Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | JOÃO PEDRO NUNES MALDONADO | ||
Descritores: | DESPACHO DE SUSTENTAÇÃO LIMITES BUSCA DOMICILIÁRIA EXCEPCIONALIDADE PROPORCIONALIDADE | ||
![]() | ![]() | ||
Nº do Documento: | RP20190508921/18.4GAMAI-A.P1 | ||
Data do Acordão: | 05/08/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | PROVIDO | ||
Indicações Eventuais: | 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 798, FLS 89-93) | ||
Área Temática: | . | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I - A sustentação ou reparação de uma decisão que conheça, a final, do mérito da causa, é entendida como um poder-dever do tribunal recorrido. II – No entanto, deve o decisor sustentar a decisão com contra-argumentação que apenas o acto recursivo possibilita (ampliando a estrutura justificativa, na vertente da demonstrativa e no âmbito da metodologia lógico-formal, a estrutura verificativa no domínio operativo das ciências positivas, ou a motivação legal com referência aos quadros normativos) ou repará-la, reconhecendo a validade argumentativa expressa no recurso. III – A busca domiciliária interfere com a inviolabilidade do domicílio consagrada no art.º 34º da CRP. IV - Essa interferência, de caracter excepcional, terá de obedecer a exigências rígidas e ser controlada por um Juiz, quer na sua autorização, quer na sua validação. V - Dada a natureza excepcional da violação daquele direito constitucionalmente protegido, terá de ser subordinada à idoneidade, à necessidade e à proporcionalidade stricto sensu, ponderadas por esta ordem e de forma sequencial mas integrada. VI - Não pode o juiz de instrução, com fundamento numa percepção pessoal relativamente aos elementos subjectivos de um tipo legal objectivo de crime, que reconhece, indeferir a autorização de um meio de obtenção da prova pois que o mesmo juízo pessoal efectuado poderá contrastar com aquele que outro decisor, também subjectivamente, poderia, eventualmente, extrair. | ||
Reclamações: | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Processo nº921/18.4GAMAI-A.P1 Acórdão deliberado em conferência na 2º secção criminal do Tribunal da Relação do Porto. * I. O MºPº veio interpor recurso da decisão proferida no processo de inquérito nº921/18.4GAMAI pelo Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos – Juiz 1, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, que indeferiu uma promoção de busca domiciliária.* I.1. Promoção apresentada pelo MºPº (transcrita nos segmentos relevantes).Nos presentes autos B… veio dar conta que no dia 02.09.2018 quando estava a chegar ao parque de estacionamento do “C…” (…) saiu do interior do seu veiculo e dirigiu-se à porta traseira do seu veiculo para retirar a sua filha quando se apercebeu que um senhor que se encontrava no interior do veículo de matrícula ..-..-EL começou a tirar fotografias com o seu telemóvel na direcção da denunciante e da sua família. E quando esta o tentou abordar aquele colocou-se em fuga. Inquirida a denunciante esta confirmou os factos denunciados. Mais referiu que neste dia, na companhia do seu marido e das duas filhas menores estavam a chegar ao estacionamento do C…e no …, no parque inferior, no interior do veículo de matricula ..-VC-.., sendo que era o seu marido o condutor. A intenção era parar naquele estacionamento uma vez que iam fazer compras sendo que a sua filha mais velha D… se estava a sentir indisposta e daí terem estacionado da forma indicada nas imagens, ou seja, de forma apressada. A depoente saiu do veículo e dirigiu-se à porta de trás do seu veículo quando se apercebeu que um outro veículo parou atrás do seu veículo e tirou fotografias dirigidas a si e ao seu veículo automóvel. Tentou abordá-lo e ele fugiu. Sendo que quando foi atrás do mesmo para o abordar fixou a matrícula. O veículo em que o mesmo se fazia transportar era de matrícula ..-..-EL. Conseguiu ver a cara do seu condutor. Não conseguiu perceber qual foi o objectivo de tal atitude. Sendo que a única explicação que vê foi o facto de, naquele momento ao tentarem parar à pressa pelo facto de sua filha estar indisposta (ela sofre de refluxo patológico e estar naquele momento a engasgar-se), terem parado momentaneamente num local reservado aos deficientes, sendo que posteriormente foram estacionar em local devido. O seu marido não conhece o veículo onde o denunciado se fazia seguir. Não tem dúvidas em afirmar que a pessoa retratada a fls. 21 era a pessoa que lhe tirou as fotografias com o seu telemóvel. O seu marido naquele momento não se apercebeu do que o denunciado estava a fazer, tendo se apercebido que a depoente foi a correr atrás de tal veiculo e só posteriormente lhe explicou o que tinha acontecido. Foram visualizadas as imagens juntas aos autos (hora 14.48.54) onde está retratado de forma visível os factos, sendo perceptível a chegada do veiculo onde a denunciante se fazia transportar e quando esta já está no exterior do seu veiculo aproxima-se o veiculo de matricula ..-..-IL que para atrás dos mesmos, sendo que o seu condutor pega no seu telemóvel que direcciona para o veiculo da denunciante quando a mesma já se encontrava no exterior. Os factos denunciados são susceptíveis de configurar um crime de fotografias ilícitas, p.p. nos termos do artigo 199.º, n.º2, alínea a), do C.Penal. Nos autos existem indícios suficientes da prática do aludido ilícito por parte do denunciado sendo que não sabemos, ainda, qual o motivo concreto que o levou a ter aquela atitude sendo que ele terá tirado as aludidas fotografias no momento em que a denunciante já se encontrava no exterior da sua viatura existindo fundada suspeita de que o mesmo tenha conseguido fotografá-la Nos autos entende-se pertinente apreender o telemóvel do denunciado de modo a apurar se aquele ainda guarda no seu telemóvel as aludidas fotografias, sendo este elemento essencial para a prova dos factos denunciados. Pelo que se entende pertinente a realização de buscas à residência do denunciado tendente a apreender o aludido telemóvel ou qualquer outro equipamento informático onde aquele possa ter guardado as aludidas fotografias e para posterior exame de tais equipamentos. Nesta conformidade, concluam-se os autos ao Exmo Juiz de Instrução, a quem se promove que seja ordenada a realização de busca na residência, anexos e garagens, de E… e sita na Rua …, .., … – arts. 174º, nºs 1 e 2, 176º, 177º, nº1, 178º e 269º, nº1, al. a), todos do Código de Processo Penal. * I.2.Decisão recorrida (que se transcreve integralmente). Com todo o respeito por diferente entendimento, a situação que nos é apresentada pelo Ministério Público nos fotogramas de fls. 35 e 36, juntamente com um reconhecimento fotográfico que não pode valer como meio de prova nos termos do artigo 147.º, n.º 1 e n.º 5, do Código de Processo Penal, não justifica legalmente a pretendida autorização de busca à residência do cidadão identificado a fls. 20 e 21. Nestes termos, indefere-se a requerida busca domiciliária. * I.3. Recurso do MºPº (conclusões que se transcrevem integralmente). 1° Nos presentes autos investiga-se a prática de um eventual crime de gravações e fotografias ilícitas, p e p pelo art. 199°, n° 2, a) do Cód. Penal, tendo ficado indiciado, através da análise do CD de video-vigilância, da consulta da base de dados e da inquirição da ofendida, que o denunciado, E…, com o seu telemóvel captou imagens da ofendida e das duas filhas menores, sem autorização destas, tendo evitado o confrontado da ofendida, fugindo do local conduzindo o seu veículo matrícula ..-..-EL. 2° Importando proceder à apreensão do telemóvel bem como de qualquer equipamento informático onde aquele possa ter guardado as aludidas fotografias, foi promovida a autorização para realizar a busca domiciliária à residência do denunciado, por se considerar tal diligência essencial para a prova dos factos denunciados. 3° O MM° Juiz a quo indeferiu a autorização para se proceder à busca domiciliária nos seguintes termos: “... a situação que nos é apresentada pelo Ministério Público nos fotogramas de fls. 35 e 36, juntamente com um reconhecimento fotográfico que não pode valer como meio de prova nos termos do artigo 147º, n.° 1 e n.° 5, do Código de Processo Penal, não justifica legalmente a pretendida autorização de busca à residência do cidadão identificado a fls. 20 e 21. 4° O recurso à realização de buscas domiciliárias não está dependente da existência prévia de diligências de prova nem da comprovação do crime relativamente ao qual tal meio de obtenção de prova é admitido, estando apenas subordinado aos requisitos enunciados nos arts. 174, n° 3 e art. 177°, n.º 1 e 269, n° 1, c) todos do CPP. 5° Não se exige, sequer, que os indícios sejam suficientes ou fortes, devendo apenas ser apurada a mera probabilidade, ainda que séria, da existência do objeto que se pretende apreender estar em lugar reservado, sendo este objecto necessário para a prova do crime que se investiga. 6° Para além de ser necessária e adequada, a busca domiciliária afigura-se proporcional e justificada não só em nome da defesa da descoberta da verdade e da administração da justiça, corno da defesa do direito da imagem da ofendida e filhas, direito, este, que goza de igual protecção constitucional e penal. 7º O direito fundamental à reserva do domicílio, previsto no art. 34°, n° 2 da CRP, não pode justificar o aniquilamento do conteúdo do direito à imagem, previsto no art. 26°, n° 4 da CRP. 8° Não podemos restringir a busca domiciliária para os crimes que se mostrem mais graves, (até por que este conceito não é pacifico nem unanime) indo para além do estipulado na lei. 9° O despacho recorrido ao indeferir a busca domiciliária quando tal diligência de prova se mostra justificada, face aos indícios de que este guarda em sua casa o telemóvel que usou e outros equipamentos informáticos onde estarão gravadas as fotografias que são o objecto e elemento de prova essencial do crime em investigação (o crime de p e p nos termos do art. 199°, n° 2, a) do Cód. Penal) e sendo tal busca essencial para a descoberta da verdade e proporcional, atento o equilíbrio entre os bens jurídicos conflituantes, ou seja, por um lado a inviolabilidade do domicilio e, por outro, o direito à imagem e a eficiência da justiça criminal, violou o disposto nos arts. 174°, n° 2, 177°, 269°, n° 1 c) do CPP e o disposto nos arts. 26°, n° 1 e 18°, n° 1 e n° 2 da Constituição da República Portuguesa. * I.4. Despacho de sustentação (que se transcreve integralmente).A versão dos factos apresentada pela Exma. Magistrada do Ministério Público, que segue a versão da denunciante, não é corroborada pelo registo de imagens da câmara de videovigilância que merece análise cuidada. Esse filme, constante do CD junto aos presentes autos, inclui um relato vídeo bastante diferente do alegado pela recorrente e permite compreender a ocorrência em questão. À hora indicada pelo Ministério Público, o veículo onde a denunciante se fazia transportar entra no parque de estacionamento do estabelecimento C…, na Maia, vira rapidamente à esquerda, entrando num corredor onde a sinalização de trânsito marcada no pavimento indica que se trata de uma via destinada à circulação em sentido contrário, após o que vira novamente à esquerda imobilizando-se sobre dois lugares de estacionamento, um deles reservado a veículos de pessoas com deficiência (fotogramas do canto superior esquerdo a fls. 32 a 35 da certidão). Aquele registo vídeo indicia que o condutor daquela viatura praticou, em curtos instantes, duas contra-ordenações previstas como graves no artigo 145.º, n.º 1, alíneas a) e p) do Código da Estrada, com referência ao artigo 48.º, n.º 1 e n.º 5, do mesmo Código. Assim, o que terá chamado a atenção do denunciado e terá motivado o registo fotográfico com telemóvel terá sido a atitude do condutor daquele veículo que, entrando em contramão naquele corredor do parque de estacionamento, ocupou dois lugares de estacionamento, um dos quais reservado a pessoas com deficiência. Se o suspeito parou para tirar fotografias, como a denunciante afirma e parece resultar das imagens, o objectivo não seria a imagem da denunciante e família, pela simples razão de estas pessoas ainda permanecerem sentadas no interior do veículo, de costas para o “fotógrafo”. Isso mesmo é implicitamente reconhecido pela denunciante quando declarou a fls. 19 da certidão: “a única explicação que vê foi o facto de, naquele momento, ao tentarem parar à pressa pelo facto de a filha estar indisposta (…) terem parado momentaneamente num local reservado aos deficientes”. Conforme se depreende do registo vídeo, o objectivo da acção do denunciado não foi registar a imagem da denunciante e família, mas sim documentar a supra descrita violação do espaço de estacionamento reservado a pessoas com deficiência (cfr. imagem de fls. 21 da certidão). A intenção mais provável do gesto do denunciado terá sido a de censurar e corrigir a atitude do condutor que, desnecessariamente, ocupava dois lugares de estacionamento. Assim, não se indiciando o dolo ou intenção de violar o bem jurídico do direito à imagem das pessoas, mas antes uma intenção de correcção ou crítica social, um “animus corregendi”, não há crime. Consequentemente, não há motivo legal que justifique uma busca domiciliária. Nestas circunstâncias, “pretendendo a denunciante procedimento criminal contra o condutor do veículo, uma vez que desconhece qual a motivação do senhor para estar a tirar fotografias sem o seu consentimento”, a realização de uma busca domiciliária para a apreensão do telefone móvel do denunciado parece-nos manifestamente excessiva para a investigação, à luz de critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, e dos princípios constitucionais da inviolabilidade do domicílio e da reserva da vida privada. Pelo exposto, mantemos o despacho recorrido, sem prejuízo de Vossas Excelências decidirem a melhor Justiça. * I.5. Parecer do MºPº nesta relação (que se sintetiza).O que se procura e se deve saber é se o suspeito tirou fotografias à denunciante e/ou familiares e para tal torna-se imperioso efectuar a busca domiciliária solicitada, a par das outras diligências de busca e revista ordenadas pelo MP, sob pena de se gorar a finalidade da investigação, quer venha a ser a dedução de uma acusação, quer o arquivamento do inquérito, mormente por se chegar à conclusão que nem sequer ocorreu qualquer crime, devendo o recurso ser julgado procedente. * II. Objecto do recurso.São as conclusões da motivação que delimitam o âmbito do recurso. Se ficam aquém a parte da motivação que não é resumida nas conclusões torna-se inútil porque o tribunal de recurso só pode considerar as conclusões e se vão além também não devem ser consideradas porque são um resumo da motivação e esta é inexistente (neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2015, págs. 335 e 336). O recorrente discorda dos fundamentos expostos na decisão recorrida e que determinaram o indeferimento do pedido de autorização de um concreto meio de obtenção da prova – uma busca domiciliaria (artigos 174º, nº2, e 177º do Código de Processo Penal). O segmento dispositivo da decisão recorrida (de indeferimento da autorização da uma busca domiciliária) traduz a conclusão de um raciocínio argumentativo, constituindo o fundamento do referido indeferimento a ausência de justificação legal de autorização de busca à residência de um cidadão em face “da situação apresentada pelo Ministério Público através de fotogramas (fls. 35 e 36) juntamente com um reconhecimento fotográfico que não pode valer como meio de prova nos termos do artigo 147.º, n.º 1 e n.º 5, do Código de Processo Penal”. Porém, no seu despacho de sustentação, o decisor transporta uma argumentação nova, entendendo que “a realização de uma busca domiciliária para a apreensão do telefone móvel do denunciado parece-nos manifestamente excessiva para a investigação, à luz de critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, e dos princípios constitucionais da inviolabilidade do domicílio e da reserva da vida privada.” A sustentação ou reparação de uma decisão que conheça, a final, do mérito da causa (cfr. artigo 414º, nº4, do Código de Processo Penal), é entendida como um poder-dever do tribunal recorrido uma vez que, face à argumentação desconstrutiva efectuada pelo discordante da decisão (que pode conter uma perspectiva desconhecida pelo julgador ou inovatória em relação ao fundamento da decisão, não equacionada pelo tribunal), deve o decisor sustentar a decisão com contra-argumentação que apenas o acto recursivo possibilita (ampliando a estrutura justificativa, na vertente da demonstrativa e no âmbito da metodologia lógico-formal, a estrutura verificativa no domínio operativo das ciências positivas, ou a motivação legal com referência aos quadros normativos) ou repará-la, reconhecendo a validade argumentativa expressa no recurso. A decisão recorrida assenta, exclusivamente, na ausência de meios de prova validamente produzidos (o reconhecimento do suspeito) enquanto a sustentação da tal decisão resvala para a necessidade, adequação e proporcionalidade do meio de obtenção da prova intrusivo solicitado. Apesar de tentados a conhecer, apenas, o valimento da motivação da decisão recorrida, é notória a preocupação do próprio recorrente (em primeira instância e nesta relação) na desconstrução de qualquer argumentação obstativa da autorização que solicitou e, neste sentido, compreendendo de forma adequada as finalidades do processo penal em conjugação com as preocupação inerentes de economia processual e gestão racional do processo, iremos apreciar a motivação da decisão recorrida e do despacho reparatório (em sede de motivação)/sustentatório (quanto ao segmento dispositivo), no seu conjunto, assim permitindo uma deliberação substitutiva. Relativamente aos fundamentos da decisão recorrida pouco teremos que dizer quanto à ausência de razão nela patente. Os meios de prova recolhidos em inquérito: 1º declarações da ofendida/assistente, que presenciou uma acção de registo fotográfico da sua pessoa [pelo menos], reconheceu a fisionomia do autor de tal registo no local, procedeu à anotação da matrícula do veículo que tripulava e declarou que quando o tentou abordar se colocou em fuga; 2º registo de imagens da sucessão dos actos relatados pela ofendida (com excepção da existência de uma imagem claramente identificadora do referido suspeito, apenas peremptória relativamente ao seu género, masculino) que os suportam; 3º pesquisa nas bases de dados da titularidade do direito de propriedade do veículo identificado e recolha de registo fotográfico do titular; 4º reconhecimento, pela ofendida, do registo fotográfico do cidadão titular do referido direito como autor do registos fotográficos presenciados; permitem, sem qualquer dúvida, estabelecido um grau de coerência da denúncia com os meios de prova efectuados, que o cidadão em causa é plausivelmente suspeito de, contra a vontade da ofendida, a ter fotografado ou filmado. E é neste contexto, de investigação (em que se desconhece, ainda, de forma categórica, a identificação do autor da acção investigada e sua própria motivação e intenção) que terá de ser valorado o reconhecimento fotográfico efectuado pela ofendida, naturalmente inapto como meio de prova para acusar ou condenar (cfr. artigo 147º, nbº7, do Código de Processo Penal) mas válido para provocar e justificar a realização de concretos meios de produção da prova (com particular acuidade em todas aquelas condutas investigadas em que, sob pena da frustração das provas que se pretendem obter através daqueles meios – revistas e buscas tendentes à apreensão de objectos que servem de prova). Para efeito de realização de revistas ou buscas não se torna necessário que o suspeito visado reconhecido fotograficamente tenha sido, também, presencialmente reconhecido nos termos do artigo 147º,nº5, do Código de Processo Penal. Já no que concerne à argumentação recursiva, que serviu de apoio ao julgador no seu despacho de sustentação, o centro gravitacional da questão é deslocado para outro patamar: saber se o juiz de instrução, em face dos elementos processuais que lhe foram apresentados, podia ter recusado a autorização de realização da busca domiciliária requerida pelo MºPº. Começaremos por emitir considerações de natureza abstracta em relação ao concreto meio de obtenção da prova requerido pelo MºPº - a busca domiciliária. Ninguém contesta, por constituir um princípio ínsito do humanismo ocidental, a inviolabilidade do domicilio e da correspondência, com tradução no artigo 34º, nº1, da Constituição da República Portuguesa. Também não é contestável, no âmbito das funções do Estado de protecção da comunidade, a possibilidade de interferir naquele princípio constitucional (ressalva que também foi objecto de tradução constitucional – nºs 2, 3 e 4, do mesmo artigo). Esta interferência na inviolabilidade do domicilio, de caracter excepcional, terá de obedecer a exigências rígidas e ser controlada pelo titular do único órgão de soberania independente (e profissional) – artigos 202º, nº1, e 203º da Constituição da República Portuguesa – quer na sua autorização, quer na sua validação (artigos 177º e 269º, nº1, alínea c), do Código de Processo Civil). Tais exigências resumem-se, dada a natureza excepcional da violação daquele direito constitucionalmente protegido, à (1) idoneidade, (2) necessidade e (3) proporcionalidade, ponderadas por esta ordem e de forma sequencial mas integrada. Por idoneidade do meio de obtenção da prova deve entender-se a sua aptidão, adequação, capacidade, para alcançar o fim visado. Por necessidade do meio de obtenção da prova deve entender-se a sua potência ofensiva do direito interferido (interferência compreendida como sinónimo de violação legítima). Por proporcionalidade do meio de obtenção da prova deve entender-se a relação entre o fim visado e o grau de violação (legítima) do direito em causa, com recurso às variáveis disponíveis no momento como, por exemplo: a) a gravidade do tipo legal de crime investigado (aferida com o recurso à moldura penal abstracta conferida pelo legislador, única referência da relevância ético-social do bem jurídico protegido pela norma) e; b) a consistência da suspeição em relação ao visado. É neste particular domínio (consistência da suspeição em relação ao visado) que reside a resistência do juiz de instrução que manifesta no despacho de sustentação uma vez que (com fundamento nos rigorosamente idênticos meios de prova e indícios recolhidos em inquérito a apresentados pelo MºPº para obter a autorização) conclui que “a intenção mais provável do gesto do denunciado terá sido a de censurar e corrigir a atitude do condutor que, desnecessariamente, ocupava dois lugares de estacionamento. Assim, não se indiciando o dolo ou intenção de violar o bem jurídico do direito à imagem das pessoas, mas antes uma intenção de correcção ou crítica social, um “animus corregendi”, não há crime”. A questão não se coloca, assim, sobre a verificação das referidas exigências de autorização do meio de obtenção da prova mas, tão só, da existência de indícios da prática de um crime. Quanto ao mesmos, temos a certeza que o tipo legal objectivo do crime investigado e, em grande medida, a sua autoria (cfr. artigo 199º, nº2, alínea a), do Código Penal), traduzido nos meios de prova já obtidos, se encontra plausivelmente indiciado. Tendo em consideração que nesta fase (inquérito) se investiga a existência de um crime, com determinação do seu autor e sua responsabilidade através da recolha de prova em ordem a concluir pela sua (in)verificação – artigos 262º, nº1, e 276º, nº1, do Código de Processo Penal – será no decurso do mesmo, com recurso, entre outros, a prova obtida com o meio cuja autorização se solicitou (acesso ao concreto registo visual, fotográfico ou vídeo) e declarações do arguido, com a sua prévia constituição nessa qualidade, que se compreenderá a motivação do suspeito, facto interno, biopsicológico, que em regra é determinável através do seu comportamento físico (da dinâmica da acção ou omissão praticadas) e das inferências, respaldadas no princípio da normalidade e das regras de experiência comum, que o mesmo suporta. Não pode o juiz de instrução, com fundamento numa percepção pessoal relativamente aos elementos subjectivos de um tipo legal objectivo de crime que reconhece, indeferir a autorização de um meio de obtenção da prova. O mesmo juízo pessoal efectuado poderá contrastar com aquele que este colectivo, subjectivamente, poderia, eventualmente, extrair da visualização do registo vídeo das imagens existentes, imputando a motivação do agente à captação da imagem da assistente em calções e camisa de manga curta ou, até, do veículo de gama alta em que a mesma se fazia transportar. Se em termos de proporcionalidade e com referência ao critério da gravidade do crime investigado (que o legislador coloca no patamar da pequena criminalidade e ao qual atribuiu a natureza de crime semipúblico), não seria compreensível a limitação ao princípio da inviolabilidade do domicilio, o critério de idoneidade terá de ser sobrevalorizado uma vez que não existe qualquer outro meio apto ou adequado de obtenção dos registos de imagens efectuados pelo suspeito (sem prejuízo da medida ordenada pelo MºP de revista ao denunciado E… e busca em qualquer viatura que o arguido conduza, incluindo a de matrícula ..-..-EL, com vista à apreensão do seu telemóvel). Inexiste, assim, fundamento para negar a autorização em causa, motivo pelo qual se revoga a decisão recorrida e se concede autorização para a realização da busca domiciliária solicitada. * III. Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida e, em consequência, autoriza-se a realização de busca na residência, anexos e garagens, de E…, sita na Rua …, .., …, para apreensão do aparelho telemóvel ou qualquer outro equipamento informático onde possam estar guardados os registos fotográficos alegadamente efectuados.Sem custas. * Porto, 08 de Maio de 2019João Pedro Nunes Maldonado Francisco Mota Ribeiro |