Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2092/11.8TBOAZ-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
ASSUNÇÃO DE DÍVIDA
EXONERAÇÃO DO CO-DEVEDOR PERANTE O CREDOR
Nº do Documento: RP201309172092/11.8TBOAZ-B.P1
Data do Acordão: 09/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Na partilha dos bens do casal, na sequência de divórcio, a assunção por um deles do pagamento de um crédito hipotecário só exonera o outro cônjuge de responsabilidade perante o credor se este expressamente o libertar dessa obrigação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. N.º 2092/11.8TBOAZ-A.P1
Do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis.
REL. N.º 851
Relator: Henrique Araújo
Adjuntos: Fernando Samões
Vieira e Cunha
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO

Na sequência do trânsito em julgado da sentença que decretou o divórcio entre B… e C…, foi instaurado processo de inventário para partilha dos bens de casal, nos termos do artigo 1404º do CPC.

O B… foi nomeado cabeça-de-casal e apresentou a relação de bens de fls. 6, constituída por vários bens móveis, identificados em 22 verbas, um bem imóvel, descrito sob a verba n.º 23, e duas dívidas, uma, com o n.º 1, ao “D…, S.A.” e outra, com o n.º 2, ao “E…”.

Ambas as instituições bancárias reclamaram os seus créditos – cfr. fls. 15 a 48.

Rectificada a relação de bens quanto ao valor exacto das dívidas do casal, realizou-se a conferência de interessados, na qual estiveram presentes os ex-cônjuges e o Ex.º mandatário do D…, e de cuja acta (fls. 51 e seguintes) consta o seguinte:
“De imediato, foi pedida a palavra pela patrona da requerente que, no uso da mesma, disse estarem de acordo quanto à partilha nos seguintes termos:
Requerente e requerido aprovam o passivo.
São adjudicadas ao cabeça de casal (B…) as verbas nºs 1 (um), 2 (dois), 3( três), 4 (quatro), 5 (cinco), 6 (seis), 7 (sete), 8 (oito), 9 (nove), 10 (dez), 11 (onze), 12 (doze), 13 (treze), 16 (dezasseis), 17 (dezassete), 18 (dezoito), 20 (vinte), 21 (vinte e um) e 23 (vinte e três) do ativo da relação de bens, pelos valores nela constantes;
São adjudicadas à requerente (C…) as verbas nºs 5 (cinco), 14 (catorze), 15 (quinze) e 22 (vinte e dois) do ativo da relação de bens e pelos valores nela constantes.
O cabeça de casal (B…) declarou assumir a responsabilidade pelo passivo.
Prescindem do depósito de tornas
Seguidamente a Mmª Juiz deu por encerrada a diligência, ordenando que se notificasse a Ilustre Patrona nomeada, nos termos e para o disposto no artº 1373 do C. P. Civil, o que foi cumprido de imediato”.

Cumprindo a determinação do tribunal, a requerente do inventário, C…, apresentou a seguinte forma à partilha (cfr. fls. 53):
“Os interessados foram casados no regime de comunhão de adquiridos.
Soma-se o valor das verbas 1 a 23, sendo o valor desta soma o total do activo dos bens comuns do casal.
O valor do passivo é o que resulta da soma das verbas 1 e 2 do mesmo.
Soma-se o valor destes bens comuns, após o que se divide o mesmo por dois, constituindo cada metade a porção de cada um dos interessados.
De ambos os interessados sai ainda a obrigação de liquidação do passivo.
O preenchimento dos respectivos quinhões é realizado de acordo com as adjudicações acordadas na conferência de interessados, no que toca a activo e passivo, havendo os interessados prescindido do depósito de tornas.”

Por despacho datado de 22.10.2012, a Mmª Juíza ordenou que se elaborasse o mapa de partilha de acordo com a forma indicada pela requerente – cfr. fls. 55.

Foi, então, elaborado o mapa de fls. 56 e seguintes, que se reproduz:
I.
DETERMINAÇÃO DO ATIVO
Bens comuns do casal
Verba nº 1 280.00 €
Verba nº 2 40.00 €
Verba nº 3 80.00 €
Verba nº 4 40.00 €
Verba nº 5 150.00 €
Verba nº 6 150.00 €
Verba nº 7 160.00 €
Verba nº 8 350.00 €
Verba nº 9 50.00 €
Verba nº 10 50.00 €
Verba nº 11 300.00 €
Verba nº 12 60.00 €
Verba nº 13 500.00 €
Verba nº 14 1.200.00 €
Verba nº 15 30.00 €
Verba nº 16 125.00 €
Verba nº 17 25.00 €
Verba nº 18 20.00 €
Verba nº 19 100.00 €
Verba nº 20 800.00 €
Verba nº 21 300.00 €
Verba nº 22 2.000.00 €
Verba nº 23 (imóvel) 8.228.45 €

TOTAL DOS BENS A PARTILHAR 15.228.45 €
II
DETERMINAÇÃO DO PASSIVO
Verba nº 1 47.958,04 €
Verba nº 2 6.547,11 €

TOTAL 54.505,15 €
III
OPERAÇÕES DE PARTILHA
Operando de harmonia com o douto despacho com a refª 3749948, soma-se o valor das verbas 1 a 23 da relação de bens que constituem o ativo, que se divide em duas partes iguais, encontrando-se assim a meação de cada um dos interessados, no valor de 7.614,22 €.
IV
Foi reconhecido e aprovado o passivo no montante de 54.505,15 €, sendo ambos os interessados responsáveis pelo seu pagamento em partes iguais.
O preenchimento dos quinhões deverá ser feito de acordo com a adjudicação na conferência de interessados cfr. ata de fls. 51,52.
V
PAGAMENTOS
Requerente C…
Sua meação 7.614,22 €
Foram-lhe adjudicadas as verbas nºs 5, 14, 15 e 22 3.380,00 €
Tem a menos -4.234,22 €
Que recebe em tornas de B…, prescindidas do seu depósito.
É ainda responsável pelo pagamento de metade do passivo no montante de 27.252,57 €
Requerido B…
Sua meação 7.614,22 €
Foram-lhe adjudicadas as verbas nº 1, 2, 3, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22, e 23 11.848,45 €
Tem a mais 4.234,00 €
Que repõe em tornas á requerente C…, que prescindiu do seu depósito.
É ainda responsável pelo pagamento de metade do passivo no montante de 27.252,57 €
VALOR PARTILHADO: 15.228,45 € (QUINZE MIL DUZENTOS E VINTE E OITO EUROS
E QUARENTA E CINCO CÊNTIMOS).

Do mapa reclamou a requerente (cfr. fls. 61).
Pediu a alteração de 50,00 € para 240,00 € do valor da verba n.º 10, a consignação de que não há tornas a pagar ou a receber, dado o apuramento de saldo negativo, e o reconhecimento de que o interessado B… assumiu a responsabilidade pelo passivo, devendo este ser-lhe atribuído.

A reclamação foi deferida apenas quanto ao pedido de alteração do valor da verba n.º 10, indeferindo-se quanto ao restante, com o fundamento de que a elaboração do mapa de partilha obedeceu à forma que a própria requerente apresentou (cfr. fls. 64).

Corrigido o mapa, a Mmª Juíza homologou, por sentença, o modo de partilha dele constante, “adjudicando a cada um dos interessados os respectivos quinhões, tal como deliberado na conferência de interessados realizadas em 18 de Setembro de 2012” – (cfr. fls. 68).

A requerente recorreu da sentença homologatória da partilha.
O recurso foi admitido como sendo de apelação, com efeito devolutivo – cfr. fls. 75.

Nas alegações de recurso a apelante pede a revogação da decisão em causa, na parte em que atribui a responsabilidade do pagamento do passivo a ambos os ex-cônjuges, formulando, para o efeito, as conclusões que seguem:

1. A ora recorrente requereu a instauração do presente processo de inventário para partilha dos bens comuns do casal que constituiu com o Requerido, na sequência de ter sido decretado o divórcio entre ambos.
2. Pelo Requerido, que foi nomeado cabeça de casal, foram relacionados os bens comuns (móveis e imóvel) coma as verbas 1 a 23 do ativo.
3. Foi ainda relacionado o seguinte passivo: verba 1 – dívida ao D… no valor de € 48.338,03 resultante de empréstimo realizado junto da referida entidade bancária com o nº ………, o qual se encontra garantido por hipoteca registada sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o nº 137-A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo Urbano 2342 da freguesia de Oliveira de Azeméis (à data de 26/01/2012); e verba 2 – Dívida ao E… no valor de € 6.470,22 resultante de empréstimo realizado, a título de crédito pessoal, junto da referida entidade bancária com o nº ……… (à data de 08/10/2011).
4. Da relação de bens reclamou o D…, SA, a favor do qual existe uma hipoteca voluntária sobre fracção autónoma identificada como verba 23 da relação de bens, sustentando que o seu crédito deve ser relacionado pelo montante de € 47.958,04.
5. Da mesma relação de bens reclamou o E1…, SA pretendendo que o seu crédito seja relacionado pelo valor de 6.547,11.
6. Teve lugar a conferência de interessados à qual compareceram a ora recorrente, acompanhada da sua patrona oficiosa e o cabeça de casal.
7. No âmbito da conferência de interessados a ora recorrente e o cabeça de casal, aprovaram o passivo.
8. Acordaram na adjudicação dos bens que haviam de compor as suas meações, tendo as verbas 1 a 13, 16 a 18, 20, 21 e 23 do ativo sido adjudicadas ao cabeça de casal e as verbas 5, 14, 15 e 22 do ativo sido adjudicadas à ora recorrente.
9. Houve igualmente acordo quanto ao passivo, no montante global de € 54.505,15, que ficou a cargo do cabeça de casal.
10. A ora recorrente pronunciou-se sobre a forma à partilha.
11. Foi elaborado o mapa de partilha e posto o mesmo em reclamação.
12. No mapa da partilha a verba 10 apresentava um valor diferente do atribuído na relação de bens à identificada verba e o preenchimento dos quinhões, em concreto a atribuição do passivo, não tenha sido efectuado em conformidade com o acordado na conferência de interessados.
13. Na conferência de interessados o cabeça de casal assumiu a totalidade do passivo e no mapa à partilha o passivo era dividido em duas partes iguais e atribuído à ora recorrente e ao cabeça de casal.
14. A ora recorrente apresentou reclamação do mapa da partilha quanto à determinação do ativo e quanto às operações de partilha invocando que “no mapa à partilha a verba n.º 10 do ativo encontra-se com um valor de € 50,00, não correspondendo ao valor atribuído de € 240,00 constante na relação de bens apresentada” e que, “salvo melhor entendimento, para apurar o valor líquido a partilhar deduz-se o valor do passivo (€ 54.505,15) ao valor do ativo (15.228,45). No caso em concreto o valor apurado é negativo (- € 39.276,70), não havendo pois valor líquido a partilhar. Não há, pois, tornas a pagar nem a receber”.
15. A ora recorrente invocou ainda que a elaboração do mapa à partilha quanto ao passivo, não foi efectuada em conformidade com o acordado na conferência de interessados, uma vez que “nos termos acordados na conferência de interessados e constantes da respectiva Acta o interessado e cabeça de casal B… declarou assumir a responsabilidade pelo passivo, pelo que é a este que o passivo deverá ser atribuído na sua totalidade”.
16. Mais requereu que se procedesse à rectificação do mapa de partilha em conformidade.
17. O Tribunal a quo proferiu despacho a deferir a reclamação quanto ao valor constante do mapa de partilha relativo à verba 10, no sentido de ordenar a sua rectificação.
18. Indeferiu a reclamação quanto às operações de partilha e bem assim a reclamação quanto ao facto de no mapa de partilha a atribuição do passivo estar em contradição com o acordado, por unanimidade, pelo cabeça de casal e ora recorrente na conferência de interessados.
19. No entendimento da R., ora recorrente, tal decisão contém lapsos de natureza jurídica susceptíveis de ponderação através do presente recurso, apenas na presente momento, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 1373º do C.P.C., além de nos permitir raciocinar qual o sentido último das decisões judiciais.
20. O mapa de partilha ao ser elaborado da forma que o foi, não só não respeitou a vontade real das partes como violou o disposto no artigo 1353º do C. P. C.
21. Na conferência de interessados, a vontade dos interessados é soberana, podendo, em certos casos, as deliberações dos interessados presentes vincularem os interessados ausentes. Se se permite tal alcance e soberania à vontade dos interessados presentes, ter-se-á de permitir e conceder um alcance idêntico ao acordo e vontade unânime declaradas pelos interessados.
22. Foi vontade unânime dos interessados, ora recorrente e cabeça de casal que, na conferência de interessados o passivo fosse aprovado e assumido na sua totalidade pelo requerido e cabeça de casal.
23. Essa foi a vontade real e unânime dos interessados manifestada na conferência de interessados.
24. O acordo dos interessados pode, no limite, se o juiz considerar que a simplicidade da partilha o consente, por fim ao processo de inventário.
25. Ter-se-á sempre de ter como princípio fundamental e basilar que o acordo unânime dos interessados na conferência de interessados quanto à composição dos quinhões, nomeadamente quanto à assunção da responsabilidade pelo passivo é o que define, baliza e determina essa mesma composição dos quinhões e a assunção da responsabilidade pelo passivo.
26. Nos termos do disposto no nº 3 do artigo 11º do C.C., na interpretação da lei e na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.
27. E, se o legislador, tendo a possibilidade de atribuir poder ao tribunal a quo para decidir de forma diverso do acordado por unanimidade na conferência de interessados quanto à composição dos quinhões, quanto ao ativo e quanto ao passivo, não o fez, devemos concluir que foi essa a vontade do legislador e não outra!!!
28. Pelo que, salvo melhor entendimento, não andou bem o Tribunal a quo quando, ao elaborar o mapa à partilha, dividiu a totalidade do passivo existente em duas partes iguais e atribuiu uma das partes à ora recorrente e a outra ao requerido, cabeça de casal, quando na conferência de interessados, por acordo, por unanimidade, o cabeça de casal assumiu a responsabilidade pela totalidade do passivo existente.
29. O despacho do Tribunal a quo ao indeferir parcialmente a reclamação ao mapa de partilha apresentada violou a liberdade de escolha das partes, a real vontade das partes e ainda o disposto no artigo 1353º do CPC.
30. A sentença dos autos, ao homologar um mapa de partilha ferido de invalidade, por violador da vontade real declarada pelas partes, por unanimidade, na conferência de interessados e do constante no regime legal do inventário, no seu artigo 1353º do C.P.C., deverá ser revogada e em sua substituição, proferida uma outra que ordene a elaboração do mapa de partilha em conformidade com o acordado, por unanimidade, na conferência de interessados, nos termos descritos pela ora recorrente pelos motivos acima assinalados ou outro que V.ª Ex.ª julgue pertinente.

Não foram apresentadas contra-alegações.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente, a única questão a apreciar é a de saber se, no mapa de partilha e na sentença que o homologou, o pagamento do passivo deve ficar à inteira responsabilidade do ex-cônjuge da apelante, de acordo com o deliberado na conferência de interessados.
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II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Além do que se descreveu no antecedente relatório, têm interesse para a decisão do recurso os seguintes factos:

1. Sob a verba n.º 23 da relação de bens encontra-se descrito o “prédio urbano destinado a habitação correspondente ao rés-do-chão direito, composto de cozinha, sala comum com varanda exterior, 2 quartos, quarto de banho, com uma casa de arrumos na cave designado pela mesma letra da fracção e ainda espaço destinado a aparcamento de um carro ligeiro na área comum da cave para esse fim, sito na freguesia de Oliveira de Azeméis, descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 137-A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano 2342, com o valor patrimonial de 8.228,45 €.

2. Sob a verba n.º 1 do passivo encontra-se descrita uma dívida ao D…, no valor de 47.958,04 €, resultante de empréstimo realizado junto da referida entidade bancária com o n.º ………, o qual se encontra garantido por hipoteca registada sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Oliveira de Azeméis sob o n.º 137-A e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo urbano 2342 da freguesia de Oliveira de Azeméis.

3. Sob a verba n.º 2 do passivo encontra-se descrita uma dívida ao E1… no valor de 6.547,11 €, resultante de empréstimo realizado, a título de crédito pessoal, junto da referida entidade bancária.
O DIREITO

A partilha dos bens do casal, na sequência de divórcio, faz-se de harmonia com o regime de bens adoptado.
No caso, o regime é o da comunhão de adquiridos (artigo 1721º e seguintes, do CC), pelo que cada cônjuge terá direito a receber os seus bens próprios – havendo-os – e a sua meação no património comum, conferindo previamente o que por cada um deles for devido a esse património – artigo 1689º, n.º 1, do CC. Havendo passivo a liquidar, são pagas em primeiro lugar as dívidas comunicáveis até ao valor do património comum, e só depois as restantes – n.º 2 do mesmo artigo.
É à conferência de interessados que cabe a aprovação do passivo e a forma do seu pagamento – artigo 1353º, 3, do CPC. Por isso que, sendo sujeitas à deliberação da conferência de interessados, e aprovadas por todos os interessados, consideram-se judicialmente reconhecidas as dívidas do casal, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no seu pagamento – artigo 1354º, n.º 1, do CPC.
Neste inventário, além dos móveis e imóvel a partilhar, havia dívidas do casal a terceiros, uma das quais, a mais vultuosa, garantida por hipoteca sobre o imóvel acima referido.
Quanto a esse passivo, aprovado por ambos os interessados, o cabeça-de-casal assumiu a responsabilidade pelo seu pagamento, como resulta, clara e inequivocamente, da acta da conferência de interessados.
É importante relembrar que as deliberações dos interessados, tomadas, por maioria ou unanimidade, na conferência, apresentam-se como verdadeiras decisões que o juiz tem de acatar[1], em nome do princípio da liberdade contratual, desde que não violem as disposições legais imperativas.
Pois bem:
No caso dos autos, os interessados acordaram em que o imóvel da verba n.º 23 fosse adjudicado ao cabeça-de-casal e acordaram ainda em que fosse este a suportar todo o passivo, não só o hipotecário, mas também o resultante do crédito pessoal concedido pelo E… ao casal.
Do contrato de mútuo hipotecário de fls. 30 e seguintes consta que ambos os ex-cônjuges se confessaram devedores do Banco credor pelo montante do empréstimo acordado, tendo sido constituída hipoteca sobre o imóvel adquirido com o capital mutuado.
A transmissão singular da dívida resultante desse contrato de mútuo hipotecário de um dos co-devedores originários ao outro, para que seja eficaz perante o Banco credor, carecia do consentimento expresso deste no sentido de que libertava o outro co-devedor do referido débito (assunção liberatória da dívida). De contrário, ou seja, na falta da declaração expressa exigida pelo n.º 2 do artigo 595º, ambos os cônjuges respondem solidariamente pela dívida perante o credor (assunção cumulativa da dívida).
O mesmo sucede no tocante ao contrato de crédito pessoal concedido aos ex-cônjuges pelo E…, que não só não consentiu expressamente na assunção da dívida por parte do cabeça-de-casal, como até fez saber que “não desonera os intervenientes das suas responsabilidades” – cfr. fls. 54.
Não houve, portanto, liberação da ex-cônjuge C… das duas dívidas bancárias, perante as entidades credoras, na medida em que estas não deram o seu consentimento expresso à transmissão das dívidas da requerente para o seu ex-marido.
Mas se isto é assim no plano da eficácia do acordo dos interessados na partilha perante os seus credores, o mesmo não pode dizer-se no âmbito das relações internas do inventário para partilha dos bens do casal dissolvido, sendo este o particular campo em que nos movemos.
O facto de o pagamento de todo o passivo ter ficado apenas a cargo do ex-marido tem exclusivamente efeitos internos, nas relações intra-meeiros e não nas relações externas, não afectando os direitos dos credores sobre os mutuários[2]. É unicamente daquelas relações que cuidamos no caso em apreço e, sendo assim, não podemos deixar de dar razão à apelante.
Com efeito, o mapa de partilha e a sentença que o homologou têm necessariamente de reflectir o acordo alcançado pelos ex-cônjuges na conferência de interessados, nomeadamente no que concerne à responsabilidade assumida pelo ex-marido e cabeça-de-casal quanto à liquidação do passivo descrito e aprovado, independentemente da forma menos feliz como foi sugerida, nesse particular aspecto, a forma à partilha dada pela requerente, que o tribunal viria a adoptar.
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III. DECISÃO

Nos termos que ficaram expostos, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando-se a sentença que homologou o mapa de partilha e determinando-se que se proceda à elaboração de novo mapa, consentâneo com o deliberado na conferência de interessados relativamente ao passivo, conforme discorremos supra.
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Sem custas.
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PORTO, 17 de Setembro de 2013
Henrique Luís de Brito Araújo
Fernando Augusto Samões
José Manuel Cabrita Vieira e Cunha
_______________
[1] Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, II Volume, 3ª edição, páginas 89/90.
[2] Cfr. o acórdão do STJ de 11.12.2001, em CJSTJ, Ano IX, Tomo III, páginas 143 e seguintes.