Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1053/20.0T8MAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE PAGAMENTO E DA MOEDA ELECTRÓNICA
PLATAFORMA MBWAY
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
DANOS PATRIMONIAIS E NÃO PATROMINIAIS
Nº do Documento: RP202301101053/20.0T8MAI.P1
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Um acto qualificável como negligência grosseira, no âmbito da utilização de um sistema bancário electrónico de pagamentos, corresponde a um erro imperdoável, a uma desatenção inexplicável, a uma incúria inaceitável, por referência ao comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas que são pouco diligentes.
II - Se um grande número de pessoas, na sua condição de utilizadoras de determinado sistema, é levado a praticar determinado acto nesse sistema, do que resulta o seu próprio prejuízo, tal acto não poderá ser qualificados como negligência grosseira, pois que, então o “homem médio” – referência que terá de integrar também tal elevado número de pessoas – não aparece a rejeitar esse acto por o considerar um erro indesculpável, uma decisão inexplicável, um incúria inaceitável. E isso porquanto tantos o praticam.
III - Para que se exclua a classificação de uma conduta como negligência grosseira, apesar de impregnada de descuido, desatenção e incúria intoleráveis, necessário se torna apurar que a mesma é recorrente e danosa junto de um número significativo de utilizadores, o que não se basta com uma alusão genérica a que a utilização do sistema dá azo à ocorrência de situações danosas em quantidade e de tipo indeterminado.
IV - Pode qualificar-se como negligência grosseira a conduta do utilizador de um serviço electrónico de pagamentos que, sob instruções de um desconhecido e a propósito de uma venda que pretendia fazer-lhe, usando o seu cartão multibanco e o respectivo PIN de autenticação, substitui o seu próprio número de telefone associado a tal serviço pelo número de telefone desse desconhecido, em violação das condições de utilização do serviço e ignorando avisos em contrário, com o que permite que esse desconhecido aceda à sua conta bancária, dali levantando dinheiro e fazendo transferência de fundos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Local Cível da Maia - Juiz 1
P. 1053/20.0T8MAI.P1

REL. N.º 736
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: João Diogo Rodrigues
Anabela Andrade Miranda
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
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1 – RELATÓRIO
1. Autores: AA e BB
2. Réu: Banco 1..., S.A.

Por via da presente acção em processo comum, pedem os AA. a condenação do réu a pagar-lhes as quantias de 10.400,00€ e de 5.000,00€, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, respectivamente, que sofreram por via de operações bancárias relacionadas com a utilização da aplicação MBWAY, cuja responsabilidade imputam ao réu por não ter salvaguardado, através de competentes medidas de segurança, tal utilização contra usos abusivos.
Sustentando a sua pretensão, alegaram que o autor marido foi levado a praticar actos que permitiram que outrem, a propósito da anunciada intenção de lhe comprarem um carro cuja intenção de venda anunciara, tivessem procedido a duas operações de levantamento de 200,00€ cada, e a uma operação de transferência bancária de 10.000,00€. E isso, apesar de terem acordado no estabelecimento de um limite máximo de transferências diárias de 10.000,00€ e de o autor marido nada ter feito que motivasse a alteração de qualquer código pessoal ou número de contacto, muito menos acessíveis ao seu interlocutor. Apesar de ter feito queixa crime e de ter reclamado ao banco réu a restituição daqueles valores, alega que estes jamais lhe foram repostos.
Invocando o regime jurídico dos serviços de pagamento e de moeda electrónica (D.L. 91/2018), bem como a falha dos dispositivos de segurança que ao réu cabia implementar para garantir a segurança do sistema (designadamente, quanto à funcionalidade de alteração do número associado à aplicação em causa, uma confirmação para o número de telefone do autor – único registado pelos AA., incluindo para a utilização do MBWAY- que nunca ocorreu), consideram o Banco responsável pela sua perda, pedindo a restituição do referido valor, bem como a indemnização de danos morais que alegam terem sofrido.
O réu contestou. Alegou que foi o próprio autor que, usando as credenciais que lhe haviam sido atribuídas, num terminal Multibanco alterou o número de telefone ordenante associado ao serviço MBWAY, substituindo o seu por aquele de onde partiram os levantamentos e a ordem de transferência. Fê-lo usando o cartão bancário associado ao MBWAY, numa caixa ATM, onde teve de introduzir o respectivo PIN. Com isso validou um novo número de telefone ordenante, autorizando, em suma o uso da sua conta bancária por um terceiro. Mais contestou que existisse um limite máximo de 1.000,00€, para transferências bancárias. Alegou ainda que os seus funcionários tudo fizeram para reverter as operações, o que foi impossível, incluindo através da SIBS,
Conclui inexistir fundamento para a sua responsabilização, pois que os danos ocorridos procederam exclusivamente da acção do próprio autor parido, classificando, em qualquer caso, como elevada a indemnização peticionada para compensação dos danos morais alegados e invocando que a culpa do próprio lesado sempre seria de ordem a determinar a redução da indemnização a pagar.
Os AA. responderam.
O processo foi saneado; foi enunciado o objecto do litígio e indicados os temas de prova.
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, que concluiu pela improcedência da acção.
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É desta decisão que vem interposto recurso pelos AA., que consideram indevidamente julgados alguns pontos da matéria de facto controvertida, alegam a nulidade da sentença por ter ficado por conhecer questão por eles suscitada e concluem impor-se a sua substituição por outra que condene o réu conforme o peticionado.

Concluem o seu recurso nos seguintes termos:
1. O presente recurso tem como objeto a decisão do Tribunal a quo que julgou totalmente improcedente a ação instaurada pelos AA contra o Banco 1... e visa a impugnação da matéria de facto e da matéria de direito.
2. Andou mal, no entender dos recorrentes, a sentença quando considerou provados factos com uma redação diferente daquela que resulta da prova produzida em julgamento; quando considerou provados factos que deveria ter julgado não provados e quando considerou não provados factos que deveria ter considerado provados.
3. Consideram, pois os recorrentes que os meios de prova do processo impunham uma decisão diversa, discordando ainda da aplicação do Direito feita pela sentença recorrida.
4. Começando pelos factos considerados provados que, no entendimento dos recorrentes deveriam ter sido julgados provados com uma redacção daquela que foi assente na sentença – factos provados: 27; 46; 47; 52 e 57.
5. O facto provado 27 [27. Foi-lhe indicado pelo seu interlocutor para escolher a opção MBWAY e depois escolher uma subopção existente à data em tal meio electrónico,”] está, desde logo, em contradição com o facto provado 47 (que também será impugnado adiante).
6. E está ainda em contradição a fundamentação decisória:
“69. É certo que esta versão dos factos coincide em grande parte com a descrita no auto de denúncia junto com a petição inicial- Auto que é do mesmo dia dos factos. Porém, o tribunal está convencido que as coisas não se passaram desse modo. Mas sim que o autor ao escolher o campo “actualizar número” - veja-se essa opção na fotografia junta na sessão de 17/2/20222 - nele escreveu o número de telemóvel indicado pelo burlão”; “71. E na lista de operações anexa como documento nº 2 à contestação (mais completa do que a anexa à p.i.) também surge a associação desse telemóvel às 13h41m11s como “alteração do código de autenticação de serviço da PMS”. “74. A forma como se podia alterar o telemóvel associado a determinado cartão no MBWAY foi descrito de forma clara pela testemunha CC, funcionário do departamento de cartões do réu. Na caixa multibanco introduz-se o cartão, selecciona-se a opção de adesão, insere-se o número de telemóvel e confirma-se duas vezes com o pin.”; “75. DD, funcionária da SIBS, fez uma descrição semelhante sobre o modo de alterar o número de telemóvel nas caixas de ATM. Depois de enfiar o cartão na máquina, digitar o respectivo código, bem como escrever o novo número no campo para alterar o telemóvel. Inseria-se o pin Mbway. Depois novo número enviado através por sms. Estes dois eram o mecanismo de segurança.” “76. Portanto, de acordo com os depoimentos destas duas testemunhas, para alterar o número de telemóvel havia que introduzir códigos de segurança por duas vezes. O que explica que o autor tenha dito que digitou o número ... duas vezes.”
7. Não pode a douta sentença considerar provado um determinado facto com uma determinada redação para depois, na fundamentação da decisão, socorrer-se de factos que não estão assentes!
8. A prova produzida em julgamento impunha que tal facto fosse considerado provado com uma redação que deixasse claro que depois do A. ter selecionado a opção MBWAY escolheu a subopção alterar número, existente à data em tal meio eletrónico. Nesse sentido vejam-se as declarações do A. Marido, AA, prestadas na sessão 17/02/2022, 09:56:41 às 10:14:38; dos minutos 01:20 aos minutos 02:08 (transcritas no corpo das alegações). E veja-se ainda o depoimento da testemunha CC, em resposta à questão da existência do subcampo actualizar número respondeu - 17-02-2022 das 10:27:05 às 11:33:05 dos minutos 10:15 aos minutos 13:32 (supra transcritas) e ainda o depoimento da testemunha DD, 25-03-2022 das 10:41:14 às 11:38:51, dos minutos 10:15 aos minutos 10:58 (excerto transcrito supra).
9. A prova coligida no processo impunha, pois, que o facto provado 27 fosse julgado provado com a seguinte redação: “27. Foi-lhe indicado pelo seu interlocutor para escolher a opção MBWAY e depois escolher a subopção alterar número, existente à data em tal meio electrónico”.
10. O facto provado 46 referente à “disponibilização das condições gerais pelo Réu” não foi confirmado por qualquer depoimento de testemunha alguma. Na verdade, esse facto assenta unicamente do documento trazido aos autos através da comunicação enviada pelo R. aos A.A. em 17 de dezembro de 2019, e junta aos autos com a p.i. como documento número 5.
11. Pelo que o facto provado 46 só poderá ser considerado provado na seguinte redação: “46. Das condições gerais de utilização do serviço electrónico de pagamento "MBWAY" disponibilizado pelo Réu aos A.A., apenas em 17 de Dezembro de 2019, resulta o seguinte: 4) Alteração de número de telemóvel e de endereço de correio electrónico
a) O Utilizador poderá alterar o número de telemóvel associado ao Serviço MB WAY, bastando para tanto recorrer a um dos canais disponíveis pelo Banco para adesão e gestão do Serviço MB WAY ou a um CAIXA AUTOMÁTICO MULTIBANCO.
b) O Utilizador poderá alterar o endereço de correio electrónico fornecido no âmbito da utilização da App MB WAY, através da App MB WAY ou através de um dos canais disponíveis pelo Banco para adesão e gestão do Serviço MB WAY.
c) O Banco, por si ou por terceiro em seu nome e por sua conta, solicitará ao Utilizador a confirmação do novo número de telemóvel ou do novo endereço de correio electrónico fornecidos, só então sendo os mesmos introduzidos no sistema em substituição dos anteriores.”.
12. No facto provado 47, quanto à secção "associou, a esse serviço, como o "telemóvel ordenante" o contacto telemóvel com o n.º ..." tal infirmação não poderá ser dada como provada.
13. Como refere a sentença no ponto 71. da análise da prova “71. E na lista de operações anexa como documento nº 2 à contestação (mais completa do que a anexa à p.i.) também surge a associação desse telemóvel às 13h41m11s como “alteração do código de autenticação de serviço da PMS” O que se refere é “alteração do código de autenticação de serviço da PMS” (sic), pelo que, o referido documento nada refere quanto à inserção pelo A. de qualquer número telefónico.
14. Nesse sentido vão também o depoimento das testemunhas, designadamente do Senhor CC (17-02-2022 das 10:27:05 às 11:33:05), genericamente, dos minutos 03:40 aos 04:17 e também, dos minutos 04:20 aos 04:46 (depoimentos transcritos no corpo das alegações) e da Sr.ª D. DD 25-03-2022 das 10:41:14 às 11:38:51, dos minutos 11:35 aos 11:45 (depoimento transcrito no corpo das alegações). Conclusão idêntica se retira das declarações de parte do A. Marido, dia 17-02-2022 das 09:56:41 às 10:14:38 dos minutos 01:20 aos minutos 02:18 (declarações transcritas supra). E, ainda, dos documentos juntos aos autos (auto de notícia e reclamação apresentada junto do Banco 1...) sob os números 2 e 3 da PI.
15. Pelo que, tal facto apenas poderá ser dado como provado nos seguintes termos: 47. O A. marido no dia 11/11/2019, deslocou-se a uma “Caixa Multibanco”, concretamente ao terminal sito no Lugar ... – ..., e, aí, pelas 13:41:11, introduzindo o seu cartão bancário com o n.º ... e digitando o seu código PIN, selecionou a opção alteração de número ao serviço MB WAY e no campo indicativo de número internacional, por duas vezes introduziu o número ....
16. O facto provado 52 não poderá ser dado como provado nos exatos termos em que o foi porquanto as únicas pessoas que referem a hora e data em que esteve com o A. Marido foram o Senhor Dr. EE, mas de forma confusa e titubeante, ora mais cedo, ora mais tarde, como resulta do seu depoimento, dia 06-01-2022 das 11:24:57 às 12:07:23, dos minutos 19:50 a 20:20 e o próprio A. Marido – vejam-se as suas declarações dia 17-02-2022 das 09:56:41 às 10:14:38, dos minutos 11:40 aos 12:00.
17. Pelo que, tal fato apenas poderá ser dado como provado nos seguintes termos: 52. Foi recebido, no referido Balcão, entre as 14:30h e as quinze, ou seja, antes da hora de fecho do Balcão”
18. O facto 57 não poderá ser dado como provado nos termos em que o foi, porquanto, como se refere o Meritíssimo Juiz a quo no ponto 101 da “Análise da prova” – “101. A recomendação de segurança do MBWay dada como provada é consultável na internet.”
19. Ora, o que o pode ser assente é que, na data da prolação da sentença era consultável na internet o aviso “Nunca adicione um número de telemóvel que não seja o seu ou que desconhece”. Não é certo nem seguro que, à data dos factos, houvesse idêntico anúncio.
20. Assim, tal facto só poderá ser dado como provado nos seguintes termos: “57. Estão publicitadas, na presente data, em https://www.mbway.pt, as recomendações de segurança para utilização do serviço MB WAY, quais sejam: – Nunca adicione um número de telemóvel que não seja o seu ou que desconhece;”
21. Isto posto, passemos agora à análise dos factos considerados provados que os recorrentes consideram que deveriam ter sido julgados não provados – factos provados 48 e 54.
22. O facto provado 48 não pode ser considerado provado pois nada no processo leva a essa conclusão.
23. Como refere a própria sentença refere no ponto 71. da análise da prova “71. E na lista de operações anexa como documento nº 2 à contestação (mais completa do que a anexa à p.i.) também surge a associação desse telemóvel às 13h41m11s como “alteração do código de autenticação de serviço da PMS” O que se refere é “alteração do código de autenticação de serviço da PMS” (sic), pelo que, o referido documento nada refere quanto à inserção pelo A. de qualquer número telefónico.
24. Nesse sentido vão também o depoimento das testemunhas, designadamente do Senhor CC (17-02-2022 das 10:27:05 às 11:33:05), genericamente, dos minutos 03:40 aos 04:17 e também, dos minutos 04:20 aos 04:46 (depoimentos transcritos no corpo das alegações) e da Sr.ª D. DD 25-03-2022 das 10:41:14 às 11:38:51, dos minutos 11:35 aos 11:45 (depoimento transcrito no corpo das alegações). Conclusão idêntica se retira das declarações de parte do A. Marido, dia 17-02-2022 das 09:56:41 às 10:14:38 dos minutos 01:20 aos minutos 02:18 (declarações transcritas supra). E, ainda, dos documentos juntos aos autos (auto de notícia e reclamação apresentada junto do Banco 1...) sob os números 2 e 3 da PI.
25. De toda a prova carreada para o processo não resulta um indício que seja que foi o A. Marido quem validou o contacto telefónico com a utilização do cartão e a inserção do código PIN, código esse pessoal e intransmissível, pelo que o facto considerado provado sob o n.º 48 deve ser julgado não provado.
26. Quanto ao facto provado n.º 54, salvo o devido respeito, de toda a prova testemunhal produzida não resulta, em momento algum, dito por ninguém ao A. Marido que “uma vez que não se tratou de uma transferência bancária, mas sim de um movimento via MB WAY, associado a um cartão do mesmo, efetuado em ATM (Caixa de Multibanco), não foi possível qualquer intervenção direta do Banco R., nem tampouco através da SIBS, para ser feita a devolução”, pelo contrário, atente-se ao depoimento da testemunha EE, dia 06-01-2022 11:24:57 às 12:07:23, o interveniente principal em tal momento, dos minutos 22:50 aos 23:30 (depoimento supra transcrito) e às declarações do A. Marido, dia 17-02-2022 09:56:41 as 10:14:38, dos minutos 03:10 aos 03:24 (declarações transcritas no corpo das alegações).
27. Termos em que deve ser julgado não provado o facto 54.
28. Passemos agora à análise dos factos que o tribunal considerou “não provados”, mas que os recorrentes creem que, face à prova produzida, devem ser considerados provados – factos 59; 60; 61; 62 e 63.
29. Os factos provados 59 e 60 atenta a sua correlação serão analisados em conjunto.
30. Tais factos deverão ser considerados provados, desde logo, por força das declarações do A. Marido, dia 17-02-2022 das 09:56:41 às 10:14:38 dos minutos 01:20 aos minutos 02:18 (declarações transcritas no corpo das alegações) e, também, por força dos documentos 2 e 3 juntos com a PI.
31. Assumem particular importância aqui as declarações do A. Marido porquanto ele foi o único (para além do “burlão”) a presenciar os factos, vide neste sentido o Acórdão da Relação de Guimarães proferido no processo 2903/17.4T8VCT.G1 em 24/09/2020 disponível in www.dgsi.pt – sendo o seu depoimento irrepreensível, franco, honesto e credível.
32. Devem assim ser aditados à matéria de facto considerada provada os seguintes factos: 59 - O autor depois de escolher a opção MBWAY e a subopção seguinte marcou o dígito 5, por cinco vezes, em duas repetições. 60 - O A. em momento algum enviou ou proferiu verbalmente qualquer código pessoal, alterou qualquer contacto ou permitiu o uso da referida conta bancária ao Interlocutor
33. O facto não provado 61. “Os funcionários do Réu informaram o A. que só com ordem do tribunal poderiam anular ou reembolsar os levantamentos e a transferência” deve ser considerado provado por força das declarações do A. Marido 17-02-2022 09:56:41 as 10:14:38 e dos minutos 03:10 aos 03:24 (supra transcritas).
34. Quanto ao facto não provado 62, deverá o mesmo ser considerado provado por força do depoimento da testemunha Senhor CC dia 17-02-2022 10:27:05 às 11:33:05 dos minutos 01hora:04:00 aos 01hora:04:21 (depoimento transcrito no corpo das alegações) e do testemunho da Senhora Dra. DD, dia 25-03-2022 10:41:14 as 11:38:51 do minuto 14:00 aos 15:00.
35. Acresce, ainda que, incumbe ao Réu devedor (da obrigação de comunicação da alteração do número) o ónus de alegação e prova do cumprimento (total ou parcial) da sua obrigação contratual – comunicação da alteração de número, pelo que, necessário se tornava fazê-lo, o que não ocorreu. pelo contrário, atente-se ao documento junto com a contestação com o número 1 onde se vê, quanto ao “tipo de autenticação”, quer no campo do terminal quer no campo do cliente se pode ver a informação “sem indicação”.
36. Deve assim ser considerado provado o seguinte facto: 62. Não foi solicitado, até à presente data, a confirmação de qualquer outro número de telefone associado ao serviço "MB WAY".
37. Deve, por fim, ser dado como provado o facto 63. Os A.A. passaram noites sem dormir e sentiram medos.
38. Salvo o devido respeito, e atento o facto dado como provado na presente sentença, no ponto 45 – “45. Perante os factos supra descritos os A.A. sofreram arrelias sentiram ansiedade e mal-estar.”, apenas resta alegar que tal facto terá de ser dado como provado, sob pena de se provar uma coisa e o seu contrário, não podendo a sentença dar como provado o conceito e não provada a concretização do mesmo.
39. Consideram ainda os recorrentes que o tribunal a quo deveria ter conhecido de factos atinentes à falta de segurança do meio eletrónico de pagamento MBAY –que pedirão, a final, que sejam aditado à matéria de facto provada.
40. Vejamos. A sentença deu como não provado o ponto “58. Para o serviço de MBway estava fixado como limite máximo diário de transferência o montante de 1.000,00€ (mil euros). Porém, o que foi alegado pelos recorrentes foi algo diverso, no artigo 8.º da p.i.[“Tendo, para o efeito, fixado como limite máximo de transferência diário o montante de 1.000,00€ (mil euros).”] e no artigo 94.º da p.i.[“Conforme já alegado, os aqui A.A. tinham limitado a utilização do seu cartão através do serviço “MB WAY” ao montante diário de 1.000,00€ (mil euros).”].
41. Acresce que do documento junto aos autos no dia 17/02/2022 pelos recorrentes resulta que para pagamentos existia um limite de 1.000,00€.
42. A idêntica conclusão leva o depoimento da Senhora Dra. DD, dia 25-03-2022 10:41:14 as 11:38:51 dos minutos 15:40 aos 15:42 (depoimento transcrito no corpo das alegações) conjugado com as declarações do A. Marido, dia 17-02-2022 das 09:56:41 às 10:14:38, dos minutos 15:00 aos minutos 16:16 (supra transcritas).
43. E da lista de movimentos emitida pela empresa SIBS junta aos autos com a contestação e com o requerimento do Réu de 12/02/2022, com a referência citius 38025105 resulta que os movimentos objeto dos autos (transferência 10.000,00€ e levantamentos de 200,00€ em numerário no montante global de 400,00€) foram realizados em ATM.
44. Assim, deveria a douta sentença ter conhecido do limite estabelecido, no entender do A. Marido, no montante de 1.000,00€ (por força de tal atuação se ter iniciado na plataforma MBWAY) e ter conhecido o montante estabelecido para os movimentos em ATM – plataforma Multibanco – no montante de 2.500,00€.
45. Devem, assim, ser aditados à matéria de facto considerada provada os seguintes factos: • Os AA fixaram como limite máximo diário de transferências o montante de 1.000,00€ (mil euros) na plataforma MBWAY no seu terminal próprio;
• Na rede Multibanco/ATM o limite máximo diário de movimentos, através da plataforma MBWAY, era de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);
• O sistema MBWAY é um sistema de pagamento e não de transferência, pelo que a convicção do A. era que o limite alcançava todas as funcionalidades do sistema MBWAY – fossem elas no terminal próprio ou no terminal Multibanco/ATM.
46. Deveria ainda a sentença ter conhecido do risco e das falhas do mau funcionamento do sistema MBWAY.
47. Com efeito, resultam amplamente alegadas e demonstradas essas falhas de mau funcionamento.
48. Vejamos. Começando pelos Documentos juntos aos autos e de forma cronológica, a lista SIBS - Documento junto na integralidade (página 1 de 13) com o requerimento do Réu de 12 de fevereiro de 2021 e referência citius 38025105. Desse documento, expressamente, resulta o seguinte: “019/11/11 às 13:39:56 Anomalia em CA Decisão: Saldo de Cartão Informação Adicional: ANOMALIA - 06 - TIMEOUT TECLADO COD. SIBS - 04 – MAUS PROCEDIMENTOS CLIENTE – OUTROS” E apenas 25 segundos depois, Às 13:40:19 é apresentada uma informação adicional: "ID ALIAS 0000000000 TIPO ALIAS 001 DESC ALIAS DE REGISTO N ESTADO DE ALIAS 00", E, às 13:40:58 é apresentada uma informação adicional: "TRANSACÇÃO RECUSADA ID ALIAS 0000000000 TIPO ALIAS 001 DESC ... ALIAS DE REGISTO N ESTADO DE ALIAS 00" e às 13:41:11 é apresentada uma informação adicional: "ID ALIAS 0000000000 TIPO ALIAS 001 DESC ALIAS DE REGISTO N ESTADO DE ALIAS 00" – este documento reflete, sem margens para dúvidas, o mau funcionamento do sistema utilizado pelo R.
49. O E-mail do próprio R. junta aos autos em 17 de fevereiro de 2022 - e- mail - enviado por Banco 1... na segunda-feira, dia 11 de novembro de 2019 às 15:57 “Boa Tarde Em relação à transferência em questão, por ter sido em ATM não conseguimos intervir directamente sobre ela nem solicitar via sistema da SIBS o seu pedido de devolução - transferências ATM com compensação diferente da das transferências SEPA. De notar que não existe sistema montado entre Bancos para a devolução de transferências ATM. De forma a conseguirmos tratar adequadamente todos os assuntos que nos são endereçados, com o máximo de qualidade, rapidez e gestão eficiente, torna-se necessário que o e-mail Banco 1... apenas seja utilizado pela área de negócio para emissão de TRANSFERENCIAS TARGET, FICHEIROS DE TRANSFERENCIA e FICHEIROS DE COBRANÇAS. Todos os restantes assuntos deverão assim ser enviados por R…, com a tipificação adequada existente, contribuindo desta forma para uma melhoria substancial na prestação dos nossos serviços. Agradecemos a vossa compreensão e o vosso cuidado no envio de todas as instruções pelo canal apropriado, pois dessa forma todos os temas em causa terão um melhor acompanhamento e tratamento, garantindo a satisfação dos nossos clientes"
50. Neste documento o Réu através do seu funcionário - FF - afirma que não consegue assegurar a qualidade e segurança do sistema que permita movimentar a conta apenas a quem tem legitimidade, depositando, levantando ou transferindo fundos e afirma que os procedimentos internos, alegadamente, despoletados não eram os corretos, pelo que, tal atuação violou grosseiramente o dever da prática das boas regras de conduta impostas por lei aos bancos (cfr. artigos 73º a 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras), na prestação de tais serviços "deve ser, não só de qualidade e eficiente, mas também serviço seguro …"(in Direito Bancário, João Calvão da Silva, Almedina, 2002).
51. Veja-se ainda a informação de atualização de segurança prestada pela empresa SIBS em 24 de Fevereiro de 2022 a fls. (transcrita no corpo destas alegações) de onde resulta, sem margem para dúvidas, que todas as alterações de segurança relacionadas com o MBWAY foram efetuadas após os factos que deram origem aos presentes autos (os quais remontam a novembro de 2019), concretamente as alterações aconteceram em abril de 2020, agosto de 2020 e janeiro de 2021.
52. Também a prova produzida em julgamento impunha o conhecimento destas questões. Veja-se, desde logo, o depoimento das testemunhas EE, dia 06-01-2022 11:24:57 às 12:07:23, dos minutos 38:35 aos 38:45 (depoimento transcrito no corpo das alegações); CC dia 17-02-2022 10:27:05 às 11:33:05 dos minutos 03:40 aos 04:17 e dia 17-02-2022 10:27:05 às 11:33:05 dos minutos 39:20 aos 41:00 (depoimento supra transcrito); DD dia 25- 03-2022 10:41:14 às 11:38:51 dos minutos 33:00 aos 33:30 53. De todo o exposto devia o Tribunal ter conhecido das falhas de segurança e dos mecanismos de segurança criados no serviço MBWAY para atenuar o enorme número de casos de burla utilizando esse mesmo serviço, devendo ser aditados os seguintes factos à matéria de facto provada:
• O serviço MBWAY, em novembro de 2019, era deficiente, apresentado falhas de segurança graves que permitiram que diversas burlas ocorressem;
• Foram posteriormente a novembro de 2019 criados mecanismos de segurança para atenuar os casos de burla com recurso ao serviço MBWAY.
54. Operada a alteração da matéria de facto nos termos acabados de expor, a solução jurídica para o caso concreto terá de ser necessariamente diversa da que foi proferida pelo Mmo. Tribunal recorrido.
55. Do facto assente 15. resulta provado a existência de uma conta bancária dos A.A. no Banco Réu. Assim, e na esteira do contrato de depósito bancário o depositário (Banco) recebe um montante e fica obrigado a restituir outro tanto do mesmo género (aos A.A. depositários), conforme dispõe o artigo 1142.º do Código Civil. Sendo que o dinheiro depositado se torna propriedade do depositário pelo ato da entrega, conforme dispõe o artigo 1144.º do Código Civil resultando, assim, uma troca da propriedade do montante depositado por um direito de crédito à restituição de igual montante, pelo que, tal transmissão de propriedade é acompanhada da transferência do risco sobre o montante depositado, conforme dispõe o artigo 796.º número 1 do Código Civil.
56. Ora, nos presentes autos estamos perante um contrato-quadro conforme o previsto na aliena i) do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 91/2018, de 12 de Novembro. (REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE PAGAMENTO E DA MOEDA ELETRÓNICA). E, nos termos da alínea a) do número 1 do artigo 111.º do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro o prestador de serviços de pagamento tem o dever de “Assegurar que as credenciais de segurança personalizadas do instrumento de pagamento só sejam acessíveis ao utilizador de serviços de pagamento que tenha direito a utilizar o referido instrumento”. E, ainda, nos termos do artigo 113.º do DL n.º 91/2018, de 12 de novembro, caso o utilizador negue ter autorizado uma operação de pagamento efectuada, como é o caso ora em crise – vide facto assente 36 - é o prestador de serviços de pagamento que terá de “fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.” – o que salvo o devido respeito não se verificou nos presentes autos, nem tão pouco ficou provado.
57. Tais disposições legais fundamentam-se no pressuposto que “só o prestador do serviço de pagamentos, também fornecedor deste serviço, pode assegurar a operacionalidade do complexo sistema informático utilizado e a regularidade do seu funcionamento, garantindo também a confidencialidade dos dispositivos de segurança que permitem aceder ao instrumento de pagamento”, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 8903/15.1T8LSB.L1-2, em 10-05-2018, disponível em www.dgsi.pt.
58. Recaem, assim, sobre o Réu, prestador do serviço, o risco das falhas e do mau funcionamento do sistema, e é do Réu, assim, o ónus da prova de que a operação do pagamento não foi afetada por avaria ou qualquer outra deficiência. O que não foi afastado nos presentes autos.
59. Neste sentido, o Ilustre Professor Calvão da Silva, refere que como resulta das boas regras de conduta impostas por lei aos bancos (cfr.artigos 73º a 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) a prestação de tais serviços “deve ser, não só de qualidade e eficiente, mas também serviço seguro …”(in Direito Bancário, João Calvão da Silva, Almedina, 2002). Ainda, na esteira do referido Académico "Ao prestador dos serviços bancários cabe, pois, por lei assegurar a qualidade e segurança do sistema que permita movimentar a conta apenas a quem tem legitimidade, depositando, levantando ou transferindo fundos. O risco de funcionamento deficiente ou inseguro do sistema de prestação de serviços de pagamento ou transferência localiza-se, portanto, na esfera do seu prestador, a quem incumbe a responsabilidade por operações não autorizadas pelo cliente nem devidas a causa imputável ao cliente". (in Direito Bancário, João Calvão da Silva, Almedina, 2002)
60. Acresce, ainda, que se impõe a possibilidade de o utilizador do serviço de pagamento dispor de um conjunto de dispositivos de segurança para a utilização de tais serviços, conforme dispõe a alínea j) do artigo 2.º do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, com vista a identificar o utilizador e verificar a autenticidade do sujeito que contratou tais serviços. Tal segurança no presente caso falhou em toda a linha.
61. Assim, nos termos do artigo 114º do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, é o aqui Réu o único responsável pelo pagamento dos montantes subtraídos aos aqui A.A., em 11 de Novembro de 2019.
62. Sem prescindir, sempre se dirá, que caso a presente argumentação não se entenda procedente, o que não se concede, deverá ser chamada à presente demanda a mais correta interpretação do número 4 do artigo 115.º do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, que se transcreve: “4 - Havendo negligência grosseira do ordenante, este suporta as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, ainda que superiores a (euro) 50.”
63. Ora do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no processo n.º 2406/17.7T8BCL.G1 em 10-07-2019, Relatado pela Senhora Desembargadora Margarida Sousa, disponível para consulta em www.dgsi.pt resulta o seguinte:
IV – Face à doutrina portuguesa sobre esta matéria, “negligência grave” corresponde a “negligência grosseira, erro imperdoável, desatenção inexplicável, incúria indesculpável –vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas que são pouco diligentes”;
64. E concretizando o douto aresto: “E, perante o direito interno, o que se deve, então, entender por negligência grave? Socorrendo-nos de novo do acima referido acórdão desta Relação, que a Recorrente também cita, vejamos o que a este respeito nos diz a doutrina: “Referindo-se à culpa grave, o Prof. Inocêncio Galvão Teles ensina que ela se apresenta como “uma negligência grosseira”, definindo-a os romanos como um “non intelligere quod omnes intelligunt”. E assim, “só por uma pessoa particularmente negligente se mostra susceptível de ser cometida” (in “Direito das Obrigações”, 5.ª ed., págs. 325-326). Debruçando-se sobre as cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, escreveu o Prof. Pinto Monteiro que tais cláusulas são nulas quando o devedor actua com dolo. E reconhecendo ser menos pacífica a proibição delas em caso de “culpa grave”, defende que ambas as actuações são incompatíveis com os valores atinentes ao princípio da boa fé, não merecendo tratamento mais favorável o devedor que não observe “as regras elementares de prudência”, ou “revelar, pelo seu comportamento, não ter adoptado aquele esforço e diligência minimamente exigíveis, nas circunstâncias concretas” (in “Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil”, Almedina 2003,págs. 235/236). A Prof.ª Ana Prata, sendo mais ilustrativa no recurso que faz aos subsídios de Autores estrangeiros, refere que culpa grave é o mesmo que “negligência grosseira, erro imperdoável, desatenção inexplicável, incúria indesculpável – vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas que são pouco diligentes”, sendo deveras interessante a transcrição que faz de René Savatier, que caracteriza a culpa grave como “uma conduta em que a má fé é verosímil, mas não se encontra absolutamente demonstrada” (in “Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual”, Reimpressão, págs. 306 a 308 e nota-de-rodapé 643 in fine)”. Daí que, não obstante se poder configurar uma violação culposa das “obrigações” do utilizador de serviços de pagamento consagradas no artigo 67.º do Decreto-Lei nº 317/2009 quando, não obstante os avisos do prestador de serviço, aquele fornece a terceiros os dados do respetivo cartão-matriz, cremos que, atendendo, como se deve atender, para avaliar a eventual negligência cometida pelo utilizador dos serviços de pagamento a todas as circunstâncias do caso como preconizado no Considerando 33) da Diretiva, não se pode no caso concluir pela existência de uma situação de negligência grave. Na verdade, se é certo que as advertências feitas pelos prestadores de serviços de pagamentos eletrónicos quanto ao modo de corretamente utilizar os números do cartão matriz de acesso ao sistema de homebanking impõem cautela ao utilizador, conduzindo à censurabilidade de um comportamento contrário a tais avisos, a verdade é que, a maioria das vezes, tal não será suficiente para qualificar a negligência de uma vítima de fraude como “grosseira”, colocando-a ao nível do “erro imperdoável, desatenção inexplicável, incúria indesculpável – vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas que são pouco diligentes”. Nos acórdãos da Relação de Lisboa de 15.03.2016 (Relator – Rijo Ferreira) e da Relação de Coimbra de 15.1.2019 (Relator - Moreira do Carmo), defende-se mesmo que, “pela própria natureza das coisas”, não se pode “qualificar a conduta de quem fornece credenciais de segurança sujeito a uma prática fraudulenta (‘phishing’,‘pharming’,‘keylogging’) como gravemente negligente”, porquanto “essas práticas fraudulentas são levadas a cabo porque um grande número de pessoas é ludibriado através delas e não apenas as extremamente descuidadas ou incautas; e para uma conduta poder qualificada como grosseiramente negligente ela não pode ser susceptível de ser levada a cabo por um número significativo dos homens médios”, posição que segue na esteira do entendimento expresso no já citado acórdão desta Relação 17.12.2014, onde se lê: “como várias pessoas “caíram” na mesma situação não podemos, por comparação com o homem comum, dizer que ele agiu de uma forma particularmente negligente”. Veja-se, aliás, que a primeira instância considerou assente que a situação da Autora não se trata de um caso isolado, pois existem queixas semelhantes em relação ao serviço “Net...” da Caixa ..., sendo que foi realizada uma reportagem jornalística sobre o tema, mais se verificando, pela mera leitura dos factos a que se reporta o Acórdão da Relação de Lisboa de 11.04.2019, que ali também se configura uma situação de fraude informática relativa ao concreto serviço de homebanking em referência nestes autos.” (Destacados nossos)
65. Ora, mais clarividente se torna a situação descrita e provada nos presente autos, mesmo que não se entenda a violação dos deveres do Banco Réu, o que não se concede, nunca se poderá fundamentar a douta sentença na negligencia grosseira do aqui A. Marido.
66. É à saciedade carreado para os autos a que as alegadas práticas fraudulentas, na esteira do acórdão acabado de citar são levadas a cabo porque um grande número de pessoas é ludibriado através delas e não apenas as extremamente descuidadas ou incautas; e para uma conduta poder qualificada como grosseiramente negligente ela não pode ser susceptível de ser levada a cabo por um número significativo dos homens médios(…) como várias pessoas “caíram” na mesma situação não podemos, por comparação com o homem comum, dizer que ele agiu de uma forma particularmente negligente
67. Pelo que, fez o Meritíssimo Juiz a quo errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 111.º, 114.º e 115.º do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro, bem como do artigo 796.º, 1142.º e 1144.º todos do Código Civil
68. Acresce que, de toda a prova carreada para os autos não ficou provado que tenha sido solicitado, até à presente data, a confirmação de qualquer outro número de telefone associado ao serviço “MB WAY” dos Recorrentes, pelo que o Réu nunca cumpriu a sua obrigação de prevista na alínea c) do ponto 4 das condições contratuais gerais de utilização de tal serviço, pois se o tivesse feito, os aqui Recorrentes nunca teriam consentido no acesso ilegítimo verificado e o caso objecto dos presentes autos também nunca se teria verificado.
69. Verifica-se, isso sim, mais uma vez, o completo incumprimento contratual do aqui Réu, pelo que, deve o Réu ser responsabilizado por todos os danos causados aos A.A.
70. Fez, assim, o Meritíssimo Juiz a quo errada interpretação e aplicação do artigo 4.º das condições gerais de utilização do serviço eletrónico de pagamento “MBWAY” e do artigo 798.º do Código Civil.
71. A terminar, os recorrentes tinham limitado a utilização do seu cartão através do serviço “MB WAY” ao montante diário de 1.000,00€ (mil euros) o que no seu entendimento alcançava todos os meios de pagamento e de utilização da aplicação MBWAY. Acresce que, o A. marido declarou que o limite de transferência de montantes depositados do seu cartão de débito associado ao sistema MBWay era no seu entender de 2.500,00€. Não se provou que tal limite tenha sido foi alterado pelos AA, nem tão pouco consentiram na sua alteração,
72. Sendo que o saque do qual os A.A. foram alvo, ultrapassou em muito o referido montante – mais concretamente, ultrapassou em pelo menos 9.400,00€ (nove mil e quatrocentos euros),
73. Pelo que, ao realizar as referidas operações, o Réu agiu sem qualquer autorização dos A.A. à revelia dos seus interesses, em contravenção com todo o contratado, Em violação aberta, clara e plena do princípio da confiança entre cliente / consumidor e entidade bancária, Em violação aberta, clara e plena do dever de guarda e cuidado dos montantes depositados, atentando contra “o respeito consciencioso dos interesses que lhe estão confiados” (art 74º RGICSF) e em violação aberta, ostensiva, clara e plena do princípio da boa-fé que deve fundar os contratos,
74. Fazendo, assim, tábua rasa de todas as declarações de vontade dos recorrentes, o Réu violou, assim, o disposto no artigo 227º, 796º, 1142º e 1144º do Código Civil e ainda dos artigos 73º a 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras,
75. E, ao não dar como provado tais limites, também a sentença em crise e o Meritíssimo Juiz a quo fizeram errada interpretação e aplicação dos artigos 227º, 796º, 798.º, 1142º e 1144º do Código Civil e ainda dos artigos 73º a 75º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras.
Nestes termos e nos melhores de direito cujo douto suprimento de V. Exªs. Senhores Desembargadores se pede, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência ser proferido douto acórdão que declare a nulidade da douta sentença, ou caso tal não se entenda, altere a decisão proferida quanto à matéria de facto provada e não provada e também de direito, dos pontos indicados nas presentes alegações e julgue procedente por provada a presente acção, assim se fazendo, como sempre, Inteira e Sã JUSTIÇA!
*
O recorrido apresentou resposta ao recurso, concluindo pela confirmação da decisão em crise.
O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Cumpre apreciá-lo.

2- FUNDAMENTAÇÃO

As questões a resolver, que se extraem das conclusões do recurso e em função das quais a apelante pretende a alteração da decisão recorrida, consistem:
- Alteração da matéria dada por provada sob os nºs 27; 46; 47; 52 e 57.
- Qualificação da matéria descrita sob os itens 48 e 54 como não provada;
- Qualificação da matéria descrita sob os itens 58, 59; 60; 61; 62 e 63 como provada.
- Adição da seguinte matéria ao rol de factos provados:
• Os AA fixaram como limite máximo diário de transferências o montante de 1.000,00€ (mil euros) na plataforma MBWAY no seu terminal próprio;
• Na rede Multibanco/ATM o limite máximo diário de movimentos, através da plataforma MBWAY, era de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros);
• O sistema MBWAY é um sistema de pagamento e não de transferência, pelo que a convicção do A. era que o limite alcançava todas as funcionalidades do sistema MBWAY – fossem elas no terminal próprio ou no terminal Multibanco/ATM;
• O serviço MBWAY, em novembro de 2019, era deficiente, apresentado falhas de segurança graves que permitiram que diversas burlas ocorressem;
• Foram posteriormente a novembro de 2019 criados mecanismos de segurança para atenuar os casos de burla com recurso ao serviço MBWAY.
- Responsabilidade do réu pelas perdas dos autores, por falha, mau funcionamento e risco de segurança do sistema;
- Responsabilidade do réu pelas perdas dos autores, por não se poder qualificar a actuação do autor marido como negligência grave;
- Responsabilidade do réu pelas perdas dos autores por incumprimento da obrigação de confirmação quanto à alteração do número de telefone associado ao serviço MB WAY.
- Responsabilidade do réu pelas perdas dos autores por inobservância do limite de transferência de montantes da conta a que respeitava o cartão de débito que estava associado ao MB WAY, que o autor entendia ser de 2.500,00€.
*
A solução das questões que acabam de se elencar exige que se tenha presente a decisão proferida sobre a matéria de facto controvertida, na sentença recorrida, que é a seguinte (mantendo-se a numeração usada na sentença recorrida que, como opção gráfica, apresenta numeração por parágrafos, sem distinção das diferentes fases em que a mesma se desenvolve):
“14. Os A.A. são casados no regime da comunhão de adquiridos.
15. E são titulares da conta bancária número ... junto do Banco 1..., S.A., aqui R., domiciliada no Balcão ...
16. Os AA registaram o número de telemóvel ... no serviço MBWAY onde estava associado o cartão de débito número ... da conta acima referida
17. O A. marido colocara à venda na plataforma eletrónica de anúncios “X...” um veículo automóvel, marca Toyota, modelo ..., matrícula PQ-..-.., pelo valor de 1.400,00€ (mil e quatrocentos euros),
18. No dia 11 de Novembro de 2019, pelas 12 horas e 30 minutos,
19. O A. marido foi contactado por via telefónica pelo número ....
20. Contacto que desconhecia.
21. Dizendo que estava interessado nesse modelo de automóveis mas não se podia deslocar nesse dia à residência do A. para inspecionar a viatura,
22. Por isso, pretendia realizar o pagamento de um sinal, no montante de 100,00€ (cem euros),
23. E solicitou ao A. que se dirigisse a uma “Caixa Multibanco”, para que o montante do sinal fosse imediatamente depositado na conta bancária dos A.A.
24. O A. marido anuiu, deslocou-se a uma caixa de multibanco.
25. E, ali chegado, ainda ao telefone com o referido sujeito,
26. Introduziu o seu cartão bancário, colocou o seu código PIN pessoal .
27. Foi-lhe indicado pelo seu interlocutor para escolher a opção MBWAY e depois escolher a subopção “Actualizar Número”, existente à data em tal meio electrónico. (redacção determinada infra, em substituição da anterior “Foi-lhe indicado pelo seu interlocutor para escolher a opção MBWAY e depois escolher uma subopção existente à data em tal meio electrónico,”)
28. Assegurando ao Autor que, dessa forma, passados cerca de 30 minutos, o montante de 100,00€ (cem euros) seria creditado na sua conta,
29. O autor seguiu as instruções desse contacto, acreditando que com aquele acto apenas estaria apenas a receber o dinheiro na sua conta bancária.
30. Pelas 14 horas e 40 minutos, o A. marido foi consultar o seu extrato bancário, para confirmar o crédito em conta da referida quantia,
31. Verificou então o registo de movimentações a débito que desconhecia e que não haviam sido solicitadas ou consentidas pelos AA.
32. No descritivo do seu extrato bancário, aparecia, com data de 11/11/19, uma transferência no montante de 10.000,00€ (dez mil euros) e, ainda, dois levantamentos no montante de 200,00€ (duzentos euros) cada um,
33. Sendo que ambos os levantamentos do montante de 200,00€ (duzentos euros), no montante global de 400,00€ (quatrocentos euros), foram realizados no terminal do Posto de Turismo da freguesia ... no concelho do Cartaxo,
34. E a transferência do montante de 10.000,00€ foi realizada no terminal da Junta de Freguesia ..., concelho do Cartaxo,
35. Pelo que, de imediato, o A. se dirigiu ao balcão do Réu onde a sua conta se encontra domiciliada.
36. Solicitando, num primeiro momento, a anulação e/ou o reembolso dos referidos movimentos (transferência e levantamentos)
37. O A. participou os factos descritos ao Senhor Agente GG, Polícia de Segurança Pública, na Esquadra da Maia, como melhor resulta do teor da participação que se junta cujo teor aqui se dá por integrado e reproduzido. (doc. n.º 2)
38. Correndo presentemente o respetivo inquérito crime sob o número de processo 871/19.7PAMAI, no Departamento de Acção e Investigação Penal da Maia,
39. E, no dia seguinte, ou seja, 12 de novembro, apresentou a Reclamação junta à p.i. como doc. n.º .
40. Até à presente data, o Réu não foi restituiu aos A.A. qualquer montante,
41. Face à posição assumida pelos funcionários do balcão do Réu, os aqui A.A. enviaram uma carta à administração do Réu, tudo como melhor resulta da cópia que se junta.
42. Tendo recebido como resposta do Réu, a não assunção de qualquer responsabilidade pelo supra sucedido, como melhor resulta da cópia junta à p.i. como doc. n.º 5) e que se transcreve, em parte, para melhor análise:
43. “Assim, informamos que, nos termos das condições de adesão ao MB Way, ponto 7, “a) O utilizador obriga-se a manter a confidencialidade dos códigos de autenticação das transacções MB WAY que lhe sejam fornecidos para confirmar os pagamentos, bem com, assegurar que o número de telemóvel e o endereço de correio electrónico associados ao Serviço MB WAY, bem como o dispositivo móvel e a APP MB WAY nele instalada são utilizados apenas por si ou por pessoas por si autorizadas».
44. Na sequência da V/ reclamação de 3 transacções (2x 200,00€ e 10.000,00€) realizadas via MB WAY verificamos que foram realizadas na sequencia da adesão ao MB WAY efetuada em Caixa Automático Multibanco no dia 11/11/2019 às 13:41 horas, com o cartão de débito n.º ... a introdução do respectivo PIN. Neste processo, foi introduzido o número de telemóvel que V. Exa. escolheu para se identificar no MB WAY”
45. Perante os factos supra descritos os A.A. sofreram arrelias sentiram ansiedade e mal-estar.
46. Das condições gerais de utilização do serviço electrónico de pagamento “MBWAY” disponibilizado pelo Réu resulta o seguinte:
4) Alteração de número de telemóvel e de endereço de correio electrónico
a) O Utilizador poderá alterar o número de telemóvel associado ao Serviço MB WAY, bastando para tanto recorrer a um dos canais disponíveis pelo Banco para adesão e gestão do Serviço MB WAY ou a um CAIXA AUTOMÁTICO MULTIBANCO.
b) O Utilizador poderá alterar o endereço de correio electrónico fornecido no âmbito da utilização da App MB WAY, através da App MB WAY ou através de um dos canais disponíveis pelo Banco para adesão e gestão do Serviço MB WAY.
c) O Banco, por si ou por terceiro em seu nome e por sua conta, solicitará ao Utilizador a confirmação do novo número de telemóvel ou do novo endereço de correio electrónico fornecidos, só então sendo os mesmos introduzidos no sistema em substituição dos anteriores.
Da contestação
47. O A. marido no dia 11/11/2019, deslocou-se a uma “Caixa Multibanco”, concretamente ao terminal sito no Lugar ... – ..., e, aí, pelas 13:41:11, introduzindo o seu cartão bancário com o n.º ... e digitando o seu código PIN, selecionou a opção adesão ao serviço MB WAY e associou, a esse serviço, como o “telemóvel ordenante” o contacto telemóvel com o n.º ....
48. A validação do contacto telefónico foi feita nesse momento, com a utilização do cartão e a inserção do código PIN, código esse pessoal e intransmissível.
49. Os movimentos bancários que se vieram a reflectir no saldo bancário da sua conta de depósitos à ordem foram realizados pelo novo telemóvel associado ao MBWay, o ....
50. Depois de se aperceber destes movimentos, o autor contactou uma linha de apoio telefónico do réu que cancelou o cartão em causa e encaminhou o autor para o balcão ....
51. No próprio dia 11 de novembro de 2019, o A. marido deslocou-se ao seu Balcão - balcão do Banco 1..., S.A. ..., onde está domiciliada a sua conta bancária, com o intuito de tentar reverter a situação.
52. Foi recebido, no referido Balcão, por volta das 15:30h, ou seja, mesmo já depois da hora de fecho do Balcão.
53. Os Funcionários Bancários que o atenderam enviaram uma mensagem electrónica para o departamento de transferências com o pedido de anulação da transferência bancária de 10.000,00€ - cf. anexo à mensagem de correio electrónico entrado a 17/2/2022
54. Mas, como então foi transmitido ao Cliente, aqui A. marido, uma vez que não se tratou de uma transferência bancária, mas sim de um movimento via MB WAY, associado a um cartão do mesmo, efetuado em ATM (Caixa de Multibanco), não foi possível qualquer intervenção direta do Banco R., nem tampouco através da SIBS, para ser feita a devolução.
55. O autor no dia 12/11/2019, deslocou-se novamente ao Balcão e apresentou uma reclamação de transação MB – cf. doc. junto à p.i. como documento n.º 3 à p.i..
56. Reclamação esse que foi objecto de análise e posterior resposta
57. Estão publicitadas em https://www.mbway.pt, as recomendações de segurança para utilização do serviço MB WAY, quais sejam: – Nunca adicione um número de telemóvel que não seja o seu ou que desconhece;”
*
Factos não provados
58. Para o serviço de MBway estava fixado como limite máximo diário de transferência o montante de 1.000,00€ (mil euros).
59. O autor depois de escolher a opção MBWAY e a subopção seguinte marcou o dígito 5, por cinco vezes, em duas repetições
60. O A. em momento algum enviou ou proferiu verbalmente qualquer código pessoal, alterou qualquer contacto ou permitiu o uso da referida conta bancária ao Interlocutor.
61. Os funcionários do Réu informaram o A. que só com ordem do tribunal poderiam anular ou reembolsar os levantamentos e a transferência.
62. Não foi solicitado, até à presente data, a confirmação de qualquer outro número de telefone associado ao serviço “MB WAY”.
63. Os A.A. passaram noites sem dormir e sentiram medos.”
*
A pretensão recursiva dos autores começa por se fundar na alteração da factualidade provada. Como é sabido, isso exige a observância de um regime processual específico, descrito no art. 640º do CPC.
No caso, não oferece dúvidas o cumprimento de um tal regime, pelos recorrentes, quer quanto à especificação da matéria a sindicar, quer quanto ao sentido das alterações pretendidas, quer quanto à concretização dos meios de prova cuja reponderação o justifica. Por isso, sem necessidade de outras considerações, cumpre apreciar esse segmento do recurso.
Pretendem, assim, que se altere a redacção do item 27º dos factos provados, de forma a que, onde consta “Foi-lhe indicado pelo seu interlocutor para escolher a opção MBWAY e depois escolher uma subopção existente à data em tal meio electrónico.” Passe a constar “27. Foi-lhe indicado pelo seu interlocutor para escolher a opção MBWAY e depois escolher a subopção alterar número, existente à data em tal meio electrónico”.
A alteração pretendida reside, então, na identificação da subopção a escolher. E, alegam os apelantes, que o próprio tribunal, quer no item 47 dos factos provados, quer na sua fundamentação, admite que foi essa a subopção seleccionada, pelo que constitui uma contradição a circunstância de o item 27 não o referir.
Verifica-se, com efeito, que no facto 47 se descreve que o autor alterou o número de telefone associado ao serviço MBWAY. Mais se verifica que, na fundamentação da sua decisão, o tribunal afirma estar convencido de que, por indicação do seu interlocutor, o autor escolheu a opção “Actualizar número”. A exactidão dessa identificação surge ainda sustentada na fotografia de fls. 189, que retrata o monitor onde essa subopção do menu da função MBWAY aparece.
Conclui-se, assim, que o teor do item 27 dos factos provados, por razões de completude e rigor, pode compreender a informação em questão. Isso não porque se identifique uma contradição com outros segmentos da decisão, mas apenas de forma a ficar mais completa a matéria ali ilustrada, cuja realidade é incontroversa.
Alterar-se-á, em conformidade, a redacção do item 27 dos factos provados, o que se fará de imediato, no local próprio, com referência a esta decisão e com a especificação de que a expressão certa que identifica a operação em causa é a de “Actualizar Número”.
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De seguida, os AA. pretendem que se altere o item 46, dos factos provados, onde se mostra enunciado o teor das condições gerais de utilização do serviço “MBWAY” relativas à operação de alteração de número de telemóvel e de endereço de correio electrónico, sustentando que ali conste que as mesmas apenas lhe foram disponibilizadas em 17 de Dezembro de 2019.
Acontece, porém – e tal como alega o recorrido, na sua resposta ao recurso – que foram os próprios autores a invocar o teor das condições gerais de utilização do serviço MBWAY, sem que jamais tenham alegado o seu desconhecimento até 17/12/2019, ao que acresce que de forma alguma sustentam o seu pedido em qualquer desconhecimento sobre tais condições de utilização ou sobre a violação de qualquer dever do réu em relação à informação sobre essas mesmas condições. Daí que tal matéria não tenha sido discutida.
Consequentemente, a inclusão dessa matéria entre os factos provados, que sempre seria inviável sem mais, designadamente sem a concretização de competente contraditório sobre o tema, sempre constituiria uma actividade inútil, por inconsequente quanto à definição do direito dos autores.
Improcederá, por isso, esta pretensão dos apelantes.
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Quanto ao item 47, onde vem provado “O A. marido no dia 11/11/2019, deslocou-se a uma “Caixa Multibanco”, (…) e digitando o seu código PIN, selecionou a opção adesão ao serviço MB WAY e associou, a esse serviço, como o “telemóvel ordenante” o contacto telemóvel com o n.º ..., defendem os AA. que se deverá enunciar que: “O A. marido no dia 11/11/2019, deslocou-se a uma “Caixa Multibanco”, (…) e digitando o seu código PIN, selecionou a opção alteração de número ao serviço MB WAY e no campo indicativo de número internacional, por duas vezes introduziu o número ....”
Tal como pretendem os apelantes e em coerência com o decidido a propósito do item 27 dos factos provados, a redacção deste item 47º sempre haverá de compreender a rectificação segundo a qual o autor marido, utilizando a caixa multibanco em questão, accionou a opção MBWAY e, sucessivamente, a subopção Actualizar Número.
Porém, a controvérsia surge porque os apelantes não querem que se dê por provado que, sob instrução do interlocutor, o autor marido “actualizou” o número de telemóvel ordenante, indicando o nº ..., mas que, nessa mesma subopção de alteração de número inscreveu num campo indicativo de número internacional, por duas vezes introduziu o número ....
Esta tese sugerida pelos apelantes funda-se exclusivamente na versão do autor marido, interveniente nos factos, e é coerente com a denúncia que vez poucas horas depois, junto da PSP, como resulta do documento de fls. 19 v. e 20. Porém, a conjugação destes meios de prova (declarações de parte e auto de denúncia), apesar de indiciar a sinceridade daquelas declarações, não é suficiente para convencer este tribunal (em concordância com o juízo do tribunal recorrido) quanto à realidade da versão declarada.
Por um lado, são os próprios apelantes que afirmam que foi utilizada a subopção “Actualizar Número”, nas circunstâncias do caso, tendo-se-lhes reconhecido razão, como supra se decretou. Não é crível, então, que, seleccionando essa opção, se abrisse uma função que permitisse a introdução de 5 algarismos, em vez dos nove algarismos próprios de um número de telefone. De resto, como está adquirido, a opção destinava-se a actualizar um número de telemóvel, devendo o novo número ser eficaz enquanto tal, pelo que a função não aceitaria um conjunto de apenas cinco algarismos. Mas se um tal conjunto de cinco algarismos jamais poderia funcionar como número de telefone sucessivo do anteriormente acreditado, DD, funcionária da SIBS, com um depoimento isento, esclarecido e esclarecedor explicou que, sendo necessário confirmar a operação com um PIN, o sistema jamais aceitaria como código PIN uma repetição de algarismos como a referida pelos apelantes (...), pois que não aceita, por definição, repetição simples de algarismos (min 31’55’’ do seu depoimento). CC, funcionário do banco réu, de forma igualmente isenta, explicou como a operação terá decorrido, demonstrando o procedimento através do qual o número de telefone ... haverá de ter sido associado, como telefone acreditado junto da aplicação MBWAY, à conta bancária do autor.
Acresce que estes depoimentos surgem credibilizados pelas imagens representativas dos work flows do sistema MBWAY, quer quando operados directamente numa caixa multibanco, quer quando operados através da aplicação de telemóvel (app) MBWAY, constantes de fls. 219 a 222.
Para além disso, ainda, a operação em causa surge demonstrada no registo do rol de operações realizadas com o cartão bancário do autor, com o número .... Assim, nas circunstâncias dos factos em discussão, tal como se verifica do doc. de fls. 44 e 44 v., às 13h41m11s, sob a referência de operação nº ..., foi efectivada uma “Alteração do código de autenticação do serviço da PMS” através da qual foi indicado ao sistema o nº de telefone ..., sendo que esta operação foi autenticada por via da utilização da banda magnética daquele cartão e do PINB que lhe está associado. Ou seja, e tal como o autor referiu, através da sua actuação na caixa Multibanco.
Nesta sequência de acções, tal como explicaram as referidas testemunhas, não só não há qualquer registo, como nem teria qualquer sentido a concretização das duas operações referidas pelo autor, de introdução sucessiva de duas sequências de cinco algarismos “5”.
Pelo contrário, o que ocorreu foi uma consulta de saldos, duas operações de levantamento e uma de transferência de 10.000,00€, todas operadas em momento sucessivo ao da alteração do número de telemóvel ordenante e a partir de um telemóvel então autenticado junto do sistema MBWAY (como resulta da expressão “Autenticação: Sem Leitura Banda Magnética - Telemóvel”, a fls. 44 v. e 45), o qual volta a ser exibido na tentativa seguinte e que já resultou frustrada, de uma nova operação tendo por objecto 750,00€.
Não se justifica, por tudo isto, a alteração defendia pelos apelantes, quanto ao teor do item 47 dos factos provados, resultando, bem pelo contrário, devidamente sustentada a decisão do tribunal recorrido a este propósito.
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Alegam depois os apelantes que o teor do item 52 dos factos provados deve ser alterado, por não se poder dar por provado que autor marido foi recebido no balcão do réu por volta das 15,30h., antes se devendo dar por provado que isso ocorreu entre as 14,30h. e as 15 h.
Em primeiro lugar, são os próprios autores que referem, na p.i., que o autor marido só se apercebeu das movimentações irregulares da sua conta pelas 14h.40. Depois, EE descreveu como o autor se lhe dirigiu pelo telefone, por indicação de um outro colega do banco, conhecido das relações pessoais do autor, como se dirigiu depois ao balcão e como voltou ao balcão no dia seguinte, referindo, a min. 23’10’’ do seu depoimento, que o recebeu por volta das 15h., depois da hora de fecho do balcão, tendo-o aconselhado a fazer a queixa na PSP, queixa esta concretizada pelas 16h08 do dia 11/11/2019.
Destes dados, parece plausível o atendimento ao autor na hora indicada na decisão recorrida. E nada justifica dar-se por provada uma antecipação desse momento. Em qualquer caso, certo é que a diferença apontada resulta indiferente para a decisão a proferir, pelo que a alteração do facto no sentido da pretensão dos apelantes sempre redundaria numa actividade inútil, que o tribunal não deve desenvolver.
Por conseguinte, improcederá também neste segmento a pretensão recursiva.
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Entendem também os autores que não devem dar-se como provados os termos em que se encontra enunciado o facto indicado no item 57 (“Estão publicitadas em https://www.mbway.pt, as recomendações de segurança para utilização do serviço MB WAY, quais sejam: – Nunca adicione um número de telemóvel que não seja o seu ou que desconhece;”), pois se é certo que essa publicitação existia à data do julgamento, nada demonstrou que a mesma já existisse à data dos factos. Por conseguinte, impõe-se esclarecer que essa publicitação ocorre “na presente data”.
No entanto, a frase em causa, retratada numa das imagens de fls. 219 v. (frase a vermelho, na imagem junta com o email de 9/3/2022) já existia em 2019, segundo o declarado por DD, a min. 49’47’’ do seu depoimento. DD, funcionário da SIBS, explicou – de forma clara, sincera e convincente – o procedimento de alteração do número de telefone existente no serviço MBWAY, não hesitando em afirmar o seu desconhecimento em relação a versões anteriores da aplicação, quando isso acontecia, mas tornando perceptível o sistema, designadamente no tocante à função de alteração do número de telefone associado ao serviço e ao cartão multibanco do utilizador, tudo melhor se compreendendo quando se conjuga tal depoimento com a descrição dos work flows (fluxos) retratados a fls. 218 a 222.
Não se justifica, pois, a adição à matéria provada da restrição temporal proposta pelos apelantes.
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Pretendem também os apelantes que se exclua da matéria provada a constante dos itens 48 e 54.
Sob o nº 48, o tribunal deu por provado, na sequência do teor do item 47º, que foi em resultado dos actos do autor marido, usando o seu cartão Multibanco , digitando o respectivo código PIN e alterando o número de telefone associado que “A validação do contacto telefónico foi feita nesse momento, com a utilização do cartão e a inserção do código PIN, código esse pessoal e intransmissível.”
A rejeição da versão do autor, designadamente quanto a ter inscrito apenas os algarismos ..., a par da aceitação da matéria descrita no item 47, com os fundamentos expostos supra, leva a que igualmente se tenha de concluir, com os mesmos fundamentos, que foi nessa altura que ficou autorizado o nº ... a funcionar como telefone ordenante. Essa operação de alteração mostra-se registada no mapa de operações, pelas 13:41:11 h. ( a fls. 43 v.) tendo sido minutos depois (13:47:05h. e 13:47:53h.) que foram feitos dois levantamentos sucessivos, de 200,00€ cada, com a utilização de telemóvel, bem como a transferência de 10.000,00€, esta às 13:56:33h., também ordenada por t4elemóvel, isto é, através do serviço MBWAY. Tudo isto se mostra espelhado no mapa de operações, a fls. 44v. e 45 dos autos.
Só pode, por isso, manter-se o juízo positivo sobre a matéria do item 48, em concordância com a sentença recorrida.
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Também a comprovação da matéria constante do item 54 merece a discordância dos autores, que a rejeitam, afirmando inexistir prova de que tenha sido comunicada ao autor, quando se apresentou ao balcão do banco réu, a impossibilidade de reversão da transferência dos 10.000,00€, por se tratar de um movimento via MBWAY efectuado em ATM (Caixa de Multibanco), sem hipóteses de intervenção do Banco ou da SIBS.
Alegam os AA. que isso não resulta do depoimento de EE, o que é contestado pelo apelado, que afirma que isso resulta desse mesmo depoimento.
EE, já referido supra, descreveu – de forma serena, isenta e convincente - como o autor marido contactou um outro colega bancário, do seu conhecimento pessoal, e como este lhe telefonou para que recebesse o autor. Descreveu o contacto que manteve com o autor, primeiro pelo telefone e depois pessoalmente, no balcão. No primeiro contacto, disse-lhe que viesse apresentar a reclamação ao balcão; já pessoalmente, e depois de o autor ter sido recebido por um outro colega a quem a questão foi informada, disse-lhe para apresentar queixa na PSP. Sobre a transferência, referiu que de imediato tentaram a sua reversão, junto da “área de transferências” do banco. Porém, responderam-lhe no final do dia que a natureza dessa transferência era impeditiva da sua reversão. A explicação que lhe deram é que a transferência por MBWAY, sendo ordenada pelo próprio cliente, não era susceptível de ser revertida. Segundo lhe disseram, uma transferência via MBWAY é imediata e é impossível, tecnicamente, de ser revertida. Esclareceu que atendeu o autor, ao balcão, por volta das 15h., mas que essa informação, proveniente da “área de transferências” do banco lhe chegou ao final do dia. Assim, no primeiro atendimento pessoal, por volta das 15h., disse ao autor que achava que a reversão de transferências por MBWAY não era “nada fácil”. Mas tentaram-no. A confirmação da impossibilidade chegou ao final do dia.
Este depoimento é coerente (embora sem total coincidência horária) com o teor dos emails reproduzidos a fls. 203 v., de EE para a área de transferências e investigações, pelas 15:37h., solicitando a anulação da transferência de 10.000,00€; e a fls. 204 v., este constituído pela resposta do departamento de transferências, às 15:57h. do mesmo dia 11/11, referindo a diferença entre o tratamento das transferências ATM, impossíveis de reverter, e as transferências SEPA, com um sistema de compensação diferente.
Em razão do exposto, não pode deixar de ter-se por provada a matéria do item 54.
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Pretendem os autores, de seguida, que se dê por provado (item 58) que estava fixado como limite máximo diário de transferência, para o serviço de MBWAY, o montante de 1.000,00€ (mil euros).
Em coerência com isso, pretendem que se dê por provado que: • Os AA fixaram como limite máximo diário de transferências o montante de 1.000,00€ (mil euros) na plataforma MBWAY no seu terminal próprio; • Na rede Multibanco/ATM o limite máximo diário de movimentos, através da plataforma MBWAY, era de 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros); • O sistema MBWAY é um sistema de pagamento e não de transferência, pelo que a convicção do A. era que o limite alcançava todas as funcionalidades do sistema MBWAY – fossem elas no terminal próprio ou no terminal Multibanco/ATM.
Invocam, para o efeito, o documento junto em 17/2/2022, que constitui uma impressão relativa ao limite de compras a pagar com o sistema MBWAY associado ao mesmo cartão Multibanco.
Aí se estabelece como limite o valor de 1.000,00€ por dia. Mas também ali se enuncia que esse limite se aplica a “Pagamentos em sites, Apps e quiosques. Nada ali se verifica de que decorra o limite alegado para operações de transferências de dinheiro. Isso mesmo resulta ainda do depoimento de CC, funcionário do réu, designadamente da área de “cartões”.
Sobre a mesma matéria, nenhuma utilidade têm as declarações de parte do autor. Emotivas, obviamente interessadas e de forma alguma isentas, não se revelam fiáveis para sustentar a convicção do tribunal. Acresce que, sobre esta questão, até se limita a referir uma convicção pessoal de que haveria um limite legal de 2.500,00€ para este tipo de operações.
CC descreveu como existem e funcionam limites para compras, estabelecidos por cada utilizador nas definições do sistema MBWAY, mas que isso não funciona assim para transferências, as quais, por natureza, ascendem a valores mais altos que as compras.
Assim, cumpre concluir que não foi feita qualquer prova de que exista, nas definições do sistema, ou por opção estabelecida pelos próprios autores, o limite invocado para operações de transferência de dinheiro através da plataforma MBWAY, ou que se lhe apliquem as regras próprias do sistema Multibanco.
Por outro lado, a decisão negativa sobre a factualidade enunciada no item 58 revela que o tribunal avaliou a questão e decidiu sobre ela, rejeitando a admissão dessa matéria e da que com ela é conexa, designadamente por falta de relevância autónoma, como acontece com a alegada convicção do autor quanto à existência de um limite abrangente de todas as funcionalidades do sistema MBWAY. Não se identifica, por isso, a nulidade invocada e constituída por omissão de pronúncia.
Rejeitam-se, por isso, as razões dos apelantes a este propósito, nada cumprindo alterar na decisão recorrida.
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Mais pretendem os autores que se dê por provada a matéria ajuizada negativamente sob os itens 59, 60, 61 e 62.
A matéria dos itens 59 e 60 traduz, em suma, a versão do autor marido, sobre não ter sido ele a alterar o número de telefone ordenante, por se ter limitado a escrever uma sequência de 5 algarismos “5”. A este propósito, os apelantes já haviam impugnado a decisão relativa à factualidade descrita nos itens 47º e 48º. A decisão proferida supra a esse respeito implica lógica e necessariamente que se não possa dar por provada esta factualidade descritas nos itens 59, 60 e 62. Mantém-se, pois, a esse respeito, a decisão antes proferida sobre este mesmo conjunto de factos, o que impõe, em concordância com o tribunal a quo, a qualificação como não provados dos factos enunciados nos itens em questão.
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Já quanto à matéria do item 61 (“61. Os funcionários do Réu informaram o A. que só com ordem do tribunal poderiam anular ou reembolsar os levantamentos e a transferência.”), o que se verifica é que a mesma é absolutamente indiferente para decisão a proferir. Já acima se referiram as razões da impossibilidade de reversão da transferência de 10.000,00€, que não foram as da necessidade de uma ordem de um tribunal; antes decorriam da natureza da operação, tal como explicou EE. A transferência via MBWAY era instantânea e não sujeita a compensação ulterior. Nessa dimensão, o teor do item 61 não poderia ser dado por provado.
Na vertente do que possa ter sido declarado ao autor marido, por funcionários do réu, a matéria sempre seria irrelevante para a decisão do litigio, não sendo essa a parte útil da matéria enunciada.
Pelo exposto, também quanto ao juízo negativo respeitante á matéria do item 61, nada cumpre alterar.
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No respeitante à matéria do item 62 (Não foi solicitado, até à presente data, a confirmação de qualquer outro número de telefone associado ao serviço “MB WAY”), defendem os apelantes dever ela ser dada por provada, por não ter sido produzida prova em contrário. Alegam, em suma, que a operação de alteração do número do telefone associado ao MB WAY, tal como empreendida pelo autor marido, deveria ter originado uma mensagem para o número antigo, dando notícia da substituição, o que não aconteceu.
Sobre a matéria, CC afirmou que sim, que esse procedimento estava previsto. Mas esse procedimento compete à SIBS, como resulta do resto do seu depoimento, sendo evidente a falta de segurança com que proferiu tal anuência. DD, funcionária da SIBS, foi igualmente titubeante, não sabendo se seria emitida uma mensagem, se uma notificação para a própria aplicação. Acresce que nem sequer houve a produção de outro meio de prova sobre a ocorrência ou não ocorrência de uma qualquer comunicação ou notificação a esse respeito. E essa matéria não era conhecida com um mínimo de segurança por qualquer das testemunhas.
Por outro lado, a tal circunstância não se aplica a distribuição do ónus da prova resultante do art. 113º do D.L. 91/2018, regra esta que se dirige, isso sim, à prova da autenticação das operações de pagamento, do seu registo e contabilização e à ausência de avarias técnicas ou deficiências do serviço de pagamento.
Em qualquer caso, não se mostra estabelecido sequer na alegação do autor, que a forma de confirmação prevista nas condições de utilização do sistema MBWAY, como descrito no item 46 dos factos provados, fosse implementada através de um contacto ou notificação para o número ou endereço de correio electrónico anterior, isto é, para o número ou endereço substituídos. As referidas testemunhas mencionaram a existência desse procedimento, mas em termos imprecisos e que não se podem ter por certos. Mas de elemento algum se retira com segurança que esse fosse o procedimento de confirmação. Não pode deixar de admitir-se, por mera hipótese, que a confirmação em causa fosse consubstanciada, por exemplo, pela acção de confirmação da vontade de substituição do número por via da introdução repetida do PIN da aplicação, previamente criado pelo utilizador.
Por isso, só pode acompanhar-se o tribunal recorrido quanto à sua decisão de julgar negativamente um tal facto.
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Defendem ainda os apelantes que deve ser dada por provada a matéria do item 63 (“Os A.A. passaram noites sem dormir e sentiram medos”), por isso ser inerente à comprovação da matéria descrita no item 45 (“Perante os factos supra descritos os A.A. sofreram arrelias sentiram ansiedade e mal-estar”), sob pena de contradição intrínseca da decisão.
Não têm porém razão. Arrelias, ansiedade e mal-estar são estados emocionais diferentes do medo, ou da situação de carência de sono. Assim, e porquanto nenhum outro fundamento vem invocado, não cabe dar por provado que os autores sentiram medo e ficaram privados de sono, como consequência necessária das arrelias, ansiedade e mal-estar que lhes advieram das circunstâncias do caso.
Por isso, também nesta parte nada cumpre alterar na decisão recorrida.
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Por fim, resta apreciar a pretensão dos apelantes de que se adicione à factualidade provada que “O serviço MBWAY, em novembro de 2019, era deficiente, apresentado falhas de segurança graves que permitiram que diversas burlas ocorressem” e que “Foram posteriormente a novembro de 2019 criados mecanismos de segurança para atenuar os casos de burla com recurso ao serviço MBWAY.”
A matéria assim enunciada é suficientemente genérica e conclusiva para que seja impertinente a sua inclusão entre os factos provados.
Sem prejuízo, para além disso, por definição, qualquer sistema é apto a sofrer melhorias. Um sistema tecnológico como o que a factualidade provada revela (ainda que superficialmente) ser o MBWAY inclui-se necessariamente nessa categoria. De resto, o documento junto pela SIBS em 24/2/2022, constante a fls. 208, traduz bem que entre Abril de 2020 e Março de 2021 – período a que respeita o documento - foram sendo introduzidas sucessivas medidas de “controlo e mitigação” para conter e responder à “constante mutação de modus operandi de fraude e burla com recurso a MB WAY”.
Atentas as descrições dessas medidas, não se verifica, sem mais, que qualquer delas se reporte à superação de qualquer anomalia ou défice de segurança inerente à operação que motivou as perdas dos autores, isto é, à concreta operação de substituição do número de telefone associado ao sistema.
A prevenção de um acto como o praticado pelo autor marido mostra-se acautelada por procedimentos de segurança tais como a necessidade de utilizar o próprio cartão multibanco, o PIN respectivo, a introdução de um novo número de telefone, a ocorrer num ecrã onde permanece um aviso a vermelho para que não seja introduzido um número de telefone alheio ou desconhecido, acrescido da exigência da introdução, por duas vezes, do código que fora criado pelo utilizador para o uso da própria aplicação MBWAY. Foi o que explicou DD e se mostra perceptível pela análise do work flow (fluxo) dessa operação a fls. 218 e ss.
No caso, foi o próprio autor que, satisfazendo esses procedimentos de segurança, os superou e facultou o acesso, via MB WAY, aos seus fundos financeiros, por autorização desse acesso a outro número de telemóvel.
Para além disso, a sucessiva adição de medidas de protecção para os utilizadores pode constituir uma resposta a recorrentes situações de má utilização do sistema, que não a uma falha deste, bem como a resposta a sucessivamente novos métodos encontrados por agentes que conseguem induzir aos utilizadores comportamentos indevidos, em seu próprio prejuízo.
Porém, no caso, certo é que nada ficou demonstrado ou foi sequer indiciado em termos que permitam vir a inferir a existência das invocadas falhas do sistema, pois que o resultado produzido foi aquele que o próprio sistema oferecia para a actuação empreendida pelo autor e que este tratou de implementar: a substituição do seu número de telefone, que estava autenticado para operar o acesso à sua conta bancária através dessa aplicação, pelo de outrem, que assim ficou ele próprio habilitado a tal acesso.
Com atenção a essa operação – já que apesar de ser outra a versão dos autores, não lograram convencer o tribunal de 1ª instância, nem este tribunal de recurso, da sua realidade – a matéria controvertida e discutida não revelou ou deu azo a que se apurasse qualquer característica ou qualquer mau funcionamento do sistema que, ainda que por ulterior acção de qualificação técnica ou jurídica, pudesse qualificar-se como “falha de segurança grave”, como “deficiência” , ou como causa facilitadora de “que diversas burlas ocorressem.”
Pelo contrário, o que ficou demonstrado é que a actuação do autor, contrária às indicações e avisos do próprio sistema, permitiu que outrem se apoderasse das suas credenciais, com base no que conseguiu aceder e usar a sua conta bancária. Mas de circunstância nenhuma se evidencia que isso decorra de uma falha de concepção ou de funcionamento desse mesmo sistema.
O que vem de desenvolver-se, de forma alguma fica posto em causa pelo teor do email dos serviços do banco contactados por EE na tentativa de reversão da transferência, constante a fls. 204 v. e já acima referido. Aí, além de referir a impossibilidade técnica de reversão dessa transferência, como se analisou supra, aparecem dois parágrafos de texto que interpelam os remetentes de emails por via de um canal de comunicações designado Transferências Banco 1..., que EE usara, a reservar esse canal para questões relativas a transferências Target, ficheiros de transferências e ficheiros de cobranças.
Daqui não resulta, a contrario do interpretado pelos apelantes, que os funcionários do banco, designadamente EE, violaram grosseiramente regras de boas práticas e de segurança bancária. No limite, poderia resultar é que EE usou um canal de comunicação com o serviço de transferências do banco que deveria ser reservado a outros assuntos, destinando-se essa reserva ao seu tratamento eficaz. Porém, ao usar esse canal, EE assegurou um tratamento igual ou superiormente eficaz para o problema, pois dirigindo-se a esse serviço pelas 15,37h., às 15,57 já estava a obter resposta para a questão colocada. Terá abusado desse canal, usando-o para um fim para o qual ele não estava reservado? Não se sabe, pois aqueles parágrafos parecem ser um aviso generalizado a quem a ele recorrer. Mas, se assim tiver sido, foi-o em benefício do autor, a quem interessava a anulação da operação, e não em seu prejuízo, com violação de quaisquer regras destinadas a preveni-lo.
Por outro lado, a admissão, por parte de DD ou de CC, sobre a ocorrência de número relevante de situações em que o sistema deu azo à ocorrência de situações em que seus utilizadores sofreram prejuízos em resultado de acções ilegais de outrem – situações essas por vezes divulgadas pela comunicação social - não pode interpretar-se como uma pura e simples ausência de segurança do sistema. Como ambos desenvolveram nos respectivos depoimentos, a fragilidade decorreu da própria intervenção do utilizador ao operar o sistema, não cabendo a uma solução técnica – que CC referiu hipoteticamente como uma intervenção de inteligência artificial – prevenir e impedir o funcionamento da vontade do próprio utilizador.
Pelo exposto, inexiste fundamento para, também neste segmento, considerar procedente a tese dos apelantes. Manter-se-á, pois, a decisão negativa do tribunal recorrido sobre a inclusão de tal factualidade entre a matéria provada.
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Resulta fixada, nos termos que decorrem do anteriormente exposto, a matéria de facto a considerar.
Entendem os autores que, em qualquer caso, lhes assiste o direito a serrem indemnizados, pelo réu, das perdas que inequivocamente sofreram.
É incontroversa a sujeição da situação sub judice ao regime do DL n.º 91/2018, de 12 de Novembro (REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS DE PAGAMENTO E DA MOEDA ELETRÓNICA), que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva (UE) 2015/2366 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Novembro de 2015, relativa aos serviços de pagamento no mercado interno.
Neste regime, é notória a imputação da responsabilidade pelos prejuízos resultantes para os utilizadores, por via do funcionamento de serviços electrónicos de pagamento, como é o caso do MBWAY.
Este serviço, constituído por uma aplicação informática, traduz-se num serviço interbancário de pagamentos móveis, que permite realizar ainda outras operações, tais como transferências imediatas de dinheiro ou levantamento de dinheiro, através do uso de um telemóvel, em caixas multibanco sem o uso do cartão multibanco que foi associado a essa aplicação.
Sendo inequívocas as vantagens do uso deste tipo de serviços pelos respectivos utilizadores para o sistema bancário, que com isso dispensa balcões, funcionários, horas de serviço de atendimento pessoal aos clientes, é compreensível que sejam os próprios bancos a suportar todos os riscos de mau funcionamento e até de alguma má utilização pelos clientes, nas situações em que é razoável impor ao sistema a prevenção dessas más utilizações.
Estes pressupostos encontram-se reflectidos em diversas normas, como é o caso da regra do art. 113º, que dispõe:
Artigo 113.º
Prova de autenticação e execução da operação de pagamento
1 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, ou alegue que a operação não foi corretamente efetuada, incumbe ao respetivo prestador do serviço de pagamento fornecer prova de que a operação de pagamento foi autenticada, devidamente registada e contabilizada e que não foi afetada por avaria técnica ou qualquer outra deficiência do serviço prestado pelo prestador de serviços de pagamento.
2- (…)
3 - Caso um utilizador de serviços de pagamento negue ter autorizado uma operação de pagamento executada, a utilização do instrumento de pagamento registada pelo prestador de serviços de pagamento, incluindo o prestador do serviço de iniciação do pagamento, se for caso disso, não é necessariamente suficiente, por si só, para provar que a operação de pagamento foi autorizada pelo ordenante, que este último agiu de forma fraudulenta, ou que não cumpriu, com dolo ou negligência grosseira, uma ou mais obrigações previstas no artigo 110.º
4 - Nas situações a que se refere o número anterior, o prestador de serviços de pagamento, incluindo, se for caso disso, o prestador do serviço de iniciação do pagamento, deve apresentar elementos que demonstrem a existência de fraude, de dolo ou de negligência grosseira da parte do utilizador de serviços de pagamento.”
Todavia, o legislador não deixou de temperar uma tal solução com a exclusão da responsabilidade do prestador do serviço em diversas situações, nos termos do art. 115º do mesmo D.L. 91/2018, como acontece no caso previsto no respectivo nº 4: “-Havendo negligência grosseira do ordenante, este suporta as perdas resultantes de operações de pagamento não autorizadas até ao limite do saldo disponível ou da linha de crédito associada à conta ou ao instrumento de pagamento, ainda que superiores a (euro) 50.”
No caso dos autos, ficou demonstrado o processo que facultou a realização das três operações financeiras não procedentes da vontade do autor, enquanto utilizador do serviço MBWAY, no âmbito da sua relação com o banco réu, e que foram objecto da sua imediata reclamação: as duas operações de levantamento de dinheiro, de 200,00€ cada; e a de uma transferência bancária imediata, no valor de 10.000,00€.
Assim, tais operações decorreram em circunstâncias de funcionamento correcto do sistema: os levantamentos de dinheiro e a transferência ocorridos não foram executados sem autenticação do ordenante; não houve falhas na aceitação de códigos de autenticação; não houve erro na quantificação dos montantes das operações.
O que houve foi, antes dessas operações, uma actuação do utilizador do sistema, in casu o autor marido, que, utilizando uma das suas funcionalidades, facultou a autenticação de um terceiro desconhecido, a propósito de um negócio que queria fazer com ele, permitindo que este, com o uso do seu próprio número de telemóvel acedesse aos fundos bancários dos autores e os conseguisse movimentar. E isto porque o próprio autor, através dessa funcionalidade, numa caixa multibanco, desrespeitando normas de utilização e um aviso bem visível no écrã que integrava o workflow da operação em causa, usando o seu cartão multibanco e o PIN de uso desse cartão, assim se autenticando perante o sistema, ordenou a substituição do seu número de telefone que estava associado à aplicação – o ... – pelo número de telefone que o seu interlocutor lhe indicou – o .... Por essa via, permitiu que o utilizador deste número passasse a poder usar o serviço MBWAY para aceder à sua conta bancária, o que ele fez dali extraindo os valores levantados e o valor transferido.
Em concordância com a sentença em crise, só pode entender-se que a actuação do autor marido, ora apelante, assim descrita infringiu as suas obrigações de utilizador do serviço, subsumindo-se a sua conduta ao disposto na al. a) do nº 1 do art. 110º do D.L. 91/2018, fazendo da aplicação em causa um uso indevido, em violação das respectivas condições de utilização, ao não preservar a segurança do que a norma define como “credenciais de segurança personalizadas”.
Para além disso, e ainda em concordância com o juízo sobre essa conduta constante da sentença recorrida, a actuação do autor marido só pode qualificar-se como negligência grosseira.
É conhecida e genericamente aceite a definição deste conceito para a área de interesses em que nos situamos, resultante dos acórdãos do TRL de 15.03.2016 (proc. nº 1063/12.1TVLSB.L1-1) e do TRC de 15.1.2019 (proc. nº 5600/11.0TBLRA.C1), segundo a qual não se pode “qualificar a conduta de quem fornece credenciais de segurança sujeito a uma prática fraudulenta (‘phishing’,‘pharming’,‘keylogging’) como gravemente negligente”, porquanto “essas práticas fraudulentas são levadas a cabo porque um grande número de pessoas é ludibriado através delas e não apenas as extremamente descuidadas ou incautas; e para uma conduta poder qualificada como grosseiramente negligente ela não pode ser susceptível de ser levada a cabo por um número significativo dos homens médios”.
Como se refere no Ac. do TRG de 10/7/2019 (proc. nº 2406/17.7T8BCL.G1), citando-se Ana Prata (Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, Reimpressão, págs. 306 a 308), negligência grosseira corresponderá a um “erro imperdoável, desatenção inexplicável, incúria indesculpável, vistos em confronto com o comportamento do comum das pessoas, mesmo daquelas que são pouco diligentes”.
Assim, se um grande número de pessoas, na sua condição de utilizadoras de determinado sistema, é levado a praticar determinado acto nesse sistema, do que resulta o seu próprio prejuízo, tal acto não poderá ser qualificados como negligência grosseira, pois que, então o “homem médio” – referência que terá de integrar também tal elevado número de pessoas – não surge a rejeitar esse acto por o considerar um erro indesculpável, uma decisão inexplicável, um incúria inaceitável. E isso porquanto tantos o praticam.
Acontece, porém, que entre a factualidade provada não se mostra adquirido qualquer facto que revele que um elevado número de utilizadores da aplicação MBWAY sofreu danos por terem sido levados a adoptar condutas lesivas idênticas à desenvolvida pelo autor, em seu próprio prejuízo, designadamente a autenticar um terceiro, através da acreditação do respectivo número de telemóvel, para utilizar a respectiva conta bancária. E isso seria imprescindível para se poder dar por adquirida alguma razoabilidade quanto a esse procedimento, alguma desculpabilidade para com a infracção de condições de utilização do sistema, de infracção das regas de segurança nele prescritas. Nesse caso, a aplicação poderia ter-se por insuficientemente segura em relação a uma conduta potencialmente lesiva dos seus utilizadores, não devendo essa conduta ter-se por subsumível ao conceito de negligência grosseira.
Porém, isso não se provou no caso em apreço.
Note-se que, ouvidos depoimentos de DD e de CC, não deixou de ser mencionada a circunstância de o sistema MBWAY ter facultado, desde o seu início, embora de forma decrescente, a ocorrência de diversas situações em que os seus utilizadores se viram burlados por terceiros (permita-se a expressão, aqui usada em sentido corrente, como ocorreu durante a discussão da causa, e não na sua dimensão técnico-jurídica). E mais se mencionou que o sistema foi evoluindo, com incremento de diversas soluções de segurança. Porém, de nada resultou adquirido – e daí não dever ser trazido para a causa, mesmo através do expediente processual próprio – qual fosse o volume ou representatividade de tais situações, o seu tipo, se semelhantes às ocorridas com o autor marido ou de outro género, se traduzidas em abusos de pagamento ou em desvio de fundos, etc.
Em suma, nada nos habilita a concluir que a conduta do autor marido não deva ser classificada como um desvio grosseiro ao comportamento exigível a um normal ou medianamente capaz utilizador deste sistema, designadamente por representar uma conduta frequente ou recorrente, comum a um número relevante de idênticos utilizadores, e não um desvio inaceitável em relação á conduta esperada desse modelo médio de utilizador
Assim, diversamente, só pode permanecer a conclusão de que a actuação do autor marido foi, nas concretas circunstâncias do caso, desprovida dos mais elementares cuidados de segurança e atenção, de respeito pelas regras de utilização desta aplicação informática (cfr item 43 dos factos provados e a descrição ali constante do ponto 7. Das condições de adesão ao serviço MBWAY), infringindo os princípios mais básicos de segurança relativos à utilização de meios electrónicos de pagamento e de acesso à sua conta bancária, habilitando por si mesmo, com o uso do seu cartão multibanco e do seu PIN de autenticação, que outrem, a partir do respectivo telemóvel, cujo número foi o próprio autor que introduziu no sistema, passasse a poder operar a sua conta bancária.
O sistema tinha regras de segurança, que o próprio écran da operação lhe exibia (como se provou) e que ele frontalmente ignorou.
Acresce que, mesmo considerando poder haver alguma impreparação do autor para a utilização do sistema, essa impreparação não torna tolerável a introdução de um número de telefone alheio, para actualização, o mesmo é dizer para substituição, do anteriormente usado.
E nem se pode dizer – pelo menos nada permite conclui-lo - que o sistema era desprovido de necessária segurança contra este tipo de actuações. As soluções de segurança não podem deixar de ser proporcionais à complexidade ou simplicidade do próprio sistema; não podem ser de tal ordem, ou tão redundantes, que tornem o sistema complexo e antipático para o utilizador. E o que se apurou é que só porque o autor marido infringiu as regras mais elementares de segurança do sistema é que o dano se veio a verificar.
Concluímos, assim, em concordância com o tribunal a quo, que o autor marido, nas circunstâncias do caso, actuou com negligência grosseira, para efeitos do preenchimento dos pressupostos do art. 115º, nº 4 do D.L. 91/2018.
É, por isso, incontornável a conclusão de que lhe cabe suportar as perdas verificadas, que não devem ser imputadas ao risco de operação do sistema pelo réu.
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Resta referir, em atenção às questões identificadas como integrantes do objecto do recurso, que não se adquiriu que o banco réu tivesse incumprido qualquer obrigação contratual ou dever legal ou funcional constituído pela omissão de uma acção de confirmação da alteração do número de telefone associado ao MBWA; nem, tão-pouco, constituído pelo desrespeito a um limite quantitativo estabelecido pelos autores para operações do tipo das ocorridas.
Nenhum dos pressupostos de uma tal responsabilidade se apurou.
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Resta, em conclusão e em concordância com a decisão recorrida, confirmar o seu teor, negando provimento ao presente recurso de apelação.
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Sumário:
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3 – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram esta secção do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao presente recurso de apelação, com o que confirmam a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Registe e notifique.
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Porto, 10/1/2023
Rui Moreira
João Diogo Rodrigues
Anabela Miranda