Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOÃO PROENÇA | ||
| Descritores: | LITISPENDÊNCIA INVENTÁRIO ACÇÃO DECLARATIVA | ||
| Nº do Documento: | RP2017040614535/15.7T8PRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 04/06/2017 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º764, FLS.163-168) | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | Há litispendência entre um processo de inventário (subsequente ao divórcio) e uma acção intentada por um dos ex-cônjuges em que se pede o reconhecimento do direito de propriedade de bens susceptíveis de serem arrolados nesse inventário. | ||
| Reclamações: | |||
| Decisão Texto Integral: | Processo n. 14535/15.7T8PRT.P1 – Apelação Acordam no Tribunal da Relação do Porto: B…, na Rua …, n° …, ….-… Porto, propôs contra C…, residente na …, n.°…, …, ….-… Porto, acção com processo comum, pedindo, na sua procedência: a) Declarar-se o direito de propriedade do A. sobre todos os bens imóveis e móveis identificados no art° 10° do articulado; b) Ser a R. condenada a: 1) Reconhecer o direito de propriedade dos bens imóveis e móveis identificados no art° 10° do Articulado. 2) Entregar todos os bens móveis descritos no art° 10° do articulado, que tem usufruído sem consentimento do A. em bom estado de conservação; Alega para tanto que foi casado com a R. sem precedência de convenção antenupcial, sob o regime de comunhão de adquiridos, casamento dissolvido por sentença do Tribunal de Família e Menores da Comarca do Porto, Instância Central - Família e Menores se 25/11/2014. O A. em solteiro era proprietário e possuidor de vasto património, constituído por valores monetários, decorrente da sua profissão de médico e de doações em dinheiro realizadas pelos seus pais em solteiro e em casado, que pertence exclusivamente ao A.. Era em solteiro proprietário em compropriedade de um apartamento no Algarve, que foi objecto de venda na constância do casamento. O produto da venda desse imóvel foi investido na aquisição de imóveis ao longo do tempo, juntamente com o dinheiro que era legítimo e único titular e proprietário depositado nos bancos e em nome do A.. O A. é legitimo proprietário de bens imóveis e bens móveis que discriminadamente relaciona, e que entraram no seu património que obteve por via do produto do seu trabalho em solteiro, de doações dos seus pais e por partilha do acervo hereditário por morte do pai do A., pretendendo ver reconhecido o seu direito sobre tais bens como sendo bens próprios. Decorrente do divórcio, está impedido de usufruir desses bens, cuja posse a R. lhe impede, e que se encontram na casa de morada de família, e habitada pela R., estando esta a usufruir sem título. Citada a ré contestou, além do mais, deduzindo a excepção dilatória da litispendência, dizendo que o aqui autor instaurou inventário para partilha dos bens do casal dissolvido, que se encontra a correr termos sob o n.° 1760/15. no Cartório Notarial da Dra. D…, em que a aqui ré, aí requerida, foi citada, encontrando-se a correr o prazo para reclamar da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal. Posteriormente, a 8 de Junho de 2015 o Autor instaurou a presente acção para reconhecimento do direito de propriedade sobre os bens imóveis e móveis que compõem o acervo patrimonial conjugal. Sustenta assim que há litispendência entre as duas acções, porquanto existe identidade dos sujeitos e da causa de pedir, pretendendo-se, quer na presente acção como no processo de inventário, no que aos bens em questão diz respeito, obter o mesmo efeito jurídico, o reconhecimento da titularidade e propriedade dos bens e respectiva liquidação e entrega. O autor respondeu à matéria da referida excepção sustentando a sua improcedência. *** Findos os articulados, a Mma. Juíza proferiu saneador sentença, julgo procedente a invocada excepção dilatória da litispendência, em consequência do que absolveu a Ré da instância.Inconformado com o assim decidido, dele interpôs o autor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões: I.- Com todo o respeito, o tribunal a quo, elaborar uma interpretação errada do elemento objectivo e jurídico da causa de pedir, em que não ocorrer identidades de causa de pedidos, pelo que, não existe excepção de litispendência, cumpre referir que em tese geral, o processo de inventário destina-se a pôr termo a uma comunhão patrimonial, a partilhar o património que integra essa massa comum ou o património comum do casal subsequente ao divórcio, nos termos da Lei 23/2013 de 5 de Março e que corre termos no Cartório Notarial da Drª D…, com o n° de Procº 1760/15, que regulam-se pelas disposições que lhes são próprias da citada lei e pelas disposições gerais e comuns do C.P.C., e, em tudo quanto não estiver prevenido numas e noutras, observa-se o que se acha estabelecido para o processo ordinário e in casu a causa de pedir é o reconhecimento dos bens próprios, e, como tal não são relacionados nos termos do art° 25° da Lei 23/2013, de 5 de Março, em que a causa do pedido é a partilha dos bens comuns do casal. II- In causa o litígio entre o Recorrente/Autor e a Ré, tem como causa de pedir, o reconhecimento dos bens próprios, que advieram ao seu património próprio, na constância do casamento, o qual, foi realizado sob o regime de comunhão de adquiridos, mas que lhe pertencem por direito próprio, são bens próprios e como tal, não pode ser relacionados em sede de inventário à luz do art° 25° da Lei 23/2013, de 5 de Março, em que é relacionado pelo cabeça de casal a relação de bens comuns do casal dissolvido, elementos objectivos e substancialmente diferentes da causa de pedir, obstaculizando a excepção da litispendência da causa de pedir, nos termos do n.° 3, do art° 581° do NCPC, porque não ocorre os elementos objectivos, isto é, não há identidade de pedido e muito menos se pretende obter o mesmo efeito jurídico, dos autos, que foram objecto da decisão saneador-sentença, que elaborou uma interpretação errada da lei e da causa do pedido, em que, no processo de inventário, que corre termos no Cartório Notarial da Drª D…, com o n° de Procº 1760/15, a causa do pedido é a divisão dos bens comuns do casal dissolvido, por maioria de razão, não existe na situação concreta igual à causa de pedir, não ocorre qualquer risco do tribunal recorrido vir a contradizer ou a reproduzir a decisão a proferir nestes autos, em que no Processo de inventário, mesmo colocado primeiro, em nada vai influenciar ou alterar os factos que forem dirimidos e reconhecidos por sentença de condenação nos presentes autos, porque a causa de pedir é substancialmente diferente, em que levam a decisões jurídicas diferentes, e, não se impor-se-á, por via do caso julgado ao Processo de Inventário, porque o objecto e a causa de pedir formam decisões jurídicas e casos julgados assente em factos diferentes. III- Não temos dúvidas que inexiste excepção de litispendência, invocada pela Ré em sede de contestação e que pretendia ver declarada, pelo que, com todo o respeito andou mal o Tribunal a quo, quando elabora uma interpretação errada da causa do pedido nas diferentes acções, não ocorre litispendência de causa de pedido, nos termos do n.° 3, do art° 581° do NCPC, como foi invocado pelo Recorrente em sede de direito de resposta, não ocorre a mesma causa de pedido no âmbito do Processo de inventário que corre termos no Cartório Notarial da Dr.ª D…, com o n° de Procº 1760/15, em que se encontram relacionados os bens comuns do casal dissolvido, e, na presente acção, a causa do pedido é a condenação da Ré, reconhecer a propriedade dos bens próprios do Recorrente, que advieram ao património próprio do Recorrente na constância do casamento, celebrado no regime da comunhão de adquiridos, e como tal, não são relacionamento no âmbito do processo de inventário, porque só são relacionados os bens comuns decorrentes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, em que a causa do pedir são os direitos qualificados como comuns e, a causa de pedir na presente acção, são próprios, que entraram no património próprio do Recorrente, na constância do casamento, mas, já existiam antes do casamento, e, que foram adquiridos bem imóveis com dinheiro próprio de solteiro, com dinheiro de doações dos pais do Recorrente, e, bens móveis, que advieram por sucessão da morte do pai do Recorrente, que tem um sentimento de raiz de identificação da família e com um conotação de identificação do pai do Recorrente, doações em dinheiro realizadas pelos pais do Recorrente, e bem assim doação dos doentes do Recorrente, que são doações estritamente pessoais a título pessoal e de gratidão e não conjunta ao casal dissolvido, nos termos do art° 944° do Código Civil, pelo que, a causa de pedir tem a sua essência no direito nos termos do art. 1722°, do Código Cível, constituem bens próprios, logo a causa de pedir não é a mesma do processo de inventário, pelo que não ocorre litispendência de causa de pedir, nos termos do n.° 3, do artº 851° do NCPC, e, muito menos, ocorre excepção dilatória, nos termos da al. i) do artº 577° do NCPC, devendo a acção prosseguir a sua démarche processual. IV- Não sendo iguais os pedidos, nem a causa do pedido, não estão preenchidos no n.° 3, do artigo 581° do NCPC do CPC, sendo certo que não se verifica litispendência de causa de pedir, a causa de pedir no processo de inventário à Luz da Lei 23/2013 de 5 de Março, que corre termos no Cartório Notarial da Drª D…, com o n.° 1760/15, proposta em primeiro lugar é a partilha dos bens comuns do casal dissolvido, diferente do pedido da presente acção de condenação, que a causa do pedido é a condenação da Ré ao reconhecimento do bens próprios do Recorrente, em que o tribunal a quo deveria ter proferido despacho dos temas de prova e não invocar a existência do pressupostos da mesma causa de pedir em ambas as acções, e, absolvendo a Ré da instância, por invocada excepção dilatória de litispendencia, quando se discute causas de pedir distintas, em face do que acabamos de referir, afigura-se-nos claro que não estamos em presença de uma repetição de acções, quer em causas de pedir são distintas, trata-se de pretensões diferentes, fundadas em causas de pedir diferentes, uma é constituída por bens comuns do casal dissolvido e o pedido ou a causa do pedido é a partilha dos bens comuns e relacionados pelo cabeça de casal, e na presente acção a causa de pedido é o direito de propriedade do Recorrente de bens próprios em que a causa de pedir e os efeitos jurídicos são juridicamente diferentes, pelo que, não ocorre litispendência de causa de pedido, nos presentes autos em relação à acção ou processo de inventário. V- Não se verificam os pressupostos para a verificação de litispendência de causa de pedido, nos termos do n.° 3, do art° 581° do NCPC, entre ambas as acções, pelas razões que já tivemos oportunidade de explanar, muito menos ocorre a mesma causa de pedir de ambas as ações, a causa do pedido nos presentes autos é a condenação da Ré ao reconhecimento do direito de propriedade de bens próprios, muito diferente no âmbito do processo de inventário, que não é uma acão de condenação, em que o objecto do processo visa a partilha dos bens comuns entre os ex-cônjuges, apenas são relacionados os bens cuja titularidade pertença a ambos os cônjuges à data em que foi proferida a sentença de dissolução do casamento por divórcio e não a condenação, não se relacionam os bens próprios de cada dos cônjuges, em que o Tribunal a quo, realizou com todo o respeito, uma interpretação erradamente do espirito da Lei 23/2013, de 5 de Março, defendendo que todos os bens, incluindo os bens próprios de cada um dos ex-cônjuges, são relacionados no âmbito do processo de inventário " só se e quando no inventário se entender que não pode ser decidida a questão, é que as partes deverão ser remetidas para os meios comuns", o que não podemos concordar com tal interpretação, quando não estamos perante factos jurídicos objectivos e substantivos iguais, a causa de pedir não são bens comuns, mas sim a condenação da Ré pelo Tribunal, ao reconhecimento do direito de propriedade bens próprios do Recorrente, que não fazem parte dos bens comuns do casal dissolvido, nem o legislador quis dizer no âmbito da Lei 23/2013, de 5 de Março, que os bens próprios também eram relacionados, sob pena de ocorrer violação do direito, substantivo, nos termos do art° 1722° do Código Civil, como tal, não são objecto de inventário, pelo que, é nulo o despacho nos termos do art° 195° do NCPC, violando as regras do art° 3.º e 596° ambos do NCPC, devendo os autos prosseguir as démarches processuais para julgamento, em que os factos jurídicos são diferentes, devendo identificar os temas de prova. *** A R. apresentou contra-alegações, sustentando a confirmação do decidido.Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. *** Como é sabido o objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente, exceptuadas as questões do conhecimento oficioso (art.ºs 5.º, 635.º n.º3 e 639.º n.ºs 1 e 3, do N.C.P.Civil). Atentas as conclusões das alegações do recorrente, a questão suscitada resume-se a saber se concorrem, no caso vertente, os pressupostos da litispendência, e quais as consequências.*** A 1.ª instância considerou provados e relevantes para a apreciação da litispendência os seguintes factos:1. O Autor instaurou contra a Ré inventário para partilha dos bens do casal dissolvido, que se encontra a correr termos sob o n.° 1760/15, no Cartório Notarial da Dra. D…, tendo aquela sido citada nos termos e para os efeitos do art. 30° do Regime Jurídico do Processo de Inventário e apresentado reclamação contra a relação de bens apresentada pelo cabeça de casal (does juntos aos autos a fls 96 a 107. 391 e segs e 620 e segs, cujo teor se dá por reproduzido): 2. Posteriormente, o Autor instaurou a presente acção, para reconhecimento do seu direito de propriedade sobre os bens imóveis e móveis que descreve na petição inicial. *** Por interessarem para a decisão do presente recurso e se encontrarem demonstrados pela prova documental junta aos autos, aditam-se os seguintes factos:- Na sequência do divórcio, no dia 14 de Abril de 2015, o aqui autor instaurou processo de inventário para partilha dos bens do casal dissolvido, que se encontra a correr termos sob o n.° 1760/15, no Cartório Notarial da Dra. D…; - O aqui autor foi citado na qualidade de cabeça de casal, no dia 5 de Maio de 2015 e prestou declarações em 14 de Julho de 2015; - No dia 14 de Julho de 2015, foi a ré foi citada nos termos e para os efeitos do art. 30° do Regime Jurídico do Processo de Inventário, tendo apresentado reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça de casal; - A presente acção foi proposta dia 8 de Junho de 2015 e a ré citada por carta registada com aviso de recepção assinado a 12 de Junho de 2015. *** Nos termos do art. 580.º, n.º 1, do CPC, a litispendência pressupõe a repetição de uma causa, estando a anterior ainda em curso. A litispendência deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a acção para a qual o réu foi citado posteriormente (art.º 582.º, n.ºs 1 e 2). O artigo 581.º prevê os requisitos da litispendência (como também do caso julgado).Assim, refere o nº 1 que “Repete-se a causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir”. “Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica” – nº 2. “Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico – nº 3. “Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico. Nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido” – nº 4. A excepção dilatória da litispendência visa obstar a que a mesma questão jurídica, materializada na formulação da mesma pretensão, com base na mesma factualidade, seja objecto de duas ou mais acções que tenham as mesmas partes, e a sua verificação conduz à absolvição da instância. (Manuel Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1980, pág. 306). Estes princípios estão consagrados no n.º 2 do mesmo artigo, quando refere “Tanto a excepção da litispendência como a de caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”, como é reconhecido tanto pela doutrina como pela jurisprudência. Em princípio, o âmbito da litispendência é o mesmo que o do caso julgado. Todavia é-o apenas em princípio, pois há que atender à função de cada um dos elementos que concorrem para a solução dentro de um e outro instituto. O que interessa, essencialmente, é o que constitui o objecto da acção e não questões de natureza prejudicial ou de defesa. Haverá litispendência e caso julgado para os pedidos que venham a formular-se na acção e em qualquer momento. Ter-se-á de analisar causa de pedir e pedidos em função da litispendência e caso julgado, que podem não ser coincidentes. (Anselmo de Castro, Direito Processo Civil, Vol. II, pag. 245 e segts.) Segundo Alberto do Reis, CPC. Anotado, Vol. III, 1950, pág. 95, quando haja dúvidas sobre a identidade das acções, deve presidir o critério, deve lançar-se mão do princípio segundo o qual o tribunal pode correr o risco de contradizer ou reproduzir decisão proferida na primeira acção. Se isso acontecer, então estaremos perante duas acções idênticas. Por sua vez, Antunes Varela, em Manual de Direito Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pag. 302, põe em destaque, para efeitos de sabermos se estamos perante repetição de acções, o elemento formal (identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido) e a directriz substancial consignada no artigo 580.º n.º 2 do CPC., traduzida no perigo de o tribunal ser colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior. E, foca não só a acção no plano do pedido, mas também nos fundamentos da defesa, como sejam excepções peremptórias que interfiram com a prossecução ou não do pedido. E, se porventura os fundamentos de defesa vierem a ser causa de pedir noutra acção em que aquele que era réu na primeira acção passou a ser autor na segunda, apesar de não haver identidade de pedidos, a questão central de o tribunal ser colocado em contradizer ou reproduzir uma decisão anterior é patente, segundo este autor. E, sendo assim, justificam-se a litispendência e o caso julgado para evitar este perigo. E neste sentido, é dominante a jurisprudência do STJ. em que destaca, como fundamentos da litispendência e do caso julgado, para além do elemento formal (identidade de sujeitos, causa de pedir e pedido), o elemento material consignado no artigo 580.º n.º 2 do CPC. E dá-lhe ênfase de molde a que prevaleça, em certos casos, sobre o elemento formal. O que interessa para esta jurisprudência é saber se exista ou não perigo de o tribunal se contradizer ou reproduzir decisão anterior. Basta essa possibilidade, para que se justifiquem as excepções dilatória de litispendência e caso julgado. O essencial é a relação jurídica fundamental, o direito que se discute nas duas acções para se aquilatar da identidade das acções (conferir, entre outros, Ac. STJ, 8/04/1997, www.dgsi.pt, relator – Torres Paulo; Ac.STJ. 6/06/2000, www.dgsi.pt, relator – Garcia Marques; Ac. STJ. 13/05/2003, www.dgsi.pt, relator - Pinto Monteiro; Ac. STJ. 29/04/1999, www.dgsi.pt, relator - Noronha Nascimento; Ac. STJ. 2/11/2006, www.dgsi.pt, relator - Pereira da Silva). Depois de expostos os pontos de vista na doutrina e jurisprudência, ressalta que é indispensável, para a determinação da identidade das acções, para efeitos da litispendência, que se conjugue o elemento formal com o material de molde a que sobressaia, em cada caso, a relação jurídica fundamental, em discussão em cada processo. No caso em apreço, como se concluiu no despacho saneador impugnado, existe identidade de sujeitos em ambas as acções, porquanto os aqui autor e ré actuam na mesma qualidade jurídica; ocupem a mesma posição jurídica quanto à relação substantiva, sendo que o aqui autor apresentou a relação de bens no inventário figurando como contraparte e reclamante a aqui ré. São nas duas acções, os titulares da relação jurídica material controvertida e portadores do mesmo interesse substancial. Existe identidade de pedido (ou objectiva) porquanto numa e noutra acção se pretende obter o mesmo efeito jurídico, sendo idêntica a providência jurisdicional solicitada pelo autor em ambas as acções; na presente acção pede que se declare o seu direito de propriedade sobre os bens que enuncia; no anterior inventário, pretende se partilhe o património comum do casal dissolvido por divórcio; cabendo aí determinar qual o acervo patrimonial conjugal a partilhar, tal pressupõe necessariamente a determinação de todos os bens propriedade dos cônjuges e se são bens próprios ou comuns do casal, pois que só os comuns são para partilhar; o êxito de cada uma das pretensões passa, em ambas as acções, pelo reconhecimento de quais os bens que são próprios do Autor. E concluiu que existe identidade de causa de pedir a causa de pedir de ambas as acções é precisamente a mesma - o divórcio das partes e seu efeito relativamente ao património dos cônjuges. Contrapõe o recorrente que a presente acção tem como causa de pedir, o reconhecimento dos bens próprios, que advieram ao seu património próprio, na constância do casamento, o qual, foi celebrado sob o regime de comunhão de adquiridos, mas que lhe pertencem por direito próprio; sendo bens próprios, não podem ser relacionados em sede de inventário à luz do art° 25° da Lei 23/2013, de 5 de Março, em que “é relacionado pelo cabeça de casal a relação de bens comuns do casal dissolvido”. Por isso, sustenta, não ocorre qualquer risco do tribunal recorrido vir a contradizer ou a reproduzir a decisão a proferir nestes autos, em que no Processo de inventário, mesmo colocado primeiro, em nada vai influenciar ou alterar os factos que forem dirimidos e reconhecidos por sentença de condenação nos presentes autos, porque a causa de pedir é substancialmente diferente, em que levam a decisões jurídicas diferentes, e, não se impor-se-á, por via do caso julgado ao Processo de Inventário, porque o objecto e a causa de pedir formam decisões jurídicas e casos julgados assente em factos diferentes. Com o devido respeito, semelhante raciocínio não se mostra de acolher. Em sede de processo de inventário, e da relação de bens nos termos do art.º 25.º da Lei 23/2013, quaisquer bens pertencentes aos cônjuges interessados são potencialmente susceptíveis de serem relacionados como bens que integram o património comum do casal e, por maioria de razão, os adquiridos na constância do vínculo matrimonial, como aqueles que o recorrente reivindica na presente acção. Se, de acordo com o direito substantivo aplicável, tais bens devem considerar-se próprios de um dos cônjuges e, como tal, excluídos do acervo a partilhar, é questão a resolver no âmbito do processo inventário, conforme o disposto no art.º 32.º, n.º 1, al. b), 35.º e 36.º, todos da Lei 23/2013. Só quando o notário se abstém de decidir e remete os interessados para os meios judiciais comuns (n.º 1 do art.º 36.º) ou, com base numa apreciação sumária das provas produzidas, deferir provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às acções competentes (n.º 3 do mesmo artigo), se permite às partes discutir em acção com processo comum a propriedade daqueles bens cuja relacionação não foi objecto de acordo. Se assim não fosse, sempre persistiria o risco de, em sede de inventário os bens em crise poderem vir a ser declarados comuns, e próprios na acção comum, ou vice-versa. Nem fará sentido argumentar que a presente acção tem como causa de pedir o reconhecimento dos bens próprios, que advieram ao seu património próprio, porque esse é precisamente o quod demonstrandum est, quer na presente acção, quer no processo de inventário, verificando-se todos os pressupostos da litispendência entre ambas as acções. No entanto, sabido que no processo do processo de inventário que corre termos no Cartório Notarial da Dr.ª D…, com o n° 1760/15, apesar de ter sido o primeiro instaurado, foi aquele em que a ré foi citada posteriormente, dúvidas não cabem de que era no processo de inventário, e não na presente acção, que a litispendência deveria ter sido deduzida e declarada, para os efeitos tidos por convenientes quanto à tramitação daquele processo. Nada obsta, assim, ao prosseguimento dos presentes autos, impondo-se, a revogação do douto despacho saneador recorrido. Decisão. Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, em função do que revogam o despacho saneador sentença recorrido, devendo os autos prosseguir os seus termos.Custas pelo vencido a final. Porto, 2017/06/04 João Proença Maria Graça Mira Estelita de Mendonça |