Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6/14.2TBPNF.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CAIMOTO JÁCOME
Descritores: TUTELA DA PERSONALIDADE
DIREITOS AO REPOUSO
TRANQUILIDADE E AO SONO
DIREITO AO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE COMERCIAL OU INDUSTRIAL
COLISÃO DE DIREITOS
RUÍDO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RP201510126/14.2TBPNF.P1
Data do Acordão: 10/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Os direitos de personalidade são direitos absolutos, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito, nomeadamente sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade comercial. Aqueles direitos (de personalidade), pela sua própria natureza, sobrelevam os direitos de conteúdo económico, social e cultural.
II - O direito ao repouso e ao sono inscrevem-se nesse conjunto de direitos imprescindíveis à existência, constituindo, enfim, uma componente dos direitos de personalidade.
III - A sanção pecuniária compulsória não é, pois, medida executiva ou via de execução da condenação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 6/14.2TBPNF.P1 - APELAÇÃO

Relator: Desem. Caimoto Jácome (1555)
Adjuntos: Desem. Sousa Lameira
Desem. Oliveira Abreu

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1- RELATÓRIO

B… e mulher C…, com os sinais dos autos, instauraram a presente ação especial, de tutela de personalidade, contra a D…, com sede na Rua …, n.ºs … a …, Lisboa, e E…, LDA., com sede na Rua …, nºs ../.., na freguesia e cidade de Penafiel, pedindo que se:
a- decrete o imediato encerramento do estabelecimento comercial “F…”, supra caracterizado, instalado na fracção autónoma identificada no ponto 17º da petição inicial e se condene os Réus a absterem-se de nela desenvolverem qualquer atividade enquanto não demonstrarem terem procedido às obras adequadas à insonorização da referida fracção e eliminação de ruídos e vibrações dela provenientes e do estabelecimento identificado, fundamento do presente processo, de forma a garantir o direito ao repouso, ao sono e à tranquilidade e a ambiente sadio, ou seja, o direito à vida, à saúde e à integridade física e moral dos Autores enquanto habitantes do prédio identificado no artigo 2º da petição inicial;
b- condene solidariamente os Réus a pagar aos Autores a sanção pecuniária compulsória de 500,00 euros por cada dia em que a providência a decretar seja violada, ou seja por cada dia em que o estabelecimento não se encontre encerrado.
Para tanto alegam, em síntese, residirem no n.º 34 da Rua ..., nesta cidade e concelho, no prédio urbano composto de casa de três pavimentos e logradouro descrito na Conservatória do Registo Predial em parte da ficha n.º 1711 – Penafiel, aí registado a ser favor pela AP 5, de 1985/08/23, inscrito na matriz predial respetiva no art. 8907, sendo nesse prédio que repousam, dormem, desenvolvem as suas actividades de lazer, fazem as duas refeições, recebem visitas, convivendo com amigos e família e onde realizam todas as suas atividades domésticas.
O Autor marido nasceu em 14/12/1944 enquanto a Ré mulher em 22/02/1948 e são sócios-gerentes da “G…, Lda.”, com estabelecimento comercial de minimercado instalado no rés-do-chão do prédio urbano composto de casa de três pavimentos, sito na Rua … n.ºs .. a .. desta cidade, descrito em parte da referida ficha n.º 1711, inscrito na matriz predial respetiva no art. 8928, com armazém no primeiro pavimento do prédio descrito em 2º da petição inicial.
Os Autores asseguram a exploração daquele estabelecimento conjuntamente com pelo menos dois empregados.
Durante os dias e horário de funcionamento desse estabelecimento, de segunda a sexta-feira, das 09h00m às 19h30m, os Autores permanecem ali uma boa parte do dia e permanecem a restante parte do dia em casa, designadamente no período de almoço, entre as 12h00m e as 13h00m, casa essa onde permanecem em maior pate dos restantes dias e praticamente todas as noites.
Os Autores permanecem em casa, em média, cerca de 15 horas por dia de segunda-feira a sábado e mais de 18 horas ao domingo;
A 1ª Ré é uma instituição bancária que se dedica às actividades próprias de instituições de crédito do seu tipo e é dona e legitima possuidora da fração autónoma designada pela letra “A” do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal, composto por casa de rés-do-chão, cave e andares com logradouro, sito na Rua …, n.ºs .. a .., na freguesia e cidade de Penafiel, fração essa destinada ao comércio, com acesso à via pública pelos referidos números da Rua …, com acesso à via pública pela Rua …, inscrita na matriz predial respetiva no art. 9760-A e descrita na Conservatória do Registo Predial de Penafiel n.º 1906-A – Penafiel, registado a favor do 1º Réu pela Ap. 2266, de 2013/04/07.
Por acordo escrito de 17/04/2013, junto aos autos a fls. 37 a 64, a 1ª Ré deu a identificada fracção em locação financeira à 2ª Ré.
A 2ª Ré dedica-se à atividade de comércio a retalho de pão, produtos de pastelaria e confeitaria e fabrico dos mesmos e encontra-se sedeada no estabelecimento de café e panificação, que gira sob o nome “F…”, que explora instalado no rés-do-chão e cave do prédio que tomou de locação financeira à 1ª Ré.
O estabelecimento em causa tem entrada ao público pelos citados nºs da Rua … n.ºs .. a .. e para cargas, descargas e entrada de pessoal afeto ao estabelecimento, pelas traseiras do mesmo prédio e Rua ….
Aquele estabelecimento encontra-se em funcionamento nunca menos de 20 horas por dia, oito dias por semana, durante todos os meses do ano, encontrando-se aberto ao público das 6h00m às 20h00m, de segunda a sexta-feira e em feriados festivos, e das 06h00m às 13h00m ao domingo, sem encerramento na hora de almoço e fabrica produtos de panificação, pastelaria e confeitaria nas noites de todos e cada um dos dias de semana, desde cerca das 22h00m até às 08h00 do dia seguinte, e também durante todo o dia e até na véspera de natal tem os fornos em funcionamento.
A 2ª Ré tem instalada no dito estabelecimento toda a maquinaria necessária à fabricação do pão e tem ainda equipamentos para movimentar e distribuir o pão e os restantes produtos fabricados.
O prédio da 1ª Ré, na parte em que se encontra instalado o estabelecimento da 2ª Ré confronta por poente com a casa dos Autores e prédio em que se integra, bem como o outro prédio destes.
No 1º piso do prédio da 1ª Ré, a 2ª Ré mantem a zona de fabrico de pão, com forno, batedeiras e demais instrumentos e no 2º piso mantem a zona de fabrico de bolos, com batedeiras e restantes equipamentos, e a zona de venda ao público e entre outros, na parede norte da fracção, na parte em que alinha com a parede do mesmo lado da casa dos Autores, ao nível de ambos os ditos pisos e sobe as placas de parte do 1º piso, os extractores e exaustores.
A 2ª Ré, pela exploração daquele estabelecimento, emite ininterruptamente ruído e vibrações que se propagam até à residência dos Autores, onde durante todo o dia, mas principalmente à noite e de madrugada, se fazem sentir com grande intensidade e de forma ininterrupta.
Esse ruido e vibrações são constituídos, desde logo, pelo ininterrupto funcionamento dos motores dos equipamentos de frio e refrigeração, das batedeiras em funcionamento, ventilação/extração de fumos/cheiros e de climatização, suas ventoinhas e condutas, assim como dos demais equipamentos.
Várias vezes por noite pelo som dos instrumentos de padeiro a bater nas bancadas, bancas, carrinhos, móveis e outros de inox a chocarem entre si.
Diversas vezes por noite o som de portas a bater e empregados da 2ª Ré a falar, designadamente quando se encontram no logradouro que se situa nas traseiras do prédio da 1ª Ré, por onde se fazem as cargas e descargas, pela Rua … e no pico do ruídos, dos exaustores e refrigeradores que mais que, mais que três e mais vezes por noite e durante vários minutos funcionam em potência superior à média diária, especialmente nas alturas do ano de maior calor.
Como consequência daqueles ruídos e vibrações os Autores, a qualquer hora do dia, com maior expressão até cerca das 11h00m, vêm o seu repouso perturbado e à noite impossibilitado.
Por via daqueles ruídos e vibrações, os Autores, à noite, têm muita dificuldade em adormecer face à natureza incomodativa do ruído e vibração, acordam várias vezes por noite por causa dos mesmos, sem as mais das vezes poderem retomar o sono e pela mesma razão.
Não podem abrir as janelas sem que o dito ruído torne a permanência na respetiva divisão insustentável.
Os Autores não beneficiam de qualquer momento de silêncio na sua habitação, sendo que a natureza incomodativa do ruídos e vibrações em causa torna impossível e o descanso dos Autores, impedindo-os de estar em casa em qualquer circunstância em condições de sossego, tranquilidade e comodidade.
Os Autores nem ler um jornal, um livro ou outra publicação conseguem fazer.
A 2ª Ré vem a violar os direitos dos Autores nas circunstâncias relatadas, há mais de dez anos a esta parte, o que os levou a fazer várias reclamações junto da Câmara Municipal …, sem que nenhuma das intervenções levadas a cabo pela 2ª Ré, na sequência dessas reclamações tivessem sido aptas a pôr fim à emissão dos aludidos ruídos e vibrações.
Como resultado direto da sucessiva e ininterrupta exposição aos referidos ruídos e vibrações os Autores sofrem de insónias, intolerância ao ruído, dores de cabeça, cansaço, stress, labilidade do humor com irritabilidade fácil, perturbações cognitivas especialmente ao nível da memória.
O Autor marido, em acréscimo, apresenta sintomas compatíveis com doença vibro acústica e com stress provocado pelos factos supra referidos, como alterações da pressão arterial e seu espessamento, assim como apresenta disformidades cardíacas e sofreu já um acidente cardiovascular isquémico.
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Designou-se dia para a realização de audiência de julgamento e ordenou-se a citação das Rés para os termos da ação, para o dia designado para a realização da audiência de julgamento e para contestarem, querendo, a presente acção.
A 1ª Ré contestou impugnando parte da factualidade alegada pelos Autores, sustentando que se limitou a dar em locação financeira o prédio à 2ª Ré, que os Autores não lhe imputam qualquer facto ilícito, mas fazem, em exclusivo, essa imputação à 2ª Ré e concluem pela improcedência da presente ação e que se absolva a mesma do pedido.
A 2ª Ré contestou impugnando parte da matéria alegada pelos Autores.
Afirma que a presente ação não é o meio próprio para os Autores exercerem os direitos de personalidade que pretendem ver acautelados dado que são os próprios Autores que alegam que a 2ª Ré vem violando o direito dos Autores há mais de dez anos a esta parte, o que a 2ª Ré não aceita, mas mostra-se dissonante com a urgência da presente ação.
Sustentou que no exercício da sua atividade e para a prossecução do seu objetivo comercial emprega 17 funcionários, estando as respectivas famílias dependentes do salário e, consequentemente, da normal laboração da Ré; que mantém contratos de fornecimento de pão com mais de 30 empresas, contratos esses que vinculam e obrigam a 2ª Ré ao fornecimento diário de pão, além de que fornece diariamente pão, diariamente, a centenas de particulares, porta e porta, pelo que encerramento da sua atividade colocaria em risco sério a sua sobrevivência, porque aquelas empresas e particulares teriam que encontrar um alternativa ao fornecimento de pão, para além dos incumprimentos contratuais que tal situação acarretaria, colocaria em risco sério a subsistência dos contratos de trabalho vigentes e impediria a 2ª Ré de satisfazer o pagamentos dos salários, rendas de leasing, segurança social, combustível e matérias-primas para os produtos de panificação, uma vez que é com o produto da normal prossecução da sua atividade que a Ré satisfaz aqueles compromissos, concluindo que a verificar-se a existência de eventual ruído que ultrapasse os critérios legalmente estabelecido pelo Regulamento legal por força da atividade desenvolvida pela 2ª Ré, o que esta não crê acontecer, o princípio da proporcionalidade sempre exigiria que se encontrasse uma solução de razoabilidade e de proporcionalidade à satisfação de todos os direitos e interesses em confronto.
Conclui pedindo que a ação seja julgada improcedente por não provada e que a mesma seja absolvida do pedido.
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Realizou-se a audiência de julgamento com observância do formalismo legal, onde entre outras diligências de prova, se efetuou inspeção judicial ao local e perícia acústica, que foi realizada pelo ISQ e, bem assim perícia médico-legal aos Autores.
Na sessão de audiência de julgamento que teve lugar no dia 10/02/2015 (cfr. fls. 407 a 410), os Autores ampliaram o pedido originariamente feito, aditando ao pedido primitivo o seguinte pedido subsidiário:
C- As Rés devem ser condenadas a:
C.1- absterem-se de produzir qualquer ruído provindo do estabelecimento da 2ª Ré, denominado “F…”, instalado na fracção da 1ª Ré identificado no art. 17º da petição inicial e causalmente ligado ao respetivo funcionamento que seja audível no prédio dos Autores entre as 22 horas e as 7 horas;
C.2- a pagar solidariamente aos Autores a sanção pecuniária compulsória de 500 euros por cada dia em que se verifique o incumprimento da obrigação de C.1).
ou quando assim não se entenda e igualmente no pressuposto da procedência da ação, reduzem os pedidos supra enunciados em C.1 e C.2 que assim passam a ser os pedidos A1 e A2.”.
Por despacho proferido nessa sessão de julgamento admitiu-se a ampliação do pedido.
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Após julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu (dispositivo):
Nesta conformidade, julgo a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
I- absolvo a Ré “D…” de todos os pedidos;
II- condeno a Ré “E…, Lda.” a:
a-adotar as medidas junto dos seus empregados para que, entre as 23.00 horas e as 07h00, os mesmos se abstenham de manter na zona de aparcamento que deita para a Rua …, contígua à semicave onde produz o pão, designadamente, nas operações de carga e descarga, quaisquer conversas, agindo, designadamente, disciplinarmente contra esses seus trabalhadores sempre que os mesmos infrinjam com essa obrigação, perturbando o justo sono e descanso dos Autores;
b- manter os apoios anti vibratórios que colocou nos motores que tem instalados sobre as placas da semicave onde tem a produção do pão e, bem assim a manter as caixas em que encerrou esses motores, e caso venha a colocar, nesse espaço, outros motores ou a substituir aqueles que já lá se encontram, a adotar iguais cautelas – comprando motores modernos e silenciosos, dotando-os de apoios anti vibratórios e encerrando-os em caixas de características iguais/semelhantes àquelas que instalou – e em caso de avaria desses motores ou de outras máquinas que tenha instaladas no estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria que explora que incremente o ruído e as vibrações emitidos por essas máquinas e/ou motores, a zelar pela sua pronta reparação, mantendo esses motores e/ou máquinas parados entre as 23horas e as 07horas enquanto aqueles motores e/ou máquinas não forem reparados, mantendo o nível de ruídos e vibrações que se fazem sentir na residência dos Autores de molde a nunca ultrapassarem, nesse período noturno (entre as 23 horas e as 07 horas), os 24 decibéis que atualmente não são ultrapassados nessa residência;
c- a pagar, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de 100,00 (cem) euros, pelas infracções ao determinado em a) e/ou b) em que venha incorrer em cada período que se estende desde as 23h00m e as 07h00m da manhã seguinte, quantia essa que reverterá, em partes iguais, para os Autores e para o Estado;
d- absolvo a 2ª Ré, “E…, Lda.” do demais pedido.
Custas por Autores e 2ª Ré na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em partes iguais.”.
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Inconformada, a ré apelou da sentença, tendo, na sua alegação, formulado as seguintes conclusões:
A) DAS PROVAS PRODUZIDAS PELOS AUTORES NOS AUTOS (MAXIME TESTEMUNHAL, DEPOIMENTO DE PARTE, POR INSPEÇÃO E PERICIAL) NÃO RESULTOU QUALQUER SINAL OU
EVIDÊNCIA DE QUE OS FUNCIONÁRIOS DA RECORRENTE FALEM ENTRE SI DURANTE A NOITE DE MODO A ATENTAR CONTRA O SEU SOSSEGO E REPOUSO.
B) DOUTRO PASSO, NÃO SE PODE, S. M. O., JULGAR TAL FACTO COMO ASSENTE E PROVADO POR RECURSO ÀS REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM, POIS QUE TAL CONSIDERAÇÃO
IMPORTARIA A TEMERÁRIA GENERALIZAÇÃO DA NORMALIDADE DE UM QUALQUER INDIVÍDUO, POR SER FUNCIONÁRIO NOTURNO DE UM ESTABELECIMENTO COMERCIAL COMO O DOS AUTOS, SE TORNAR NUM DESASSOGADOR OCASIONAL DO DESCANSO DOS VIZINHOS, SUFICIENTEMENTE CAPAZ DE OBRIGAR A SUA ENTIDADE A TOMAR MEDIDAS PREVENTIVAS E REPRESSIVAS (DISCIPLINARES), E DE SER A MESMA ENTIDADE PATRONAL CONDENADA COM SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA POR TAL OCORRÊNCIA.
C) ASSIM, ESTE FACTO NÃO PODERIA SER DADO COMO PROVADO APENAS COM RECURSO ÀS REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM, SEM QUE AS MESMAS CONCORRESSEM COM OUTROS ELEMENTOS PROBATÓRIOS MAIS SÓLIDOS, E DESCONSIDERANDO OUTROS FACTOS CONEXOS DADOS COMO ASSENTES: COMO O CASO DE A JANELA ONDE DESCANSAM OS AUTORES DEITAR DIRETAMENTE PARA A RUA MAIS MOVIMENTADA DA CIDADE DE PENAFIEL (COM BARES ABERTOS À NOITE NAS IMEDIAÇÕES E POR ONDE PASSAM TRANSEUNTES A QUALQUER HORA DO DIA E DA NOITE).
D) ASSIM, DEVEM SER DADOS COMO NÃO PROVADOS OS SEGMENTOS DOS PONTOS AJ), AL), AO) JULGADOS FACTOS ASSENTES NA DOUTA SENTENÇA DE QUE SE RECORRE, QUANDO CONSIDERA QUE OS FUNCIONÁRIOS DA RECORRENTE INCOMODAM OCASIONALMENTE OS AUTORES QUANDO FALAM À NOITE, NAS CIRCUNSTÂNCIAS ALI REFERIDAS.
POR OUTRO LADO,
E) IGUALMENTE NÃO FOI PRODUZIDA PROVA CAPAZ DE DEMONSTRAR DESDE QUE A RECORRENTE EMITIA RUÍDOS E VIBRAÇÕES DESDE 15/09/1998 E ATÉ PELO MENOS 23/04/2007, A PARTIR DO ESTABELECIMENTO DOS AUTOS,
F) POIS, PARA ALÉM DE TAL SE PODER CONCLUIR DE QUALQUER FACTO DADO COMO PROVADO, NEM DA CIRCUNSTÂNCIA DE A RECORRENTE TER CELEBRADO UM CONTRATO DE ARRENDAMENTO DO PRÉDIO DOS AUTOS EM 2006, TAL FACTO ESTÁ EM OSTENSIVA CONTRADIÇÃO COM OS FACTOS ASSENTES EM H) E I), COM O DEPOIMENTOS DAS TESTEMUNHAS, COM OS DOCUMENTOS JUNTOS QUE INDICAVAM OUTROS EXPLORADORES DO ESTABELECIMENTO DOS AUTOS EM PRATICAMENTE TODO ESSE PERÍODO.
G) POR OUTRO LADO, E NO QUE AO DIREITO APLICADO DIZ RESPEITO, DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA QUANTO AO SEU SEGMENTO ÍNSITO NO PONTO II a), PORQUANTO, PARA ALÉM DE SE NÃO TER MOSTRADO PROVADO O FACTO QUE LHE SERVE DE SUPORTE – CFR. CONCLUSÕES A) A D) SUPRA –
H) A CIRCUNSTÂNCIA MERAMENTE OCASIONAL DE OS FUNCIONÁRIOS FALAREM DURANTE A NOITE DE FORMA A INCOMODAREM OS VIZINHOS, NÃO DEVE MERECER A CENSURA QUE INTEGRA ESTA PARTE DA DECISÃO DO TRIBUNAL, POR AUSÊNCIA DE OUTROS CRITÉRIOS QUE OPONTEM PARA A SUA PRÁTICA REITERADA E OSTENSIVA,
I) SENDO IGUALMENTE EXCESSIVO OBRIGAR A ENTIDADE PATRONAL A UMA ATIVIDADE FISCALIZADORA E REPRESSIVA DESTE TIPO DE FACTOS, O QUE PODE TORNAR-SE PRATICAMENTE IMPOSSÍVEL DE VERIFICAR E QUE POTENCIARÁ, SIM, UMA INDESEJÁVEL EXCESSIVA LITIGIOSIDADE,
J) SENDO QUE, EM ÚLTIMA ANÁLISE, SE VERIFICA A ILEGITIMIDADE DA RECORRENTE, POIS QUE, PARA CASOS COMO OS DOS AUTOS, DEVERÃO, ANTES, SER DEMANDADOS OS AGENTES QUE ALEGADAMENTE PROVOCAM A LESÃO – OS DITOS FUNCIONÁRIOS, E NÃO A RECORRENTE.
K) OUTROSSIM, DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA QUANTO AO SEU SEGMENTO ÍNSITO NO PONTO II b), PORQUANTO, PARA ALÉM DE NÃO TER FICADO PROVADO TER SIDO A RECORRENTE A PRODUZIR OS RUÍDOS E VIBRAÇÕES ENTRE 1998 E 2007 – CFR. CONCLUSÕES E) E F) SUPRA –
L) NÃO SUBSISTE QUALQUER EVIDÊNCIA OU FACTO ASSENTE QUE PERMITA CONCLUIR PELA SUBSISTÊNCIA DE QUALQUER LESÃO OU AMEAÇA DA MESMA DURANTE O PERÍODO EM QUE A
RECORRENTE EXPLORA O ESTABELECIMENTO DOS AUTOS, E COM MAIS ACUIDADE DESDE JANEIRO DE 2012 E A DATA DA PROPOSITURA DA AÇÃO E DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA.
M) ANTES PELO CONTRÁRIO, OS ÚNICOS FACTOS QUE RESULTARAM PROVADOS QUANTO À ATITUDE DA AUTORA, DEMONSTRAM, SEM MARGEM PARA DÚVIDAS, UMA PRÁTICA PERMANENTE NO SENTIDO DE MITIGAR E ERRADICAR A EVENTUAL POLUIÇÃO SONORA SUBSISTENTE, QUE PUDESSE AFETAR O SOSSEGO DOS AUTOS, ANTES E DEPOIS DA ENTRADA EM JUÍZO DA PRESENTE AÇÃO,
N) MORMENTE ATRAVÉS DE OBRAS DE ISOLAMENTO ACÚSTICO CONCLUÍDAS, PELO MENOS, A 26/01/2012, E DA COLOCAÇÃO DE APARELHOS ANTI-VIBRATÓRIOS E CAIXAS NAS MÁQUINAS DO ESTABELECIMENTO, APÓS A CITAÇÃO PARA OS TERMOS DESTA AÇÃO.
O) OU SEJA, NÃO SE DEMONSTROU QUALQUER LESÃO OU AMEAÇA DE LESÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DOS AUTORES PERPETRADA PELA RECORRENTE (A TEREM EXISTIDO, COMO SE MOSTROU PROVADO, FORAM PRATICADAS POR ANTERIORES EXPLORADORES).
P) POR OUTRO LADO, TENDO-SE MOSTRADO PROVADO QUE, HÁ DATA DA APLICAÇÃO DOS REFERIDOS APOIOS ANTIVIBRATÓRIOS, CAIXAS E DEMAIS ARTEFACTOS, JÁ NÃO SUBSISTIAM QUAISQUER RUÍDOS E VIBRAÇÕES SUFICIENTEMENTE CAPAZES DE INCOMODAR O SOSSEGO DOS AUTORES, A DECISÃO DE QUE SE RECORRE DEIXA DE TER QUALQUER FUNDAMENTO FÁCTICO OU JURÍDICO, POR VIOLAÇÃO DA LEI PROCESSUAL E DA EQUIDADE.
Q) O MESMO SE DIGA QUANTO À LABORAÇÃO NOTURNA, NA PARTE DA SENTENÇA QUE CONDENA A RECORRENTE A NÃO ULTRAPASSAR OS 25 DECIBÉIS, PORQUANTO VIOLA FRONTALMENTE OS LIMITES MÁXIMOS (55 DECIBÉIS) PREVISTOS NO D.L. 9/2007, DE 27/01 (MAXIME AL. a) DO SEU ARTº 11º),
R) MESMO ADMITINDO QUE PODERÃO SUBSISTIR CASOS EM QUE, EM CONCRETO, ESSE LIMITE PODERÁ SER INSUFICIENTE, HAVERIA O JULGADOR, DE FORMA CRÍTICA, FUNDAMENTADA E AMPARADA EM FACTOS CONCRETOS DADOS COMO PROVADOS NO PROCESSO, JUSTIFICAR OBJETIVAMENTE A SUA DECISÃO.
S) O QUE NÃO É MANIFESTAMENTE O CASO, POIS QUE FICOU PROVADO QUE, MESMO ANTES DA COLOCAÇÃO DOS CITADOS ANTI-VIBRATÓRIOS E CAIXAS PROTETORAS, E PELO MENOS DESDE JANEIRO DE 2012, O RUÍDO E VIBRAÇÃO PRODUZIDO NO ESTABELECIMENTO DA RECORRENTE NÃO INCOMODAVA OS AUTORES, NEM LHES PERTURBAVA O SOSSEGO E O SONO DURANTE A NOITE.
T) NÃO O TENDO FEITO, E TENDO-SE FIXADO NO VALOR DOS RUÍDOS PRODUZIDOS À DATA DA PERÍCIA, A SENTENÇA RECORRENDA NÃO PERMITE A COMPREENSÃO DAQUELE VALOR, SEM INCERTEZAS E PERPLEXIDADES, POR UM HOMEM MÉDIO,
U) NÃO JUSTIFICOU POR QUE O DECIDIU ESTABELECER ABAIXO DO LIMIAR LEGALMENTE ADMISSÍVEL (MENOS DE METADE),
V) COMO NÃO PONDEROU O FACTO DE UMA PARTE DESSE VALOR ESTAR DEPENDENTE DE RUÍDOS NÃO PRODUZIDOS PELA RECORRENTE, MAS DECORRENTES DA PRÓPRIA CIRCUNSTÂNCIA DE A SUA RESIDÊNCIA ESTAR SITUADA EM PLENO CENTRO DA CIDADE DE PENAFIEL, COM AS JANELAS DO QUARTO DE DORMIR A DEITAR PARA A VIA MAIS MOVIMENTADA DA CIDADE (TAMBÉM À NOITE, DE TRÂNSITO E TRANSEUNTES) E ESTANDO A CASA EMPAREDADA, EM BANDA, COM OUTRAS CASAS DE CONSTRUÇÃO CENTENÁRIA, ONDE COEXISTEM OUTRAS OCUPAÇÕES COMERCIAIS E HABITACIONAIS.
W) ASSIM PELA FALTA DE ADESÃO AOS FACTOS DADOS COMO ASSENTES, PELA ILEGALIDADE DA VIOLAÇÃO DOS CITADOS NORMATIVOS ÍNSITOS NO D.L. Nº 9/2007, DE 17/01, E POR FALTA DE PONDERAÇÃO E FUNDAMENTAÇÃO, DEVE A SENTENÇA SER IGUALMENTE REVOGADA NO QUE CONCERNE ESTE SEGMENTO DECISÓRIO.
X) FINALMENTE, E NO QUE VERSA O SEGMENTO DA DECISÃO TIRADO NO PONTO II c) DA SENTENÇA SOB ESCRUTÍNIO, A MESMA DEVE SER REVOGADA COMO CONSEQUÊNCIA DO DECAIMENTO DOS PONTOS a) E b) ANTERIORES,
Y) SENDO QUE, MESMO QUE ASSIM NÃO FOSSE, A CONDENAÇÃO EM SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA, COMO DETERMINA O Nº 4 DO ARTIGO 879º DO C.P.C, DEVE SER APLICADA SENDO CASO DISSO E CONFORME FOR MAIS CONVENIENTE ÀS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO.
Z) ORA, NO CASO DOS AUTOS, AS EVENTUAIS VIOLAÇÕES POR VIA DE FALAS DOS FUNCIONÁRIOS A MEIO DA NOITE SEMPRE SERIAM MERAMENTE OCASIONAIS, NÃO SE EVIDENCIANDO UMA PRÁTICA REITERADA QUE SUSCITASSE UM ELEVADO NÍVEL DE PREOCUPAÇÃO E UMA SANÇÃO DISSUASORA MUSCULADA COMO ESTA.
AA) O MESMO SE DIGA QUANDO À POLUIÇÃO SONORA QUE HÁ MUITOS ANOS NÃO INCOMODA OS AUTORES, SENDO QUE, NESTE CASO, OS ATOS PRATICADOS E PROVADOS PELA 2ª RÉ APONTAM, SEM MARGEM PARA DÚVIDAS, PARA UMA AUTORRESPONSABILIZAÇÃO E ESPECIAL E REITERADO CUIDADO NA MITIGAÇÃO E MESMO ERRADICAÇÃO DA REFERIDA POLUIÇÃO SONORA, NÃO JUSTIFICANDO UMA SANÇÃO TÃO MUSCULADA, COMO PODERIA SER NO CASO DE UM PREVARICADOR IMPREVIDENTE OU COMPULSIVO.
BB) ASSIM A SENTENÇA, TAMBÉM NESTE ASPETO NÃO PONDEROU CORRETAMENTE AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO DOS AUTOS POIS QUE, MESMO A MANTEREM-SE OS ANTERIORES SEGMENTOS DA SENTENÇA, EM CASO ALGUM SE APUROU UMA SITUAÇÃO DE ESPECIAL PERIGOSIDADE OU DE IMINÊNCIA DE AMEAÇA OU DE LESÃO DOS DIREITOS DE PERSONALIDADE DOS AUTORES, POR PARTE DA RECORRENTE.
CC) EM SUMA, A SENTENÇA DE QUE SE RECORRE NÃO FEZ UMA CORRETA AVALIAÇÃO DA PROVA, NÃO SUBSUMIU CORRETAMENTE O DIREITO AOS FACTOS ASSENTES, VIOLOU O DISPOSTO NOS ARTIGOS 878º, 879º, Nº 4, DO CPC, TAL COMO NO ARTIGO 20º, Nº 5, DA CRP, NO D.L. 9/2007, DE 27/01 (MAXIME AL. a) DO ARTº 11º E AL. v) DO ARTIG0 3º) E O PRINCÍPIO DA EQUIDADE, DA IMEDIAÇÃO E DA LIVRE APRECIAÇÃO DAS PROVAS, EM CONTRADIÇÃO COM O ESTIPULADO NOS ARTIGOS 607º A 609º DO CPC, ATENTO O DISPOSTO NO ARTIGO 615º DO MESMO DIPLOMA, PELO QUE DEVE SER REVOGADA, SUBSTITUINDO-SE A MESMA POR OUTRA DECISÃO QUE ABSOLVA INTEGRALMENTE A RECORRENTE DO PEDIDO.

Na resposta à alegação os apelados defendem a manutenção do decidido na 1ª instância.
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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - arts. 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil (CPC).

2.1- OS FACTOS

A apelante insurge-se contra a decisão sobre a matéria de facto, integrada na sentença.
Conclui a recorrente pela alteração da matéria vertida em AJ, AL, AO e AE, da fundamentação de facto da sentença, com o seguinte teor:
“AE- Desde data não concretamente apurada, mas que se situa pelo menos desde 15/09/1998 até pelo menos 23/04/2007, a 2ª Ré pela exploração do estabelecimento identificado e caracterizado em R) a Z), vinha emitindo ruídos e vibrações, que se propagavam até à residência dos Autores, ruídos e vibrações essas que, durante o dia, se confundiam com o som do trânsito, mas que durante a noite se faziam sentir com intensidade na casa onde os Autores residem – resposta aos pontos 36º e 37º da petição inicial.
AJ- Na sequência dessas obras continuaram a ser emitidos ruídos e vibrações pelos motores identificados em AE) e AH) que a 2ª Ré tem instalado sobre as placas de parte da semicave do prédio identificado em G) e os Autores continuaram a ser ocasionalmente acordados, durante a noite, pelos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontravam na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua … – respostas explicativas dadas aos pontos 36º a 41º da petição inicial.
AL- Na sequência das obras levadas a cabo pela 2ª Ré e identificadas em AI) e AK), o ruído e vibrações emitidas pelo estabelecimento explorado pela 2ª Ré, incluindo pelos motores identificados em AK) que se faz sentir na casa identificada em J) onde os Autores residem, no período diurno, confunde-se com o ruído e as vibrações do trânsito que se processo no exterior dessa casa e, no período noturno, não ultrapassa os 24 décibeis, continuando os Autores a ser ocasionalmente acordados, durante a noite, pelos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontram na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua … – respostas explicativas dadas aos pontos 36º a 41º da petição inicial.
AO- Na sequência das obras levadas a cabo pela 2ª Ré identificadas em AI) e AK), os Autores continuam ocasionalmente a ser incomodados pelo som dos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontram na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua ... – resposta explicativa dada aos pontos 42º a 48º da petição inicial.”.
No entender da apelante, deve ser dado como não provado o seguinte facto dado como assente ínsito em segmentos dos pontos AJ, AL, AO: “(…) os Autores continuam a ser ocasionalmente incomodados pelo som dos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontram na zona de aparcamento de veículos referida em AB, nas operações de carga e descarga pela Rua … (…)”.
Na sua perspectiva, deve ainda ser dado como não provado o vertido em AE.
Vejamos.
Fixada a matéria de facto, através da regra da livre apreciação das provas, consagrada no artº 607º, nº 5, do CPC (anterior artº 655º, nº 1), em princípio essa matéria é inalterável.
A decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto pode/deve, no entanto, ser alterada pela Relação nas situações previstas no artº 662º, do CPC (anterior artº 712º).
Dispõe o normativo (n.º 1) que “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Importa considerar que a Relação deve, por regra, reapreciar toda a prova produzida e não apenas a indicada pelo recorrente e que, porventura, lhe seja favorável.
Importa ter presente o disposto no CPC (actual artº 662º, nºs 2, als. a) e b), e 3) no concernente à possibilidade de renovação da produção da prova, o que, no caso, achamos desnecessário.
A recorrente cumpriu o ónus imposto nos nºs 1, al. b)(Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida) e 2, al. a), do artº 640º, do CPC (“quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.”)?
Como vimos, de acordo com estatuído no artº 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto deve ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
No caso, não ocorreu a junção superveniente de qualquer documento e do processo constam todos os elementos em que se baseou a decisão do tribunal da 1ª instância sobre a matéria de facto, documentos e depoimentos de parte, das testemunhas e esclarecimentos dos peritos, registados num CD gravado.
Ora, considerando o corpo da alegação e as suas conclusões, verificamos que o referido ónus (artº 640º, do CPC) não foi integralmente observado pela recorrente, concretamente no que concerne aos meios probatórios, à prova gravada bem como à documental/pericial.
Com efeito, a apelante apenas referiu os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados mas não indicou, a nosso ver, os concretos meios de prova que, na sua perspectiva, imporiam decisão diversa (depoimentos de parte e das testemunhas e dos peritos, além de documentação), nos quais o tribunal recorrido alicerçou a sua convicção.
A propósito do estatuído no artº 640º, do CPC, salienta A. Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, 2ª ed., págs. 132 a 134), que com este nº 2 “introduziu-se mais rigor no modo como deve ser apresentado o recurso de impugnação da matéria de facto” impondo-se que “quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;” sendo que quando “…a impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas,…, cumpre-lhe indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;”.
Tudo sob pena de o incumprimento de tais ónus implicar a rejeição do recurso, na parte respeitante, sem ser “…precedido de qualquer despacho de aperfeiçoamento.”.
Acrescenta, ainda, que “é compreensível uma maior exigência no que concerne à impugnação da matéria de facto, impondo, sem possibilidade de paliativos, regras muito precisas.”.
Impugnando o recorrente a decisão sobre a matéria de facto, encontra-se sujeito a alguns ónus que deve satisfazer, sob pena de rejeição do recurso, sendo entre eles o de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda (…) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a indicação precisa e separada dos depoimentos (ver Amâncio Ferreira, no seu “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., pág. 181 e, no mesmo sentido, Lebre de Freitas, no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, 2ª ed., pág. 63).
Sendo evidente decorrer também da letra da lei que a mesma não comporta qualquer outra interpretação que não seja a da imposição da imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, caso não seja observado pelo recorrente algum dos ónus mencionados, não sendo defensável que se lance mão do convite ao aperfeiçoamento em tal matéria, como entre outros se decidiu no Ac. do STJ, de 09.02.2012 (acessível em www.dgsi.pt), ainda no âmbito do Código de Processo Civil de 1961.
O actual Código de Processo Civil veio, aliás, manter em termos praticamente idênticos todos os ónus anteriormente existentes, aditando ainda o de o recorrente dever especificar a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, mantendo igualmente a cominação da imediata rejeição do recurso para o seu incumprimento.
Focando-nos na apelação em apreço, tendo presente o exposto, constata-se que a apelante/impugnante quer no “corpo” da sua alegação de recurso bem como nas conclusões, apenas indica os “pontos” de facto que entende terem sido incorrectamente julgados, omitindo o(s) meio(s) de prova que serve(m) de base à sua convicção modificadora da decisão de facto.
A recorrente limita-se a fazer considerações teóricas sobre apreciação da prova.
Em suma, a inobservância, por parte da recorrente, do que lhe é imposto pelo nº 1 do art. 640º, determina a “rejeição do recurso” no que toca à impugnação da aludida matéria de facto, o mesmo é dizer que nenhuma alteração se introduzirá no elenco dos factos provados supra enunciados.
Tal como entende o autor supra referido, também, é nosso entendimento que, determinando o art. 640º que, sob pena de rejeição, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deverá especificar os concretos meios probatórios que levam a decisão diversa da recorrida, a referida especificação deverá obrigatoriamente constar das conclusões do recurso.
A inobservância, por parte da recorrente, do que lhe é imposto pelo nº 2, do artº 640º, do CPC, determina a “imediata rejeição do recurso” no que toca à impugnação da aludida matéria de facto, com base nos depoimentos de parte, das testemunhas, na prova documental e pericial.
Sendo irregular, a impugnação aparentemente efectuada pela apelante não releva processualmente.
Sempre se dirá, de todo o modo, que se apoia a exaustiva motivação da decisão sobre a matéria de facto, integrada na sentença, quando o julgador da 1ª instância, numa análise crítica, serena e reflectida da prova, afirma, além do mais, no tocante à matéria impugnada, que:
“(…)A matéria dada como provada sob as alíneas AE) a AO), a respetiva prova ancorou-se nos seguintes fundamentos probatórios:
Os depoimentos das testemunhas H…, funcionário da 2ª Ré há 21 anos; I…, vizinha dos Autores e da 2ª Ré há onze anos, residindo na casa que confina com a Rua …, de modo que de um dos lados do estabelecimento de padaria, confeitaria e pastelaria explorado pela 2ª Ré se situa a casa onde reside a identificada I… e do outro lado desse estabelecimento fica a casa dos Autores em cujo rés-do-chão estes exploram o sobredito estabelecimento de minimercado; por J…, vizinho dos Autores há 29 anos anos, situando-se a casa em que reside a seguir à casa em cujo rés-do-chão os Autores exploram aquele estabelecimento de minimercado, de modo que seguindo a Rua …, deparamo-nos, primeiramente com a casa onde reside I…, segue-se a casa onde a 2ª Ré explora o estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria, seguindo-se, após, a casa dos Autores em cujo rés-do-chão estes exploram o estabelecimento comercial de minimercado, seguindo, então a casa onde reside J…; por K…, que foi empregada do Senhor L…, anteproprietário do prédio atualmente propriedade da 1ª Ré e onde se situa o estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria explorado pela 2ª Ré e que disse ter residido nessa casa, por cima da padaria, pastelaria e confeitaria durante trinta anos, e que após a morte do Senhor L…, em novembro de 2008, referiu que, durante cerca de um ano, continuou a deslocar-se àquela casa onde ocasionalmente pernoitava; por M…, companheiro da filha de I…, que reside na casa desta há seis/sete anos; e por N… sobrinha do referido Senhor L…, de quem herdou aquele prédio onde se situa a padaria, confeitaria e pastelaria, prédio esse que veio a vender à 1ª Ré, a qual, por sua vez, o veio a dar em locação financeira à 2ª Ré e que disse que em vida do tio e mesmo depois da morte deste, pernoitava ocasionalmente naquele prédio, quando pretendem que do estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria explorado pela 2ª Ré não era, sequer é e nunca foi, emitido qualquer ruído, sequer vibrações e que nunca ouviram qualquer ruído ou vibrações provindos desse estabelecimento comercial não pode merecer o convencimento deste tribunal dado que tais depoimentos, além de serem contraditados pelos depoimentos das testemunhas que infra se aludirão, fere, desde logo, as mais elementares regras da experiência comum e, bem assim os elementos de prova objetivos que se infra se elencarão, o que tudo antes força a que se conclua pela prova da matéria dada como provada nos precisos termos dados como assentes.
Na verdade, aqueles depoimentos ferem as mais elementares regras da experiência comum quando, tal como se verifica da inspeção judicial que realizamos ao local e conforme é evidenciado pelas fotografias que então se tiraram, contidas no envelope agrafado à contracapa deste processo, se verifica que por cima da semicave onde a 2ª Ré produz pão, virada para a Rua …, mais concretamente para a rotunda que supra já tivemos ensejo de identificar, a 2ª Ré tem pousados sobre a placa dessa semicave uma série de motores, incluindo motores de ar condicionado do estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria, situando-se esses motores praticamente em frente às janelas dos dois quartos de dormir da casa onde residem os Autores que se encontram viradas para a Rua … – vide fotografias que se tiraram aquando da inspeção judicial ao local –, bastando atentar nas regras da experiência comum para forçoso ser concluir que esses motores, reafirma-se, pousados sobre a placa da semicave da zona de fabrico de pão, praticamente em frente das janelas de dois quartos de dormir da casa dos Autores, provocam, necessariamente, ruído e vibrações significativos e incomodativos, sobretudo, durante a noite.
Mas a corroborar o que se acaba de concluir aponte-se o facto de conforme infra se verá, a própria 2ª Ré, já depois de ter sido citada para os termos da presente ação, ter substituído parte desses motores, ter colocado apoios antivibratórios nesses motores e ter encerrado os mesmos dentro de umas caixas, com o propósito manifesto de insonorizar o ruído emitido por esses motores quando em funcionamento – vide fotografias que se tiraram aquando da inspeção que se realizou ao local, onde se vêem retratadas aquelas caixas contendo, no respetivo interior, os referidos motores -, pelo as inverdades em que incorreram aquelas testemunhas são patentes e manifestas, só se compreendendo pela solidariedade de vizinhança que mantém para com a 2ª Ré, pelo facto das suas casas se encontrarem mais afastadas que a dos Autores daquela fonte de poluição sonora – os motores pousados sobre as placas da semicave - e, a nosso ver, por sobretudo, a 2ª Ré ter levado obras de insonorização do seu estabelecimento, em data não concretamente apurada, mas que se situa no período de 23/04/2007 a 26/01/2012, conforme os elementos objetivos que infra se explanarão, eliminando, assim, a principal fonte de poluição sonora existente naquele concreto local e que seria susceptível de afetar aquelas testemunhas.
Mas que aquelas testemunhas faltaram à verdade e que antes forçoso é concluir pela prova da matéria que se deu como provada, resulta comprovado pelo depoimento prestado por O…, empregada de limpeza dos Autores há quinze anos; por P…, filha dos Autores e que viveu na casa destes até aos seus 21 anos de idade e que viveu durante cerca de dois anos, nessa mesma casa, aquando do nascimento da sua filha, a qual conta, atualmente, 16 anos de idade, casa essa que esta testemunha continua a frequentar com regularidade aquando das visitas que faz aos seus pais (os Autores); por Q…, sobrinho dos Autores, visita habitual da casa destes; por S…, irmão do Autor-marido e cunhado da Autora-mulher, também ele visita habitual da casa dos Autores; e por T…, empregado da G…, Lda., de quem os Autores são os únicos sócios e gerentes, há mais de 24 anos e que frequenta a casa desses seus patrões, que foram unânimes em referir a existência de ruídos e vibrações provindos da padaria, confeitaria e pastelaria explorada pela 2ª Ré, que se faziam, e que pretendem ainda fazer-se (embora aqui, a nosso ver, incorram em exagero), sentir no interior da casa dos Autores, impedindo os últimos de descansar e de dormir durante a noite, referindo, de resto, O… que aquele barulho “agora não é igual” porque fizeram a substituição de motores, meteram esses motores dentro de caxas, mas continua o “zum – zum – zum”; P… que foi perentória em referir que depois da “ação ter sido instaurada houve obras feitas pelos Réus e houve diminuição de ruídos” e S…, que relatou que depois do irmão (o Autor-marido) ter vindo para tribunal “a coisa melhorou” porque o senhor U… (legal representante da 2ª Ré), “fez lá umas obritas”, o que diga-se é uma verdade conforme infra se verá.
Mas as inverdades em que incorreram aquelas testemunhas supra identificadas e a veracidade dos depoimentos relatados por estas últimas arroladas pelos Autores, descontado naturalmente os exageros em que estas últimas incorreram a propósito da situação atual que se faz sentir na casa dos Autores, exagero esse que é evidenciado pelo relatório do ISQ a que infra se aludirá, é demonstrada pelo próprio depoimento da testemunha I…, que refere que cerca de 2 ou 3 meses antes da data em que prestou o seu depoimento em audiência de julgamento os “motores da padaria foram metidos dentro de caixas”; por M…, que refere que cerca de meio ano antes da data em que depôs em audiência de julgamento os motores foram metidos dentro de caixotes, esclarecendo que os motores anteriormente não estavam metidos dentro de caixotes, pelo que cumpre questionar, porque é que a 2ª Ré meteu aqueles motores, que, aliás, conforme infra se verá, em parte substitui, dentro de caixotes? A resposta é a nosso ver óbvia, patente e manifesta - por causa dos ruídos e das vibrações que estes emitiam quando em funcionamento.
Essa inverdade é igualmente demonstrada quando se atenta no depoimento prestado por H…, funcionário da Ré há 21 anos, que relata ter encontrado uma vez os Autores a falar com o Senhor U…, legal representante da Ré, por volta das 9h30m/10h00m, em que os primeiros se queixavam junto do segundo do barulho provindo da padaria, pretendendo o deponente que o Senhor U… referiu aos Autores que do lado da padaria não se ouvia nada e que, nessa sequência, se dirigiram ao estabelecimento de minimercado dos Autores onde estes alegadamente tinham um frigorifico que “fazia um barulho infernal”, o que diga-se, é um manifesto absurdo já que evidentemente que os Autores não se iriam queixar de barulho provindo de um frigorífico dos próprios, sequer se antolha como um frigorífico pudesse causar um tamanho ruído, retirando-se, contudo, de útil do depoimento deste H… que da padaria, pastelaria e confeitaria eram, efetivamente, emitidos ruídos e vibrações que importunavam os Autores, impedindo-os de descansar, ao ponto destes se irem queixar ao legal representante da 2ª Ré e, bem assim que os Autores se queixavam, efectivamente, junto da 2ª Ré devido aos ruídos e vibrações provindas do estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria.
E é igualmente corroborada pelo depoimento prestado pelo próprio J…, que relata que o Autor se queixou duas vezes perante o depoente do barulho proveniente da padaria, perguntando-lhe se ele também ouvia o barulho, pese embora pretenda que ele J….Nunca nunca ouviu barulho algum.
Essa inverdade é também, reafirma-se, confirmado pelos elementos objetivos constantes dos autos.
Na verdade, conforme se vê de fls. 113, o Autor-marido, em 15/09/1998, apresentou junto da Câmara Municipal … queixa que conta do seguinte teor: “ Eu, B…, morador na Rua … n.º .., …. P.N.F., venho por este meio comunicar a V. Exa uma situação no mínimo exasperante. Habito ao lado da F… sita na mesma rua, onde de algum tempo a esta parte, é quasi impossível dormir, devido ao barulho e vibrações constantes e a queda de faúlhas diariamente, impedindo a secagem de roupa e impossibilitando as janelas abertas. Com instalações de novas máquinas e novos ventiladores o barulho tornou-se ensurdecedor (sublinhado nosso) e o mau funcionamento dos fornos ou chaminés provocando dessa forma o impossível repouso e higiene na casa. Peço a V. Exa que compareçam nestas instalações de forma a poder averiguar esta situação. Eu próprio já adverti o proprietário, mas visto que o resultado se mantém, resolvo apelar a Vossa Excelência”.
Por sua vez, o documento junto aos autos a fls. 114, evidencia que na sequência daquela queixa, os serviços Fiscais Municipais deslocaram-se à Rua … em 03/10/1998, e informam que “a F… encontra-se a funcionar há muitos anos nas atuais instalações e apenas procedeu à substituição de um ventilador existente, por outro de modelo mais recente e aplicado no mesmo local há aproximadamente 3 anos, segundo nos informou o proprietário da padaria (sublinhado nosso) e concluem: “sugere-se a deslocação ao local de um técnico da D.P.U.”.
Os documentos juntos aos autos a fls. 115 e 116, evidenciam que, nessa sequência, em 21/05/1999, foi feita uma vistoria à F…, que então estava a ser explorada por “V…, Lda.”, onde os senhores peritos (tratou-se de uma perícia colegial) concluíram que “verificou-se a emissão de fumos e cinzas que constituem causa de insalubridade e prejuízos conforme o teor da queixa apresentada pelo requerente violando, por insalubridade, o artigo 114º do RGEU”, ou seja, concluímos nós, a queixa apresentada pelo Autor-marido em 15/09/1998, era faticamente fundada, e concluem aqueles senhores peritos “acerca do ruído emitido pelo estabelecimento informamos que esta Câmara Municipal não possui meios necessários para a sua correta medição, pelo que caso se venha a justificar, se julga conveniente o envio da presente queixa ao Governo Civil do Porto … entendem os peritos intervenientes … que a Câmara Municipal deverá, com o devido conhecimento ao requerente, ordenar o requerido para que este tome providências de dotar na sua chaminé os dispositivos necessários para remedeio dos inconvenientes supra referidos, dando assim cumprimento ao disposto no artigo 114º do RGEU”.
Já os documentos de fls. 117 a 118 comprovam que, em 25/01/2000, foi ordenada a notificação da F… para “atendendo à existência da queixa … respeitante do pressuposto elevado nível de ruído proveniente do estabelecimento em apreço e da verificada emissão de fumos e cinzas deverá dar a devida resposta ao oficio … e apresentar o termo de responsabilidade do técnico de obra responsável pela implantação de dispositivos e de medidas de sonorização acústica – donde inclui o isolamento acústico do sistema de evacuação forçada de fumos e cheiros – aplicada conforme previsto na legislação vigente sobre a matéria (sublinhado nosso, o que força a que se conclua que aquela queixa não era só fundada, como que aquele estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria não cumpria com os requisitos de insonorização legalmente prescritos, posto que de contrário, evidentemente que a Câmara Municipal … não teria feito, como fez, esta notificação.
O teor do documento de fls. 119, que evidencia que na sequência daquela anterior notificação, em 31/03/2000, as obras no estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria já se iniciaram, mas ainda não estão concluídas.
O teor do documento de fls. 120, de onde se vê que a Câmara Municipal … notificou o gerente da “V…, Lda.”, ante-exploradora do estabelecimento de padaria, confeitaria e pastelaria agora explorado pela 2ª Ré, em 10/01/2002, para, no prazo de 30 dias, apresentar “o termo de responsabilidade do técnico da obra responsável pela implantação de dispositivos e de medidas de sonorização acústica – donde inclui o isolamento acústico do sistema de evacuação forçada de fumos e cheiros – conforme n/ anterior solicitação”.
O teor do auto de vistoria de fls. 122, onde se vê que em 13/04/2005, a Câmara Municipal … realizou uma “vistoria de salubridade” ao estabelecimento de padaria, confeitaria e pastelaria, tendo estado presente o Autor-marido (o que força a que se conclua que as queixas deste continuavam, de contrário não se vê porquê a presença deste), o requerido U… “também ele, explorador da F…” (sócio gerente da 2ª Ré, o que força a que se conclua que o identificado U… estava já a explorar aquela padaria, pastelaria e confeitaria, em nome pessoal ou através da sociedade aqui 2ª Ré, de quem é sócio-gerente), onde os senhores peritos concluíram “no que se refere à padaria (…) verificaram os peritos desconformidades entre os elementos constantes do processo n.º 770/85, com o alvará n.º 173/86 e a realidade. Em relação ao exaustor de fumo como referido na fls. 19 do processo 244/Q/99, verificou-se a existência de uma chaminé que aparentemente cumpre o artigo 113º do RGEU. Relativamente ao ruído a que o requerente se queixa, não foi possível constatar tal facto, devido ao ruído ambiente que se faz sentir no local à hora a que foi efectuada a vistoria”. Não obstante isto, propõem que “o processo de queixa n.º 16-Q/02 seja arquivado; o requerido Sr. U…, deverá ser notificado para apresentar projeto de eventual legalização das obras efetuadas em desconformidade com o projeto aprovado, o qual deverá contemplar projeto acústico, no prazo de sessenta dias” (sublinhado nosso, não se podendo deixar de estranhar que se conclua não se poder constatar se existe ou fundamento para queixa apresentada pelo Autor-marido quanto ao ruído, “devido ao ruido ambiente que se faz sentir no local à hora a que foi efetuada a vistoria”, mas ainda assim se proponha, em simultâneo, o arquivamento da queixa, mas concomitantemente se notifique U… para apresentar projeto de eventual legalização das obras alegadamente efetuadas, o qual deverá contemplar projeto acústico, pelo que para nós, ante estes factos e os depoimentos das testemunhas supra identificadas arroladas pelos Autores, a razão só pode ser uma – a queixa do Autor quanto ao ruído era fundada, tanto assim que se notificou U… para apresentar projeto acústico).
De resto, o que se acaba de concluir é igualmente evidenciado quando de fls. 93 a 95 se verifica que em 01/01/2006, a 2ª Ré celebrou contrato de arrendamento atinente ao espaço onde se encontra instalado o estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria com L…;
Que conforme se vê de fls. 88 e 96 a 111, em 19/06/2006, a 2ª Ré deu entrada na Câmara Municipal …, de projeto de alteração ao referido estabelecimento e requereu passagem de licença de funcionamento pelo prazo de um ano;
Que conforme se lê a fls. 126, a 2ª Ré, em 23/04/2007, informou a Câmara Municipal que a firma “já possui um projeto de alteração e adaptação à nova legislação do edifício em questão e já se encontra com o projeto de arquitectura aprovado, …estando nesta data à espera para apresentação dos projectos de especialidades, pelo que ficarão todas as obras efectuadas”, requerendo “Neste termos, vem requerer a V. Exa, se digne mandar arquivar o processo queixa n.º 244/Q/99”, o que significa que não obstante a proposta anterior, de 13/04/2005, de arquivamento dessa queixa, a Câmara não o fez, o que tudo quando submetido à regras da experiência comum apenas pode ter como motivo justificativo o facto do Autor se continuar a queixar já que não se antolha outro fundamento para dois anos depois a queixa permanecer ativa não obstante a 2ª Ré, que ainda não tinha concluído, quiçá, realizado as obras que se impunham ser realizadas na sequência daquela queixa, insistir nesse arquivamento;
O teor dos documentos de fls. 127 e 128, onde se vê que a Câmara Municipal …, por despacho de 07/09/2009, arquivou a queixa apresentada em 15/09/1998, com fundamento na circunstância de “o processo de obras n.º …/LI/06, se encontra devidamente licenciado através do alvará n.º …/2009, de 31 de agosto de 2009”, ou seja, cerca de onze anos após a apresentação da queixa apresentada pelo Autor-marido e bastando-se com o mero licenciamento da obra e sem aguardar pela sua conclusão, obras essas que conforme se vê de fls. 173, cujo início foi aprovado para 31/08/2009 e cujo termo previsto foi fixado em 31/08/2010, mas cujo prazo de construção veio a ser sucessivamente prorrogado até 02/09/2011;
O teor do documento de fls. 174 a 178, onde se vê que em 26/01/2012, foi efetuada perícia ao isolamento sonoro do estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria explorado pela 2ª Ré, onde se concluiu que “das medições efetuadas e respetiva análise dos resultados obtidos podemos concluir que o elemento construtivo avaliado se encontra de acordo com as disposições regulamentares supramencionados”;
E o teor do documento de fls. 172, onde se vê que apenas em 19/03/2012, a Câmara Municipal … emitiu alvará de utilização daquele espaço, licenciando o funcionamento do estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria explorado pela segunda Ré.
Na verdade, os elementos de prova objetivos que se acabam de explanar confirmam, a nosso ver, de forma cabal e manifesta os depoimentos prestados pelas testemunhas O…, P…, Q…, S… e T… posto que não só demonstram que o Autor, em 15/09/1998, se queixou, efetivamente, junto da Câmara Municipal …, de forma veemente e desesperada, além do mais, devido aos ruídos e vibrações provindas do estabelecimento comercial de padaria, confeitaria e pastelaria, como demonstram que a 2ª Ré, na sequência dessa queixa, foi obrigada a fazer obras de insonorização daquele estabelecimento, obras estas que, contudo, ante a prova produzida não foi possível determinar a data concreta da respetiva realização, mas que tiveram lugar forçosamente no período que se estende entre 23/04/2007 (data em que conforme se vê a fls. 126, a própria 2ª Ré refere estar à espera para apresentação dos projectos de especialidade) e 26/01/2012, data em que conforme se vê de fls. 174 a 178, se realizou perícia ao isolamento sonoro daquele estabelecimento na sequência das obras de insonorização que a 2ª Ré nele levou a efeito (o que pressupõe evidentemente a conclusão dessas obras) e onde se conclui que a obra de insonorização efetuada se encontra devidamente realizada, cumprindo as disposições em vigor, o que, de resto, diga-se, se mostra conforme à prova pericial efectuada pelo ISQ no âmbito dos presentes autos.
Contudo, se aquelas obras insonorização àquele estabelecimento comercial de padaria, confeitaria e pastelaria, foram, efectivamente efetuadas e insonorizaram o ruído e insonoriazaram, a nosso ver o ruído e as vibrações que eram emitidas a partir do interior desse estabelecimento, trazendo-o para níveis de ruido e vibrações conforme aos valores legalmente preconizados (é isto que se retira daquele relatório pericial de fls. 174 a 178 e, bem assim da perícia efetuada elo ISQ no âmbito dos presentes autos), conforme resulta dos depoimentos prestados pelas identificadas O…, P…, Q…, S… e T… e se mostra conforme às regras da experiência comum e dos elementos objetivos que se passam a elencar, as mesmas não foram suficientes para pôr termo aos ruídos e vibrações provenientes daquele estabelecimento explorado pela 2ª Ré.
Na verdade, conforme supra já se referiu e resulta, de resto, de toda a prova produzida, a distribuição do pão pelos distribuidores da 2ª Ré tem o seu início pelas 2h30m da madrugada, distribuidores esses que carregam o pão no logradouro adjacente à semi-cave onde a 2ª Ré tem instalada a produção de pão, logradouro esse que margina com a Rua … e onde são aparcados os veículos (um de cada vez) para se proceder ao carregamento do pão. Acresce que a produção do pão inicia-se às 22 horas, sendo através dessa entrada que igualmente entram os empregados da 2ª Ré. Essa entrada e logradouro situam-se praticamente ao lado dos dois quartos de dormir da residência dos Autores cujas janelas se encontram voltadas para a Rua ….
Pois bem, resulta das regras da experiência comum, que nem sempre os funcionários atuam com cautela, pondo-se na conversa e perturbando o sono de quem descansa.
Acrescidamente, conforme supra se referiu, a 2ª Ré tinha (e tem instalados) os motores, designadamente, de ar condicionado do estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria sobre a placa da semicave onde tem instalada a zona de produção de pão, motores estes que conforme se teve oportunidade de constatar na inspeção judicial realizada ao local e resulta evidenciado das fotografias que então se tiraram se encontram instalados sobre as referidas placas da semicave, as quais se situam praticamente em frente das janelas dos dois quartos de dormir da casa de habitação dos Autores, cujas janelas se encontram voltadas para a Rua … – vide fotografias tiradas aquando da inspeção judicial realizada ao local.
Conforme, reafirma-se, resulta das regras da experiência comum, aqueles motores, entram várias vezes em funcionamento durante o dia e noite, provocando ruido e vibrações que se de dia se confundem com o ruído e as vibrações, designadamente, do trânsito que se processa na Rua … – principal artéria da cidade de Penafiel -, já durante a noite mostra-se particularmente incómodo, necessariamente perturbador de quem dorme naquelas quartos da casa dos Autores.
De resto, conforme referiram as testemunhas O…, P… e S… e se mostra concordante com s depoimentos de I…, M… e W…, contabilista da 2ª Ré, mas sobretudo com aquilo que nos foi dado ver na inspeção que realizamos ao local, onde constatamos que vários dos motores aí instalados e as caixas que os cobriam tinham manifesto aspeto de serem recentes/novos, o que tudo quando conjugado com as regras da experiência comum, mas também os depoimentos daquelas testemunhas, força a que se conclua que a 2ª Ré substituiu já após a sua citação para os termos da presente ação (que outro dado podia levar a 2ª Ré a assim atuar?), parte daqueles motores por outros mais silenciosos, colocou em todos esses motores instalados sobre aquelas placas da semicave suportes antivibratórios (vide esclarecimentos prestados pela senhora perita X… em audiência de julgamento, que confirma que os suportes daqueles motores que neles se encontram, atualmente, instalados, são suportes antivibratórios) e cobriu-os com as caixas (também elas novas) que se encontram retratadas naquelas fotografias, com o propósito manifesto de insonorizar o ruído e as vibrações por eles expelidos quando entram em funcionamento, o que traduz, a nosso ver, o reconhecimento pela própria 2ª Ré de que aqueles motores produziam ruído e vibrações que penetravam na casa de habitação dos Réus, impedindo-os de descansar/dormir, agindo pela forma que se acaba de relatar perante o receio manifesto que este tribunal decretasse o encerramento daquele estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria.
Note-se, de resto, que o que se acaba de concluir não só se mostra conforme, reafirma-se, aos depoimentos prestados pelos citados O…, P…, Q…, S…, e T…, que não obstante algum exagero a propósito da situação actual que se faz sentir na casa de habitação dos Autores, confirmam que mesmo após as obras de insonorização do estabelecimento que a 2ª Ré levou a cabo, o ruído e vibrações que se fazem sentir na casa dos Autores persistiram, continuando estas a ser incomodados (pretendendo, aliás, que mesmo após a 2ª Ré ter metido os motores dentro daquelas caixas, o ruído e as vibrações que se fazem sentir na casa dos Autores, embora esteja atenuado, persistem) por ruídos e vibrações provenientes daquele estabelecimento, o que, reafirma-se, se mostra conforme com as regras da experiência comum e é atestado pelo teor:
- do auto de ocorrência de fls. 261 a 262, onde se vê que no dia 01/09/2012 (ou seja, antes da 2ª Ré ter substituído parte dos motores que tem instalados sobre as placas da semicave por outros mais silenciosos, antes de ter colocado nesses motores apoios antivibratórios e antes de encerrar aqueles motores dentro de caixas), o Autor marido telefonou para a GNR de Penafiel, pelas 23h05m, queixando-se que havia ruido vindo da “F…” e que na sequência dessa telefonema os agentes da GNR deslocaram-se ao local, onde se depararam com os Autores que se queixavam que não conseguiam descansar em virtude “de um barulho proveniente de uma padaria contígua à sua habitação”, tendo aqueles agentes constatado (ou seja, não era algo de inventado pelos Autores) que “existia um ruído vindo da referida padaria. O participante ainda tentou falar com os funcionários da padaria no entanto não conseguiu, pois a porta não foi aberta. De salientar que o ruído que o participante e as testemunhas constataram (sublinhado nosso) e por ser um ruído possível de se enquadrar no ruído permanente foram os denunciantes informados do procedimento a tomar, bem como do relatório de ocorrência que ia ser elaborado”; e pelo teor
- da carta com aviso de recepção de fls. 70 a 71, que o Autor-marido enviou à 2ª Ré e que esta recepcionou em 02/10/2013 (isto é, também antes da 2ª Ré ter substituído parte dos motores que tem instalados sobre as placas da semicave por outros mais silenciosos, antes de ter colocado nesses motores apoios antivibratórios e antes de encerrar aqueles motores dentro de caixas), onde se queixa: “Não obstante os meus sucessivos pedidos e contactos, V/Exa. não alterou o comportamento e, em consequência, o meu descanso e o dos meus familiares tem sido perturbado diariamente com diversos tipos de ruídos a um nível altíssimo pela noite dentro, altura em que precisamos de descansar. Venho, pois, desta forma, formalizar o meu pedido para que se abstenha de produzir os ruídos acima mencionados. Desde já informo que, se a situação não se alterar, utilizarei todos os meios ao meu dispor para a resolução do problema, denunciando os factos às autoridades policiais da nossa zona e recorrendo inclusivamente à via judicial”, o que tudo, consequentemente, força a que se conclua que na sequência das obras de insonorização que a 2ª Ré levou a cabo no estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria, continuaram a ser emitidos ruídos e vibrações pelos motores que a 2ª Ré tem instalados sobre as placas da semicave, tanto assim que a 2ª Ré procedeu já após a sua citação para os termos da presente ação, ou seja, após 05/02/2014, à substituição de um número não apurado daquelas motores por outros mais silenciosos, colocou em todos esses motores apoios anti-vibratórios e encerrou aquelas motores que aí tem colocados e que aí permanecem sobre aquelas placas da semi-cave dentro de caixas destinadas a insonorizar o ruido emitido por esses motores quando em funcionamento, sendo que os Autores continuam a ser ocasionalmente a ser incomodados e acordados, durante a noite, pelos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontram na zona de aparcamento de veículos que confina com a Rua ... e quando ainda se encontram nas operações de carga e descarga.
Por outro lado, atento o teor do relatório pericial de fls. 328 a 333, explicações dadas pela senhora perita que o elaborou de fls. 376 a 382, e esclarecimento que essa senhora perita do ISQ, X…, prestou em audiência de julgamento, aquando da elaboração daquela perícia, ou seja, presentemente – veja-se que esta perícia foi elaborado quando a 2ª Ré já tinha levado a cabo as obras de insonorização daquele estabelecimento de padaria, confeitaria e pastelaria que explora e quando, inclusivamente, já tinha substituído parte dos motores que se encontram colocados sobre a semicave da zona da padaria por outros mais silenciosos e quando já tinham substituído os apoios de todos esses motores por apoios anti-vribratórios e tinha encerrado aqueles motores dentro das referidas caixas destinadas a insonorizar o ruído por eles emitido nos termos supra relatados, no período diurno, o ruído e as vibrações que se fazem sentir na casa dos Autores provindo do estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria explorada pela 2ª Ré, incluindo daqueles motores instalados sobre a dita semi-cave confundem-se, mascarando-os, com o ruído e as vibrações provenientes do trânsito que se faz sentir nas imediações da casa onde habitam os Autores, designadamente na Rua …, que é a principal artéria da cidade de Penafiel e que, consequentemente, é muito movimentada e, durante a noite, esse ruído provindo daquele estabelecimento explorado pela 2ª Ré, incluindo daqueles motores instalados sobre a placa da semi-cave, exaustores, extractores, ou seja, de toda a maquinaria atinente àquele estabelecimento não excede os 24 décibeis, valor este que, conforme refere essa perita em audiência de julgamento é o valor máximo de ruído que naquela casa dos Autores pode ser sentido no pressuposto do funcionamento de toda a maquinaria instalada no estabelecimento da 2ª Ré, o que não corresponde a uma situação real, posto que a produção de pão e produtos de pastelaria e confeitaria não pressupõe o funcionamento, em simultâneo, de todas as máquinas existentes no estabelecimento explorado pela 2ª Ré, ilação última esta que, diga-se, para nós é uma evidência.
Termos em que perante tudo o quanto se acaba de explanar, forçoso é concluir pela prova da matéria dada com provada nos precisos termos dados como assentes.”.
Concorda-se com o expendido, sendo essa igualmente a nossa convicção relativamente à prova produzida (depoimento de parte, testemunhal, documental e pericial) e à matéria de facto impugnada.
Por outro lado, conclui a apelante pela existência de contradição entre o considerado provado em H) e I) e o assente em AE).
Observa J. Rodrigues Bastos (Notas ao CPC, pág. 173), que uma resposta será contraditória com outra quando ambas façam afirmações inconciliáveis entre si, de modo que a veracidade de uma exclua a veracidade da outra e será obscura quando admitir várias interpretações, de modo a que se possam extrair diversos entendimentos.
Também Lebre de Freitas (CPC Anotado, vol. 2º, pág. 631), explica que há contradição quando as respostas dadas a certos pontos de facto colidem entre si ou colidem as respostas com factos dados como assentes na especificação, sendo entre si inconciliáveis e será obscura quando se mostre que as respostas são ambíguas ou pouco claras, permitindo várias interpretações.
De igual modo, Antunes Varela (Manual de Processo Civil, pág. 656), afirma que a resposta será obscura se for equívoca, ininteligível ou imprecisa e contraditória se a resposta a um quesito colidir com a resposta emitida a propósito doutro quesito.
Ora, resulta, com segurança, da prova produzida (testemunhal e documental) que a recorrente, desde 1998 (ano do contrato de sociedade), explora o estabelecimento industrial/comercial identificado e caracterizado em I) e R) a Z) dos factos provados.
Inexiste, pois, a apontada contradição.
Deste modo, considera-se provado que:
A- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel sob o n.º 1711/20020218, o prédio urbano constituído por duas casas de três pavimentos, tendo uma quintal, sito em Penafiel, na Rua … n.ºs .. a .., inscrito nos artigos matriciais sob os artigos 1408 e 1409, cuja aquisição se encontra inscrita em nome dos Autores B… e C… pela ap. 05, de 1985/08/23 – cfr. doc. de fls. 19 a 22.
B- O Autor B… nasceu em 14/12/1944 – cfr. doc. de fls. 23 e 24.
C- A Autora C… nasceu em 22/02/1948 – cfr. doc. de fls. 25 e 26.
D- Os Autores são casados entre si desde 02/01/1971 – cfr. doc. de fls. 23 a 26.
E- Os Autores são sócios e gerentes da sociedade “G…, Lda”, que se encontra matriculada como o NIPC ………, com sede na Rua …, .. a .., concelho e freguesia de Penafiel, cujo objeto social é o comércio de armazenista e retalhista de artigos de mercearia, cafés e especiarias – cfr. doc. de fls. 27 a 29.
F- A 1ª Ré “D…” encontra-se matriculada sob o NIPC ………, com sede na Rua … n.ºs … a …, freguesia e concelho de Lisboa, tendo como fim social o exercício da actividade própria das instituições de crédito dos eu tipo – cfr. doc. de fls. 77 a 78.
G- Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, sob o n.º 1906/20060410-A, da freguesia de Penafiel, o prédio constituído em regime de propriedade horizontal, composto por cave e rés-do-chão, destinado a comércio, com acesso à via pública e rés-do-chão pela Rua …, .. a .., e a cave pela Rua …, com aquisição, por compra, inscrita a favor da 1ª Ré “D…” pela ap. 2266, de 2013/04/17, e com locação financeira inscrita a favor da 2ª Ré “E…, Lda.”, pelo prazo de 144 meses, com início em 17/04/2013, tendo como sujeito passivo a 1ª Ré “D…”, pela ap. 50 de 2013/04/18 – cfr. doc. de fls. 35 e 36.
H- Por acordo escrito de 17/04/2013, junto aos autos a fls. 37 a 64, que intitularam de “contrato de locação financeira imobiliária n.º ………….-.”, a 1ª Ré “D…” cedeu o gozo à 2ª Ré “E…, Lda.” do prédio identificado em G), nas condições que se encontram explanadas naquele documento de fls. 37 a 64, para que esta aí exercesse a actividade comercial e habitação, pelo prazo de 144 meses, com início em 17 de abril de 2013 – cfr. doc. de fls. 37 a 64, cujo restante teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
I- A 2ª Ré “E…, Lda”, encontra-se matriculada sob o NIPC ………, com sede na Rua …, .. a .., concelho e freguesia de Penafiel, com o objeto social o comércio a retalho de pão, produtos de pastelaria e confeitaria e fabrico dos mesmos – cfr. doc. de fls. 65 a 69.
I- A Câmara Municipal … emitiu, em 19/03/2012, alvará de utilização a favor da 2ª Ré autorizando a “utilização de cava e r/chão de um edifício sito na Rua …, n.º .. a .., da freguesia de Penafiel, descrito na Conservatória do Registo Predial de Penafiel, sob o n.º 1906/20060410 e inscrito na respetiva matriz sob o n.º 892. A utilização foi aprovada por despacho do Vereador da Gestão Urbanística de 10/02/2012 e respeita o disposto no Plano Diretor Municipal, bem como o alvará de loteamento (….). Utilização a que foi destinado o edifício ou fracção autónoma: Estabelecimento de bebidas, panificação e pastelaria, com a área de 399 m2 (…)” - cfr. doc. de fls. 172.
J- Os Autores residem no n.º .. da Rua …, na cidade e concelho de Penafiel, numa das casas que integram o prédio identificado em A), mais concretamente na casa que se situa nas traseiras da casa cuja frente se encontra virada para a Rua … e em cujo rés-do-chão a sociedade identificada em E) tem instalado um estabelecimento de mini-mercado cujo acesso se processa pela Rua …, existindo entre ambas as referidas casas um pequeno pátio coberto a placa acrílica, sendo que a frente da casa onde residem os Autores se encontra virada para a Rua … – resposta ao ponto 1º da petição inicial.
K- É na casa identificada em J) que os Autores repousam, dormem, desenvolvem as suas atividades de lazer, fazem as suas refeições, recebem visitas, convivem com amigos e família e realizam todas as suas atividades domésticas – resposta aos pontos 4º, 5º, 6º, 7º e 8º da base instrutória.
L- Na outra casa que integra o prédio identificado em A), mais concretamente na casa de três pavimentos sita na Rua … n.ºs .. a .., cuja frente se encontra virada para a identificada Rua …, a sociedade identificada em E) tem instalado, no rés-do-chão dessa casa, um estabelecimento comercial de minimercado, cuja entrada se processa pela dita Rua …, e cujo armazém se localiza no primeiro pavimento da referida casa, que é uma semicave, a qual na confrontação com a Rua … é soterrada e que se espraia ao longo do comprimento de toda a referida casa, localizando-se por cima desse armazém o minimercado, passando, após, esse armazém a espraiar-se por baixo do pátio coberto com placa acrílica referido em J) e, de seguida, por baixo de parte da casa identificada em J) em que residem os Autores, existindo ao fundo deste armazém uma porta, tipo porta de garagem, que deita para um pequeno logradouro, o qual margina com a Rua … – resposta ao ponto 11º da petição inicial.
M- A exploração do minimercado identificado em L) é assegurada conjuntamente pelos Autores com recurso a dois empregados – resposta ao ponto 12º da petição inicial.
N- Durante os dias de funcionamento daquele minimercado, de segunda a sexta-feira, das 09h00m às 19h30m, e ao sábado das 9h00m às 19h00m, os Autores permanecem, em regra, nesse estabelecimento – resposta ao ponto 13º da petição inicial.
O- E permanecem na restante parte do dia em casa, mais concretamente na casa onde residem e identificada em J), designadamente no período de almoço, onde permanecem na maior parte dos restantes dias e praticamente todas as noites – resposta ao ponto 14º da petição inicial.
P- Os Autores permanecem na casa onde residem identificada em J), em regra, durante o horário de encerramento do estabelecimento de minimercado para almoço, bem como a restante parte do dia e a noite, desde o encerramento daquele minimercado e a sua reabertura no dia seguinte e, bem assim durante o domingo – resposta ao ponto 15º da petição inicial.
Q- O prédio identificado em G) é composto por casa com semicave, rés-do-chão e dois andares, com logradouro sito na Rua … n.ºs .. a .., em que a semicave, na parte em que confronta com a Rua …, se encontra soterrada e que se espraia ao longo do comprimento daquela casa até atingir um logradouro situado nas traseiras dessa casa, logradouro esse que confronta com a Rua …, processando-se o acesso a esta semicave através da referida Rua …, havendo, contudo, umas escadas interiores de serviço, que permitem o acesso de pessoas ao interior dessa semicave pelo interior da parte do estabelecimento de padaria, confeitaria e pastelaria aberta ao público, parte esta que se localizada no rés-do-chão da referida casa a partir da Rua …, sendo que nesta semicave processa-se a produção de pão. O acesso do público ao rés-do-chão dessa casa à via pública, rés-do-chão esse onde se encontra instalada a parte aberta ao público de padaria, pastelaria e confeitaria, processa-se pelos números .. e .. da Rua …, havendo, contudo, as ditas escadas interiores e de serviço, que também permitem o acesso de pessoas ao interior do dito rés-do-chão a partir da Rua ..., passando pela semicave onde se processa a produção de pão, sendo que nesse rés-do-chão encontra-se instalado a parte do estabelecimento de padaria, confeitaria e pastelaria aberto ao público, cujo acesso do público se processa pela referida Rua …, e na parte traseira desse estabelecimento existe um espaço onde se processa a produção de pastelaria e confeitaria – resposta ao ponto 17º da petição inicial. R- A 2ª Ré dedica-se ao comércio a retalho de pão, produtos de pastelaria e confeitaria e fabrico dos mesmos – resposta ao ponto 21º da petição inicial.
S- A 2ª Ré tem instalado na semicave e rés-do-chão identificados em Q) o seu estabelecimento de comércio a retalho de pão, produtos de pastelaria e confeitaria e de fabrico desses produtos, explorando nessa semi-cave e rés-do-chão aquele estabelecimento que gira sob o nome de “F…” – resposta ao ponto 22º da base instrutória.
T- O estabelecimento tem entrada ao público pela Rua … pelos n.ºs .. e .., sendo que é por essa entrada que o público entra no rés-do-chão identificado em Q), onde se encontra instalada a dita parte do estabelecimento aberta ao público de padaria, pastelaria e confeitaria e em cuja parte traseira, desse rés-do-chão, por trás da parte desse estabelecimento aberta ao público, se encontra instalado o espaço de produção de produtos de pastelaria e confeitaria – resposta ao ponto 23º da base instrutória.
U- Para cargas, descargas e entrada de pessoal afeto ao estabelecimento, aquele tem entrada pelas traseiras do mesmo prédio, pela Rua …, sendo através desse acesso pela Rua … que se faz a descarga de farinha e dos demais produtos necessários à produção de pão e artigos de pastelaria e confeitaria e que se faz o carregamento de pão que é produzido na semicave identificada em Q) e dos produtos de pastelaria e confeitaria que são produzidos no espaço localizado no rés-do-chão daquele prédio, por trás da parte do estabelecimento aberta ao público – resposta ao ponto 25º da petição inicial.
V- O estabelecimento “F…”, tem a parte da padaria, pastelaria e confeitaria que se encontra aberta ao público, aberta a esse mesmo público das 6h00m às 20h00, de segunda-feira a sábado, sendo que ao domingo e em dias feriados encontra-se aberta ao público das 06h00m às 13h00m, sem encerramento na hora de almoço, apenas encerrando essa parte da padaria, pastelaria e confeitaria que se encontra aberta ao público nos dias 25/12, 01/01 e no dia de Páscoa – resposta aos pontos 25º e 26º da petição inicial.
W- O fabrico de pão naquele estabelecimento inicia-se às 22h00m e prolonga-se até às 05h00m, enquanto a produção de pastelaria e confeitaria inicia-se às 03h00 e prolonga-se até às 10h00m, enquanto a distribuição de pão inicia-se às 2h30m e processa-se ao longo do dia, até hora não concretamente apurada, processando-se o fabrico de pão e a produção de pastelaria e confeitaria, bem como a distribuição de pão todos os dias, à exceção dos dias 25/12, 01/01 e no dia de Páscoa – resposta aos pontos 27º e 28º da petição inicial.
Y- Até na véspera de Natal a 2ª Ré tem os fornos em funcionamento até próximo das 20h00m – resposta ao ponto 29º da petição inicial.
X- A 2ª Ré tem instalada naquele estabelecimento toda a maquinaria necessária à fabricação de pão e de produtos de pastelaria e confeitaria e à respetiva comercialização, designadamente batedeiras, amassadeiras, fornos, instalações de frio e outras com a mesma finalidade, designadamente arcas frigoríficas e de refrigeração, balanças, vitrines para bolos, bancadas e bancas, laminador e enformador, máquinas de lavagem, equipamentos de climatização, chaminés, extractores e exaustores e outras máquinas industriais automatizadas e manuais – resposta ao ponto 30º da petição inicial.
Z- A 2ª Ré tem ainda equipamentos para movimentar e distribuir pão e os produtos de pastelaria e confeitaria que produz, designadamente, sete veículos automóveis comerciais, cinco dos quais andam nas voltas do pão e os restantes dois andam na distribuição de pastéis e de massa de pão já pronta a ser cozida, dispondo ainda de cestos/carros e móveis em inox de transporte de tabuleiros, com rodas, paletes, cestos e tabuleiros em metal – resposta ao ponto 31º da petição inicial.
AA- O prédio identificado em G), na parte onde se encontra instalado o estabelecimento identificado e caracterizado em R) a Z) explorado pela 2ª Ré, confronta por poente com a casa onde os Autores residem identificada em J), bem como com a casa em cujo rés-do-chão se encontra instalado o minimercado identificado em L) – resposta ao ponto 32º da petição inicial.
AB- Na semicave da casa erigida no prédio referido em G), a 2ª Ré mantém a zona de fabrico de pão, onde tem instaladas duas amassadeiras, um forno que coze 900 pães de cada vez, uma câmara de frio, uma balança eléctrica, um banca com pia, 40 enformadores, cada um com capacidade para 10 pães, duas máquinas para dividir pão, sendo uma manual e outra automática, sendo que esta última, quando trabalha em contínuo, produz 7.000 pães por hora, um cilindro, uma máquina para esticar massa, uma mesa e vários tabuleiros, e no espaço exterior adjacente àquela semicave, virada para a Rua ..., mantém uma zona de aparcamento de veículos, que dá para aparcar um veículo de cada vez – resposta ao ponto 33º da petição inicial.
AC- No rés-do-chão daquela casa, na zona de fabrico de pastelaria e confeitaria, a 2ª Ré tem instalada tubagem do sistema de exaustão à volta do teto desta zona de fabrico de pastelaria e confeitaria, uma batedeira, uma amassadeira, um frigorífico, um laminador, armários, duas mesas, forno, câmara de frio, dois balções, fogão, duas fritadeiras, chaminé com sistema de exaustão, balcão e banca – resposta ao ponto 34º da petição inicial.
AD- Na parede norte da casa que se encontra erigida no prédio identificado em G), ou seja, na parede que se encontra virada para a Rua …, na parte em que essa parede alinha com a parede, do mesmo lado, da casa identificada em J) onde residem os Autores, ao nível da parede da semicave e do rés-do-chão da casa erigida no prédio identificado em G), a 2ª Ré tem instalados extratores e exaustores, e sobre as placas de parte da semicave do prédio identificado em G) tem instalados vários motores, onde se incluem motores do sistema de ar condicionado do estabelecimento comercial identificado e caracterizado em R) a Z) – resposta ao ponto 35º da base instrutória.
AE) Desde data não concretamente apurada, mas que se situa pelo menos desde 15/09/1998 até pelo menos 23/04/2007, a 2ª Ré pela exploração do estabelecimento identificado e caracterizado em R) a Z) vinha emitindo ruídos e vibrações, que se propagavam até à residência dos Autores, ruídos e vibrações essas que, durante o dia, se confundiam com o som do trânsito, mas que durante a noite se faziam sentir com intensidade na casa onde os Autores residem – resposta aos pontos 36º e 37º da petição inicial.
AF- Os ruídos e vibrações referidos em AE), no período temporal referido em AE), eram provocados pelo funcionamento dos motores dos equipamentos de frio e refrigeração, das batedeiras em funcionamento, pelo sistema de ventilação/extração de fumos e cheiros e de climatização e demais equipamentos em funcionamento daquele estabelecimento identificado e caracterizado em R) a Z) – resposta ao ponto 38º da petição inicial.
AG- Ocasionalmente os Autores eram acordados durante a noite por som dos instrumentos de padeiro, como pás, rolos da massa, máquinas de cortar massa, formas, tabuleiros, etc., a bater nas bancadas, bancas, carrinhos, móveis e outros de inox a chocarem entre si e pelo som de portas a bater e empregados da 2ª Ré a falarem, designadamente quando se encontravam na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua … – resposta aos pontos 39º e 40º da petição inicial.
AH- Os ruídos e vibrações eram igualmente provocados pelos extractores e refrigeradores e pelos motores identificados em AD), que durante a noite, por um número não concretamente apurado de vezes e especialmente, nas alturas do ano de maior calor, entram em funcionamento durante vários minutos – resposta ao ponto 41º da petição inicial.
AI- Na sequência da queixa apresentada pelo Autor-marido junto da Câmara Municipal … em 15/09/1998 e de várias queixas que os Autores apresentaram junto da 2ª Ré, esta, em data não concretamente apurada, mas que se situa no período de 23/04/2007 a 26/01/2012, levou a cabo obras de isolamento acústico do estabelecimento comercial identificado e caracterizado em R) a Z) e de isolamento acústico do sistema de evacuação forçada de fumos e cheiros daquele estabelecimento comercial – resposta ao ponto 54º da petição inicial.
AJ- Na sequência dessas obras continuaram a ser emitidos ruídos e vibrações pelos motores identificados em AE) e AH) que a 2ª Ré tem instalado sobre as placas de parte da semicave do prédio identificado em G) e os Autores continuaram a ser ocasionalmente acordados, durante a noite, pelos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontravam na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua ... – respostas explicativas dadas aos pontos 36º a 41º da petição inicial.
AK- Em data não concretamente apurada, mas posterior a 05/02/2014, a 2ª Ré substituiu um número não concretamente apurado dos motores identificados em AE) e AH) por outros mais silenciosos e aplicou nos motores que tem instalados sobre as placas daquela semicave identificada em AD) apoios anti-vibratórios e encerrou aqueles motores dentro de umas caixas destinadas a insonorizar o ruído emitido por esses motores quando em funcionamento – respostas explicativas dadas aos pontos 36º a 41º da petição inicial.
AL- Na sequência das obras levadas a cabo pela 2ª Ré e identificadas em AI) e AK), o ruído e vibrações emitidas pelo estabelecimento explorado pela 2ª Ré, incluindo pelos motores identificados em AK) que se faz sentir na casa identificada em J) onde os Autores residem, no período diurno, confunde-se com o ruído e as vibrações do trânsito que se processo no exterior dessa casa e, no período noturno, não ultrapassa os 24 décibeis, continuando os Autores a ser ocasionalmente acordados, durante a noite, pelos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontram na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua ... – respostas explicativas dadas aos pontos 36º a 41º da petição inicial.
AM- Como consequência daqueles ruídos e vibrações, antes das obras referidas em AI) e AK), os Autores viam o seu repouso durante a noite perturbado, tinham dificuldade em adormecer face à natureza incomodativa daqueles ruídos e vibrações, acordavam várias vezes por noite por causa dos mesmos, e tinham dificuldades em retomar o sono pela mesma razão – resposta aos pontos 42º, 43º, 44º e 45º da petição inicial.
AN- Os Autores não podiam abrir as janelas da sua residência devido àquele ruído e vibrações, que impediam a sua permanência, em silêncio, na sua habitação, impedindo-os de nela descansar – resposta aos pontos 46º, 47º e 48º da petição inicial.
AO- Na sequência das obras levadas a cabo pela 2ª Ré identificadas em AI) e AK), os Autores continuam ocasionalmente a ser incomodados pelo som dos empregados da 2ª Ré a falarem quando se encontram na zona de aparcamento de veículos referida em AB), nas operações de carga de descarga pela Rua ... – resposta explicativa dada aos pontos 42º a 48º da petição inicial.
AP- Como resultado direto da exposição ao ruído e vibrações, os Autores sofrem de insónias, intolerância ao ruído, cansaço, stress e ansiedade – resposta aos pontos 56º e 57º da petição inicial.
AQ- No exercício da sua atividade e para a prossecução do seu objeto comercial a 2ª Ré emprega pelo menos dezasseis funcionários que se encontram dependentes, mais as respectivas famílias, do salário que auferem na 2ª Ré – resposta ao ponto 40º da contestação da 2ª Ré.
AR- A 2ª Ré mantem contratos de fornecimento de pão com pelo menos vinte empresas, a quem fornece diariamente pão – resposta ao ponto 41º daquela contestação.
AS- A 2ª Ré fornece diariamente pão a centenas de particulares no “porta a porta” – resposta ao ponto 43º daquela contestação.
AT- É com os rendimentos que a 2ª Ré retira da exploração do estabelecimento comercial que esta paga os salários aos seus empregados, faz face a todos os demais encargos, nomeadamente, pagamento de rendas de “lesing”, segurança social, combustível e matérias-primas para os produtos de panificação, confeitaria e pastelaria – resposta ao ponto 46º da dita contestação.

2.2- O DIREITO

Assente a matéria de facto, diremos, no tocante ao mérito da acção, acompanhando a fundamentação aduzida na sentença recorrida, que, em face da matéria de facto assente, se impunha a decisão da 1ª instância.
Vejamos.
Começa-se por enunciar algumas ideias, princípios e normas relacionadas com o direito que os autores pretendem ver tutelado e reconhecido.
A Constituição da República e as leis e regras de direito internacional que aquela acolhe (ver artº 16º) consagram um núcleo de direitos fundamentais, que se poderão qualificar como inerentes ao ser humano.
À frente de todos esses direitos surgem a vida e a integridade física e moral, reconhecidamente invioláveis (arts. 24º e 25º), essência máxima da personalidade.
Também o(s) direito(s) à protecção da saúde e a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado se mostra(m) consagrado(s) na nossa lei constitucional (arts. 64º e 66º).
O direito ao repouso e ao sono inscrevem-se nesse conjunto de direitos imprescindíveis à existência, constituindo, enfim, uma componente dos direitos de personalidade.
Os direitos de personalidade são direitos absolutos, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito, nomeadamente sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade comercial. Aqueles direitos (de personalidade), pela sua própria natureza, sobrelevam os direitos de conteúdo económico, social e cultural (P. Lima-A. Varela, C. C. Anot., 4ª ed., pág. 104, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, IV, págs. 145-146, J. Gomes Canotilho, RLJ, 125º, 538, Acs. do STJ, BMJ, 406º/623, 435º/816, 450º/403, CJ, Ano II, II/54, Ano III, I/55, Ano VI, II/76 e III/77).
A tutela geral da personalidade encontra-se prevista, na lei ordinária, no artº 70º, do C. Civil: a lei protege todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, podendo a pessoa ameaçada ou ofendida requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso. Os direitos de personalidade são protegidos contra qualquer ofensa ilícita, não sendo necessária a culpa nem a intenção de prejudicar o ofendido, pois decisiva é a ofensa em si.
À colisão de direitos iguais ou da mesma espécie aplica-se o estatuído no nº 1, do artº 335º, do C. Civil. No nº 2 desse normativo estabelece-se, na hipótese de colisão de direitos desiguais ou de espécie diferente, a prevalência do que se considerar superior, a definir em concreto (Pessoa Jorge, Pressupostos da Responsabilidade Civil, pág. 201).
Por outro lado, conforme se decidiu no Ac. STJ de 1996/07/02, a actividade privada praticada ao abrigo de licenciamento camarário pode ser impedida em tribunal judicial, não estando em causa a situação jurídica administrativa mas sim a tutela da personalidade, perante actividade desenvolvida por particular e na esfera do direito privado. No mesmo sentido, no Ac. do STJ, de 1993/09/21, (CJ, Ano I, III/26) se defende que o tribunal comum não pode condenar uma câmara municipal a abster-se de praticar actos de gestão pública que se integram na competência da mesma mas pode julgar as acções em que uma pessoa pede a cessação de determinada actividade (ainda que licenciada) que ofende ou ameaça a sua personalidade física ou moral, matéria não excluída da competência dos mesmos.
O invocado direito dos autores ao repouso, à tranquilidade e ao sono pode ser ofendido ainda que o estabelecimento esteja licenciado pela autoridade administrativa competente. A ofensa dos direitos do autor, a verificar-se, não se exclui pela mera circunstância de a actividade da ré estar autorizada administrativamente. Como se refere no Ac. do STJ, de 22/10/1998, CJ, Ano VI, III/77, o licenciamento administrativo dum espectáculo ou diversão esgota-se neste iter administrativo; tudo o que se situar fora dele ou para além dele, tudo o que agredir direitos de personalidade (que a autoridade administrativa não pode valorar) sai do âmbito das normas que regulam o licenciamento e entra na esfera da responsabilidade civil por facto ilícito.
Não afasta o carácter ilícito da ofensa o facto de a emissão de ruído estar contida nos limites legalmente fixados e de tal actividade ter sido autorizada administrativamente (Acs. do STJ, de 06/05/1998, in CJ/STJ, 1998, II, 76, e da RC, de 16/05/2000, CJ, 2000, III, 16).
No que respeita à aplicação e tutela dos direitos de personalidade, deve atender-se ao lesado com a sua individualidade própria ou seja com a sua própria sensibilidade. O conceito de homem médio ou cidadão comum não deve, neste âmbito, ser considerado.
Nos litígios em que se pondera a colisão de direitos e se ajuíza no sentido da prevalência dos direitos de personalidade sobre outros considerados inferiores, nomeadamente o direito de propriedade ou o direito ao exercício de uma actividade comercial ou industrial, o tribunal avaliará, em concreto, a solução mais razoável e proporcional à coexistência dos direitos em conflito. O sacrifício de um deles apenas deverá ocorrer numa situação limite.
Com efeito, o direito inferior deve ser respeitado até onde for possível, apenas devendo ser limitado na exacta proporção em que isso é exigível pela tutela razoável do conjunto principal de interesses (Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, p. 549, e, entre outros, os Acs. do STJ, 15/03/2007, CJ/STJ, I, 130, RP, CJ, 1998, I, p. 203, Apelação n.º 1293/99, 2ª secção, de 26/01/2000, Agravo n.º 1318/99, 5ª secção, de 10/01/2000 e RC, CJ, 2000, I, p. 22, e 2004, III, 38).
Quer dizer, existem situações em que será possível conciliar os interesses em causa, ambos relevantes, ou, pelo menos, numa primeira fase, dar a oportunidade a quem, com a sua actividade comercial ou industrial, viola os direitos de personalidade de determinado cidadão, de efectuar as modificações necessárias nas suas instalações (o reforço da insonorização e isolamento térmico, a aplicação de filtros, o uso de outro tipo de maquinaria, a alteração do horário de funcionamento, etc.), de modo a salvaguardar e respeitar, num nível de razoabilidade, os citados direitos de personalidade.
O processo especial de tutela de personalidade regulado nos artigos 878º a 880º, do CPC, constitui o mecanismo processual que aquele que veja os seus direitos de personalidade ilicitamente ameaçados ou já lesados pode lançar mão com vista a evitar que essa ameaça se venha a concretizar em lesão ou a pôr termo a que a referida situação de lesão dos seus direitos de personalidade (artº 70º do Código Civil) continue a perdurar no tempo.
O Decreto-Lei nº 9/2007, de 17/01, veio aprovar o Regulamento Geral do Ruído.
No respectivo artº 11º estabelece-se que, em função da classificação de uma zona como mista ou sensível, devem ser espeitados os valores limite de exposição aí definidos.
Os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, geradora da obrigação de prestação/indemnização, são: o facto (danoso), a ilicitude, a culpa, o prejuízo sofrido pelo lesado e o nexo de causalidade entre aquele facto e o prejuízo – artº 483º, nº 1, do Código Civil(CC), e A. Varela, Das Obrigações em geral, 9ª ed., vol. I, pág. 543 e segs., e 7ª ed., vol. II, pág. 94, M. J. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 483 e segs., e I. Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª ed., p. 331 e segs.).
Revertendo ao caso em apreço, dúvida não existe de que a actividade industrial/comercial desenvolvida pela ré/apelante viola, ilicitamente, o direito ao repouso, tranquilidade e sono dos demandantes (ver Ac. do STJ, de 21/10/2003, in CJ/STJ, 2003, III, 106).
No caso, não se determinou, e bem, o encerramento do estabelecimento da ré apelante, sendo que esta, após a propositura da acção, efectuou obras de insonorização no seu estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria, bem como substituiu um número não concretamente apurado daqueles motores por outros mais silenciosos, dotando os motores que mantem instalados sobre as placas da semicave com apoios anti-vibratórios e encerrando esses motores dentro de umas caixas destinadas a insonorizar o ruído emitido por esses motores quando em funcionamento (ver infra).
Insurge-se a recorrente no que concerne ao decidido no ponto II, alíneas a), b) e c) do dispositivo da sentença recorrida.
No referente ao determinado em a) e b), tendo presente o(s) pedido(s) formulado(s), afigura-se-nos que a decisão da 1ª instância constitui a consequência lógico-jurídica da matéria de facto apurada e do direito invocado pelos demandantes.
Com efeito, a subordinação jurídica dos trabalhadores da apelante, decorrente do contrato de trabalho e o poder disciplinar da empregadora demandada sobre aqueles (arts 11º, 97º e 98º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/02), sustentam a condenação vertida em a), do ponto II do dispositivo.
Sobre a condenação imposta na al. b), importa ter presente o ponderado, com pertinência, na fundamentação sentença recorrida, designadamente a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (Ac. de 30/05/2013. Refira-se, ainda, entre outros, os Acs. do STJ de 02/07/2009, 19/10/2010, 17/04/2012 e 19/04/2012, todos acessíveis em www.dgsi.pt) e a situação de facto apurada antes e depois da propositura da acção (ver matéria descrita em AL a AO da fundamentação de facto).
Saliente-se o observado na sentença a justificar a condenação:
- (…) Assim, independentemente dos níveis de ruídos e vibrações provenientes do estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria explorada pela 2ª Ré excederem ou não os limites máximos fixados no Regulamento Geral do Ruído, a atividade da 2ª Ré produtora daqueles ruídos e vibrações será ilícita e como tal exigirá a adoção judicial de medidas concretas tendentes a pôr termo a esse estado de ilicitude, porque lesiva dos direitos de personalidade dos Autores, quando se mostrem excedidos os limites socialmente toleráveis de emissão injustificada pela 2ª Ré daqueles ruídos e vibrações, o que é manifestamente o caso quando o quadro com que os Autores se viam confrontados era aquele que supra se descreveu e que se quedou como provado, em que estes, em consequência direta e necessária do ruído e das vibrações projectadas a partir do estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria explorado pela 2ª Ré, viam o seu repouso perturbado durante a noite (…).
- (…) Acontece que a situação que se verificava à data da instauração pelos Autores da presente ação especial de tutela de personalidade não era já aquela que se acaba de descrever, pelo que as eventuais providências judiciais que eventualmente se imponham ser adotadas no âmbito dos presentes autos com vista à tutela dos direitos de personalidade dos Autores não pode fundamentar-se naquela realidade, não obstante, na nossa perspetiva, não se possa descolar deste comportamento passado da 2ª Ré para efeitos de uma aferição de um eventual estado de perigo de lesão dos direitos de personalidade dos Autores que eventualmente se afirme no caso (…).
- (…) Acontece que, na nossa perspetiva, a 2ª Ré, antecipando-se ao tribunal, já após a sua citação para os termos da presente ação (o que carece de ser devidamente ponderado em sede de custas) já adotou as medidas tendentes a eliminar a fonte de ruídos e de vibrações provenientes daqueles motores, posto que conforme resulta da matéria que se quedou como provada, após 05/02/2014, ou seja, já após ter sido citada para os termos da presente ação, a 2ª Ré substitui um numero não concretamente apurado daqueles motores por outros mais silenciosos e aplicou nos motores que tem instalados sobre as placas daquela semicave apoios anti-vibratórios e encerrou aqueles motores dentro de umas caixas destinadas a insonorizar o ruído emitido pelos mesmos quando em funcionamento, o que determinou que o ruído que nessa sequência se faz sentir no interior da residência dos Autores, no período diurno, confunde-se com o ruído e as vibrações do trânsito que se processa no exterior dessa casa, sendo por isso, despiciendo, até porque caso se entendesse que tal ruído e vibrações que agora são emitidos por esses motores e pelo restante equipamento que se encontram no interior do estabelecimento explorado pela 2ª Ré era lesivo dos direitos de personalidade dos Autores, o que não é o caso, teríamos de eliminar a circulação do trânsito na Rua ..., o que é um manifesto absurdo, já que aqueles ruido e vibrações, reafirma-se, se confunde com o ruído e vibrações do trânsito que se processa no exterior daquela residência dos Autores.
Quanto ao período nocturno, sem esquecermos as considerações jurídicas que acima tivemos oportunidade de explanar a propósito do Regulamento Geral do Ruído e dos limites máximos de poluição sonora neles fixados, o certo é que presidindo a esses limites conhecimentos científicos e técnicos a que o legislador não pode ter sido alheio, designadamente a propósito da interferência do ruído na saúde do ser humano, não podemos abstrair desses limites máximos fixados nesse diploma, sobretudo quando o nível de ruído que se faz sentir em determinado local está longe de atingir os limites máximos fixados naquele diploma legal para efeitos de se apreender se, em determinado caso, foram ou não ultrapassados os limites de ruído socialmente tolerados, não se olvidando que quem vive em sociedade está sujeito a benefícios e prejuízos, entre os quais se conta o ruído, que desde que não ultrapasse determinados limites têm de ser tolerados por todos aqueles que vivem em sociedade, sob pena desta paralisar, não podendo, por conseguinte, na nossa modesta perspetiva, jamais proceder um pedido como o subsidiário que vem formulado pelos Autores, que pedem que se condene a 2ª Ré a absterem.se de produzir qualquer ruído provindo do estabelecimento e casualmente ligado ao respetivo funcionamento e que seja audível no prédios dos Autores entre as 22 horas e as 07 horas da manhã, esquecendo que, porque vivem em sociedade, inclusivamente, numa cidade, se terão de ver sempre confrontados e de tolerar um determinado índice de ruído.
Ora, conforme resulta do cotejo da factualidade apurada, na sequência das obras de insonorização que a 2ª Ré levou a cabo no seu estabelecimento de padaria, pastelaria e confeitaria, bem como da intervenção que a mesma Ré levou a cabo substituindo um número não concretamente apurado daqueles motores por outros mais silenciosos, dotando os motores que mantem instalados sobre as placas da semicave com apoios anti-vibratórios e encerrando esses motores dentro de umas caixas destinadas a insonorizar o ruído emitido por esses motores quando em funcionamento, durante o período noturno, o nível de ruído que é emitido pelo estabelecimento explorado pela 2ª Ré, incluindo por aqueles motores que se faz sentir na casa de habitação dos Autores não ultrapassa os 24 decibéis, o que se mostra longe dos 55 decibéis que a al. a), do art. 11º do Decreto-Lei n.º 9/2007, de 17/01, fixa como limite máximo de poluição sonora para as denominadas “zonas sensíveis”, ou seja, zona que o art. 3º, al. v) daquele diploma define como “área definida em plano municipal de ordenamento do território como vocacionada para uso habitacional, ou para escolas, hospitais ou similares, ou espaços de lazer, existentes ou previstos, podendo conter pequenas unidades de comércio e de serviços destinadas a servir a população local, tais como cafés e outros estabelecimentos de restauração, papelaria e outros estabelecimento de comércio tradicional, sem funcionamento no período nocturno”, de onde decorre que com aquelas intervenções que a 2ª Ré já concretizou após a sua citação para os termos da presente ação, ficaram salvaguardados os direitos de personalidade dos Autores que esta vinha lesando de forma exuberante, sem prejuízo do que infra se dirá (…).
- (…) Neste contexto, pese embora na sequência das sobreditas intervenções que a 2ª Ré levou a cabo, incluindo após a sua citação para os termos da presente ação, no período noturno, o ruído que se faz atualmente sentir na residência dos Autores não ultrapasse os 24 decibéis, entendemos que se afirma um risco de lesão séria dos direitos de personalidade dos Autores, risco este que se concretizará em lesão caso a 2ª Ré venha a retirar aqueles apoios anti vibratórios que colocou nos motores que tem instalados sobre as placas da semicave onde tem a produção do pão, venha a retirar as caixas em que encerrou esses motores, venha a colocar, nesse espaço, outros motores sem adotar iguais cautelas – comprando motores modernos e silenciosos, dotando-os de apoios anti vibratórios e encerrando-os em caixas de características iguais/semelhantes àquelas que instalou – ou em caso de avaria desses motores ou de outras máquinas que tenha instaladas no estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria que explora que incremente o ruído e as vibrações por eles emitidos não zele pela sua pronta reparação.
Assim, com vista a eliminar essa fonte concreta e real de perigo de lesão dos direitos de personalidade dos Autores, impõe-se condenar a 2ª Ré a manter os apoios anti vibratórios que colocou nos motores que tem instalados sobre as placas da semicave onde tem a produção do pão, a manter as caixas em que encerrou esses motores, caso venha a colocar, nesse espaço, outros motores ou a substituir aqueles que já lá se encontram, a adotar iguais cautelas – comprando motores modernos e silenciosos, dotando-os de apoios anti vibratórios e encerrando-os em caixas de características iguais/semelhantes àquelas que instalou – e em caso de avaria desses motores ou de outras máquinas que tenha instaladas no estabelecimento comercial de padaria, pastelaria e confeitaria que explora que incremente o ruído e as vibrações por eles emitidos a zelar pela sua pronta reparação, mantendo esses motores e/ou máquinas parados entre as 23horas e as 07horas enquanto aqueles não forem reparados, mantendo o nível de ruídos e vibrações que se fazem sentir na residência dos Autores de molde a nunca ultrapassarem, nesse período noturno, os 24 decibéis que atualmente não são ultrapassados nessa residência (…).
Apoia-se a enunciada fundamentação da sentença recorrida pois que se baseia, consistentemente, na matéria de facto provada e no adequado direito aplicável.
Em suma, no caso, afigura-se-nos inegável a verificação de todos os aludidos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual da ré apelante, que violou, ilícita e culposamente (artº 487º, nº 2, do CC), o(s) descrito(s) direito(s) de personalidade dos autores, causando-lhes (nexo causal) danos.
Justifica-se a procedência, nos termos ajuizados na 1ª instância, da solicitada tutela da personalidade.
Por fim, a questão da sanção pecuniária compulsória.
Estatui-se no nº 4, do artº 879º, do CPC, que, “se o pedido for julgado procedente, o tribunal determina (…) a sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infração, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.”.
Pretende-se com ela obter um meio que simultaneamente assegure o cumprimento das obrigações e o respeito pelas decisões judiciais, a favor do prestígio da Justiça pois que contribui para uma melhor, mais célere e mais efectiva administração desta, com dispensa quase sempre de processo executivo, por natureza longo, dispendioso e muitas vezes ineficaz (Calvão da Silva, “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, 1987, págs. 375/391 e 395/396, e ainda Pinto Monteiro, “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil”, 1985, págs. 200/206).
O próprio Estado está interessado nessa efectivação, destinando-se-lhe montante igualitário com o credor (nº 3, do art. 829º-A, do CC).
O fim da sanção não é o de indemnizar os danos sofridos pelo lesado, mas o de forçar o devedor a cumprir, o de o determinar a cumprir o determinado pelo Tribunal, vencendo a resistência da sua oposição ou da sua inacção.
Como observa Calvão da Silva, “A sanção pecuniária compulsória não é, pois, medida executiva ou via de execução da condenação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado“ (ob. cit., pág. 407).
O montante da sanção pecuniária compulsória é fixado pelo juiz segundo critérios de razoabilidade (artº 829º-A, nº 2, do CC).
Como bem se pondera na sentença da 1ª instância, o valor da sanção deve ser fixado num montante tal que se mostre suficiente dissuasor para que a 2ª Ré cumpra com as referidas injunções, não devendo, por conseguinte, ser fixada em montantes irrisórios, em que a força persuasiva se perderia, mas por outro, reclama que na sua fixação se tenha em devida conta os padrões de rendimentos vigentes na sociedade portuguesa em geral, e a capacidade económica da 2ª Ré em particular, para que não se caia em exageros, o que reclama que se encontre um valor equilibrado, que se mostre suficientemente elevado por forma a forçar/compelir a 2ª Ré ao cumprimento, sem que se caia em exageros desproporcionados aos níveis de rendimentos vigentes na sociedade nacional e desgarrados da realidade da vida nacional.
Por isso, entende-se como equilibrado/adequado o montante fixado na sentença recorrida para a mencionada sanção, ou seja, em 100,00 Euros pelos incumprimentos que a 2ª Ré venha a incorrer em cada período que se processe entre as 23h00 e as 07h00.
Naturalmente que os eventuais incumprimentos terão de ser escrutinados judicialmente.
Mantemos o ajuizado na 1ª instância.
improcedem, assim, as conclusões da alegação do recurso.

3- DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
*
Anexa-se o sumário.

Porto, 12/10/2015
Caimoto Jácome
Sousa Lameira
Oliveira Abreu
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SUMÁRIO (artº 663º, nº 7, do CPC)
I- Os direitos de personalidade são direitos absolutos, prevalecendo, por serem de espécie dominante, sobre os demais direitos, em caso de conflito, nomeadamente sobre o direito de propriedade e o direito ao exercício de uma actividade comercial. Aqueles direitos (de personalidade), pela sua própria natureza, sobrelevam os direitos de conteúdo económico, social e cultural.
II- O direito ao repouso e ao sono inscrevem-se nesse conjunto de direitos imprescindíveis à existência, constituindo, enfim, uma componente dos direitos de personalidade.
III- A sanção pecuniária compulsória não é, pois, medida executiva ou via de execução da condenação principal do devedor a cumprir a obrigação que deve. Através dela, na verdade, não se executa a obrigação principal, mas somente se constrange o devedor a obedecer a essa condenação, determinando-o a realizar o cumprimento devido e no qual foi condenado.

Caimoto Jácome