Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
241/13.0GCAVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA GUERREIRO
Descritores: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
EXTINÇÃO DA PENA DE PRISÃO
PRISÃO POR DIAS LIVRES
DECLARAÇÃO
COMPETÊNCIA
Nº do Documento: RP20170208241/13.0GCAVR-A.P1
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC. PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º 6/2017, FLS.202-203)
Área Temática: .
Sumário: I - A intenção do legislador foi a de fazer cessar a intervenção do tribunal da condenação após o trânsito em jugado da decisão condenatória transferindo para o TEP a competência para acompanhar a evolução da execução das penas de prisão e decidir toda a espécie de incidentes, incluindo a sua extinção.
II - Não existe qualquer dúvida de que a prisão por dias livres é um a pena privativa da liberdade, o que o legislador consagrou expressamente no artigo 45.º/2 C Penal.
III - O tribunal da condenação ao declarar extinta a pena violou as regras da competência material o que traduz uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea e) C.P.Penal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal no processo nº 241/13.0GCAVR-A.P1

O presente recurso foi interposto pelo M.P. na sequência do despacho do juiz do processo nº 241/13.0GCAVR da Comarca do Baixo Vouga Ílhavo – Juízo de Pequena Instância Criminal que em 1/04/2016 face à posição do Tribunal de Execução de Penas do Porto decidiu declarar extinta pelo cumprimento a pena de 42 períodos de 32 horas cada, de prisão por dias livres, aplicada nos autos ao arguido B….
A fls. 244 dos autos consta despacho do TEP donde se retira o entendimento que tratando-se de pena integralmente cumprida em cárcere não se pode falar de extinção, mas apenas de cumprimento da pena, ainda que se trate de prisão por dias livres, motivo, pelo qual, o TEP, decidiu não declarar a referida pena extinta.
Inconformado com este entendimento veio o M.P. interpor o presente recurso do despacho que declarou extinta a pena, extraindo-se em síntese, os seguintes argumentos:
- Atento o disposto nos art. 125 e 138 nº 4 al. l) do CEPMPL, compete ao TEP a execução, apreciação de faltas de entrada no estabelecimento prisional e termo de cumprimento da pena substitutiva de prisão por dias livres, ou seja, o controlo da execução e do cumprimento dessa pena substitutiva.
- É também da competência material do TEP a apreciação e decisão quanto à extinção dessa pena, após a verificação da sua execução.
- A violação das regras da competência material do Tribunal consubstancia uma nulidade insanável, nos termos do art. 119 al. e) do Código de Processo Penal.
- Ao declarar extinta a pena substitutiva de prisão por dias livres, praticou a Meritíssima Juíza de Direito um ato para o qual não tinha competência material e cometeu, por isso, uma nulidade insanável.
- O douto despacho recorrido, por errónea interpretação e aplicação, violou os art. 470 nº 1 do CPP e art. 125 e 138 nº 4 al. l), ambos do CEPMPL.
Conclui pedindo que na procedência do recurso seja declarada a nulidade do despacho recorrido e o mesmo seja revogado e substituído por outro que não declare a extinção da pena substitutiva da prisão por dias livres.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer no sentido da procedência do recurso. No entanto entende que o despacho recorrido violou a al. s) e não a al. l) do art. 138 do CEPMPL.

Cumpre apreciar e decidir!
A questão suscitada é, unicamente, a de saber qual é o Tribunal competente para a extinção de uma pena de prisão por dias livres.
Vejamos!
O art. 470 nº 1 do CPP estabelece que: «A execução corre nos próprios autos perante o presidente do tribunal de 1ª instância em que o processo tiver corrido, sem prejuízo do disposto no art. 138 do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade.»
Ou seja, com a redação introduzida pela Lei nº 115/2009 de 12.10, ao acrescentar aquela parte final, pretendeu o legislador, no nosso entender, reafirmar a competência material do Tribunal de Execução de Penas para os atos indicados no artigo 138, mantendo-se a competência do Tribunal de 1ª instância para os demais.
Tal conclusão é suportada pela exposição de motivos da proposta de lei n.º 252/X (4ª) que esteve na sua génese e onde se pode ler: “e no que se refere à delimitação de competências entre o tribunal que aplicou a medida de efectiva privação da liberdade e o Tribunal de Execução das Penas, a presente proposta de lei atribui exclusivamente ao Tribunal de Execução das Penas a competência para acompanhar e fiscalizar a execução de medidas privativas da liberdade, após o trânsito em julgado da sentença que as aplicou.
Consequentemente, a intervenção do tribunal da condenação cessa com o trânsito em julgado da sentença que decretou o ingresso do agente do crime num estabelecimento prisional, a fim de cumprir medida privativa da liberdade. Este um critério simples, inequívoco e operativo de delimitação de competências, que põe termo ao panorama, actualmente existente, de incerteza quanto à repartição de funções entre os dois tribunais e, até, de sobreposição prática das mesmas.
Incerteza e sobreposição que em nada favorecem a eficácia do sistema.” (DAR, II Série-A, n.º 79, p. 18, acessível in http://app.parlamento.pt/).
Ora, o artigo 138 do Código de Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade estabelece expressamente no seu nº2 que:
«Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação da pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no art. 371 – A do Código de Processo Penal.»
E o nº4 do citado artigo:
«Sem prejuízo de outras disposições legais, compete aos tribunais de execução das penas, em razão da matéria:
s) declarar extinta a pena de prisão efectiva.»
O artigo 10.º do Código de Processo Penal prevê que «a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições deste Código e, subsidiariamente, pelas leis de organização judiciária».
Ora, também o artigo 114 da Lei n.º 62/2013, de 13 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário – LOSJ) , estabelece:
«1 — Após o trânsito em julgado da sentença que determinou a aplicação de pena ou medida privativa da liberdade, compete ao tribunal de execução das penas acompanhar e fiscalizar a respetiva execução e decidir da sua modificação, substituição e extinção, sem prejuízo do disposto no artigo 371.º -A do Código de Processo Penal, aprovado pelo Decreto -Lei n.º 78/87, de 17 de fevereiro.
(…)
3 — Sem prejuízo de outras disposições legais, compete ao tribunal de execução das penas, em razão da matéria:
(…)
r) Declarar extinta a pena de prisão efetiva, a pena relativamente indeterminada e a medida de segurança de internamento;»
Segue-se a questão de saber se tais normas determinativas da competência material se aplicam a todas as medidas privativas da liberdade ou apenas às penas de prisão efetiva.
É incontroverso que a intenção do legislador foi a de fazer cessar a intervenção do tribunal da condenação após o trânsito em julgado da decisão condenatória, transferindo para o tribunal de execução das penas a competência para acompanhar a evolução da execução das penas de prisão e decidir toda a espécie de incidentes, incluindo a sua extinção.
Não existe qualquer dúvida que a prisão por dias livres é uma pena privativa da liberdade o que o legislador expressamente consignou no art. 45 nº2 do CP.
Aqui chegados temos de concluir que a norma que define a competência é o nº2 do art. 138, sendo as alíneas do nº4 meramente exemplificativas com indicação de exemplos específicos.
Neste sentido vd. o o Ac. desta Relação de 3/02/2016 relatado por Artur Oliveira no que respeita à medida de permanência na habitação.
É, pelo exposto, manifesto que o tribunal da condenação no despacho recorrido, ao declarar extinta uma pena de prisão efetiva, violou efetivamente as regras de competência material, dado que esta competência para a declaração de extinção da pena de prisão, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, passou a pertencer ao Tribunal da Execução das Penas, nos termos das disposições legais citadas e do nº 2 do supra indicado art. 138.
Cumpre, pois, reconhecer que o despacho recorrido constitui violação das regras de competência material e configura nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 119 alínea e), do CPP, a qual não pode deixar de ser declarada.

Decisão:
De acordo com os argumentos expendidos acordam os Juízes da 1ª secção criminal em:
- Conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e em revogar o despacho recorrido – que deverá ser substituído por outro que não declare a extinção da pena.
Sem tributação.

Porto, 08/02/2017
Paula Guerreiro
Pedro Vaz Pato