Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0550207
Nº Convencional: JTRP00038155
Relator: MARQUES PEREIRA
Descritores: TRIBUNAL COMPETENTE
ACORDO
Nº do Documento: RP200506060550207
Data do Acordão: 06/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Área Temática: .
Sumário: Decretada a incompetência absoluta (em razão da matéria) pelo Tribunal Judicial onde a acção foi instaurada (em face do pedido deduzido, na petição inicial, contra a Ré Câmara Municipal), depois de findos os articulados, faltando o acordo das partes sobre o seu aproveitamento, não podia o Juiz, que declarou a incompetência absoluta da sua jurisdição, determinar a remessa do processo para o Tribunal Administrativo, considerado o materialmente competente, com base no nº2 do art. 105º do Código de Processo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

No Tribunal Judicial de Amarante, B.......... e esposa C.......... intentaram acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra D.......... e E.........., Lda e Câmara Municipal .........., pedindo que os mesmos sejam condenados, solidariamente, a:
a)Proceder ao imediato encerramento da indústria de carpintaria e serração, sita no .........., .........., ..........;
b)Abster-se de utilizar máquinas que emitam ruídos e emitam fumos no mesmo lugar;
c)Abster-se de quaisquer outros comportamentos susceptíveis de impossibilitar ou perturbar o repouso e o descanso dos Autores;
d)Pagar aos Autores uma indemnização por danos morais no valor de € 25.000,00;
e)Pagar aos Autores uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 40.000,00;
f)No pagamento de juros, á taxa legal, sobre as referidas quantias, desde a citação.
Os Réus D.......... e E.........., Lda. apresentaram contestação, em que concluem pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
Apresentou, também, contestação, a Ré Câmara Municipal .........., na qual, arguiu a incompetência do tribunal, em razão da matéria, pedindo, em consequência, a sua absolvição da instância. Subsidiariamente, pediu a improcedência da acção, com a sua consequente absolvição do pedido.
Os Autores replicaram, a fls. 92 e ss., concluindo como na petição inicial e a fls. 103, concluindo pela improcedência da excepção dilatória da incompetência material ou, assim não se entendendo, pela remessa dos autos ao Tribunal Administrativo competente.
No saneador, foi proferido despacho, em que se decidiu:
_ Julgar procedente a excepção dilatória da incompetência em razão da matéria e, em consequência, declarar o Tribunal Judicial de Amarante incompetente para conhecer da presente acção e competente o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
_ Transitado este despacho, a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.
Fundamentou-se esse despacho, unicamente, no entendimento de que a relação material controvertida, tal como é configurada na petição inicial, visando, entre o mais, a efectivação da responsabilidade civil extracontratual da Câmara Municipal .........., deve ser apreciada pelo Tribunal Administrativo, de acordo com a al. g) do n.º 1 do art. 4 do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro.
Interpôs a Ré Câmara Municipal .......... recurso de agravo, cuja alegação findou com estas conclusões:
1.Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogada a decisão recorrida e julgar-se ilegal a remessa dos autos ao Tribunal Administrativo de Círculo.
2.O pedido formulado pelos AA contra a CM.......... reporta-se a actos de gestão pública.
3.O Sr. Juiz a quo reconheceu isso, declarando verificar-se a incompetência do Tribunal comum em razão da matéria.
4.O que implica a absolvição da instância da CM.........., continuando os autos só contra os restantes Réus.
5.Pelo que, tem de ser intentada outra acção contra a CM.......... e em Tribunal de jurisdição administrativa; se os AA pretenderem continuar a demandar a CM.......... .
6.Os restantes RR não podem ser demandados em Tribunal Administrativo por as questões contra eles formuladas serem de direito privado.
7.Com a decisão “sub júdice” foram ofendidos os arts. 4 do EATF. 14 do CPTA, 212, n.º 3 da CRP, 105, 219, 493, n.º 2 e 496, 1, a) do CPC.
Não houve contra-alegações.
Foi proferido despacho tabelar de sustentação.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Como se sabe, o objecto do recurso é balizado pelas conclusões extraídas pelo recorrente das respectivas alegações (arts. 684, n.º 3 e 690, n.º 1 do CPC).
A questão essencial a decidir, em concreto, é a de saber se, decretada a incompetência absoluta (em razão da matéria) do tribunal judicial (em face do pedido deduzido, na petição inicial, contra a Ré Câmara Municipal ..........), depois de findos os articulados, se verificavam os pressupostos legais para o Ex. m.º Juiz “a quo” ter, ao mesmo tempo, ordenado que, transitado o despacho, o processo fosse remetido ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel.

Considerou-se, no despacho recorrido, por um lado, que, tendo a incompetência absoluta sido declarada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se, uma vez que os Autores requereram, na réplica de fls. 103, a remessa do processo ao Tribunal Administrativo, nos termos do art. 105 do CPC.
Considerou-se, por outro lado, que segundo o disposto no art. 14, n.º 1 (indicou-se, certamente, por lapso, o art. 44, n.º 1) do CPTA, “Quando a petição seja dirigida a tribunal incompetente, o processo deve ser oficiosamente remetido ao tribunal administrativo competente”.

Não está em causa a incompetência material do tribunal comum para apreciar o pedido formulado contra a Ré Câmara Municipal .......... (excepção dilatória arguida pela própria Recorrente, na sua contestação).
Defende, porém, a Recorrente, que a incompetência material implica a sua absolvição da instância (continuando o processo contra os demais Réus, por as questões contra eles formuladas serem de direito privado) e que a remessa do processo para o tribunal em que a acção deveria ter sido proposta pressupõe, por força do disposto no art. 105, n.º 2 do CPC, que o autor o requeira e que haja acordo das partes, o que não seria o caso.
Tendo sido, igualmente, feita errada interpretação e aplicação do art. 14, n.º 1 do Código de Processo dos Tribunais Administrativos.

Vejamos.
Dispõe o art. 105 CPC que:
“1-A verificação da incompetência absoluta implica a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar”.
2-Se a incompetência só for decretada depois de findos os articulados, podem estes aproveitar-se desde que, estando as partes de acordo sobre o aproveitamento, o autor requeira a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta”. [O DL n.º 329-A/95 alterou a redacção do n.º 1, que era a seguinte: “Se a incompetência absoluta do tribunal só for verificada depois do despacho liminar, o réu será absolvido da instância”]
Resulta deste n.º 2 que, sendo a incompetência absoluta decretada depois de findos os articulados, a remessa do processo ao tribunal em que a acção deveria ter sido proposta pressupõe a verificação de dois requisitos cumulativos: o acordo das partes sobre o aproveitamento dos articulados e o requerimento do autor a pedir a remessa do processo para o tribunal competente. [Conforme nos informam Elias da Costa, Silva Costa e Figueiredo de Sousa, em Código de Processo Civil Anotado e Comentado, 2.º volume, p. 300, pode ler-se nas “observações” ao projecto de articulado, após a primeira revisão ministerial do CPC (BMJ, 121, 65-66) o seguinte:
“(…). Mantém-se a possibilidade de aproveitamento dos articulados, desde que a incompetência seja decretada depois de finda a respectiva fase, mas continua a subordinar-se esse aproveitamento ao acordo das partes.
A deslocação da acção de um para outro tribunal pode, neste caso, implicar diferenças tão profundas nos quadros a que o julgamento se tem de subordinar, que bem se compreende que certo articulado convenha a uma das partes numa determinada espécie de tribunal (o cível, por exemplo) e lhe não agrade quando a causa seja apreciada por tribunal de espécie diferente (administrativo ou de trabalho, por exemplo)”]
Nesta hipótese, segundo Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora [Manual de Processo Civil, 2.ªed., p. 232, nota 1], não deixa de haver _ explícita ou implícita _ absolvição da instância, acrescentando os mesmos AA que: “No tribunal para onde os articulados e respectiva documentação forem enviados, inicia-se uma nova instância, não havendo o simples prosseguimento da anteriormente instaurada”. No mesmo sentido, José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil, Anotado, volume 1.º, p. 194.
No caso concreto, verificamos que, efectivamente, na réplica de fls. 103 dos autos, respondendo à excepção da incompetência em razão da matéria suscitada na contestação da Ré Câmara Municipal .........., os Autores se exprimem no sentido de que, se for declarada procedente tal excepção, devem os autos ser remetidos ao Tribunal Administrativo competente (art. 3 da réplica).
Não verificamos, porém, a existência de acordo das partes quanto ao aproveitamento dos articulados. Nenhuma das partes se manifestou nesse sentido.
Faltando o acordo das partes sobre o aproveitamento dos articulados, não podia o Ex. m.º Juiz “a quo” determinar a remessa do processo para o Tribunal Administrativo, com base no n.º 2 do art. 105 do CPC.

E podê-lo-ia com base no invocado art. 14, n.º 1 do CPTA?
Cremos, igualmente, que não.
Na verdade, segundo a interpretação que se nos afigura correcta, este n.º 1 não se aplica no caso de o tribunal incompetente a que se dirigiu a petição ser um tribunal comum.
Conforme escrevem Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, in Código de Processo nos Tribunais Administrativos, volume I, Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Anotados, p. 184:
“A verdade é que, apesar de todas estas objecções, a solução que certamente acabará por prevalecer é a de que o n.º 1 do art. 14 do CPTA quis manter a disciplina do art. 4 do anterior LPTA _ a qual (mostravam-no os seus n.º 1 e 4 conjugadamente) se restringia àqueles casos em que a petição era entregue em tribunal administrativo incompetente _, como aliás o sugere o confronto entre as previsões deste n.º 1 e a do subsequente n.º 2”.

Merece, pois, provimento o agravo: sem a verificação do acordo das partes sobre o aproveitamento dos articulados, não podia o Ex. m.º Juiz “a quo” determinar que, uma vez transitado o despacho, o processo fosse remetido ao tribunal competente.

Decisão:
Acorda-se em conceder provimento ao agravo, revogando o despacho recorrido, na parte impugnada, devendo o mesmo ser substituído por outro que se limite a absolver a Ré Câmara Municipal .......... da instância, prosseguindo, naturalmente, o processo em relação aos restantes Réus.
Custas pelos agravados (que, na réplica, embora a título subsidiário, defenderam a posição que saiu vencida no recurso).

Porto, 6 de Junho de 2005
Joaquim Matias de Carvalho Marques Pereira
Manuel José Caimoto Jácome
Carlos Alberto Macedo Domingues