Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
263/15.7GAPFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CRAVO ROXO
Descritores: REVOGAÇÃO DA PENA SUSPENSA
VIOLAÇÃO GROSSEIRA
Nº do Documento: RP20180221263/15.7GAPFR.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 750, FLS 199-206)
Área Temática: .
Sumário: Ocorre a violação grosseira do artº 56º1 a) CP, quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta às condições que lhe foram impostas, com caracter benigno pelo Tribunal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 263/15.7GAPFR.P1.
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Acordam na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
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No processo comum nº 263/15.7GAPFR.P1, do 1º Juiz da Secção Criminal, Instância Local de Paços de Ferreira, comarca do Porto Este, foi o arguido B... condenado, como autor material da prática de um crime de desobediência previsto no Art. 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, sujeitando-se essa suspensão às seguintes regras de conduta: frequência de tratamento médico para combate à dependência de álcool, realização de entrevistas periódicas com o técnico de reinserção social, apresentação à DGRS sempre que para tal for convocado.
O arguido não cumpriu de forma voluntária tais regras de conduta, pelo que foi proferido despacho a declarar a revogação da suspensão de execução da pena.
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Desta decisão recorre o arguido, formulando as seguintes conclusões (sic), que balizam e limitam o âmbito do recurso (Ac. do STJ, de 15.04.2010, in http://www.dgsi.pt: “Como decorre do Art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso”):
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I. Veio o Tribunal "a quo" por douto despacho de fls..., revogar a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao Arguido/Recorrente e em consequência determinar o cumprimento da pena de 8 meses de prisão.
II. Para tanto, fundamentou o Tribunal "a quo" que o arguido "violou grosseiramente os deveres que lhe foram impostos como condição da suspensão da execução da pena, tendo o programa de tratamento a que se encontrava sujeito sido suspenso e, por sua iniciativa." sendo que, "Tal conduta coloca, definitivamente, em causa o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão, revelando-se a simples ameaça da pena de prisão claramente insuficiente para manter o arguido afastado da delinquência, conformando o seu comportamento no respeito pelas normas que regem ética e juridicamente a nossa comunidade."
III. Não pode porém o Arguido/ Recorrente concordar com a Meritíssima Juiz de Direito no que respeita à violação grosseira das regras de conduta impostas.
IV. Senão vejamos:
O arguido formulou convicção de que não iria ser mais seguido pelo seu médico assistente, pois acreditava ter-lhe sido dada alta médica, tendo informado a Técnica da Direcção-Geral de Reinserção Social desse facto.
V. O mesmo, em sede de audição, reiterou a sua convicção por a entender em conformidade com o sucedido, contudo após a informação prestada pelo seu médico Assistente, constatou que percepcionou de forma errada o que lhe havia sido dito e assumindo o erro de compreensão, em requerimento apresentado e junto aos presentes autos a fls..., assumiu: "Tudo não terá passado de um mal entendido por parte do arguido", e requereu que fosse "possibilitado ao arguido o cumprimento do tratamento médico que lhe foi imposto".
VI. Daqui resulta indubitável que as declarações prestadas pelo Arguido/Recorrente deveram-se a um "mal entendido", sendo que nunca pretendeu o mesmo desrespeitar o Tribunal.
VII. O Arguido/Recorrente, conforme consta das informações prestadas pela técnica da Direcção-Geral de Reinserção Social, é um homem de 48 anos, com baixa escolaridade (4.° ano), que se dedicou à profissão de "trolha", e que apresenta limitações visíveis ao nível do entendimento, pautando o seu comportamento por modos rudes e brutos, e com diversas dificuldades no trato com as pessoas em geral, sendo tais factores da personalidade exógenos ao processo de desenvolvimento do arguido.
VIII. Assim somos a concluir que as limitações de percepção e o difícil trato do Arguido/ Recorrente sendo um traço próprio da personalidade do mesmo não podem, nem devem, ser suficientes para considerar o erro ocorrido como sendo grosseiro, pois que, não foi, nem é intenção do Arguido/Recorrente não cumprir com o tratamento médico imposto.
IX. Reaviva-se que o Arguido/Recorrente realizou todos os exames médicos requeridos pelo seu médico assistente e nunca se furtou a comparecer nas entrevistas com a técnica da Direcção-Geral de Reinserção Social, tanto mais que a mesma veio considerar em sede de relatório que "Tendo em conta a avaliação supra efectuada, consideramos que B... apresentou, uma postura, aparentemente, cumpridora das regras às quais se encontrava sujeito no âmbito do presente processo."
X. Mais, o arguido nunca disse, quer em sede de audição, quer nas entrevistas na Direcção-Geral de Reinserção Social, quer nos requerimentos apresentados em juízo, que não pretendia cumprir com as regras de conduta impostas como seja a do tratamento médico, imposição essa recorde-se feita com o consentimento do arguido, tanto que o mesmo foi aos autos declarar expressamente aceitar o tratamento médico e a marcação de novas consultas médicas.
XI. Assim, não pode o Arguido/Recorrente concordar com o douto despacho exarado pela Meritíssima Juiz de Direito, pois, salvo o devido respeito por opinião em contrário, o comportamento do Arguido/Recorrente não reflecte uma violação grosseira dos deveres impostos, quanto muito poderá entender-se como uma violação a título de neglicência.
XII. De outro modo, o comportamento do Arguido/Recorrente não se apresenta como um comportamento indesculpável em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada.
XIII. Acresce que o Arguido/Recorrente entre a data da prolação da douta sentença, 18-05-2015, e a presente data, não foi condenado pela prática de quaisquer outros factos ilícitos, seja de natureza criminal ou de qualquer outra natureza, pois que tem mantido uma conduta de estrito cumprimento das regras e instituições.
XIV. Pode-se assim afirmar que a simples ameaça da pena de prisão claramente foi suficiente para o arguido não reincidir na prática de novos crimes, e bem assim, que as finalidades de prevenção geral e especial não foram abaladas de tal forma que justifiquem a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada.
XV. Aliás, o Tribunal "a quo" ao determinar que o Arguido/Recorrente cumpra a pena 8 meses de prisão em estabelecimento prisional, em nada promove a sua reintegração na sociedade; pelo contrário, cria-se ainda mais estigma sobre a sua personalidade e maiores dificuldades na sua profissionalização.
XVI. Esta imposição extravasa, em muito, as finalidades subjacentes à aplicação de penas, mesmo as de natureza criminal, pois como é do conhecimento geral, os estabelecimentos prisionais são verdadeiras "escolas do crime", em que o efeito de ressocialização que lhe estaria subjacente raramente é bem-sucedido, havendo, pelo contrário, um aperfeiçoamento de técnicas e uma propensão para o aumento de práticas desconformes ao Estado de Direito.
XVII. Dúvidas não restam, como aliás é unânime na Doutrina e Jurisprudência, de que o cumprimento de pena curtas de prisão acarretam enormes prejuízos como seja o retrocesso de todo o processo de socialização do arguido e a inviabilização do seu processo de profissionalização.
XVIII. Atendendo ao supra exposto, e porque se demonstra que não houve violação grosseira dos deveres de conduta impostos, é forçoso concluir-se que o douto despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que decida pela extinção da pena suspensa aplicada.
XIX. sem prescindir, caso assim não se entenda, o que por dever de patrocínio se concebe,
Caso V. Exas optem pela não extinção da pena suspensa aplicada, entende o Arguido/ Recorrente, atento ao disposto no artigo 55° do Código Penal, que a prorrogação do período da suspensão da execução da pena revela- se, in casu, suficiente e adequada às finalidades da punição.
XX. Como é sabido, a prisão não é a única forma de se alcançar as finalidades da punição, e a revogação não é a única esperança de manter o Arguido/ Recorrente no futuro afastado da criminalidade, antes pelo contrário, o cumprimento desta pena, neste momento da sua vida, apenas será gerador de um sentimento de desânimo, quando o que é importante é aumentar e não diminuir as suas expectativas de encaminhar a sua vida conforme o direito.
XXI. Na verdade, revogar a suspensão da execução da pena ao Arguido/ Recorrente será apenas obstar ao cumprimento da função reintegradora das penas, sendo que tal só deve ser exercido quando outra medida não conseguir atingir aquele fim, como seja a medida de prorrogação do período da suspensão da execução da pena.
XXII. Isto posto, é forçoso concluir-se que sempre deverá o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que decida pela não revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada, sendo antes de aplicar uma prorrogação do período de suspensão da execução da pena.
XXIII. Pelo exposto, ao decidir conforme decidiu, e fundamentalmente, atenta a fundamentação por si explanada, violou o Digníssimo Tribunal "a quo" os artigos 40.°, 55.° e 56.° do C. Penal.
Termos em que deve ser admitido o presente recurso e, consequentemente, na medida das articuladas conclusões e pelo douto suprimento, deverão v. exas:
• revogar o douto despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão e decretar a sua substituição for outro que determine a extinção da pena aplicada.
Caso assim não entendam, o que por mero dever de patrocínio se concebe, deverão v. exas
• revogar o douto despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão e decretar a sua substituição por outro que determine a prorrogação do período da suspensão da execução da pena.
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A este recurso respondeu o Ministério Público, defendendo a bondade do despacho recorrido, por entender que o arguido violado de modo grosseiro os deveres a que estava obrigado, sendo o seu comportamento censurável por descuido e leviandade; não interiorizou o arguido o desvalor da sua conduta, tendo já seis condenações anteriores; pelo que o recurso deverá ser julgado improcedente.
Já neste Tribunal e no seu parecer, o Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto acompanhou a resposta do Ministério Público em primeira instância, defendendo também a improcedência do recurso.
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É este o teor do despacho recorrido:
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O arguido B..., foi condenado, por decisão de 18/05/2015, já transitada em julgado, como autor material da prática de um crime de desobediência p. e p. pelo Art. 348º, nº1, al. b) do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão. De acordo com o preceituado no art.50º, nºs 1, 2 e 5, e 52º, nº3 do Código Penal, foi suspensa a execução da pena de prisão aplicada pelo período de 12 (doze) meses, mediante a observância, por parte do arguido, das seguintes regras de conduta:
a) Sujeitar-se a um tratamento médico para o combate da dependência e consumo exagerado do álcool em conjugação com a Direcção-Geral de Reinserção Social, e nos moldes por esta, definidos, designadamente, a determinação da unidade hospitalar/instituição onde será efectuado o tratamento.
b) Realizar, durante o período da suspensão, entrevistas com técnico da Direcção-Geral de Reinserção Social, com periodicidade pelo técnico definida;
c) Apresentação na Direcção-Geral de Reinserção Social quando para tal for convocado, e prestar quaisquer esclarecimentos sempre que lhe sejam solicitados.
Sucede que, de acordo com as informações prestadas nos autos, o arguido não cumpriu com o estipulado na sentença, designadamente, com o tratamento a que foi sujeito.
Foi agendada data para audição do arguido, nos termos e para os efeitos previstos no art. 492º, nº2 do Código de Processo Penal, procedendo o Tribunal à sua audição (cfr. acta junta a fls. 118 e 119).
Foi junto aos autos C.R.C. actualizado do arguido (cfr. fls. 178 a 194).
Foi colhida a vista do Digno Magistrado do Ministério Público, que promoveu se revogue a suspensão da execução da pena em que o arguido foi condenado nos autos, alegando em suma que, e ao contrário do que é por si aventado em sede de declarações e, requerimento constante de fls. 161 e seguintes, o mesmo não cumpriu com o tratamento proposto pela equipa médica que o seguiu nem tão pouco permitiu que a mesma o seguisse através de consultas para o efeito agendadas. Com efeito, para além de recusar assumir o problema de alcoolismo de que padece e a necessidade de tratamento ao mesmo, o arguido recusou o agendamento de novas consultas médicas a partir de Fevereiro de 2016, chegado inclusivamente a recorrer a agressividade verbal para vincar a sua posição.
O arguido pronunciou-se a fls. 174 e 175, alegando que, na sua convicção não lhe foi marcada outra consulta e por conseguinte entendeu ter-lhe sido dada alta clínica, requerendo a não revogação da suspensão da pena de prisão.
Cumpre apreciar e decidir.
De harmonia com o disposto no artigo 50º, nº1, do Código Penal “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
O Código Penal traçou um sistema punitivo que arranca do pensamento fundamental de que as penas devem sempre ser executadas com um sentido pedagógico e de ressocialização, objectivo que a existência da própria prisão parece comprometer. Daí que o legislador tenha tido a preocupação de prever todo um conjunto de medidas não institucionais que, embora não determinem a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes. Por outro lado, apesar de essas reacções penais não detentivas funcionarem como medidas de substituição, não podem ser vistas como forma de clemência legislativa, mas antes como autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
Assim, a suspensão da execução da pena, com ou sem regime de prova, surge como um substitutivo, particularmente adequado, das penas privativas de liberdade. Contudo, é evidente que tal medida não é, nem deve ser mera substituição automática da pena de prisão. Com efeito, como reacção de conteúdo pedagógico e reeducativo (particularmente quando acompanhada do regime de prova), só deve ser decretada quando o Tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das circunstâncias deste, ser essa medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade. Na base da decisão de suspensão deverá estar sempre uma prognose social favorável ao arguido, ou seja, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá mais nenhum crime no futuro (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 639, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002).
Segundo o nº2 do artigo 50º do Código Penal, o Tribunal pode subordinar a suspensão da execução da pena “ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova”, sempre que tal se revele adequado e conveniente à realização das finalidades da punição.
Todavia, “se, durante o período de suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano, nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5, do artigo 50º” (artigo 55º, do Código Penal).
Sublinhe-se que a falta de cumprimento dos deveres impostos, sejam eles quais forem, não determina, automaticamente, a revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
“Na verdade, se se quer lutar contra a pena de prisão e se a revogação inelutavelmente a envolve, daí resulta que tal revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem totalmente ineficazes as restantes providências contidas no artigo 55º, do Código Penal” (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 707, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002. No mesmo sentido, vide acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 16 de Novembro de 2005, disponível em www.dgsi,pt).
Neste sentido, no caso de incumprimento pelo arguido dos deveres impostos, o Tribunal, “mediante a ponderação das particularidades do caso concreto”, pode decidir se alguma das sanções elencadas no artigo 55º deve ser aplicada e, em caso positivo, qual a que melhor se molda à situação (Manuel Lopes Maia Gonçalves in “Código Penal Português – Anotado e Comentado”, p. 216, 16.ª Edição, Almedina, 2004).
Pressuposto material comum à verificação de qualquer das consequências previstas na lei é que o incumprimento das condições da suspensão tenha ocorrido com culpa do arguido, quando este tinha o dever e a possibilidade de agir de modo diferente, ou seja, de agir em conformidade com as obrigações que havia assumido.
O artigo 56º, do Código Penal, estabelece a mais gravosa das consequências do incumprimento dos deveres impostos ao condenado, consequência essa que, consiste na revogação da suspensão da execução da pena de prisão.
Determina esta norma que “a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou as regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social, ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Por seu turno, estipula o nº2 do mesmo normativo penal, que “a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado”.
As causas de revogação da suspensão não devem ser entendidas como um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período de suspensão. Neste sentido, o arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena.
O primeiro dos pressupostos justificativos da revogação da suspensão é a “infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostas ou do plano de readaptação social”.
Tal violação dos deveres ou regras de conduta há-de constituir uma actuação indesculpável e insuportável para a comunidade e deve demonstrar inequivocamente que as finalidades da punição não puderam ser alcançadas através da simples ameaça de pena de prisão (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Fevereiro de 1997, C.J., Ano XXII, Tomo I, p. 166).
Trata-se, como surte da lei, de uma situação/limite, a denunciar linearmente que o condenado assumiu uma conduta significativamente culposa, destruindo a esperança que se depositou na sua recuperação e a cujo projecto tinha aderido (Manuel de Oliveira Leal-Henriques e Manuel José Carrilho de Simas Santos in “Código Penal Anotado”, 1.º Volume, p. 712, 3.ª Edição, Editora Reis dos Livros, 2002).
Compulsados os autos, verificamos que o arguido B... violou grosseiramente os deveres que lhe foram impostos como condição da suspensão da execução da pena, tendo o programa de tratamento a que se encontrava sujeito sido suspenso e, por sua iniciativa.
O arguido, no âmbito da sua audição, justificou que apenas disse na DGRS que não ia a mais consultas médicas, uma vez que o Dr. C..., médico no centro de saúde de Paços de Ferreira lhe teria dado alta médica no dia 11/02/2016, o que não corresponde à verdade, como bem decorre de fls. 155 e 169.
Não queremos deixar de realçar que, foi o arguido, em Fevereiro de 2016, a recusar a marcação de mais consultas, não cumpriu com o tratamento estabelecido, recusando todas as propostas terapêuticas, negando as evidências do maleficio do álcool no seu organismo, recusando qualquer mudança nos seus comportamentos por os considerar correctos, esquecendo as razões do Tribunal que o levaram a ser encaminhado para aquele centro médico. Note-se ainda que, bem decorre ainda da informação de fls. 169 que, a equipa médica nunca mencionou alta clínica, apenas deixando em aberto a marcação de novas consultas, dada a recusa do arguido em se submeter às mesmas.
Desta atitude de desconsideração do arguido, resulta evidente que o mesmo não interiorizou o desvalor da sua conduta, nem compreendeu as finalidades que estiveram na origem da decisão de suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado, tendo optado por adoptar uma postura de total indiferença e de desrespeito frontal para com o Tribunal e uma conduta ofensiva do comportamento conforme o dever-ser jurídico.
Tal conduta coloca, definitivamente, em causa o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão da execução da pena de prisão, revelando-se a simples ameaça da pena de prisão claramente insuficiente para manter o arguido afastado da delinquência, conformando o seu comportamento no respeito pelas normas que regem ética e juridicamente a nossa comunidade.
Por outras palavras, a suspensão da execução da pena não se revela, no caso em apreço, suficiente para acautelar as finalidades preventivas gerais e especiais que subjazem à aplicação de uma pena ou medida de segurança. Assim, e atento o supra referido, não resta ao Tribunal outra alternativa que não seja a de revogar a suspensão da execução da pena de prisão.
Em face do exposto, tendo em atenção todas as considerações expendidas e ao abrigo do disposto no artigo 56º, nº1, alíneas a) e b) e n.º 2, do Código Penal, decide-se revogar a suspensão da execução da pena de prisão e, consequentemente, determinar que o arguido B... cumpra a pena de 8 (oito) meses de prisão em que foi condenado por sentença proferida em 18 de Maio de 2015.
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Decidindo.
A única questão a decidir refere-se à revogação da suspensão de execução de pena de prisão, por se ter concluído que o condenado – aqui recorrente – violou de forma grosseira as condições que lhe foram impostas em sentença transitada.
O arguido foi condenado na pena de 8 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses, pela prática de um crime de desobediência, previsto no Art. 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal.
Tal regime foi aplicado, na condição de o condenado respeitar regras de conduta, que lhe foram impostas, todas relacionadas com o abuso de álcool e considerando as várias condenações anteriores dentro dos mesmos parâmetros.
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Com efeito, nos termos do disposto no Art. 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o arguido cometa crime pelo qual venha a ser condenado, se tal revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio da dita suspensão, ser alcançadas.
Importa, assim, verificar se os pressupostos que permitiram a suspensão da execução da pena destes autos se mantêm, ou se os argumentos usados no despacho recorrido são válidos e devem ser confirmados.
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A suspensão da execução da pena, prevista no Art. 50º do Código Penal, é aplicada quando o Tribunal, atendendo à personalidade do agente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias em que este foi cometido, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Como é consabido, as finalidades da punição referem-se à prevenção geral positiva, à prevenção especial e à ressocialização, sendo de esperar que tal ameaça afaste o delinquente da criminalidade, posto que a sua personalidade o permita.
Estes princípios remetem-nos à questão primária da culpa, vista agora numa perspectiva mais teórica (Mezger, Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Vol. XXXII, pág. 196):
A essência e a função da culpa jurídico-penal vimo-la, fundamentalmente, numa estreita vinculação do facto penal com a personalidade do seu autor; neste sentido, Loffler, nas suas investigações históricas (Die Schuldformen des Strafrechts, 1895, pág. 5), designa a «culpa» como «o conjunto das relações penalmente relevantes entre o mundo interno de um homem e o resultado socialmente nocivo dos seus actos».
A Frank devemos a importante indicação de que a culpa é «reprobabilidade», com o que temos a afirmação decisiva de que a culpa jurídico-penal não fica esgotada numa referência «psicológica», senso que recebe o seu conteúdo por meio da «reprovação» que leva consigo, isto é, mediante um juízo normativo de valoração. Com isto, as circunstâncias do facto tornam-se relevantes para o juízo da culpa. O juiz actual tem o dever de estabelecer contactos com os métodos e resultados das ciências vizinhas e afins e ditar sentenças sobre esta base (ibidem).
Essa reprovação deverá ser entendida pelo agente do crime como um aviso sério de que deverá emendar o seu comportamento, respeitando a lei e agindo de forma socialmente adequada e ajustada, sem praticar actos desviantes e mantendo o rigor e a validade da regra punitiva, ou seja, reforçando o respeito pela norma.
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A suspensão da execução da pena poderá ser revogada, nos termos do Código Penal, quando ocorram os pressupostos previstos no seu Art. 56º.
Dispõe esta norma, sob a epígrafe "Revogação da suspensão":
"1. A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
2. A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença, sem que o condenado possa exigir a restituição de prestações que haja efectuado."
Decorre da alínea a), do nº 1 deste preceito, que é necessária a verificação de um elemento objectivo — a violação de deveres impostos — para que a suspensão da pena possa ser revogada.
Mas é necessária também a concorrência de um elemento subjectivo, que, na versão originária do C. Penal, se traduzia na exigência de culpa (Artº 50º) e que hoje se traduz na infracção grosseira ou repetida dos deveres de conduta ou regras impostas ou do plano individual de readaptação social aprovado: Ac. Rel. Guimarães, de 19.1.2009, https://blook.pt/caselaw/PT/TRG/183014.
Trata-se de saber se o condenado está em condições de ser reinserido na sociedade, sem danos para esta, ou se a prognose não o favorece.
Vejamos o que se pretende com a prognose favorável à reinserção:
No domínio jurídico-penal, a prognose (antecipação do futuro) está presente em cada uma das três etapas da realização da justiça penal.
No momento criador da norma, o legislador tratará de prever quais, de entre as sanções possíveis, serão as que melhor alcançarão os fins visados pelo sistema penal; e ainda, tendo em consideração as características sociológicas do respectivo povo, qual a receptividade deste às medidas a consagrar.
No momento da decisão concreta, o julgador, dentro dos parâmetros fixados pelo legislador e tendo em atenção o delinquente sobre quem há que decidir, deverá prever qual a pena mais eficaz (Bol. Fac. Dir. Coimbra, cit.).
Não nos dando a lei uma definição do que é a violação grosseira dos deveres de conduta, importa determinar o que o legislador pretendeu com este pressuposto.
Desde logo, tal violação grosseira de que fala o Artº 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal, há-de ser uma indesculpável actuação em que o comum dos cidadãos não incorre, não merecendo ser tolerada, nem desculpada; uma atitude de vigoroso e sólido desvalor face às regras jurídicas, uma desfeita às decisões dos Tribunais.
Tal ocorre quando o condenado, de forma deliberada e leviana, se nega a respeitar as injunções impostas, se inibe de procurar viver segundo as regras sociais, se furta às condições que lhe foram impostas, com carácter benigno, pelo Tribunal, único Órgão de Soberania que importa considerar neste âmbito e nesta vertente.
E com efeito, considerando os actos delituosos do recorrente e a sua postura deliberadamente discordante das regras impostas (que assim rejeitou), é mais que óbvio, diremos quase obrigatório concluir que o juízo de prognose sobre o futuro do arguido não é favorável, nem permite manter o juízo positivo de prognose constante da sentença.
E assim, os argumentos usados no despacho recorrido estão perfeitamente validados, indo de encontro ao disposto no Art. 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal.
Em conclusão, os fins que presidiram e fundamentaram a suspensão da execução da pena decididamente não puderam ser alcançados.
E deste modo, estando verificados todos os requisitos objectivos e subjectivos da norma referida, tendo o despacho respeitado todas as normas aplicáveis e nada havendo que permita outra solução, a revogação da suspensão da execução da pena irá ser confirmada.
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Decisão.
Pelo exposto, acordam nesta Relação e julgar improcedente o recurso do condenado, confirmando o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente, com taxa de Justiça mínima.
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Porto, 21-02-2018
Cravo Roxo
Horácio Correia pinto