Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3255/08.9TJVNF-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: REGIME DE BENS DO CASAMENTO
REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
BEM COMUM
Nº do Documento: RP201305283255/08.9TJVNF.P1
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Quando os cônjuges eram casados no regime da comunhão de adquiridos e procederam à construção de uma casa em prédio próprio da mulher, que integrou uma casa que anteriormente aí existia, é aplicável a este bem o regime previsto no art. 1726° do Cód. Civil.
II - Verificando-se que a prestação dos bens comuns é superior à prestação dos bens próprios na contribuição para a aquisição/construção da casa deve esta ser considerada como bem comum.
III - Porém, o proprietário do prédio, ao abrigo do n" 2 do art. 1726° do Cód. Civil, deve ser compensado pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3255/08.9 TJVNF-B.P1
5º Juízo Cível – Vila Nova de Famalicão
Apelação (em separado)
Recorrente: B…
Recorrido: C…
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Pinto dos Santos

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
Nos presentes autos de inventário que foram instaurados ao abrigo do art. 1404º do Cód. do Proc. Civil por C… contra B…, com data de 25.1.2013, foi proferido o seguinte despacho:
cabeça de casal C… relacionou como bem comum o prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave, rés-do-chão e andar, com a área coberta de 160 m2 e quintal com 229 m2, situado na Rua …, nº …, da freguesia …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Vila Nova de Famalicão com o nº 177/freguesia … e inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. 1720º, com o valor patrimonial de €90.730,00.
A interessada B… pronunciou-se sobre a relação de bens apresentada e requereu a exclusão da verba supra indicada, pois a mesma foi adquirida por si, através de um empréstimo, quando era solteira; após o casamento solicitaram dois empréstimos, os quais foram concedidos, para ampliação do prédio por si adquirido.
Conclui, afirmando que o prédio adquirido é um bem próprio e a benfeitoria um bem comum do extinto casal.
Cumpre decidir.
Dispõe o art. 1726º, nº 1, do CC, que “os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das prestações.”
E no nº 2 do citado artigo diz-se que “fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por este àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão”.
Compulsados os autos verifica-se, de acordo com a avaliação efectuada, que o prédio urbano antes de os interessados casarem tinha o valor de €40.230,00, sendo que a benfeitoria implementada nesse prédio, após o casamento e por ambos os interessados, ascende a €109.050,00.
Do exposto decorre que o bem em causa é comum, pois a benfeitoria tem um valor superior ao prédio adquirido antes do casamento – cf. neste sentido Ac. RP de 25.05.2006, CJ, 2006, 3º, 175.
A interessada terá, naturalmente, direito à compensação pela parte por si suportada antes do casamento.
Notifique.”
Inconformada com este despacho, a interessada B… dele interpôs recurso, ao abrigo da alínea m) do nº 2 do art. 691º do Cód. do Proc. Civil, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A – A recorrente adquiriu em 12 de Junho de 2000, por sete milhões de escudos, o prédio urbano, destinado a habitação, com a área coberta de 88m2 e quintal com 301m2, sito no Rua …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o número 177 e inscrito na matriz no artigo 361º alterado por força da rectificação da área, passando a estar inscrito no 1589;
B – A recorrente casou com o cabeça de casal em 31 de Julho de 2005, no regime de comunhão de adquiridos;
C – No dia 15 de Março de 2006 a recorrente e o cabeça de casal contraíram um empréstimo junto do D… para efectuarem obras de ampliação construção de uma habitação, para viverem porque na existente vivia e vivem os pais da recorrente, no prédio que a recorrente adquiriu no estado de solteira, que consistiu na construção de uma habitação, com a área coberta de 72m2 contígua à habitação existente no prédio pela recorrente;
D – O Tribunal “a quo” decidiu que o prédio com a benfeitoria realizada na constância do matrimónio era um bem comum, nos termos do nº 1 do artigo 1726º do Código Civil, porque o valor da benfeitoria é superior ao valor do prédio adquirido pela recorrente, tendo a recorrente direito à compensação pela parte por si suportada antes do casamento;
E – O prédio urbano – o todo único formado pelo prédio adquirido pela recorrente e a construção realizada na vigência do casamento – só poderia eventualmente, ser considerado bem comum a partilhar desde que tivesse sido adquirido na constância do casamento para o património comum casal, por via da acessão e ou pela via do regime das benfeitorias, o que não aconteceu;
F – O artigo 216º do CC define benfeitorias como todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, podendo as benfeitorias ser necessárias, que são aquelas que têm como fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa, úteis são as que aumentam o valor da coisa e as voluptuárias servem apenas recreio do benfeitorizante;
G – Benfeitorias são despesas realizadas na coisa, mas só são benfeitorias desde que realizadas para conservar ou melhorar a coisa – benfeitorias necessárias ou úteis – ou apenas para recreio do benfeitorizante – benfeitorias voluptuárias, nos termos do nº 1 do artigo 216º do Código Civil;
H – A construção de uma habitação pelo casal num terreno ou prédio de um dos membros do casal, é uma benfeitoria útil, por o melhorar e lhe aumentar o valor, não tendo como fim a sua conservação;
I – Benfeitoria é um acto material, uma despesa, a que a lei associa direitos ao autor das despesas desde que ele se encontre em determinadas posições jurídicas relativamente à coisa beneficiada;
J – Os artigos 1273º a 1275º do CC regulam os efeitos da posse facultando ao possuidor que haja realizado benfeitorias na coisa possuída o direito à indemnização pelo seu valor daquelas ou o direito ao seu levantamento ou a sua perda sem qualquer indemnização, conforme a espécie de benfeitorias;
K - As benfeitorias ou pelo menos algumas delas podem ser encaradas na perspectiva do valor da despesa realizada – na conservação ou na melhoria ou no recreio – ou na perspectiva da coisa – coisa benfeitorizante;
L – A acessão é um modo de aquisição originária do direito de propriedade, prevista nos artigos 1316º e 1317º do CC;
M – A realização de uma obra num prédio com incorporação de materiais pode constituir uma benfeitoria, por implicar uma despesa e porque aumenta o valor – artigo 216º/3 do CC – ou pode estar na base da aquisição por acessão, desde que, se verifiquem os requisitos do regime de acessão referidos nos artigos 1325º a 1343º do CC;
N - Dá-se acessão quando uma coisa que é propriedade de alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia, ficando evidente desta definição que a base da acessão está numa obra com a aplicação de materiais de alguém em coisa alheia, com vista a dar um destino unitário a essas duas coisas que passarão a formar um todo único – logo passando a formar uma só coisa - e atribuir a possibilidade de aquisição desse todo único ao dono dos materiais ou ao dono do terreno onde eles se incorporaram, como refere o artigo 1325º do Código Civil;
O – A acessão industrial imobiliária, prevista no artigo 1340º do CC, tem como requisitos a incorporação (formação de um todo único pelo terreno e obra incorporada), a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação, a natureza alheia do terreno em que é erguida a construção ou lançada a sementeira ou feita plantação e a boa-fé do autor da incorporação;
P – Para além daqueles requisitos devem ter-se em consideração os valores económicos – o do prédio e o da obra (sementeira ou plantação) – para solucionar a questão de saber a quem deve ser atribuída a propriedade sobre o conjunto (prédio e obra incorporada), ou ao dono do prédio ou ao dono dos materiais, no caso de o incorporador estar de boa-fé, já que, [se] estiver de má-fé, não terá qualquer direito;
R - No caso dos autos não ocorreu a aquisição do prédio com a construção realizada na constância do matrimónio para o património comum do casal por via da acessão industrial imobiliária, desde logo, porque para a recorrente e co-autora da construção, nem o terreno, nem os materiais, tal como a obra são alheios, pelo que não é um bem comum do casal por força da acessão;
S – A aquisição por acessão a favor do património comum do casal ofenderia o princípio da imutabilidade do regime de bens previsto no nº 1 do artigo 1714º do CC, em caso como este que não é excepcionado por lei, por não caber nas excepções previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 1714º ou no artigo 1715º do CC ou em qualquer outro;
T - Ofendia porque o prédio pertence ao património próprio da recorrente, mas por virtude da suposta acessão transitaria para o património comum, desfalcando o património da recorrente;
U - A construção da habitação no prédio da recorrente só pode ser considerada uma benfeitoria e não uma aquisição por acessão, porque houve comparticipação de ambos os cônjuges na realização da obra, um dos quais dono do prédio, logo no âmbito da relação matrimonial;
V – Está assente nos autos que o prédio onde foi realizada a obra pertence ao património próprio da recorrente por o ter levado para o casamento – alínea a), do nº 1, do artigo 1722º do CC – que considera próprios dos cônjuges os bens que cada uma deles tiver ao tempo da celebração do casamento;
W – Fazem parte da comunhão o produto do trabalho dos cônjuges e os bens adquiridos por estes na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei, nos termos do artigo 1724º do CC;
X - A alínea b) do artigo 1724º em conjugação com o artigo 1733º/2 do CC refere-se aos bens adquiridos pelos cônjuges durante o casamento, onerosamente, não exceptuados por lei;
Y – O nº 1 do artigo 1733º, que é consensualmente considerado aplicável à comunhão de adquiridos, elenca os bens que são imperativamente exceptuados da comunhão e o nº 2 refere que a incomunicabilidade dos bens não abrange os respectivos frutos nem o valor das benfeitorias úteis;
Z – O artigo 1733º/2 faz ingressar no património comum do casal não as benfeitorias como coisas mas sim o seu valor como despesa;
AA – O bem que a recorrente e o cabeça de casal adquiriram onerosamente na vigência do casamento, bem esse que é comum do casal, é o valor da benfeitoria útil, ou seja, o valor da construção da habitação no prédio pertencente à recorrente, de acordo com a alínea b) do artigo 1724º do CC;
AB – Por isso o prédio que a recorrente adquiriu no estado de solteira não é um bem comum do casal seja por força do artigo 1724º, seja por força do artigo 1733º/2 do CC;
AC – O nº 1 do artigo 1726º do CC visa definir a qual dos patrimónios deve[m] ser atribuídos os bens adquiridos com a contribuição de bens provenientes de patrimónios diversos, bens que têm que ser adquiridos nos termos da alínea b) do artigo 1724º, isto é, têm que ser bens adquiridos onerosamente na constância do casamento e que não exceptuados por lei;
AD – A construção e o prédio existente e adquirido pela recorrente que formam uma unidade indivisível, um todo único, não é um bem adquirido onerosamente na constância do matrimónio, mas um bem próprio da recorrente;
AE – O valor da benfeitoria que integrará a relação de bens comuns, não foi adquirido em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns antes foi adquirido na sua totalidade com dinheiro ou bens comuns, não tem, por isso, aplicação o nº 1 do artigo 1726º do Código Civil;
AF – O valor das despesas feitas pelo extinto casal com a construção é um bem comum, como resulta da conjugação da alínea b) do artigo 1724º e do nº 2 do artigo 1733º do CC, pelo que deverá ser relacionado;
AG - Ao estarmos perante uma despesa realizada à custa de valores comuns e que, perante a extinção do vínculo conjugal, terá que encontrar um fundamento legal para contrariar o enriquecimento injustificado de um dos cônjuges e repor o equilíbrio económico entre os patrimónios, equilíbrio que está no acerto da conta-corrente entre o património comum e os patrimónios próprios que se fecha no momento da partilha e não na aplicação do artigo 1726º do CC;
AF – O Direito Matrimonial não é sede de previsão e de regulamentação de um novo modo de adquirir a propriedade de bens e de derrogar o princípio de que o direito de propriedade tem em si a virtualidade de abso[r]ver tudo o que por força da natureza ou do homem se vier incorporar na coisa beneficiada;
AH – O direito de propriedade não transita de uma esfera patrimonial para a outra consoante a natureza (própria ou comum) dos valores ou bens utilizados na realização da benfeitoria;
AI – O direito de propriedade pré-existente no património da recorrente não se extinguiu com a realização da construção e se constitui um novo direito de propriedade a favor de ambos;
AJ – O prédio adquirido pela recorrente em solteira mesmo depois da construção nele efectuada por si e pelo cabeça de casal na vigência do casamento não perde o estatuto de bem próprio;
AK – A construção realizada no prédio da recorrente fica sujeita ao domínio que recai sobre o prédio que adquiriu, de acordo com o normal funcionamento dos princípios constitucionais do direito das coisas, em particular do princípio da especialização ou individualização na sua face negativa, ou seja, ao incorporar-se no prédio existente a construção perdeu a sua autonomia e dissolveu-se no prédio que a recorrente havia adquirido em solteira;
AL – O prédio urbano destinado a habitação com a área coberta de 160m2 e quintal com 229m2, sito na Rua …, número …, freguesia …, concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Nova de Famalicão sob o nº 177 e inscrito na matriz sob o artigo 1720º é um bem próprio da recorrente e como tal deverá ser excluído da relação de bens;
AM – Deve ser relacionado o valor da construção da habitação por ser esse o bem comum do casal que foi adquirido onerosamente na vigência do casamento, valor esse que corresponde ao que efectivamente foi gasto por ambos na construção da habitação;
AN - A decisão recorrida não foi fundamentada;
AO – A decisão recorrida deveria conter as razões de facto e de direito que justificam aquela decisão;
AP – Na decisão recorrida não se encontra uma parte específica em que se descrevem os factos tidos como provados e não provados;
AQ - Há absoluta falta de fundamentação;
AR - A decisão recorrida é nula;
AS - A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 1714º, 1715º, 1722º, 1724º, 1726º e 1733º/2 do Código Civil e o artigo 668º nº 1, alínea b) Código de Processo Civil.
AT – A decisão recorrida deve ser revogada.
Foram apresentadas contra-alegações, nas quais como questão prévia se sustenta que o recurso interposto é extemporâneo, não se verificando o caso da alínea m) do nº 2 do art. 691º do Cód. do Proc. Civil, uma vez que a impugnação do despacho recorrido com o recurso da decisão final não será absolutamente inútil.
Por conseguinte, na óptica do recorrido, deverá ser no eventual recurso da sentença homologatória da partilha, que constituirá a decisão final do inventário, que a recorrente terá de impugnar o despacho agora colocado em crise.
No mais, a recorrida pronuncia-se pela confirmação do decidido.
O recurso foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo (cfr. arts. 691º, nº 1, al. m), 691º-A, nº 2 e 692º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil).
Colhidos os vistos legais, cumpre então apreciar e decidir.
*
FUNDAMENTAÇÃO
O âmbito do recurso, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 684º, nº 3 e 685º - A, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
*
Principiemos pela apreciação da questão prévia, relativa à extemporaneidade do recurso.
No presente caso, estamos perante despacho em que o Mmº Juiz “a quo” solucionou questão que, relativamente à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal C…, fora colocada pela interessada B…, decidindo-se pela natureza de bem comum do imóvel em causa.
Estatui o art. 1396º do Cód. do Proc. Civil, aplicável a estes autos por força do art. 1404º, nº 3 do mesmo diploma, que cabe recurso da sentença homologatória da partilha (nº 1), acrescentando-se depois que salvo nos casos previstos no nº 2 do art. 691º, as decisões interlocutórias devem ser impugnadas no recurso que vier a ser interposto da sentença de partilha (nº 2).
Há que apurar então se a decisão recorrida, de carácter interlocutório, cabe nalguma das situações a que se refere o nº 2 do art. 691º do Cód. do Proc. Civil, onde se enumeram diversos despachos que são impugnáveis por apelação autónoma, por se entender que nesses casos se impõe uma impugnação com subida imediata ao tribunal superior, que não se compadece com o regime de impugnação apenas a final.[1]
Essas decisões são as seguintes:
- Decisão que aprecia o impedimento do juiz [al. a)];
- Decisão que aprecia a competência do tribunal [al. b)];
- Decisão que aplica multa [al. c)];
- Decisão que condena no cumprimento de obrigação pecuniária [al. d)];
- Decisão que ordena o cancelamento de registo [al. e)];
- Decisão que ordena a suspensão da instância [al. f)];
- Decisão proferida depois da decisão final [al. g)];
Despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, decide do mérito da causa [al. h)];
- Despacho de admissão ou rejeição de meios de prova [al. i)];
- Despacho que não admite incidente ou lhe põe termo [al. j)];
- Despacho que se pronuncia quanto à concessão de providência cautelar, determina o seu levantamento ou indefere liminarmente o respectivo requerimento [al. l)];
- Decisões cuja impugnação com o recurso da decisão final seja absolutamente inútil [al. m)];
- Demais casos expressamente previstos na lei [al. n)].
Entendeu o Mmº Juiz “a quo” fundamentar a subida imediata do presente recurso na alínea m), considerando, por conseguinte, estar-se perante despacho cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.
Não lhe assiste razão.
Na alínea m) o legislador possibilita a interposição de recursos intercalares, com subida imediata, quando a sujeição à regra geral de impugnação a final importe a absoluta inutilidade de uma decisão favorável que eventualmente viesse a ser obtida em sede de recurso.
A utilização do advérbio “absolutamente” marca bem o nível de exigência imposto pelo legislador para o efeito de determinar ou não a subida imediata do recurso interposto de decisão interlocutória.
Assim, não basta que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processo, ainda que neste se inclua a sentença final.
É necessário mais do que isso.
É necessário que o eventual provimento do recurso não tenha qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.
Isto é, um recurso só se torna absolutamente inútil nos casos, em que a ser provido, o recorrente já não pode aproveitar-se da decisão, produzindo a retenção um resultado irreversivelmente oposto ao efeito que se quis alcançar, o que não se confunde com a mera possibilidade de anulação ou de inutilização de um segmento do processado.[2] [3]
Sucede que no caso dos autos a impugnação a final do despacho ora em crise não tornaria o recurso absolutamente inútil, uma vez que a sua procedência conduziria tão só à revogação da sentença homologatória da partilha e à inutilização de uma parte do processado.
Por isso, a imediata subida do recurso, ao invés do que foi entendido pela 1ª Instância, não se pode fundar na alínea m) do nº 2 do art. 691º do Cód. do Proc. Civil.
Pode, no entanto, fundar-se na alínea j) do mesmo preceito.
Com efeito, são susceptíveis de recurso com subida imediata as decisões que põem termo a incidente.
Acontece que não podem caber dúvidas de que nos encontramos perante incidente surgido no decurso de processo de inventário, destinando-se este a apurar se o prédio urbano situado na Rua …, nº …, da freguesia …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Vila Nova de Famalicão com o nº 177/freguesia … e inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. 1720º deveria ser havido como bem comum ou como bem próprio da interessada B….
A 1ª Instância pôs-lhe termo, decidindo pela natureza comum de tal imóvel.
Aos incidentes surgidos em processo de inventário, não especialmente regulados na lei, são aplicáveis as disposições dos arts. 302º a 304º do Cód. do Proc. Civil, relativas aos incidentes da instância.
Deste modo, uma vez que o incidente aqui em apreciação deve ser encarado como incidente da instância, a decisão que lhe pôs termo é passível de impugnação com subida imediata ao tribunal superior, ao abrigo da já referida al. j) do nº 2 do art. 691º do Cód. do Proc. Civil.
Consequentemente, se bem que com fundamento diverso do adoptado pela 1ª Instância, manter-se-á a subida imediata do recurso que foi interposto pela interessada B…, rejeitando-se a questão prévia suscitada pelo recorrido.
*
As outras questões a apreciar são as seguintes:
I Apurar se a decisão recorrida é nula por falta de fundamentação;
IIApurar se foi correcta a decisão da 1ª Instância que considerou o imóvel em causa nos autos como bem comum.
*
Os elementos factuais e processuais com relevo para a decisão do presente recurso são os seguintes:
1. C… e B… contraíram casamento, sem convenção antenupcial, no dia 31.7.2005.
2. Por sentença proferida em 19.1.2010, transitada em julgado, este casamento foi dissolvido por divórcio.
3. Da verba nº 32 da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal C… consta o seguinte bem imóvel:
“Prédio urbano, destinado a habitação, composto de cave, rés-do-chão e andar, com a área coberta de 160 m2 e quintal com 229 m2, situado na Rua …, nº …, da freguesia …, do concelho de Vila Nova de Famalicão, descrito na Conservatória do Registo Predial do concelho de Vila Nova de Famalicão com o nº 177/freguesia … e inscrito na respectiva matriz urbana sob o art. 1720º, com o valor patrimonial na matriz de 90.730,00€”
4. Como justificação para a relacionação deste prédio como bem comum o cabeça de casal, na relação de bens, escreveu o seguinte:
1º - No dia 31 de Julho de 2005, em que sem convenção antenupcial casaram, a interessada B… era proprietária do prédio urbano, destinado a habitação, com a área coberta de 88 m2 e quintal com 301 m2, situado no …, da freguesia …, deste concelho e descrito na Conservatória do Registo Predial com o nº 177/freguesia … por, pelo preço de sete milhões de escudos [equivalente a €34.915,85], o ter comprado, no estado de solteira, mediante empréstimo desse mesmo valor e que para o efeito lhe foi concedido pelo Banco E…, SA, pelo prazo de 30 anos, a por ela ser pago na modalidade de prestações mensais e constantes de capital e juros, por escritura pública, outorgada em 12 de Junho de 2000, no Primeiro Cartório Notarial de Vila Nova de Famalicão exarada a fls. 75 a 77 no respectivo Livro de Escrituras Diversas nº 181-E, com vencimento da primeira prestação no dia 12 de Junho de 2000 e cada uma das restantes no mesmo dia de cada um dos meses seguintes.
2º - Desde o dia 31 de Julho de 2005, em que o cabeça de casal e essa interessada casaram, até ao dia 12 de Março de 2006 as prestações mensais desse empréstimo foram pagas com dinheiro do produto de trabalho de ambos e perfizeram o montante de €775,90 [€96,99 x 8], que integrou a respectiva comunhão e que até se presume comum [alínea a) do art. 1724º e art. 1725º, ambos do CCivil].
- No dia 15 de Março de 2006, estava por pagar, ao Banco E…, S.A. e desse empréstimo de €34.915,85, a quantia de €31.606,06.
- No dia 15 de Março de 2006, o cabeça de casal e a interessada B…, por escritura outorgada no Cartório Notarial do Notário F…, sito na …, …, ., da freguesia …, da cidade de Guimarães e exarada de fls. 62 a 64 no respectivo Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 39-A, contraíram no D…, PLC um empréstimo de €107.000,00, pelo prazo de 40 anos, a ser pago em 480 prestações mensais, constantes e sucessivas, com vencimento da primeira no dia 15 de Abril de 2006, sendo €31.606,06, destinados a pagar ao Banco E…, S.A. a quantia de €31.606,06, referida em 3º supra daquele empréstimo contraído pela interessada B… e €75.393,94, destinados a fazer obras, designadas de beneficiação, no prédio, referido em 1º supra.
- Com essa quantia de €31.606,06, emprestada pelo D…, PLC ao cabeça de casal e à interessada B…, foi paga a respectiva dívida daquele empréstimo ao Banco E…, S.A.
E com aquela quantia de €75.393,94, emprestada pelo D…, PLC ao cabeça de casal e à interessada B…, ambos e no prédio, referido em 1º que, previamente, quase demoliram, construíram o prédio urbano relacionado.
5. Sob a verba nº 1 do passivo da relação de bens, mencionada em 3., o recorrido, como cabeça de casal, relacionou o crédito seguinte:
“Crédito da interessada B… sobre o património comum do casal, nos termos do nº 2 do artº 1726º do CCivil, correspondente ao valor da deslocação patrimonial, que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal [€34.915,85 – 775,90 – 31.606,06], no montante de 2.533,89€”.
6. E sob a verba nº 2 desse mesmo passivo relacionou:
“A quantia em dívida, do empréstimo contraído no D…, PLC, com sucursal na …, nº .. – .º Andar, da cidade de Lisboa, para pagar ao Banco E…, S.A. a dívida de €31.606,06 e para construir o prédio urbano, relacionado na verba 32, no montante de 90.762,80€ “.
7. Notificada dessa relação de bens, a recorrente apresentou, nos termos previstos no art. 1348º do Cód. do Proc. Civil, reclamação em que pediu a exclusão daquela verba nº 32 do activo e daquela verba nº 1 do passivo, com fundamento no facto do prédio daquela verba nº 32 ser bem próprio dela, no facto de antes ser comum a benfeitoria, que foi realizada por ambos na constância do matrimónio e no facto de não existir o crédito dela sobre o património comum, em virtude de o prédio existente à data do casamento continuar a ser um bem próprio dela.
8. Notificado dessa reclamação, o recorrido, nos termos previstos no art. 1349º do Cód. do Proc. Civil, pronunciou-se pela manutenção da verba nº 32 do activo e da verba nº 1 do passivo, tendo requerido a realização de perícia.
9. Do relatório pericial consta o seguinte:
- O prédio que se pretende avaliar não existe tal como foi adquirido em 2000, uma vez que posteriormente foi integrado e envolvido por um prédio de maiores dimensões.
- O valor global do mesmo à data do casamento era de €40.230,00.
- O valor global das benfeitorias efectuadas no prédio pelo cabeça de casal e pela interessada B… é de €114.700,00, correspondendo €5.650,00 às realizadas no fogo existente à data sua aquisição e €109.050,00 às realizadas na área que foi ampliada.
*
Passemos à apreciação jurídica.
I – A recorrente argui a nulidade da decisão recorrida, em virtude da mesma, no seu entendimento, não conter as razões de facto e de direito que a justificam.
O art. 158º do Cód. do Proc. Civil estabelece o seguinte:
«1. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas.
2. A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.»
O art. 205º, nº 1 da Constituição da República, por seu turno, diz-nos que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.»
É, assim, manifesta a existência de um dever de fundamentação das decisões judiciais, dever esse com consagração constitucional e que se justifica pela necessidade das partes, com vista a apurar do seu acerto ou desacerto e a decidir da sua eventual impugnação, precisarem de conhecer a sua base fáctico-jurídica.
Com efeito, para que não só as partes, como a própria sociedade, entendam as decisões judiciais, e não as sintam como um acto autoritário, importa que tais decisões se articulem de forma lógica. Uma decisão vale, sob o ponto de vista doutrinal, o que valerem os seus fundamentos. E, embora a força obrigatória da sentença ou despacho esteja na decisão, sempre essa força se deve apoiar na justiça. Ora os fundamentos destinam-se precisamente a formar a convicção de que a decisão é conforme à justiça.[4]
A decisão surge assim como um resultado, como a conclusão de um raciocínio, e não se compreenderia que se enunciasse unicamente o resultado ou a conclusão, omitindo-se as premissas de que ela emerge.[5]
Por isso, o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito contra o arbítrio do poder judiciário.[6]
Além do mais, a fundamentação da sentença revela-se indispensável em caso de recurso, pois na reapreciação da causa, a Relação tem de saber em que se fundou a decisão recorrida.[7]
Consequência da inobservância deste dever de fundamentação será a nulidade da sentença ou do despacho que não especifiquem os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão – cfr. arts. 668º, nº 1, al. b) e 666º, nº 3 do Cód. do Proc. Civil.
Porém, conforme ensinam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[8] “para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa reportar só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito”.
Por seu turno, escreve Alberto dos Reis[9]: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.” Ou seja, a falta de fundamentos implica a total omissão de factos ou de direito.
Acontece que este entendimento segundo o qual a falta de fundamentação capaz de conduzir à anulação de uma decisão – art. 668º, nº 1, al. b) do Cód. do Proc. Civil – é apenas a absoluta falta de fundamentação, mostra-se unânime tanto na doutrina como na jurisprudência.[10]
Regressando ao caso concreto, o que se constata é que a decisão recorrida, apesar de não se mostrar exemplar nesse âmbito, se encontra minimamente fundamentada tanto no plano fáctico como no plano jurídico.
Na verdade, da sua leitura resulta que o Mmº Juiz “a quo” escreveu que, de acordo com a avaliação efectuada, o prédio urbano antes de os interessados casarem tinha o valor de €40.230,00, sendo que a benfeitoria implementada nesse prédio, após o casamento e por ambos os interessados, ascende a €109.050,00.
Significa isto que a decisão recorrida contém os fundamentos de facto em que se baseou, tal como contém igualmente os respectivos fundamentos de direito, que radicam no art. 1726º do Cód. Civil que transcreve, referindo-se, inclusive, a jurisprudência de sentido idêntico.
Como tal, não ocorre a nulidade arguida pela recorrente, ao abrigo do art. 668º, nº 1, al. b) do Cód. do Proc. Civil, pelo que, nesta parte, improcede o recurso interposto.
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II – A recorrente e o recorrido casaram no dia 31.7.2005 sem precedência de convenção antenupcial, pelo que o seu casamento se considera celebrado sob o regime da comunhão de adquiridos (cfr. art. 1717º do Cód. Civil).
O imóvel em causa nos presentes autos foi adquirido pela interessada B… ainda no estado de solteira, por escritura pública celebrada em 12.6.2000, de tal modo que, à data do casamento, o mesmo revestia a natureza de bem próprio dela (cfr. art. 1722º, nº 1, al. a) do Cód. Civil).
O preço do imóvel foi de sete milhões de escudos - equivalente a €34.915,85 -, tendo a interessada B… para o pagamento deste preço contraído empréstimo em idêntico montante no Banco E…, SA.
Até ao dia 31.7.2005, data do casamento, as prestações mensais do empréstimo foram pagas pela B…. Depois, entre este dia e 12.3.2006, passaram a ser pagas com dinheiro proveniente do produto do trabalho de ambos os cônjuges.
Porém, no dia 15.3.2006, o cabeça de casal C… e a interessada B… contraíram empréstimo no D…, PLC no valor de €107.000,00, pelo prazo de 40 anos, a ser pago em 480 prestações mensais, constantes e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 15.4.2006.
Desse valor, €31.606,06 foram destinados a pagar ao Banco E…, SA e €75.393,94 a realizar obras de beneficiação no imóvel dos autos.
As quantias emprestadas à recorrente e ao recorrido no estado de casados constituem bem comum nos termos do art. 1724º, al. b) do Cód. Civil.
Como consequência das obras de beneficiação realizadas no imóvel dos autos, o prédio que foi adquirido pela interessada B… no estado de solteira, em 12.6.2000, já não tinha à data do divórcio, em 19.1.2010, existência física, havendo no seu lugar um outro prédio – o que foi relacionado sob a verba nº 32.
Ou seja, o prédio adquirido pela interessada B… ainda em solteira, em virtude das significativas obras de beneficiação que nele foram efectuadas na constância do matrimónio passou a constituir uma realidade física diferente. Já não é um prédio urbano, destinado a habitação, com a área coberta de 88 m2 e quintal com 301 m2, tendo passado a ser um novo prédio, este com cave, rés-do-chão e andar, 160 m2 de área coberta e quintal com 229 m2.
A questão que agora se coloca é a de saber se este prédio deve ser havido como bem próprio ou comum dos cônjuges.
Poder-se-á entender que a resolução desta questão passará por decidir se estão reunidos os pressupostos da acessão imobiliária ou se a construção que foi efectuada no prédio que é bem próprio da interessada B… deve ser considerada como benfeitoria. A recorrente, nas suas alegações, pronuncia-se nesta segunda direcção, ao passo que o recorrido, acompanhando o decidido pela 1ª Instância, sustenta uma outra posição – a da aplicação “in casu” do regime previsto no art. 1726º do Cód. Civil.
Afigura-se-nos que esta solução é a correcta.
Rita Lobo Xavier[11], abordando a questão que se coloca no presente recurso e colocando-a no âmbito do direito matrimonial, escreve que “(…) o raciocínio descrito deveria conduzir à conclusão de que o edifício construído – enquanto benfeitoria – era um bem comum, por força do art. 1733º, nº 2: as benfeitorias realizadas em bens próprios de cônjuges casados no regime de comunhão de adquiridos devem ser qualificadas como bens comuns.”
Acrescenta depois a mesma autora que “o espírito do sistema da comunhão de adquiridos é o de que ingressam no património comum todos os «ganhos alcançados» pelos cônjuges, todos os bens que «advierem» aos cônjuges durante o casamento que não sejam exceptuados por lei.
Assim, parece que a construção de uma casa estará abrangida por este conceito amplo de «adquirido», que prescinde da sua distinção baseada no fundamento jurídico da aquisição.”
Sucede que nos termos do art. 1726º, nº 1, do Cód. Civil «os bens adquiridos em parte com dinheiro ou bens próprios de um dos cônjuges e noutra parte com dinheiro ou bens comuns revestem a natureza da mais valiosa das duas prestações.»
Referindo-se ao objectivo desta disposição, a autora que vimos citando escreve que este “é precisamente obstar a que um bem possa, em parte, ser qualificado como comum e, em parte, como próprio de um dos cônjuges, na proporção do valor das entradas do património comum e do património próprio desse cônjuge. O legislador evitou este resultado difícil recorrendo à regra simples da prevalência da parte maior para a qualificação do bem.”
Adianta seguidamente que “a situação em que os cônjuges constroem uma casa num terreno que é propriedade exclusiva de um deles, utilizando valores comuns na construção, não parece ser substancialmente diferente daquela em que os cônjuges pagam o preço de uma casa por meio da entrega de valores comuns e de um terreno incluído num dos patrimónios próprios.
Esta solução será também a que melhor corresponde às expectativas dos cônjuges. Com efeito os cônjuges têm o dever de conjugar esforços de ordem patrimonial para acorrer às necessidades da família e existem expectativas fundadas, sobretudo quando o regime é comunitário, de que irão participar de forma igual nos resultados dessa colaboração. É aliás tais expectativas que o regime da comunhão de adquiridos protege e, por isso, um regime deste tipo corresponderá melhor à natural e espontânea interpenetração de patrimónios que ocorre durante a vida conjugal.”
Passando ao caso concreto, o que se verifica é que a casa que hoje existe com cave, rés-do-chão e andar, 160 m2 de área coberta e quintal com 229 m2 foi construída com dinheiro emprestado a ambos os cônjuges, que constitui bem comum, num prédio que era bem próprio da interessada B….
Teremos assim que considerar que esta casa [que integrou a que anteriormente existia no prédio, que já não existe enquanto tal] foi adquirida e construída em parte com dinheiro ou bens próprios da interessada mulher e em parte com dinheiro ou bens comuns.
Uma vez que a construção da casa dos autos se deve haver como abrangida pelo conceito amplo de “adquirido” acima traçado, não se vê óbice ao caminho seguido pela 1ª Instância no sentido de, face ao disposto no art. 1726º do Cód. Civil, qualificar o bem em causa como comum.
É que a casa que hoje existe, que em pouco ou nada se identifica com a que fora comprada em 12.6.2000 pela interessada B…, resulta da conjugação de esforços de ambos os cônjuges, envolvendo bens próprios dela e bens comuns.
Ora, face aos elementos factuais que constam do processo, o que se verifica é que a prestação dos bens comuns é significativamente superior à prestação dos bens próprios na contribuição para a aquisição/construção dessa casa.
Basta constatar o que resulta da perícia efectuada.
O prédio que existia à data do casamento tinha o valor de €40.230,00. O valor correspondente às obras que lá foram efectuadas e que tiveram como resultado a edificação de uma nova casa ascende a €114.700,00.
Por conseguinte, tendo em mente a regra do referido art. 1726º do Cód. Civil, há que considerar o imóvel dos autos, à semelhança do que foi entendido pela 1ª Instância, como bem comum.
Contudo, no nº 2 deste mesmo preceito estabelece-se que «fica, porém, sempre salva a compensação devida pelo património comum aos patrimónios próprios dos cônjuges, ou por estes àquele, no momento da dissolução e partilha da comunhão.»
Normativo este que, à semelhança de outros, representa um afloramento do princípio geral que obriga à compensação das deslocações patrimoniais ocorridas entre os patrimónios próprios dos cônjuges e entre estes e os patrimónios comuns, gerando um verdadeiro direito de crédito de compensação a favor do titular do património empobrecido.[12]
Deste modo, mostra-se correcta a relacionação do imóvel aqui em apreço como bem comum do casal, devendo, todavia, a interessada B… ser compensada pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal, o que, de resto, se encontra plasmado na verba nº 1 do passivo da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal.[13]
Não se concordando pois com o sentido da argumentação explanada pelo recorrente nas suas alegações, há assim que confirmar o decidido pela 1ª Instância.
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Sintetizando:
- Quando os cônjuges eram casados no regime da comunhão de adquiridos e procederam à construção de uma casa em prédio próprio da mulher, que integrou uma casa que anteriormente aí existia, é aplicável a este bem o regime previsto no art. 1726º do Cód. Civil.
- Verificando-se que a prestação dos bens comuns é superior à prestação dos bens próprios na contribuição para a aquisição/construção da casa deve esta ser considerada como bem comum.
- Porém, o proprietário do prédio, ao abrigo do nº 2 do art. 1726º do Cód. Civil, deve ser compensado pela deslocação que foi feita do seu património próprio para o património comum do casal.
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pela interessada B…, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.

Porto, 28.5.2013
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires
Márcia Portela
Manuel Pinto dos Santos
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[1] Cfr. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 3º, tomo I, 2ª ed., págs. 79/80.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 3ª ed., págs. 210/1.
[3] Na jurisprudência que é pacífica quanto a esta questão, cfr., por exemplo, Ac. STJ de 21.5.1997, BMJ nº 467, págs. 536/540.
[4] Cfr. Anselmo de Castro, “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. III, Almedina, 1982, pág. 97.
[5] Cfr. José Alberto dos Reis, “Comentário ao Código do Processo Civil”, vol. II, págs. 172/3.
[6] Cfr. Pessoa Vaz, “Direito Processual Civil – Do Antigo ao Novo Código”, Coimbra, 1998, pág. 211.
[7] Cfr. Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, pág. 704.
[8] In “Manual de Processo Civil”, Coimbra Editora, 1984, pág. 669.
[9] In “Código do Processo Civil Anotado”, vol. V, Coimbra Editora, 1984, pág. 140.
[10] Para além da doutrina já citada, cfr. no plano jurisprudencial, por ex. Ac. STJ de 9.2.99, CJ STJ, 1999, I, 92 e Ac. STJ de 17.5.2001, CJ STJ, 2001, II, 90.
[11] In “Das relações entre o Direito comum e o Direito matrimonial, em comemoração dos 35 anos do Código Civil”, vol. I, págs. 487 e segs., citado no Acórdão da Relação do Porto de 25.5.2006, CJ, ano XXXI, tomo III, págs. 175/8.
[12] Cfr. Ac. Rel. Coimbra de 24.4.2007, CJ, ano XXXII, tomo II, págs. 29/32.
[13] Refira-se ainda que o conceito de benfeitoria constante do art. 216º, nº 1, do Cód. Civil [“Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa”], a que alude a recorrente nas suas alegações, não se adequa com rigor à situação dos autos, em que está em causa uma obra que altera a substância da coisa.