data, como indicou na petição, de €1,18, o 2º Autor gastava a mais com a deslocação a Vila do Conde o valor diário de €2,31 o que, e salvo melhor entendimento, não podemos considerar um acréscimo significativo/expressivo de despesas de deslocação.
2. Local de trabalho em S. Tirso.
Na ida para S. Tirso o 2º Autor passou a percorrer precisamente a mesma distância que percorrida quando se deslocava para o Hospital J… (26 km) e passou a gastar mais 14 minutos. Este tempo a mais, pelas razões já referidas, não constitui um acréscimo significativo de tempo. E relativamente às despesas de deslocação também não se verifica o referido acréscimo na medida em que percorre o mesmo número de quilómetros.
3. Local de trabalho em ….
O 2º Autor passou a percorrer mais 8 km do que percorria quando se deslocava para o Hospital J… e passou a gastar mais dois minutos. Não se verifica, pelas razões já invocadas, o acréscimo significativo de tempo e de despesas de deslocação.
4. Local de trabalho no aeroporto M…, … e ….
Não se verifica, em qualquer dos casos, qualquer acréscimo significativo de tempo e de despesas de deslocação [para o Aeroporto percorreu mais 14 km e o tempo de deslocação é inferior a 40 minutos (32 minutos); para Valongo percorreu mais 12 km e o tempo de deslocação é inferior a 40 minutos (38 minutos); para … teve, igualmente, um acréscimo de 12 km, desconhecendo o tempo de deslocação].
Deste modo, e pelos fundamentos expostos, improcede a pretensão do 2º Autor quanto ao pagamento de despesas de transporte e tempo gasto nas deslocações que efectuou para os referidos locais de trabalho.
Dos créditos dos Autores.
Sendo ilícita a sanção aplicada aos Autores, por as suas condutas não constituírem qualquer violação dos seus deveres laborais, tem a mesma que ser anulada, como requerido, tendo eles direito a receber a quantia que lhes foi descontada em consequência do cumprimento da sanção de 10 dias de suspensão do trabalho com perda de retribuição, quantia a que acrescem os juros de mora, à taxa de 4% ao ano, contados da data em que a Ré procedeu ao desconto na remuneração dos Autores e até integral pagamento.
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Termos em que se julga a apelação parcialmente procedente, se revoga a decisão recorrida na parte em que julgou lícita a sanção aplicada pela Ré a cada um dos Autores, se substitui pelo presente acórdão e, em consequência 1. Se declara a ilicitude da sanção disciplinar aplicada a cada um dos Autores – de 10 de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade – e se decreta a sua anulação; 2. Se condena a Ré a restituir a cada um dos Autores a quantia descontada no seu vencimento em consequência da aplicação dessa sanção, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, contados da data em que a Ré procedeu ao desconto na remuneração dos Autores e até integral pagamento. No mais se confirma a decisão recorrida.
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Custas da acção e da apelação a cargo do 2º Autor e da Ré na proporção de 2/3 e 1/3 respectivamente.
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Porto, 17.02.2020
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho