Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
9277/22.0T8PRT-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RP202402229277/22.0T8PRT-C.P1
Data do Acordão: 02/22/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - O princípio do inquisitório, de que é expressão a regra do artigo 411.º do Código de Processo Civil, não compreende um dever, para o tribunal, de acolher qualquer pretensão instrutória de uma das partes, sob a mera invocação da relevância dos meios que aponta.
II - Só em concreto, isto é, perante concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida ou a desenvolver conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2024:9277/22.0T8PRT-C.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
A exequente AA deduziu execução, a que foi atribuído o n.º 9277/22.0T8PRT, contra os executados BB e CC, enquanto representantes da herança do falecido devedor DD, peticionando o pagamento da quantia de € 20.000,00, a título de capital, acrescida de juros, à taxa de 5%, contados desde 12.06.2006, sendo os vencidos, à data da execução, de € 22.000,00, apresentando, como título executivo, uma confissão de dívida, com alegação da relação subjacente traduzida num empréstimo da exequente ao falecido devedor, destinado ao pagamento de uma obra efectuada em prédio deste último.
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Os executados vieram, por apenso à execução, deduzir embargos de executado (os embargos foram separadamente deduzidos pelos executados, vindo os mesmos a ser apensados), requerendo a extinção da execução e a condenação da exequente como litigante de má fé.
Para o efeito, invocam, em síntese:
1º - A ilegitimidade passiva para a execução;
2º - A exceção dilatória de meio processualmente impróprio;
3º - A verificação de causa prejudicial;
4º - A prescrição dos juros vencidos mais de 5 anos antes da citação para a execução;
5º - A inexistência da causa subjacente à confissão de dívida;
6º - A nulidade da confissão de dívida, por simulação.
7º - A litigância de má fé da exequente, por peticionar o pagamento com base em negócio simulado e inexistente.
Para prova do alegado, requereram:
Seja oficiada a exequente no sentido de:
a) Juntar aos autos cópia das suas declarações de IRS relativas aos anos de 2000, 2001, 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, destinando-se o presente requerimento a prova do alegado nos artºs.52º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 64º, 83º, 91º, 92º e 93º da oposição à execução;
b) Juntar aos autos cópia dos comprovativos de entrega do montante de € 20.000,00 a DD, indicando a conta, ou contas bancárias, de onde foi retirado o dinheiro que alega ter emprestado àquele, destinando-se o presente requerimento a prova do alegado nos artºs. 52º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 64º, 83º, 91º, 92º e 93º da oposição à execução;
c) Informar se autoriza, ou não, o tribunal a solicitar às instituições bancárias que, porventura, venha a referir na sua resposta ao requerimento precedente, a solicitar os extractos bancários das respectivas contas, com referência às datas que a exequente vier a informar como sendo aquelas em que teve lugar o empréstimo, ou empréstimos, destinando-se o presente requerimento a prova do alegado nos artºs. 52º, 69º, 70º, 71º, 72º, 73º, 64º, 83º, 91º, 92º e 93º da oposição à execução.
- Seja oficiada a Banco 1..., com sede na Avenida ..., ... Lisboa, com indicação do número de contribuinte do falecido DD ... -, no sentido de:
a) Indicar de quantas contas bancárias era aquele ali titular;
b) Quem tinha poder para movimentar as mesmas e, em caso de indicação do nome da executada, juntar cópia do documento de autorização de movimentação da conta;
c) Juntar cópia dos extractos das mesmas relativas aos anos de 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006;
d) Informar se foi feita pela exequente alguma transferência para a (s) conta (s) do falecido DD;
e) Juntar cópia dos últimos 50 cheques sacados da(s) conta (s) do falecido DD.
- Seja notificado o Banco de Portugal, com sede na Rua ..., ..., ... Lisboa, com indicação do número de contribuinte do falecido DD ... -, no sentido de, informar nestes autos quais os empréstimos que foram contraídos pelo mesmo junto de qualquer instituição financeira em Portugal no período compreendido entre 2000 e 2010, destinando-se o presente requerimento a prova do alegado no artº. 63º, da oposição à execução.
- Seja oficiada a Autoridade Tributária e Aduaneira, com sede na Rua ..., ... Lisboa, com indicação do número de contribuinte do falecido DD ... -, no sentido de juntar aos autos cópias das declarações de IRS daquele relativas aos anos de 2003, 2004, 2005, 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010, destinando-se o presente requerimento a prova do alegado nos artºs.65º e 84º, da oposição à execução.
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Notificada, a exequente contestou os embargos, impugnando o alegado pelos embargantes e invocando, quanto à prescrição dos juros, a interrupção da prescrição na sequência de anterior processo executivo n.º 5998/11.0TBMTS, no qual os sucessores do falecido devedor foram citados em 13.07.2012 e cuja instância foi declarada deserta.
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Foi concedida aos embargantes a possibilidade de apresentar um terceiro articulado, para responder à matéria de excepção da contestação, tendo os embargantes contraditado a argumentação da exequente, salientando, além do mais, que a primeira execução apenas logrou obter a citação do pai dos aqui executados e terminou por deserção.
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A exequente foi, ainda, notificada para “esclarecer o modo como a quantia referida no título executivo foi emprestada (transferência, em notas, etc.) e, a existir, juntar comprovativo dessa entrega monetária”, ao que a exequente respondeu que a entrega da quantia alegada como emprestada ocorreu em notas.
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Foi proferido despacho saneador, onde, além do mais, se julgaram improcedentes os 1º, 2º e 3º fundamentos dos embargos.
Definiram-se o objeto do litígio e os temas de prova, como se segue:
“Objeto do Litígio
A) Da (im)perfeição do contrato de mútuo corporizado no título executivo.
B) Da nulidade, por simulação absoluta, da confissão de dívida corporizada no título executivo.
C) Da prescrição de juros de mora.
F) Da litigância de má fé de alguma das partes.
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Temas de Prova
1º - Da (falta de) entrega da quantia alegada como mutuada.
2º - Da vontade real dos outorgantes subjacente às declarações negociais que constam do título executivo.
3º - Dos motivos e da intenção dos outorgantes com as declarações negociais que constam do título executivo.
4º - Do acordo entre os outorgantes determinante das declarações negociais que constam do título executivo.
5º - Da consciência da exequente e/ou dos embargantes quanto à alegação contra a verdade dos factos.”.
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No despacho saneador, prolatado em 20.04.2023, relativamente ao requerimento probatório dos embargantes, o Tribunal a quo decidiu o seguinte:
“I - Requerimento probatório dos embargantes:
a) Admite-se os documentos juntos;
b) Admite-se o rol de testemunhas;
c) Da prova documental em poder da exequente/terceiros:
i) Notifique-se a exequente para, em 10 dias, juntar cópia das suas declarações de IRS relativas aos anos de 2000 a 2006, o que se mostra potencialmente relevante para, quanto à invocada simulação, contribuir para verificar da capacidade da exequente em efetuar o alegado empréstimo;
ii) Quanto à notificação para junção de comprovativo da entrega do capital mutuado, tal já foi efetuado, verificando-se a inutilidade da insistência, uma vez que a exequente veio alegar que a entrega ocorreu em numerário;
iii) Quanto à junção dos extratos bancários da exequente, por ora,
(1) Notifique-se a exequente para, em 10 dias, indicar a data em que efetuou a entrega da quantia mutuada;
(2) Notifique-se a identificada (incluindo como testemunha da exequente) EE para, em 10 dias, informar se autoriza a obtenção dos extratos bancários das suas contas bancárias que tinham a exequente AA como co-titular, até 2006, inclusive.
iv) Notifique-se a Banco 1..., o Banco de Portugal e a Autoridade Tributária, no sentido de procederem conforme requerido pelos embargantes no requerimento probatório, com o esclarecimento de que tal foi requerido pelos herdeiros do falecido titular dos elementos (DD) os herdeiros BB e CC -, os quais representam o falecido neste processo executivo.
Estes elementos de prova mostram-se potencialmente relevantes para, quanto à invocada simulação, contribuir para verificar da necessidade do falecido em recorrer ao alegado empréstimo.
v) Indefere-se a notificação do alegado empreiteiro (a cujos serviços foi alegado que se destinou a quantia emprestada) para juntar toda a documentação relativa à obra e as suas declarações de IRS. Estes elementos de prova são suscetíveis de por em causa o sigilo tributário e de outros dados de terceiros alheios ao processo, sem que assumam relevância minimamente consistente para os temas de prova que justifique tal vicissitude, sendo que, exista ou não documentação associada à obra, tal não permite concluir no sentido da existência ou não do alegado empréstimo (que veio alegado como tendo sido realizado em numerário, ou seja, sem documento revelador do mesmo) e/ou da associação de tal empréstimo à origem do dinheiro utilizado para pagar a obra, o que mais se evidencia quanto às declarações de IRS do empreiteiro.”
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Em 04.05.2023, a exequente/embargada juntou aos autos as suas Declarações de IRS relativas aos anos de 2004, 2005 e 2006, das quais resulta que no referido período de 3 (três) anos, aquela apenas declarou rendimentos de € 1.418,24, tendo o seu marido, nesse mesmo período temporal, declarado um rendimento total de € 17.482,70, ou seja o rendimento do casal composto pela exequente/embargada e pelo marido desta foi nos anos de 2004, 2005 e 2006 de € 18.900,94.
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Em 15.05.2023, os executados/embargantes apresentaram um requerimento com o seguinte teor:
“a) Das declarações de IRS de 2004, 2005 e 2006, resulta claramente que no referido período de 3 (três) anos, a exequente apenas auferiu € 1.418,24, tendo o marido daquela, nesse mesmo período temporal, tido um rendimento total de € 17.482,70, ou seja o rendimento do casal composto pela exequente e pelo marido desta foi nos anos de 2004, 2005 e 2006 de € 18.900,94.
b) Considerando que nos autos está em causa um alegado, hipotético e, começa agora a comprovar-se, inexistente empréstimo de € 20.000,00, facilmente se conclui que os rendimentos de 2004, 2005 e 2006 do casal composto pela exequente e pelo seu marido, não permitiam àquela dispor do referido montante, até porque, mesmo considerando que o casal tivesse despesas 500,00/mês, os rendimentos mal chegavam para os sustentar;
c) Daí que, considerando também que a exequente afirmou nos autos que é dona de prédios com um valor real de mercado de mais de um milhão de euros, requer seja ordenada a junção da declaração de IRS da exequente relativa aos anos de 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, as quais são essenciais para aferir se os imóveis e o alegado empréstimo em causa nestes autos tiveram origem nos rendimentos do trabalho da própria exequente, ou desta e do seu marido;(…)”
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Em 22.05.2023, os executados/embargantes requereram o levantamento do sigilo bancário das contas tituladas pela exequente/embargada e pela filha desta, EE.
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EE, que é filha da exequente/embargada, informou o Tribunal que não autorizava a consulta das contas bancárias de que é titular conjuntamente com a sua mãe, AA.
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Em 29.05.2023, a exequente/embargada apresentou requerimento no qual, entre outras coisas alegou o seguinte:
“7-Comprovativo disso (rendimentos) e da capacidade económica e financeira da Exequente /Embargada para emprestar € 20.000,00 é o facto (a título de exemplo) de a Exequente /Embargada :
a) Ter pago em 4-10-1995 dez milhões de escudos, que em moeda euro corresponde a, pelo menos, € 50.000,00, pela compra do prédio urbano correspondente à fracção autónoma designada pela letra “K”, de que é proprietária - cfr. doc. n.º 1.
b) Ter pago em 29-8-2011 € 75.000,00 pela compra da fracção autónoma designada pela letra “J”, de que é proprietária - cfr. doc. n.º 2.”
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Em 29.05.2023, os executados/embargantes, apresentaram um requerimento com o seguinte teor:
“1. Salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, os documentos juntos pela exequente com o seu douto requerimento de 15-05-2023, não têm o efeito, nem tão pouco o alcance probatório que aquela lhes pretende atribuir, pelo que vão os mesmos aqui impugnados.
2. Aquilo que está em causa nos presentes autos é saber se em Junho de 2006 a exequente tinha, ou não, recursos financeiros para celebrar um contrato de mútuo de € 20.000,00 com o falecido DD.
3. O facto de a exequente, alegadamente, ser proprietária de vários imóveis, só é relevante se os mesmos forem geradores de rendimento, uma vez que, como é facto público e notório, a manutenção de um imóvel tem diversos custos, nomeadamente condomínio, seguros e IMI.
4. Por outras palavras, se os imóveis que a exequente alega ser proprietária não forem geradores de rendimento, o direito de propriedade sobre os mesmos traduz-se num custo, que tem de ser suportado por aquela, sendo que, a fazer fé nas declarações de IRS da mesma já juntas aos autos, aquela não tem rendimentos (pelo menos fiscalmente declarados) que permitissem sustentar os referidos custos, pelo menos nos anos de 2004, 2005 e 2006.
5. Ao supra dito acresce, ainda, o facto de se tornar premente saber se os rendimentos da exequente lhe permitiam adquirir os imóveis que a mesma alega ser proprietária, bem como a data de tais aquisições, por forma a poder-se aferir das reais capacidades financeiras da exequente para celebrar o contrato no ano de 2006.
6. Por isso, para além da junção aos autos das declarações de IRS da exequente relativas aos anos de 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002 e 2003, e do levantamento do sigilo bancário anteriormente requeridos, e cujos requerimentos aqui se renovam, os executados requerem a concessão de um prazo de 20 dias, para obterem e juntarem aos autos certidões permanentes dos imóveis, bem como as escrituras de aquisição dos mesmos, tudo com as legais consequências.”
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Em 13.06.2023, a AT juntou aos autos as declarações de IRS do falecido DD relativas aos anos de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, das quais resulta que no referido período temporal aquele teve rendimentos de cerca de € 100.000,00.
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Em 26.06.2023, os executados/embargantes apresentaram um requerimento com o seguinte teor:
“a) Das declarações de IRS de 2003, 2004, 2005, 2006 e 2007, do falecido DD, resulta que nesse período temporal aquele teve rendimentos de cerca de € 100.000,00.
b) Em qualquer um dos referidos anos, o falecido DD teve mais rendimentos do que o casal composto pela exequente e marido, nos anos de 2004, 2005 e 2006, globalmente considerados.
c) Considerando este novo elemento probatório, só agora conhecido nos autos, torna-se cada mais relevante a realização das diligências probatórias já anteriormente requeridas pelos executados, a saber:
- o pedido de notificação da AT no sentido de juntar aos autos das declarações de IRS da exequente relativas aos anos de 1990, 1991, 1992, 1993, 1994, 1995, 1996, 1997, 1998, 1999, 2000, 2001, 2002, 2003 e 2006;
- o levantamento do sigilo bancário relativo à conta que a exequente tem com a filha desta;
- notificação do alegado empreiteiro, no sentido de juntar aos autos toda a documentação relativa à obra que executou, concretamente a factura que emitiu (a emissão era obrigatória atento o valor indicado pela exequente);
d) Para além dos elementos probatórios acima indicados, reveste também capital importância notificar o vendedor do imóvel que, alegadamente, a executada comprou e pagou em 2011 (ano do falecimento de DD), no sentido de o mesmo informar como foi efectuado o pagamento e, caso tenha sido em cheque, informar qual a conta bancária sobre a qual foi sacado o montante destinado ao pagamento do imóvel;
e) Por fim, considerando a impossibilidade de obtenção de informação por outra via, e tendo em atenção os elementos que têm vindo a ser juntos aos autos após o fim dos articulados, requerem ainda que sejam notificadas as instituições bancárias abaixo identificadas no sentido de informarem se o falecido DD, contribuinte nº ..., era titular de alguma conta e tinha nos anos de 2000 a 2010 algum tipo de empréstimo bancário e, em caso de resposta afirmativa, qual o valor do empréstimo e da respectiva prestação.
Tais bancos são os seguintes:
Banco 2...
Sede: Rua ..., ... Porto
Banco 3...
Sede: Praça ..., ... Porto.
Banco 4...
Sede: Av. ..., ... Lisboa
Banco 5...
Sede: Rua ..., ..., ... Lisboa
Banco 6...
Sede: Rua ..., ... Lisboa, ..., Lisboa”
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Em 29.09.2023, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre os requerimentos de prova apresentados pelos executados/embargantes, nos seguintes termos:
“Conforme anunciado em sede de audiência prévias, aprecia-se, de seguida, os requerimentos de prova apresentados:
Requerimento dos embargantes de 15.05.2023:
Os executados vieram requerer que se determinasse a junção aos autos das declarações de IRS da exequente de 1990 a 2003 (sendo que as declarações de 2004 a 2006 já foram juntas), de modo a apurar se o dinheiro e imóveis alegados pela exequente advieram do produto do seu trabalho.
Ora, estando já disponíveis as declarações de IRS dos anos próximos do alegado empréstimo, os elementos probatórios ora requeridos não assumem relevância para a boa decisão da causa, sendo potencialmente irrelevantes para a mesma, para além de implicarem, sem necessidade preponderante, a afetação do sigilo fiscal e da vida privada. E, na verdade, além do mais, a questão de saber a origem (produto do trabalho ou outra) do património da exequente é absolutamente irrelevante para o que importa apurar, ou seja, a existência do empréstimo.
Destarte, indefere-se o requerido.
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Requerimento da exequente de 15.05.2023:
Admite-se a junção dos documentos.
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Requerimento dos embargantes de 22.05.2023 e 19.06.2023:
Os executados vêm requerer a notificação de diversas entidades bancárias para informarem se o falecido DD tinha conta bancária e quais os empréstimos contraídos no período de 2000 a 2010.
Os executados vieram ainda requerer a dispensa do sigilo bancário referente à exequente e à terceira EE, no sentido de serem juntos os extratos até 2006.
Ora, entende o tribunal que deve ser indeferido o requerido.
Quanto às pretendidas informações bancárias do falecido DD, sendo certo que já foi junta alguma informação pela Banco 1... (cfr. requerimento de 26.06.2023), entende o tribunal que as mesmas, para além de excessivas, seriam potencialmente inúteis para a decisão da causa. Na verdade, saber se o falecido havia contraído ou não empréstimos junto dos diversos bancos indicados em nada contribuiria, sequer indiciariamente, para se concluir pela veracidade do empréstimo alegado pela exequente, pois que: caso existissem empréstimos bancários, tal em nada significaria a inverosimilhança de ter sido contraído em empréstimo junto de particular, sendo perfeitamente admissível, nesse caso, que o falecido optasse por evitar novo empréstimo bancário; caso inexistissem empréstimos bancários, tal em nada seria relevador da inverosimilhança de ter sido contraído um empréstimo junto de particular.
Por conseguinte, a prova pretendida apenas teria a virtualidade de avolumar o processo e atrasar a sua decisão, sem que se vislumbre contributo relevante para a boa decisão da causa.
Quanto ao mais, ou seja, relativamente à pretendida dispensa do sigilo bancário referente à exequente e à terceira EE, no sentido de serem juntos os extratos bancários até 2006, o tribunal entende que não se justifica, face à prova já disponível e à potencialidade probatória dos ditos extratos, proceder ao levantamento do sigilo bancário, ao abrigo do art.º. 417.º, n.º 4, do NCPC, pois esta medida apenas se justifica, de acordo com os princípios da necessidade de prova e proporcionalidade, quando os factos relevantes não forem suscetíveis de prova por outros meios, já produzidos ou a produzir, e quando assumam potencialidade probatória relevante, o que não sucede no caso dos autos, pois, além do mais: por um lado, não sendo alegado que exista uma relação entre algum levantamento concreto e o alegado empréstimo em numerário, a identificação dos movimentos e saldos bancários da exequente assumiria relevo residual para se determinar se o empréstimo ocorreu ou não, pois a origem do dinheiro do empréstimo poderia ser outra qualquer e a verdade é que a exequente não alega que seja o saldo bancário da altura; e, por outro lado, o interesse nessa prova (da existência de saldo relevante e/ou levantamento compatível com o empréstimo) seria da exequente e não dos executados.
Nestes termos, indefere-se o requerido.
Notifique.
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Requerimento da exequente de 29.05.2023:
Admite-se os documentos juntos.
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Ofício da Banco 1... de 26.06.2023:
Visto.
No que respeita ao pedido de informação sobre se a exequente havia transferido verba para a conta bancária de DD, a sua relevância mostra-se prejudicada pela circunstância de a própria exequente ter vindo esclarecer que a quantia relevante em causa nos autos terá sido entregue em numerário e não por transferência bancária.
Assim sendo, nada mais há a ordenar.
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Requerimento dos embargantes de 26.06.2023:
Os embargantes vêm repetir requerimentos de prova que já foram anteriormente apreciados, pelo que nada mais há a ordenar.
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Requerimento dos embargantes de 04.07.2023:
Os embargantes vêm requerer que seja novamente notificada a Banco 1..., no sentido de:
a) juntar aos autos os extractos da conta à ordem nº... e da conta nº..., no período compreendido entre 2002 e 2006;
b) juntar aos autos os saldos das contas de activos financeiros associadas à conta nº..., nos meses de Janeiro, Junho e Dezembro anos de 2002 a 2006;
c) juntar aos autos os saldos das contas de produtos estruturados, de activos financeiros e de poupanças, associadas à conta nº..., nos meses de Janeiro, Junho e Dezembro anos de 2002 a 2006.
d) Informar se, para além de DD, mais alguém tinha poderes, próprios ou delegados por aquele, para movimentação das contas nºs. nº... e ...;
e) informar se foi feita pela exequente alguma transferência para a (s) conta (s) do falecido DD, no período compreendido entre 1 e 12 de Junho de 2006.”
Ora, na sequência do já acima exposto, sem prejuízo do que já foi junto e informado pela Banco 1... no ofício de 26.06.2023 e dos demais elementos documentais, não se vislumbra relevância nos demais elementos ora solicitados, tendo a sua admissão potencial efeito de retardar e avolumar o processo de forma desproporcionada e desnecessária, face à matéria em discussão.
Na verdade, o essencial que visa verificar o contexto económico-financeiro dos envolvidos já foi junto, de tal forma que outros elementos nada acrescentariam de relevante para a decisão da questão factual concreta, tanto mais que, importa notar, os elementos de prova em causa não visam diretamente os factos controvertidos, mas apenas servem de contexto para apreciar a verosimilhança desses factos.
Em concreto, a junção de outros extratos bancários, para além dos já juntos/admitidos não se apresenta como potencialmente relevante e a informação sobre quem tinha poderes para movimentar as contas e/ou se existe alguma transferência efetuada pela exequente (nesta parte, considerando que a exequente já referiu que a quantia em causa foi entregue em numerário) são irrelevantes para a decisão da causa, aparentando que os executados pretendem investigar outros factos relativos à utilização do dinheiro do falecido, mas que em nada permitem auxiliar à decisão do tribunal neste caso concreto.
Assim sendo, indefere-se o ora requerido.”.
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Entretanto, realizou-se a audiência de julgamento, tendo o Tribunal a quo proferido sentença em que decidiu:
“a) Julgar os embargos de executado parcialmente procedentes e, em conformidade, julgar prescritos os juros vencidos mais de 5 anos e 160 dias antes de 22.05.2022, com a inerente absolvição do pedido executivo nessa parte,
b) Sendo os embargos improcedentes quanto ao remanescente.
c) Julgar improcedente o pedido de condenação da exequente como litigante de má fé.”.
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Não se conformando com a decisão proferida a 29.09.2023 no segmento em que indeferiu a junção das declarações de IRS da recorrida e, também, na parte que indeferiu o levantamento do sigilo bancário recorreram BB e CC, em cujas alegações concluem da seguinte forma:

I. Quando a simulação é invocada por terceiros, são aplicáveis as limitações probatórias da simulação constantes do artº. 394º, nº 2, do Cód. Civil.

II. Considerando que a recorrida, de forma hábil, veio invocar que (i) o alegado, inexistente e hipotético, empréstimo ao falecido DD, foi efectuado em (ii) o tempo já decorrido desde a data do alegado, inexistente e hipotético empréstimo, e a (iii) impossibilidade de comprovar in loco a realização das alegadas obras e a dimensão das mesmas, as únicas formas que os recorrentes têm de fazer a contraprova de tal afirmação, é por via indirecta, ou seja, é recorrendo a factos cuja prova possa permitir concluir pela inexistência do negócio simulado.

III. Devido às limitações probatórias da simulação acima indicadas, os recorrentes viram-se obrigados a recorrer a factos indiciários que permitissem concluir pela impossibilidade de a recorrida ter efectuado qualquer empréstimo a DD, sendo que tais factos só pode ser inequivocamente comprovados por documentos, na medida em que constam dos registos de entidades oficiais (AT), e entidades bancárias.

IV. Em ambas as situações, não se verifica qualquer desproporcionalidade entre o meio probatório e o fim a que o mesmo se destina, na medida em que a mesma pode ser obtida mediante uma simples interpelação do tribunal à AT e às entidades bancárias no sentido de (i) saber quais os rendimentos totais declarados pela recorrente em cada um dos anos, bem como (ii) se houve algum levantamento de 20.000,00 (vinte mil euros) em notas pela recorrente no mês Junho, ou no mês de Maio de 2006.

V. Os elementos em causa apenas dizem respeito à recorrente, e a uma filha que, como é óbvio, tem todo o interesse que o desfecho dos presentes embargos seja negativo para os recorrentes, o que, na prática, significa que o terceiro afectado pelo levantamento do sigilo bancário, não é um terceiro totalmente desinteressado no resultado da lide.

VI. Atenta a natureza dos documentos cuja junção os recorrentes requereram, constitui facto público e notório que aos mesmos não é possível a sua obtenção sem ser através do tribunal.

VII. Não sendo juntos aos autos os documentos, os recorrentes ficarão totalmente impossibilitados de cumprir o seu ónus probatório.

VIII. Face ao supra exposto, e tendo ainda em conta o disposto no artº. 411º do Cód. Proc. Civil, constata-se que na parte que indeferiu a junção das declarações de IRS da recorrida, e também o pedido de levantamento do sigilo bancário, a douta decisão não terá sido a juridicamente adequada, mostrando-se violado o disposto nos artºs. 6º, 411º e 429.º, todos do Cód. Proc. Civil.
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar:
Das conclusões formuladas pelo recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, sendo que apenas é devida uma taxa de justiça pelos dois embargantes, uma vez que os embargos, apesar de deduzidos separadamente, foram incorporados num só processo/apenso, sendo tramitados conjuntamente, tem-se que as únicas questões a decidir neste recurso consistem em saber:
- Da relevância de junção das declarações de IRS da recorrida;
- Da relevância de junção da informação bancária relativa à conta que a exequente é co-titular com a filha.

3. Conhecendo do mérito do recurso
3.1 – Fundamentos de Facto
Os factos relevantes são os que consta do relatório supra.
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3.2 - Fundamentos de Direito
A primeira questão a resolver no âmbito do presente recurso prende-se em saber da relevância de junção das declarações de IRS da recorrida de 1990 a 2003.
Vejamos, então.
Como é sabido, a actividade processual consistente nos procedimentos de proposição, admissão, produção e assunção da prova integra a chamada fase instrutória, cuja função se destina a carrear para os autos os meios de prova, a facultar o exercício do contraditório sobre a sua admissibilidade e força probatória, bem como a actuar no processo os meios probatórios assim admitidos.
Por força do disposto no artigo 423º, nº 1, do Código de Processo Civil, os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes, sendo que, se o documento estiver em poder de terceiro, a parte requer que o possuidor seja notificado para o entregar na secretaria, dentro do prazo que for fixado, sendo aplicável a este caso o disposto no artigo 429.º, o qual impõe que a parte identifica quanto possível o documento e especifica os factos que com ele quer provar.
Ainda, prevê o artigo 57º do CIRS que os sujeitos passivos devem apresentar, anualmente, uma declaração de modelo oficial, relativa aos rendimentos do ano anterior e a outros elementos informativos relevantes para a sua concreta situação tributária, nomeadamente para os efeitos do artigo 89.º-A da lei geral tributária, devendo ser-lhe juntos, fazendo dela parte integrante os anexos e outros documentos que para o efeito sejam mencionados no referido modelo.
No caso vertente, os Apelantes/Executados vieram requerer que se determinasse a junção aos autos das declarações de IRS da exequente de 1990 a 2003 (sendo que as declarações de 2004 a 2006 já foram juntas), de modo a apurar se o dinheiro e os bens imóveis alegados pela exequente advieram do produto do seu trabalho.
Porém, como bem salienta o Tribunal a quo, estando já disponíveis as declarações de IRS dos anos próximos do alegado empréstimo, também se nos afigura que os elementos probatórios ora requeridos não assumem relevância para a boa decisão da causa, sendo potencialmente irrelevantes para a mesma, para além de implicarem, sem necessidade preponderante, a afectação do sigilo fiscal e da vida privada.
E, na verdade, além do mais, a questão de saber a origem (produto do trabalho ou outra) do património da exequente é irrelevante para o que importa apurar, ou seja, a efectiva existência do empréstimo.
De resto, deve-se privilegiar o andamento célere do processo, e arredar, por questões de economia processual, as diligências e actos inúteis.
Ademais, resulta dos autos que o Tribunal a quo não se absteve de promover os actos requeridos que contribuiriam para a descoberta da verdade e, consequentemente, para a boa decisão da causa, recusando, apenas, as diligências desnecessárias, inúteis e desproporcionadas ao fim visado.
De resto, o princípio do inquisitório, de que é expressão a regra do artigo 411.º do Código de Processo Civil, não compreende um dever, para o tribunal, de acolher qualquer pretensão instrutória de uma das partes, sob a mera invocação da relevância dos meios que aponta.
Só em concreto, isto é, perante concretas circunstâncias da actividade instrutória desenvolvida ou a desenvolver conforme tempestivamente proposto pelas partes, é que o tribunal poderá considerar a necessidade de outros meios de prova, que se revelem necessários “ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio”. E isso, poderá acontecer no decurso da audiência de julgamento, ou mesmo antes, logo que, na situação concreta, o tribunal entenda ser essencial à realização desses objectivos.
No caso em apreço, conforme vimos sustentando e apesar de também reconhecermos as dificuldades probatórias da acção em causa, dado que a prova da simulação é quase sempre indirecta, por se reportar a eventos do foro interno dos simuladores, parece-nos que a referida diligência instrutória requerida com a referida amplitude afigura-se-nos inútil ao apuramento da verdade material e à justa composição do litígio, pelo que se mantém o despacho recorrido no referido segmento.
Pugnam, ainda os recorrentes que seja deferida a prestação da informação bancária relativa à conta que a exequente é co-titular com a filha.
Vejamos, então.
De acordo com o disposto no artigo 78º, nºs 1 e 2 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviço a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, estando, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.
Porém, o artigo 79º do mesmo diploma estabelece que os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição podem ser revelados mediante autorização do cliente, transmitida à instituição (nº 1). Fora desta situação, tais factos e elementos poderão ser revelados: a) ao Banco de Portugal, no âmbito das suas atribuições; b) à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, no âmbito das suas atribuições; c) à Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões, no âmbito das suas atribuições; d) ao Fundo de Garantia de Depósitos, ao Sistema de Indemnização aos Investidores e ao Fundo de Resolução, no âmbito das respetivas atribuições; e) às autoridades judiciárias, no âmbito de um processo penal; f) às comissões parlamentares de inquérito da Assembleia da República, no estritamente necessário ao cumprimento do respetivo objeto, o qual inclua especificamente a investigação ou exame das ações das autoridades responsáveis pela supervisão das instituições de crédito ou pela legislação relativa a essa supervisão; g) à administração tributária, no âmbito das suas atribuições; h) quando exista outra disposição que expressamente limite o dever de segredo (nº 2).
O sigilo bancário serve o interesse público: mantém a confiança no sistema bancário, indispensável ao bom funcionamento dos bancos e da economia. Mas a possibilidade do seu levantamento por simples autorização do cliente revela estarmos perante um segredo fundamentalmente estabelecido para proteção de interesses particulares e como tal disponível, daí decorrendo que a confiança a manter radica, em última análise, no cliente do banco.
Por seu turno, no artigo 417º, nº 1, do Código do Processo Civil estatui-se que «todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade (...) facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.»
Contudo, face ao que se dispõe na alínea c) do nº 3 deste mesmo preceito a recusa em cooperar é legítima se a obediência importar violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado, sem prejuízo do que se acha preceituado no seu nº 4.
Isto é, deduzida escusa com fundamento nesta alínea c), é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.
Ora, preceitua-se o seguinte no artigo 135º do Código do Processo Penal, que tem a epígrafe “segredo profissional”:
«1. Os (...) membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.
2. Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.
3. O tribunal superior àquele onde o incidente se tiver suscitado, ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.
4. Nos casos previstos nos nºs 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.
(…)»
Do texto deste artigo constata-se existirem duas situações distintas: as de legitimidade e as de ilegitimidade de escusa da prestação de informações por parte das entidades bancárias às autoridades judiciárias.
A escusa é legítima quando resulta do cumprimento de um dever legal, ou seja, do cumprimento do dever de segredo a que a instituição financeira está obrigada nos termos do artigo 78º do Decreto Lei nº 298/92, de 31.12, donde decorre que a medida da legitimidade da escusa é a da extensão do segredo bancário.
Por outro lado, a escusa é ilegítima quando o facto ou elemento solicitado não estiver compreendido no âmbito do sigilo bancário ou quando tiver havido consentimento do titular da conta.
O nº 2 do artigo 135º reporta-se ao caso da ilegitimidade da escusa, estatuindo que nessa hipótese o próprio tribunal onde ela é efetuada ordena, oficiosamente ou a pedido, a prestação das informações, cumprido que seja o formalismo processual previsto no nº 4 deste mesmo preceito.
Neste caso, a lei não impõe que se faça qualquer juízo de ponderação de interesses de modo a determinar o que deverá prevalecer, nem tal faria sentido, uma vez que não existe segredo. Por isso, a lei autoriza o tribunal a ordenar a prestação de informações, desde que apurada a ilegitimidade da escusa, não podendo a instituição bancária subtrair-se ao cumprimento do ordenado. É que não estamos aqui perante uma situação de quebra de segredo, atendendo a que os elementos em causa não estão legalmente cobertos pelo segredo bancário ou porque houve autorização do titular da conta.
Porém, bem distinto é o caso da legitimidade da escusa, a qual resulta de os elementos estarem abrangidos pelo segredo e não existir autorização por parte do titular da conta.
Nesta hipótese, a obtenção das informações bancárias já não poderá ser determinada sem a ponderação dos interesses que se mostram em confronto: de um lado, os interesses protegidos pelo segredo bancário; do outro, os interesses na realização da justiça.
Acontece que este juízo, face ao que se preceitua no nº 3 do artigo 135º, deverá ser efetuado no âmbito de um incidente específico - o incidente de quebra do segredo profissional -, o qual deverá ser suscitado no tribunal imediatamente superior àquele onde a escusa tiver ocorrido.
Verifica-se, assim, que existe um tratamento diferenciado para os casos de legitimidade e de ilegitimidade da escusa de prestação de informações por parte das instituições bancárias e financeiras, sendo mais simples esta segunda hipótese, que é da competência do próprio tribunal onde a escusa tenha sido invocada, porquanto há tão-somente que constatar a inexistência de sigilo e, apurada a ilegitimidade da escusa, determinar a prestação das informações.
Já no caso da legitimidade da escusa, pois os elementos pretendidos acham-se cobertos pelo segredo, torna-se imprescindível desencadear o incidente de quebra de segredo para obrigar a entidade financeira a prestar tais elementos, sucedendo que o juízo sobre os interesses em conflito deverá, face ao texto legal, ser cometido a um tribunal superior.
No caso vertente, o Tribunal a quo não reputou relevante a informação bancária no sentido de serem juntos os extractos bancários até 2006 para a boa decisão da causa e, por isso, não a solicitou à entidade bancária que, assim, não se pronunciou, não se tendo suscitado, por isso, o incidente de levantamento do sigilo bancário, cuja apreciação se encontra reservada aos Tribunais da Relação.
Na realidade, não foi oficiada, sequer, a entidade bancária para prestar qualquer informação e, por isso, não a prestou, nem recusou, não se abrindo a faculdade de requerer a abertura do incidente.
Assim, analisado o despacho em crise, bem como a demais prova produzida e sem olvidarmos as dificuldades probatórias da acção atrás assinaladas, também se nos afigura que bem andou o Tribunal a quo na análise e indeferimento da referida pretensão.
Com efeito, a referida informação bancária, de acordo com os princípios da necessidade de prova e da proporcionalidade, seria relevante quando os factos relevantes não forem susceptíveis de prova por outros meios, já produzidos ou a produzir, e quando assumam potencialidade probatória relevante, o que não sucede no caso vertente.
Além disso, os Apelantes não circunscreveram temporalmente e devidamente os movimentos bancários relativamente aos quais pretendiam informação, sendo que a origem do dinheiro do empréstimo poderia ser outra qualquer.
De resto, não tendo sido alegado que exista uma relação entre algum levantamento concreto e o alegado empréstimo em numerário, que está em causa na acção, conclui-se que a identificação dos movimentos e dos saldos bancários da exequente assumiria relevo residual para se determinar se o empréstimo ocorreu ou não, para além de implicarem, sem necessidade preponderante, a afectação do sigilo fiscal e da vida privada de um terceiro.
Ora, nos termos do n.º 1 do artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, a todos são reconhecidos os direitos à reserva da intimidade da vida privada, sendo que da análise dos extractos bancários é possível aferir quais os restaurantes, supermercados, lojas, hotéis ou outros estabelecimentos frequentados, bem como e a regularidade com que os frequenta, quais os custos familiares de educação, habitação, energia, gás, água, farmácia, desvelando, assim, iniludivelmente, os dados da vida privada e familiar, de forma desproporcional aos interesses processuais em causa.
Afigura-se-nos, assim, que a obtenção das informações em crise pretendidas pelos executados/recorrentes não se justifica.
O recurso será assim de julgar não provido.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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4. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto em julgar não provido o recurso de apelação, confirmando-se a decisão recorrida.
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Custas a cargo dos apelantes.
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Notifique.

Porto, 22 de Fevereiro de 2024
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva
Manuela Machado
Isoleta de Almeida Costa

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas e por opção exclusiva do relator, o presente texto não obedece às regras do novo acordo ortográfico, salvo quanto às transcrições/citações, que mantêm a ortografia de origem)