Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
539/12.5TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
DIREITO DE REMIÇÃO DA PENSÃO
HERDEIRO
VALOR DA CAUSA
Nº do Documento: RP20140915539/12.5TTPRT.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - O direito a uma pensão por incapacidade permanente extingue-se por morte do sinistrado, excepto se, nesta data, já tinha nascido na esfera jurídica do sinistrado o direito à percepção de um capital de remição;
II - O direito do sinistrado a requer a remição parcial de uma pensão é um direito de natureza pessoal que não se transmite aos seus herdeiros legais;
III - Por isso, não tendo o sinistrado requerido a remição da pensão, ainda que por a mesma não se encontrar fixada em vida daquele, não pode tal direito vir a ser exercido pelos seus herdeiros legais.
IV - A fixação do valor da causa nos termos previstos no n.º 1 do artigo 120.º do CPT visa as situações tipo em que o sinistrado recebe uma pensão anual e vitalícia ou o capital da remição e, por isso, à data da fixação daquele valor não é possível quantificar o montante de pensões anuais que o sinistrado irá receber;
V - Porém, tendo apenas sido fixada como devida a pensão (vencida) entre a data da alta do sinistrado e a data da sua morte (esta por causas estranhas ao acidente de trabalho), bem como o pagamento das despesas de transporte, por aplicação subsidiária do CPC, sendo essa a utilidade económica do pedido, o valor da causa deve corresponder à soma dos valores devidos a tal título.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 539/12.5TTPRT.P1
Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) António José Ramos, (2) Eduardo Petersen Silva.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
No dia 21-09-2011, B… (nascido em 23-04-1960, residente em Rua …, n.º …, ….-… Porto) foi vítima de um acidente de trabalho quando trabalhava sob as ordens, direcção e fiscalização de C…, Lda. (com sede em …, …, ..º piso, ….-… Porto), cuja responsabilidade infortunística laboral se encontrava transferida para D…, S.A. (com sede na Rua …, n.º .., ….-… Lisboa).

Em exame médico realizado em 07 de Setembro de 2012 no Instituto Nacional de Medicina Legal, I.P. (Delegação do Norte) foi fixada ao sinistrado a incapacidade permanente parcial (IPP) de 18,75% e a data da alta em 28-03-2012.

Entretanto, em 20-11-2012, ocorreu o falecimento do sinistrado, por causas estranhas ao acidente dos autos.

Em 17-09-2013 foi proferida decisão que julgou habilitados como sucessores de B…, para prosseguirem nos autos em substituição deste, E…, F… e G…, a 1.º viúva e os dois restantes filhos do sinistrado.

Tendo-se procedido em 27 de Novembro de 2013 à tentativa de conciliação a que alude o artigo 108.º do Código de Processo do Trabalho, a seguradora não aceitou conciliar-se por não concordar com o grau de desvalorização de 18,75% atribuído pelo INML, sustentando que o mesmo deve ser fixado em 7,5%.

No seguimento, e ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 138.º do Código de Processo o Trabalho, a seguradora H… – Companhia de Seguros, S.A., que incorporou, por fusão, D… – Companhia de Seguros, S.A., requereu a realização de exame por junta médica.

Em 13-02-2014 realizou-se exame por junta médica, no qual os Exmos. peritos médicos, por unanimidade e tendo em conta os elementos disponíveis nos autos, fixaram a incapacidade do sinistrado em 0,15 (15%).

Tendo os autos prosseguido os seus termos, em 17-03-2014 foi proferida sentença que fixou ao sinistrado a incapacidade permanente parcial de 15% e, em consequência, condenou a seguradora a pagar aos herdeiros uma pensão anual de € 9.261,00, com início em 29-03-2012 (dia seguinte ao da alta) e termo em 20-11-2012 (data do falecimento do sinistrado), acrescida de juros de mora desde o vencimento de cada duodécimo até integral pagamento, bem como a quantia de € 12,00 a título de transportes.
Por, eventualmente, assumir relevância para o objecto do recurso é a seguinte a fundamentação e parte decisória da sentença:
“Considerando todos os elementos pertinentes constantes dos autos, nomeadamente o conteúdo do auto de exame por junta médica – cujas respostas foram dadas sem qualquer voto discordante e que, embora se constate as particularidades do caso, v.g. não poderem os Sr.s peritos fazerem uma observação directa do sinistrado, responderam por forma fundamentada e clara, e afigurando-se-nos consistentemente -, e por isso cujas conclusões não temos razões para questionar, bem como a TNI, fixo ao(à) sinistrado(a) a incapacidade permanente parcial de 15%, reportando-se a data da alta a 28.03.2012.
Isto posto:
A factualidade assente é a acordada pelas partes em sede de tentativa de conciliação, dando-se aqui por reproduzido o conteúdo do respectivo auto.
Assim, tem-se como assente, nomeadamente, a existência do acidente e a caracterização do mesmo como de trabalho, que, à sua data, o(a) sinistrado(a) auferia a retribuição anual de € 88.200,00; tem-se ainda como assente que, à data do acidente, a entidade patronal do (a) sinistrado(a) tinha a sua responsabilidade civil por acidentes de trabalho transferida para a(s) seguradora(s) ora requerida(s).
Pelo exposto, e ao abrigo, nomeadamente, do disposto nos art. 48.º/3 c) e 75.º/1 da Lei n.º 98/2009, de 04/9, condeno a(s) seguradora(s) requerida(s) a pagar ao(à) sinistrado(a) o montante correspondente (aos duodécimos, ou parte, vencidos, incluindo os a título de subsídio de férias e de subsídio de Natal) a uma pensão anual de € 9.261,00, com início em 29/03/2012 (dia seguinte ao da alta), e termo em 20/11/2012 (data do falecimento do sinistrado), e a título da pagamento de transportes, a quantia de € 12,00, acrescendo juros de mora à pensão em dívida, desde a data de vencimento de cada duodécimo até integral pagamento, à taxa legal (art. 74.º e 135.º do CPT).
Custas pela(s) responsável(eis).
Valor: € 6.450,60.”.

Em 27-03-2014, os habilitados, ancorando-se no disposto no artigo 75.º e segts. da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro (doravante LAT), vieram requerer a remição parcial da pensão.

Sobre tal requerimento foi proferido o seguinte despacho:
“Aguardem os autos o trânsito em julgado da sentença proferida, ou a apresentação de recurso, e conclua então.”.

Em 10-04-2014, os mesmos habilitados E…, F… e G… vieram interpor recurso da sentença proferida em 17-03-2014, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes conclusões:
“1.ª O presente recurso vai limitado à parte da sentença que fixa o termo da pensão anual devida ao sinistrado, por morte, e consequentemente, o valor da causa como indemnização vencida.
2.ª Pretende afastar-se o entendimento que parece resultar da douta sentença segundo o qual a pensão fixada nos autos não pode ser objecto de remição parcial.
3.ª A douta sentença que fixa a pensão anual decorrente de acidente de trabalho não deverá afastar a possibilidade d e se exercer o direito de remição, in casu parcial, ao fixar o seu termo e dar - lhe o tratamento, em sede de valor da acção, de “indemnização vencida” .
4.ª O direito ao capital da remição constitui um crédito de conteúdo patrimonial, traduzindo-se no direito a exigir a prestação por inteiro, que integra o acervo do seu titular e, como tal, transmite-se aos seus herdeiros.
5.ª Diversamente, a pensão anual sobrante prevista na al. a) do n.º 2 do ar t .º 75º da LAT, com carácter vitalício, caduca com a mor te.
6.ª Sem prejuízo deste entendimento, deverá ser eliminado do corpo da sentença proferida a data de termo da pensão, pois que esta indicação parece influir no sentido da inadmissibilidade de remição parcial.
7. ª E não deverá a reparação do acidente de trabalho sub judice ser tratada como indemnização vencida, na fixação do valor da causa, pois que também esta indicação parece infirmar a possibilidade do exercício daquele direi to de remição parcial.
8.ª O Tribunal Constitucional já declarou a “ inconstitucional idade, com força obrigatória geral, da norma contida no artigo 75º, n.º 2, da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, na par te em que impede a remição parcial de pensões anuais vitalícias correspondentes a incapacidades inferiores a 30% não remíveis obrigatoriamente nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, por serem de valor superior a seis vezes a retribuição mínima mensal garantida, em vigor no dia seguinte à data da alta” - (Ac. TC n.º 172/2014) .
Nestes termos,
E nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V.Ex. as, que se invoca e agradece, não olvidando a própria natureza dos direitos em causa, de interesse e ordem pública e imperativos, com consagração constitucional no art .º 59º, n.º 1, al. f) da CRP, e a oficiosidade prevista no art .º 74º do CPT, ordenando a rectificação da douta sentença nos moldes requeridos farão V.Ex. as, Senhores Juízes Desembargadores, a acostumada Justiça!”.

A parte contrária respondeu ao recurso, a pugnar pela sua improcedência.

Admitido o recurso na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo subido a este tribunal, aqui o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta das partes, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso, por estar em causa uma questão nova que não foi colocada ao tribunal recorrido (remição da pensão), ou, caso assim se não entenda, que seja julgado improcedente o recurso.

Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cabe agora apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso e Factos
Como é consabido, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.º 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
No seu douto parecer, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto suscita a questão prévia de rejeição do recurso, por estar em causa uma questão nova.
Para tal conclusão parte do entendimento que a questão essencial colocada pelos recorrentes consiste em saber se a pensão fixada, limitada ao período de tempo que vai da alta até ao tempo de decesso do sinistrado pode ser objecto de remição parcial.
Diga-se que caso fosse essa a questão essencial a decidir no recurso, tratava-se, efectivamente, de uma questão não colocada anteriormente à decisão recorrida, nem objecto desta, e, portanto, de uma questão qualificada (juridicamente) como nova.
E os recursos destinam-se, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, a apreciar as questões que tenham sido submetidas à apreciação do tribunal a quo e não a criar decisões sobre questões novas, entendendo-se estas como aquelas que, colocadas ao tribunal de recurso, não tenham merecido pronúncia por parte do tribunal a quo, sendo indiferente que essa omissão provenha de insuficiência alegatória da parte, nos seus articulados, ou do mero silêncio do tribunal a quo, desde que, nesta última situação, não tenha sido tempestivamente arguido o vício de omissão de pronúncia [cfr. artigos 627.º, n.º 1, 631.º e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, e na jurisprudência, ente outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 08-03-2006 (Recurso n.º 3919/05) e de 22-04-2009 (Recurso n.º 2595/08), de 07-05-2009 (Recurso n.º 3441/08) e de 11-05-2011 (Recurso n.º 786/08.4TTVNG.P1.S1) todos da 4.ª Secção e disponíveis em www.dgsi.pt].
No caso em apreço, como se deixou afirmado, a questão da remição parcial da pensão não foi colocada anteriormente à sentença recorrida, nem nesta foi apreciada.
Por isso, caso no presente recurso os recorrentes pretendessem como questão essencial que fosse apreciada a remição parcial da pensão estavam a colocar uma questão nova a este tribunal, que, como se deixou referido, dela não podia conhecer.
Isto tendo ainda em conta que tal questão não é de conhecimento oficioso, pois não está em causa a remição obrigatória de pensão, mas sim a remição facultativa, que, como resulta do n.º 2 do artigo 75.º da LAT, pode ser remida “a requerimento do sinistrado ou do beneficiário legal”.
Daí que estando em causa a possibilidade ou não de remição de uma pensão que depende de impulso processual, não existindo este não pode afirmar-se que a questão seja de conhecimento oficioso.
Consentâneo com tal entendimento apresenta-se a circunstância de posteriormente à prolação da sentença os recorrentes terem requerido a remição parcial da pensão, tendo sobre tal requerimento recaído o despacho supra transcrito, que mandou aguardar o trânsito da sentença ou a interposição de recurso sobre a mesma.

Contudo, como os recorrentes explicitam na conclusão 1.ª das alegações de recurso, o objecto deste centra-se em (i) saber se a sentença recorrida podia fixar o termo da pensão anual devida na data do falecimento do sinistrado, e consequentemente, (ii) o valor da causa, tendo em conta as prestações devidas.
É certo que, segundo se entende, a apreciação e decisão de tais questões tem como pressuposto necessário apurar se à data da morte do sinistrado existia fundamento jurídico que determinasse a não cessação da pensão, o mesmo é dizer que importa apurar se à data da morte do sinistrado já se verificavam na sua esfera jurídica os pressupostos para a remição da pensão.
Com efeito, só perante tal análise é possível afirmar se a pensão devida ao sinistrado cessou ou não com a sua morte e, bem assim, qual o valor da causa.
Mas tal não impede que se conheça do objecto do recurso, tendo em conta as questões essenciais colocadas a este tribunal.
Por isso, embora circunscrevendo o objecto essencial do recurso a essas duas questões essenciais, terão, naturalmente, que se apurar outras questões preliminares que constituem um antecedente lógico indispensável à emissão daquelas.

Com vista à resolução das identificadas questões, a matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzido.

III. Fundamentação
1. Em síntese, decorre dos autos, não sendo objecto de discordância das partes, que B… foi vítima de um acidente de trabalho em 21-09-2011, que à data auferia a retribuição anual de € 88.200,00, que a responsabilidade por acidentes de trabalho se encontrava transferida para D… – Companhia de Seguros, S.A., entretanto objecto de incorporação, por fusão, em H… – Companhia de Seguros, S.A.
É ainda pacífico que o sinistrado teve alta em 28-03-2012, encontrando-se afectado de uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 0,15 (15%).
Igualmente importa atender a que o sinistrado faleceu em 20-11-2012, por causas estranhas ao acidente dos autos (daí que não se coloque um problema de pensões previstas no artigo 57.º da LAT, pois não estão em causa quaisquer direitos pessoais dos beneficiários familiares, mas sim direitos que o sinistrado terá adquirido entre o acidente e a sua morte e que se poderão transmitir aos herdeiros legais).

1.1. Do termo da pensão
Na sentença recorrida fixou-se ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 9.261,00, com início em 29-03-2012, dia seguinte ao da alta, e termo em 20-11-2012, data do falecimento do sinistrado.
Os recorrentes discordam da fixação do termo da pensão, argumentando, ao fim e ao resto, que tal indicação “parece influir no sentido da inadmissibilidade de remição parcial”.
Vejamos.

Como decorre do disposto no artigo 50.º, n.º 2, da LAT, a pensão por incapacidade permanente é fixada em montante anual e começa a vencer-se no dia seguinte ao da alta do sinistrado.
Daí que tendo o sinistrado tido alta no dia 28-03-2012, em conformidade com o referido normativo legal foi determinado que a pensão era devida a partir de 29-03-2012, o que não vem posto em causa.
E quanto ao termo da pensão, que o tribunal fixou na data do falecimento do sinistrado?
A pensão por incapacidade permanente parcial é anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho ou capital de remição da pensão nos termos previstos no artigo 75.º [artigo 48.º, n.º 3, alínea c)]; a pensão é paga, adiantada e mensalmente, até ao 3.º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual (artigo 72.º, n.º 1, da mesma lei).
Tal pensão destina-se a compensar o sinistrado pela perda ou redução permanente da sua capacidade de trabalho ou de ganho resultante do acidente de trabalho (artigo 48.º, n.º 2); isto é, a pensão devida a um sinistrado visa “compensá-lo” de forma vitalícia ou permanente do prejuízo resultante do dano físico que sofreu: trata-se de satisfazer um prejuízo sofrido em vida pelo sinistrado e que com a morte deste, esse direito, pessoal, extingue-se, excepto se, à data da morte do sinistrado já se verificassem os pressupostos para a remição da pensão.
Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2006 (Proc. n.º 2308/06, 4.ª secção, disponível em www.dgsi.pt), [o] direito a uma pensão por incapacidade permanente extingue-se por morte do titular/sinistrado, excepto se, nessa data, já existisse na esfera jurídica deste o direito à percepção de um capital de remição (porque verificados os pressupostos desta).”

Ora, os recorrentes pretendem que não seja fixada na sentença a data do termo da pensão – data da morte do sinistrado – por pretenderem requerer a remição da pensão.
É incontroverso que a pensão anual fixada – € 9.261,00 –, por ser superior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida não é obrigatoriamente remível nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LAT.
Resta, por isso, a eventualidade de remição da pensão nos termos do n.º 2 do mesmo preceito.
E, desde logo, de acordo com este preceito, a pensão pode ser parcialmente remida a requerimento do sinistrado: trata-se, pois, de uma faculdade/direito pessoal atribuída ao sinistrado que, não tendo por ele sido exercida – seja porque não pôde seja porque não quis – não se transmite aos seus herdeiros.
Para tal conclusão, não pode olvidar-se que o requerer ou não a remição da pensão é um acto pessoal do sinistrado que pressupõe uma ponderação deste no sentido de organizar a sua vida, designadamente para apurar se em face da sua situação económica e perspectivas futuras lhe é mais vantajoso requerer a remição da pensão para, por exemplo, iniciar uma actividade empresarial ou pagar empréstimos contraídos, ou se, ao invés, lhe é mais benéfico receber uma pensão anual para fazer face, no dia-a-dia, às suas despesas e do seu agregado familiar.
Ou seja, o direito a requerer a remição da pensão visa a satisfação das necessidades específicas, interesses específicos do sinistrado e, só reflexamente, do seu agregado familiar: por isso, a ele compete ponderar das vantagens ou desvantagens em requerer a remição.
Daí que, como se afirmou, se entenda que tal direito é um direito pessoal, intransmissível (cfr. artigo 2025.º do Código Civil).
No caso o sinistrado não requereu tal remição da pensão, até porque a incapacidade e, consequentemente, a pensão não se encontravam fixadas em vida do mesmo.
Por isso, não pode esse direito pessoal transmitir-se aos seus herdeiros.
Assim, não se verificou, desde logo, o impulso necessário previsto no corpo do nº 2 do artigo 75.º da LAT para a remição da pensão: o requerimento do sinistrado para tal remição.

Mas igualmente não se verificam os pressupostos ou condições previstas nas alíneas do n.º 2 do mesmo artigo.
Aceitando-se, face ao acórdão do Tribunal Constitucional n.º 172/2014, de 18-02-2014 (DR, 1.ª série, n.º 48, de 10-03-2014), a possibilidade de remição parcial de pensões correspondentes a incapacidade inferior a 30%, o certo é que as mesmas têm que respeitar os seguintes limites [n.º 2, alíneas a) e b) do artigo 75.º da LAT]:
a) a pensão anual sobrante não pode ser inferior a seis vezes o valor da retribuição mínima mensal garantida à data da autorização da pensão;
b) o capital da remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.
Assim, no caso, admitindo-se que os recorrentes requeriam a remição parcial da pensão, a pensão anual sobrante não podia ser inferior a € 2.910,00 (€ 485,00 x 6).
E tendo em conta que a pensão anual é de € 9.261,00 (€ 88.200,00 x 70% x 15%), tal significa que a pensão a remir era de € 6.351,00 (€ 9.261,00 - € 2.910,00).
Uma vez que o sinistrado nasceu em 23-04-1960, de acordo com a portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro, a taxa a atender seria de 12,732, referente à idade de 54 anos (que correspondente ao aniversário mais próxima da data do cálculo): daí que face à pensão a remir (de € 6.351,00) e à taxa de reserva (de 12,732), o valor do capital de remição seria de € 80.860,93 (€ 6.351,00 x 12,732).
Por sua vez, caso a incapacidade fosse de 30%, a pensão seria de € 18.522,00 (€ 88.200,00 x 70% x 30%).
Ora, estabelecendo a lei [alínea b) do n.º 2 do artigo 75.º da LAT], que o capital de remição não pode ser superior ao que resultaria de uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%, calculando-se esta em € 18.522,00 e sendo o capital de remição de € 80.860,93 tem-se por manifesto que não se verifica o requisito em causa.
Assim, ainda que se verificasse o requisito previsto na alínea a) do n.º 2 do artigo 75.º– admitindo-se, para tanto e para cumprir o requisito em causa, que os recorrentes requeriam a remição parcial de modo a que a pensão sobrante não fosse inferior a € 2.910,00 –, jamais se poderia verificar o requisito exigido na alínea b) do mesmo número e artigo, pois o capital de remição seria superior, muito superior, a uma pensão calculada com base numa incapacidade de 30%.
E, como se viu, é condição para a remição parcial da pensão, a verificação cumulativa de ambos os requisitos analisados.
Deste modo, ainda que por mera hipótese de raciocínio se admitisse que o direito do sinistrado a requerer a remição parcial da pensão se transmitiu e, por conseguinte, que os herdeiros legais podiam requerer a remição, o certo é que não se verificam os pressupostos para tal remição, pelo que a mesma não era possível.
Nesta sequência, e reafirmando a conclusão que se deixou explanada supra, com a morte do sinistrado extinguiu-se o direito à pensão por incapacidade permanente, sendo certo que, como se analisou, não se verificam os pressupostos do direito à percepção de um capital de remição por parte do sinistrado.
Daí que não mereça censura a sentença recorrida quando conclui que a pensão anual por incapacidade permanente parcial tem o seu termo em 20-11-2012, data do falecimento do sinistrado.
Improcedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

1.2. Do valor da causa
Sobre esta problemática, alegam os recorrentes que não deverá a reparação do acidente ser tratada como indemnização vencida, pois esta indicação parece infirmar a possibilidade do exercício do direito de remição parcial.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo do Trabalho, nos processos de acidentes de trabalho, tratando-se de pensões, o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação de cada pensão pela respectiva taxa constante das tabelas práticas aplicáveis ao cálculo do capital da remição, acrescido das demais prestações.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, tratando-se de indemnizações vencidas, o valor da causa é igual ao da soma de todas as prestações.
É incontroverso que no caso, não estando em causa o pagamento de uma indemnização por incapacidade temporária mas sim uma pensão, não tem aplicação o referido n.º 2.
Resta, por isso, o n.º 1 do mesmo artigo: e de acordo com o mesmo o valor da causa é igual ao do resultado da multiplicação da pensão pela taxa constante das tabelas aplicáveis ao cálculo do capital da remição.
Trata-se de uma regra geral prevista para os casos/situações, diremos tipo, em que o sinistrado recebe uma pensão anual e vitalícia ou o capital da remição.
E isto porque não é possível quantificar no momento da prolação da sentença o montante de pensões anuais que o sinistrado irá receber: por isso, obtêm-se as reservas matemáticas, que são o resultado da multiplicação do valor da pensão anual e vitalícia por uma taxa, que consta da portaria n.º 110/2000, de 13-01 e que corresponde à idade do pensionista.
Essas reservas matemáticas, a atender para efeitos de fixação do valor da causa quando são devidas pensões (a que se adicionarão as demais prestações), são, ao fim e ao resto, uma forma de suprir a impossibilidade de quantificar no momento o valor das pensões a receber, ficcionando-se por essa via a utilidade económica do pedido.
Atente-se que, como decorre do disposto no artigo 296.º do Código de Processo Civil, o valor da causa representa a utilidade económica do pedido.
E, como o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado – entendimento no âmbito de anterior lei processual laboral, mas que se mantém actual –, a norma que no Código de Processo do Trabalho estabelece o valor da causa nas acções emergentes de acidente de trabalho não contém um regime global e completo, pelo que nos casos omissos, por força da remissão feita no art. 1.º, n.º 2, a), do CPT, deverá aplicar-se o regime previsto no CPC [por todos, os acórdãos de 06-07-2006 (Recurso n.º 1730/06) e de 06-12-2006 (Recurso n.º 1071/06), ambos da 4.ª Secção, encontrando-se este último disponível em www.dgsi.pt].
Pois bem: no caso que nos ocupa não está em causa qualquer impossibilidade de quantificar no momento em que é fixado o valor à causa o montante das pensões devidas ao sinistrado, pois, como se analisou, essas pensões são devidas desde o dia seguinte à alta do sinistrado (29-03-2012) até à data do seu falecimento (20-11-2012).
A utilidade económica do pedido é, assim, o valor da pensão vencida nesse período, acrescida da prestação correspondente às despesas de transporte.
Isto é, o que pela acção se obtém é o valor da pensão vencida no referido período, acrescido das despesas de transporte.
Assim, considerando, por um lado, que nos termos do n.º 3 do artigo 120.º do CPT, o valor da causa foi fixado na sentença de acordo com a decisão final do processo, e, por outro, que à fixação do valor da causa se aplicam subsidiariamente as regras do CPC, designadamente dos artigos 296 e 297.º, e que de acordo com o referido compêndio legal o valor da causa representa a utilidade económica do pedido, o valor da causa deverá corresponder “apenas” à soma da pensão (vencida) devida e das despesas de transporte.
Nesta sequência, atendendo a que, segundo se extrai da sentença, o tribunal recorrido na fixação do valor da causa seguiu tal critério e que o valor concretamente alcançado com base no mesmo não vem questionado (o que os recorrentes pretendiam era tão só que na fixação do valor se atendesse às referidas reservas matemáticas), não merece censura o valor da causa fixado.
Improcedem, por consequência, também nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

Vencidos no recurso, deverão os recorrentes suportar o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º do CPC).

IV. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto por E…, F… e G…, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes.

Porto, 15 de Setembro de 2014
João Luís Nunes
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva