Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | FRANCISCA MOTA VIEIRA | ||
Descritores: | DOAÇÃO CLÁUSULA DE REVERSÃO MUNICÍPIO RECUSA DE ACTO DE REGISTO IMPUGNAÇÃO DE DECISÕES DO CONSERVADOR DO REGISTO PREDIAL | ||
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Nº do Documento: | RP20231012745/22.4Y2MTS.P1 | ||
Data do Acordão: | 10/12/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | 3. ª SECÇÃO | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I - Resultando da escritura púbica de doação, que as partes outorgantes, Município ... e Clube ..., respetivamente, doador e donatário, estipularam que o imóvel doado pelo primeiro ao segundo regressaria à titularidade do doador em caso de ser dado destino distinto daquele que foi convencionado, resulta que as partes outorgantes através da cláusula de reversão afectaram a doação de uma condição resolutiva (art 270º CC) II - A doação ficaria resolvida caso se verificasse a condição e, conforme é regra na condição resolutiva (art 276º CC), a sua verificação tem efeito retroativo. III - De entre os órgãos representativos do municípios, assembleia municipal (órgão deliberativo) ou câmara municipal (órgão executivo), aquele que detém competência para o ato de renúncia à cláusula de reversão convencionada na doação dos autos, é o Município, porquanto essa cláusula é da titularidade do Município, a favor do qual foi instituído o direito de reversão, cabendo a este decidir sobre o seu exercício na hipótese de estarem verificados os requisitos respectivos. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo: 745/22.4Y2MTS.P1 Origem:Tribunal Judicial da Comarca do Porto Juízo Local Cível de Matosinhos - Juiz 2 Acordam os Juízes no Tribunal da Relação do Porto. I. RELATÓRIO. 1. O Município ... requereu à Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, pela Apresentação ….12 de 27/05/2022, através de processo de retificação de registo, o cancelamento do registo de eliminação da cláusula de reversão ínsita na inscrição de aquisição a favor de “O Clube ...!” efectuado a coberto da apresentação …3 de 04/12/2019, sobre o prédio ...03, da freguesia e concelho .... No essencial, alegou que o documento que foi apresentado para instruir o requerido cancelamento não constitui ato de renúncia à cláusula de reversão, mas apenas uma certidão emitida pela Câmara Municipal que atesta que a Assembleia Municipal ... na sua sessão ordinária de 22 de Setembro de 2016, sob proposta da Câmara Municipal consubstanciada na deliberação de 29 de Agosto de 2016, no exercício da competência que lhe é conferida pela alínea q) do nº1 do art 25º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, deliberou, por unanimidade, autorizar a renúncia à cláusula de reversão estabelecida na escritura de doação, de 21 de Outubro de 1965, pela qual, o Município doou ao Clube ... uma parcela de terreno com a área de trez mil setenta e quatro metros quadrados. 2. O pedido de cancelamento do registo de eliminação da cláusula de reversão referida foi indeferido por despacho de indeferimento liminar proferido em 30/06/202 pela da Exma Senhora Conservadora. No essencial, a Exma Senhora Conservadora da Conservatória do Registo Predial de Matosinhos argumenta que a deliberação da Assembleia Municipal de autorização de renúncia “constitui título bastante para comprovar a extinção da cláusula e atualizar o registo”. 3. Não se conformando com o despacho de indeferimento liminar o Requerente apresentou impugnação judicial da decisão proferida pela Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Matosinhos, peticionando que a impugnação judicial seja julgada provada e procedente e, em consequência, seja revogado o despacho de indeferimento liminar e ordenado o cancelamento do registo lavrado, em relação ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º ...44, na sequência da Ap. ...35 de 2019/12/04, e tudo o que for necessário para manter a inscrição da cláusula de reversão constante registada em sequência da Ap. ... de 1967/05/23. Para sustentar a impugnação alegou, em síntese: - que por doação do Município ..., datada de 21/10/1965, o Clube ... adquiriu a propriedade do prédio urbano constituído por “complexo desportivo composto de piscinas, pavilhão e logradouro”, sito no Largo ..., s.n., União de Freguesias ..., ... e ..., concelho ...”; - que o referido prédio urbano se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º ...44, e inscrito na competente matriz predial, sob o artigo ...53º; - que aquando da doação, o aludido prédio urbano ficou onerado com uma cláusula de reversão a favor do Município ..., no caso de ser dado ao prédio destino diferente que não seja a construção de um pavilhão gimnodesportivo e outros recintos destinados à prática de desportos amadores, bem como a um pequeno parque de apoio ao campismo local; - que a mencionada aquisição por doação a favor do Clube ... e a respetiva cláusula de reversão foram registadas definitivamente mediante a Ap. ... de 1967/05/23; - que o registo da cláusula de reversão foi eliminado pela Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Matosinhos, mediante a Ap. ...35 de 2019/12/04; - que esse ato foi requerido por AA, que é advogado e pertenceu à ex-direção do Clube ...; - que desconhecia totalmente a eliminação do registo da cláusula de reversão; - que essa eliminação foi determinada em face da apresentação de uma certidão emitida pela Câmara Municipal ..., em 14/03/2019, onde se fez constar que a Assembleia Municipal ..., em sessão ordinária de 22/09/2016, e sob proposta da Câmara Municipal ... datada de 29/08/2016, deliberou, por unanimidade autorizar a renúncia à cláusula de reversão estabelecida na escritura de doação; - que o documento que serviu de base ao registo da renúncia à cláusula de reversão apenas permite autorizar a renúncia e não constitui uma renúncia efetiva; - que ao não existir qualquer ato de renúncia efetiva, o fundamento para o registo da renúncia à cláusula de reversão é insuficiente para a prova desse facto pelo que o registo da renúncia à aludida cláusula de reversão padece de nulidade por ter sido lavrada com base em título insuficiente para a prova do facto registado. 4. Notificados os interessados Clube ... e a Banco 1..., C.R.L. ao abrigo do disposto no artigo 127º, nº 4, do Código de Registo Predial, apenas a última se pronunciou, aderindo aos fundamentos aduzidos pela Sr.ª Conversadora do Registo Predial de Matosinhos no despacho de indeferimento liminar do processo de retificação de registo referido nos autos, pugnando pela improcedência da presente impugnação judicial. 5. Aberta vista ao Ministério Público para se pronunciar nos termos do artigo 132º, n.º 1, do Código do Registo Predial, veio aderir à tese da Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Matosinhos, pugnando pela improcedência destes autos de impugnação judicial. 6. De seguida, foi proferida sentença, proferida a 30-01-2023, que julgou a impugnação do acto de recusa Sr. Conservador do Registo Predial de Matosinhos totalmente procedente, e, em consequência, revogou a decisão impugnada, e: a) Declarou nulo o registo do cancelamento da cláusula de reversão lavrado, em relação ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º ...44, na sequência da Ap. ...35 de 2019/12/04; b) Determinou a retificação do registo, mantendo a inscrição da cláusula de reversão aí constante na sequência da Ap. ... de 1967/05/23.que julgou o recurso de impugnação judicial totalmente procedente, e, em consequência, revogou a decisão impugnada. 7. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos que a seguir se reproduzem: 1. O Município ... requereu à Conservatória do Registo Predial de Matosinhos, pela Apresentação 2712 de 27/05/2022, através de processo de retificação de registo, o cancelamento do registo de eliminação da cláusula de reversão, efetuado pela apresentação …3 de 04/12/2019, sobre o prédio ...03, da freguesia e concelho ..., tendo tal cancelamento sido recusado por despacho de indeferimento liminar proferido em 30/06/2022. 2. Por isso o Município ... apresentou impugnação judicial da decisão proferida pelo Sr. Conservador do Registo Predial de Matosinhos, peticionando que a presente impugnação judicial seja julgada provada e procedente e, em consequência, seja revogado o despacho de indeferimento liminar e ordenado o cancelamento do registo lavrado, em relação ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º ...44, na sequência da Ap. ...35 de 2019/12/04, e tudo o que for necessário para manter a inscrição da cláusula de reversão aí constante registada em sequência da Ap. ... de 1967/05/23. 3. Por sentença, proferida a 30-01-2023, nos autos supra mencionados, a Srª Juíza “a quo” julgou a impugnação do acto de recusa Sr. Conservador do Registo Predial de Matosinhos totalmente procedente, e, em consequência, revogou a decisão impugnada, e: a) Declarou nulo o registo do cancelamento da cláusula de reversão lavrado, em relação ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim, sob o n.º ...44, na sequência da Ap. ...35 de 2019/12/04; b) Determinou a retificação do registo, mantendo a inscrição da cláusula de reversão aí constante na sequência da Ap. ... de 1967/05/23. 4. Conforme bem refere o Sr. Conservador, no despacho liminar de indeferimento da retificação do registo da renúncia à cláusula de reversão, onde exara que a certidão da deliberação tomada pela Assembleia Municipal ... de renúncia à cláusula de reversão constitui, per si, uma verdadeira renúncia à cláusula de reversão, e, como tal, título bastante para efetuar o correspondente registo. 5. Nesta matéria, releva, sobremaneira, o Regime Jurídico das Autarquias Locais, aprovado pela Lei n.º 75/2013, de 12.09, no qual se inserem os dispositivos normativos convocados pelos Órgãos do Município nas respetivas deliberações constantes dos autos e que dizem respeito à repartição de competências entre a Câmara Municipal e a Assembleia Municipal. 6. Concretamente, dispõe o artigo 33.º, n.º 1, alínea ccc), do Regime Jurídico das Autarquias Locais, sob a epígrafe “Competências materiais”, que “1 -Compete à câmara municipal: (…) ccc) Apresentar propostas à assembleia municipal sobre matérias da competência desta.”. 7. Por seu turno, estabelece o artigo 25.º, n.º 1, alínea q), do Regime Jurídico das Autarquias Locais, sob a epígrafe “Competências de apreciação e fiscalização”, que “1 - Compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal: (…) q) Deliberar sobre a afetação ou desafetação de bens do domínio público municipal;”. 8. Dos “supra” mencionados normativos, retira-se, salvo melhor entendimento, que a competência para exercer o direito potestativo da renúncia à cláusula de reversão é da Assembleia Municipal, sempre precedida de uma proposta da Câmara Municipal. 9. Foi, precisamente, o que se verificou nos presentes autos, porquanto, a Câmara Municipal ..., em reunião ordinária realizada no 29.08.2016, aderindo à argumentação aduzida pelo Clube ..., e convocando o disposto pelo artigo 33.º, .º 1, alínea ccc), do Regime Jurídico das Autarquias Locais, deliberou, por unanimidade, propor à Assembleia Municipal que, no exercício da competência atribuída pelo artigo 25.º, n.º 1, alínea q), do Regime Jurídico das Autarquias Locais, decida autorizar a renúncia à cláusula de reversão estabelecida na escritura de doação de 21.10.1965 (cfr. Doc. 5 junto com a impugnação judicial). 10. Outrossim, no dia 22.09.2016, a Assembleia Municipal deliberou, por unanimidade, “autorizar a renúncia à cláusula de reversão” estabelecida na escritura de doação de 21.10.1965 (cfr. Doc. 6 junto com a impugnação judicial), fundamentando tal decisão justamente no já aludido artigo 25.º, n.º 1, alínea q), do Regime Jurídico das Autarquias Locais. 11. Isto posto, nos termos do mencionado diploma, ressalvado melhor entendimento, não encontramos qualquer fundamento legal que sustente a posição do Impugnante, concretamente, quando defende que “onde claramente se lê que a Assembleia Municipal ... autoriza (a Câmara Municipal ..., que foi quem lho pediu) a renunciar à cláusula de reversão, se deve ler exactamente o mesmo,” (cfr. Ponto 49 da impugnação judicial), nem o mesmo sequer o invoca. 12. Na verdade, o que parece singelamente resultar das normas “supra” citadas, é que à Câmara Municipal apenas compete propor e, por sua vez, à Assembleia Municipal deliberar, assim ficando perfeita renúncia à cláusula de reversão. 13. Tal procedimento foi integralmente verificado na situação em apreço e do mesmo resulta a inequívoca renúncia à cláusula de reversão, enquanto ato unilateral adotado pelo Órgão do Município competente. 14. Portanto, ao decidir da forma que o fez, o Tribunal “a quo” violou os arts. 68 e 69, al. b) do Cód. de Registo Predial, por ser manifesto que o facto que se pretende apresentar a registo (o cancelamento do registo de eliminação da cláusula de reversão, efetuado pela apresentação 253 de 04/12/2019, sobre o prédio ...03, da freguesia e concelho ...) não está titulado nos documentos apresentados pelo Município ...; 15. Pelo que, importa revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que, fazendo a correcta aplicação destas normas, confirme a “supra” referida decisão liminar de recusa do Sr. Conservador do Registo Predial de Matosinhos, por despacho de indeferimento liminar proferido em 30/06/2022, e recuse o cancelamento do registo de eliminação da cláusula de reversão, efetuado pela apresentação ..3 de 04/12/2019, sobre o prédio ...03, da freguesia e concelho .... Nestes termos, e nos melhores de direito do douto suprimento, deve a presente Apelação ser julgada totalmente procedente, revogando-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-se por decisão onde se confirme a decisão liminar de recusa do Sr. Conservador do Registo Predial de Matosinhos, com as demais consequências legais. 8. Inconformada, também a Exma Senhora Conservadora de Registos da Conservatória do Registo Predial de Matosinhos interpôs recurso de apelação e concluiu nos termos que a seguir se reproduzem: 1ª - O prédio objeto da doação efetuada pelo Município ... ao Clube ..., no ano de 1965, não constituía um "complexo desportivo composto de piscinas, pavilhão e logradouro”, como vem referido, por lapso, no ponto 1) dos factos dados como provados. 2ª - O prédio doado, nessa altura, consistiu numa “parcela de terreno com a área de treze mil e setenta e quatro metros quadrados” (cfr. ponto seis da matéria de facto dada como provada e cópia da descrição predial inicial ora junta em anexo). 3ª - No referido contrato foi estipulada a cláusula de reversão a favor do Município ..., para o caso de não ser construído um pavilhão gimnodesportivo, outros recintos desportivos, bem como um parque de apoio ao campismo. 4º - Pelo menos desde 2012 consta da descrição predial em ficha que o prédio é composto por complexo desportivo, piscinas, pavilhão e logradouro (e desde 1998 na descrição em Livro). 5ª - Deste modo, a publicidade do registo, demonstra que o Clube ... cumpriu com o encargo imposto. 6ª – Por conseguinte, a extinção da cláusula de reversão faz sentido, surge até na esteira da própria publicidade registral. 7ª - A Exma. Senhora Juíza a quo entende que a renúncia à cláusula de reversão consubstanciada na deliberação da assembleia municipal não configura um ato de renúncia, mas uma autorização à mesma e, portanto, terá de ser a câmara municipal a praticar o ato administrativo autorizado. Não é assim, no caso concreto, salvo o devido respeito. 8ª - Compete à assembleia municipal, órgão deliberativo do município, entre outras competências de apreciação e fiscalização e sob proposta da câmara municipal, a prevista no nº 1, al. q), do artigo 25º, da Lei nº 75/2013, de 12 de dezembro. 9ª - A certidão apresentada a registo é documento bastante para o registo em causa porquanto a deliberação é da competência exclusiva da Assembleia Municipal, segundo a acima mencionada norma (“Deliberar sobre a afetação ou desafetação de bens do domínio público municipal”). 10ª - Só a Assembleia Municipal podia tomar a referida deliberação. Ponto é que fosse precedida, como foi, de proposta da Câmara Municipal. A Câmara Municipal só tinha de propor, como propôs. A sua intervenção esgota-se nessa proposta. 11ª - O ato administrativo, a deliberação da Assembleia Municipal, foi o ato válido, bastante, e suficiente para se obter o efeito desejado: a extinção da cláusula de reversão. 12ª - A deliberação foi tomada validamente, esgotou o seu propósito e não carece de qualquer ato de outro órgão autárquico, para se tornar efetiva. 13ª – Atento o disposto nos artºs 43º nº 1 e 68º do Código do Registo Predial não subiste a mínima dúvida de que o registo foi efetuado com base em título bastante para a prova do facto requerido: a extinção da cláusula de reversão. 14ª - Não se trata de uma questão de semântica ou de mera argumentação: o título consiste numa deliberação unânime de extinção da cláusula de reversão. 15ª - A deliberação é o ato em si. A deliberação não autorizou a Câmara a renunciar. A deliberação, sob proposta da Câmara, autorizou ela própria a renúncia à reversão. Por isso é que se trata de título bastante. 16ª - Trata-se de um ato administrativo puro, sem dependência de formalidade de outro órgão autárquico. É válido em termos formais e em termos materiais. 17ª - O equívoco da Exma. Senhora Juíza relaciona-se com a natureza do ato em si, e com a eventual dependência de qualquer outro ato praticado por qualquer outro órgão municipal. Sendo a deliberação da assembleia municipal o ato administrativo em si, sempre necessita de uma operação material de execução desse mesmo ato. Essa operação material consiste unicamente, na submissão a registo da certidão emitida pela Câmara Municipal da deliberação da Assembleia Municipal. Foi o que se passou e por isso mesmo é que a referida certidão é título bastante para registo. 18ª - A apresentação da certidão, emitida pela Câmara Municipal, de uma deliberação da Assembleia Municipal (órgão deliberativo), que autorizou a extinção da cláusula de reversão foi, assim, título mais do que suficiente para o registo do ato. 19ª - Entender o contrário seria legitimar venire contra factum próprium da Câmara Municipal. 20ª - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos art.ºs 43º nº 1 e 68º do Código do Registo Predial e no artigo 25º nº 1 alínea q) da Lei 75/2013 de 12 de setembro, que deverão ser interpretados de acordo com as presentes conclusões. Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vossas Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, lavrado douto Acórdão que julgue procedentes as conclusões do presente recurso, com as legais consequências, como é da mais inteira e sã. 9. O requerente apresentou contra-alegações relativamente a ambos os recursos. 10. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. A questão colocada nos dois recursos interpostos traduz-se em apreciar e decidir se a certidão da deliberação tomada pela Assembleia Municipal ... de renúncia à cláusula de reversão aposta numa escritura de doação de imóvel constitui, por si, uma verdadeira renúncia à cláusula de reversão, e, como tal, título bastante para efetuar o correspondente registo. No recurso interposto pela Sra Conservadora do Registo Predial de Matosinhos está ainda suscitada a questão da verificação de uma situação de abuso de direito por parte do Impugnante. III. FUNDAMENTAÇÃO. 3.1 Da requerida junção de um documento. Nesta parte, resulta das alegações recursórias da Sra Conservadora que esta pede a junção de cópia da descrição predial inicial do imóvel doado com o nº ...27 lavrada a folhas 188v do livro ...2, com vista a evidenciar o lapso em que incorreu o Mmo Juiz do Tribunal recorrido relativamente à descrição do imóvel doado. Apreciando e decidindo: Sem necessidade de grandes considerações dogmáticas, acolhemos o sumário do douto acórdão do tribunal da Relação de Coimbra, na Apelação nº 628/13.9TBGRD.C1, proferido a 18-11-2014, no qual se escreveu: “Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional. Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva. Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado. Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento. Quanto ao segundo elemento referido em I deste sumário, o caso indicado no trecho final do artigo 651º, nº 1 do CPC (a junção do documento ter-se tornado necessária em virtude do julgamento proferido na primeira instância), pressupõe a novidade da questão decisória justificativa da junção do documento com o recurso, como questão operante (apta a modificar o julgamento) só revelada pela decisão recorrida, o que exclui que essa decisão se tenha limitado a considerar o que o processo já desde o início revelava ser o thema decidendum.” Tendo por base este entendimento sobre os requisitos para o deferimento de uma pretensão de junção de documentos na fase recursória, afigura-se-nos, que a pretensão deve proceder pelos seguintes motivos. Conforme tivemos oportunidade de analisar, concretamente, após ter sido junta aos autos no cumprimento de despacho proferido pela relatora, cópia de escritura pública de doação celebrada no ano de 1965, o imóvel doado pela Câmara Municipal ... ao Clube ... não constituía um “complexo desportivo composto de piscinas, pavilhão e logradouro” mas apenas uma parcela de terreno com a área de treze mil e setenta e quatro metros quadrados. E esse facto é também suportado pela cópia da descrição predial inicial do imóvel doado com o nº ...27 lavrada a folhas 188v do livro ...2, a qual, a recorrente pretende juntar. Esses dois documentos constituem o suporte documental que justifica a alteração que este colectivo de juízes irá efectuar quanto ao item 1º dos factos provados. Assim, por ser relevante e estar devidamente justificada a requerida junção aos autos desse documento, admitimos o mesmo sem qualquer tributação. 3.2 . Os factos que relevam para a questão a decidir, corrigindo-se o lapso do item 1º na parte em que procede à descrição do imóvel doado no ano de 1965 e procedendo-se ao aditamento de factos devidamente comprovados nos documentos juntos aos autos, (escritura pública da doação celebrada a 21.10.1965, certidões da Conservatória do Registo Predial da Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim) são os seguintes: 1. Por escritura pública exarada em 21/10/1965, o Município ... declarou doar ao Clube ..., ali representado por pessoas devidamente identificadas, que declarou aceitar , uma parcela de terreno que “ possui nos limites desta vila onde se encontram as instalações desportivas daquele clube nas seguintes condições : a doação é feita com o encargo do clube donatário de entregar à Câmara Municipal ..., a título de entrada , a quantia de duzentos contos, que será paga em 20 prestações anuais de dez contos cada, vencendo-se a primeira no dia trinta de outubro corrente e as restantes em igual dia dos anos seguintes; o Clube donatário não poderá destinar o imóvel a outro fim que não seja a construção de um pavilhão gimnodesportivo e outros recintos destinados à prática de desportos amadores, bem como a uma pequeno parque de apoio ao campismo local; as referidas instalações deverão ser facultadas à utilização de um estabelecimento de ensino, Exército, organismos corporativos, colectividades de carácter popular estritamente amador; no caso de ser dado ao imóvel ora doado destino diferente, expressamente fica estipulada a cláusula de reversão para a Câmara Municipal ..., doadora do imóvel doado, com todas as benfeitorias neste feitas e sem que possa reclamar a entrada no todo ou em parte, porventura já paga; que esta doação já foi autorizada (…) , ; que o terreno tem a área de treze mil e setenta e quatro metros quadrados, confrontando do norte com Câmara Municipal, do sul com a rua, do nascente com rua e do poente com a Avenida ..., encontrando-se inscrito na matriz predial rústica da PV como parte do artigo ..., com o valor matricial total de quarenta e seis mil e oitocentos escudos e fazendo parte da descrição número ... do livro B traço dezassete da Conservatória do Registo Predial; que se atribui ao terreno doado, por acordo, o valor de duzentos e dez contos, o qual, deduzido da importância de duzentos contos das entregas, dá a esta doação o valor de dez contos. Os segundos outorgantes declararam que aceitam a doação nos termos exarados, obrigando-se em nome do seu representado ao pagamento do estipulado e demais condições. 2. Na escritura referida em 1), fez-se constar que o imóvel ali descrito ficava onerado “com a cláusula de reversão a favor do Município ..., no caso de ser dado ao prédio destino diferente, que não seja a construção de um pavilhão gimnodesportivo e outros recintos destinados à prática de desportos amadores, bem como a um pequeno parque de apoio ao campismo local”. 3. A mencionada aquisição a favor do Clube ... e a respetiva cláusula de reversão foram registadas definitivamente mediante a Ap. ... de 1967/05/23. 4. Posteriormente, a 03.09.1998, sob a apresentação nº6 essa parcela passou a estar descrita na Conservatória do Registo Predial da Póvoa de Varzim sob o nº...03 e inscrito na na competente matriz predial sob o artigo ...53 (anterior artigo...) constando do registo a seguinte descrição: prédio urbano, complexo desportivo composto de piscinas, pavilhão e logradouro. 5. Em sessão ordinária realizada em 22/09/2016, a Assembleia Municipal ..., sob proposta da Câmara Municipal ... datada de 29/08/2016, deliberou e aprovou, por unanimidade, autorizar a renúncia à cláusula de reversão aposta na escritura pública referida em 1). 6. O registo da cláusula de reversão foi eliminado, por parte da Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Matosinhos, mediante documento e requerimento que constituem a Ap. ...35 de 2019/12/04. 7. Essa eliminação da cláusula foi determinada e executada em face da apresentação, pelo Sr. AA, de uma certidão emitida pela Câmara Municipal ..., em 14/03/2019, onde se fez constar: “(…) certifica que a Assembleia Municipal ..., em sua sessão ordinária de vinte e dois de setembro de dois mil e dezasseis, sob proposta da Câmara Municipal, consubstanciada na deliberação tomada em reunião ordinária de vinte e nove de agosto de dois mil e dezasseis, no exercício da competência que lhe é conferida pela alínea q), do n.º 1, do artigo 25.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, deliberou, por unanimidade, autorizar a renúncia à cláusula de reversão estabelecida na escritura de doação, de vinte e um de outubro de mil novecentos e sessenta e cinco, pela qual o Município doou ao Clube ... uma parcela de terreno com a área de treze mil e setenta e quatro metros quadrados”. 3.3. Fundamentação Jurídica. 3.3.1.O artigo 127º, nº 2, do Código do Registo Predial, dispõe que a decisão de indeferimento liminar pode ser impugnada nos termos do artigo 131º. Por seu turno, o artigo 131º, n.º 1 do mesmo diploma legal, dispõe que “a decisão sobre o pedido de retificação pode ser impugnada mediante interposição de recurso hierárquico para o conselho diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., ou mediante impugnação judicial para o tribunal da comarca da área da circunscrição a que pertence o serviço de registo, nos termos dos números seguintes”. Na impugnação que apresentou a este tribunal, o Requerente pretende que seja revogada a decisão da Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Matosinhos que indeferiu liminarmente o pedido de retificação do registo efetuado a coberto da Ap. ...35 de 2019/12/04. A questão colocada nos autos em ambos os recursos demanda a análise da natureza dos órgãos autárquicos intervenientes, compreendendo também a apreciação da natureza dos atos por eles praticados e ainda algumas considerações sobre a cláusula de reversão aposta na doação do imóvel . Nos termos da Constituição da República Portuguesa, a organização democrática do Estado compreende a existência de autarquias locais, as quais são pessoas coletivas territoriais dotadas de órgãos representativos e que visam a prossecução de interesses próprios das populações respetivas (artigo 235.º). No continente, as autarquias locais são as freguesias, os municípios e as regiões administrativas (artigo 236.º, n.º 1), embora estas últimas ainda não tenham sido instituídas em concreto (artigos 255.º e 256.º). Os municípios são as autarquias locais que visam a prossecução de interesses próprios da população residente na circunscrição do concelho, mediante órgãos representativos por ela eleitos. Os órgãos representativos do município são a assembleia municipal (órgão deliberativo) e a câmara municipal (órgão executivo). O quadro de competências e regime jurídico de funcionamento dos órgãos das autarquias locais consta da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro e ainda da Lei n.º 169/99 de 18 de setembro, com as posteriores alterações, nas partes não revogadas pela Lei n.º 75/2013. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 2, do Regime das Autarquias Locais, “os órgãos representativos do município são a assembleia municipal e a câmara municipal”. Por seu turno, o artigo 6.º dispõe que: “1 - A assembleia de freguesia e a assembleia municipal são os órgãos deliberativos, respetivamente, da freguesia e do município. 2 - A junta de freguesia e a câmara municipal são os órgãos executivos, respetivamente, da freguesia e do município.”. A deliberação que está em causa nos autos, concretamente, deliberação por unanimidade da Assembleia Municipal ... no sentido de autorizar a renúncia à cláusula de reversão estabelecida na escritura de doação de 21.10.1965, é susceptível de convocar a al. i) do artigo 25º e a al. g) do nº1 do artigo 33.º, n.º 1, ambos do Regime Jurídico das Autarquias Locais. O artigo 25º, n.º 1, alínea i) do Regime Jurídico das Autarquias Locais, sob a epígrafe “Competências de apreciação e fiscalização”, estabelece que “1 - Compete à assembleia municipal, sob proposta da câmara municipal: (…) i) Autorizar a câmara municipal a adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor superior a 1000 vezes a RMMG, e fixar as respetivas condições gerais, podendo determinar o recurso à hasta pública, assim como a alienar ou onerar bens ou valores artísticos do município, independentemente do seu valor, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 33.º. E o artigo 33º, nº1, al. g), sob a epígrafe “Competências materiais”, dispõe que “Compete à câmara municipal: (…) g) Adquirir, alienar ou onerar bens imóveis de valor até 1000 vezes a RMMG; Resulta assim das normas referidas e de acordo com os princípios subjacentes ao funcionamento das autarquias locais, ínsitos no Regime das Autarquias Locais, que sobre a AM impende essencialmente (mas não exclusivamente) poderes e deveres deliberativos e de fiscalização. Já a CM (câmara municipal) está mais vocacionada para o exercício de competências de propositura e de execução, sem prejuízo das dimensões deliberativas.[1] É à Câmara Municipal que incumbe executar as deliberações da Assembleia Municipal – mesmo aquelas que recaiam sobre matérias que são da sua competência exclusiva. Assim, com referência às normas referidas resulta dos autos que a repartição de competências acima descrita foi observada. Todavia, resulta dos autos que as partes intervenientes divergem quanto à natureza e valor da deliberação tomada pela Assembleia Municipal .... O Ministério Público e a Sr.ª Conservadora do Registo Predial de Matosinhos advogam que a deliberação tomada pela Assembleia Municipal ... constitui um ato de verdadeira e própria renúncia à cláusula de reversão, e como tal, título bastante para efetuar o correspondente registo. Para tanto, e no essencial, alegam que a deliberação da AM de autorização para renúncia à cláusula de reversão inclui-se na previsão da al. q) do nº1 do art 25º do RJAL da qual resulta que é da competência da Assembleia Municipal sob proposta do Município,” Deliberar sobre a afectação ou desafectação de bens do domínio público”. e, por isso, alegam que a deliberação de autorização para a renúncia à cláusula de reversão confunde-se com a própria renúncia. Que dizer? Tendo por base as considerações feitas e a normas por nós referidas, afigura-se-nos que essa argumentação não é válida. De acordo com os princípios subjacentes ao funcionamento das autarquias locais que resultam do RJAL é à Câmara Municipal que incumbe executar as deliberações da Assembleia Municipal, mesmo aquelas que recaiam sobre matérias que são da sua competência exclusiva. No plano da semântica a Deliberação da AM de autorização para renúncia à cláusula de reversão, como revela o significado linguístico da designação do acto praticado, significa que a AM autorizou, conferiu autoridade a.[2] Desde logo, a deliberação da AM de autorização para renúncia à cláusula de reversão não é suscetível de ser incluída na previsão da al. q) do nº1 do art 25º do RJAL[3] da qual resulta que é da competência da AM sob proposta do Município,” Deliberar sobre a afectação ou desafectação de bens do domínio público”. O Requerente- recorrido argumenta que o ato de autorização não configura em si mesmo o próprio ato que se pretendeu autorizar, pelo que a renúncia efetiva à cláusula de reversão dependeria sempre de um ato da Câmara Municipal nesse sentido. Analisadas as normas acima convocadas e a argumentação das partes, afigura-se-nos, com o devido respeito, que o entendimento acolhido na sentença recorrida não merece censura. Dos factos apurados resulta que estamos perante uma doação modal de imóvel- art 940º CC- sendo que a doação é o contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou de um direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente - nº1, a. 940º CC Nesse contrato descortinam-se os seguintes elementos constitutivos da doação:[4] a. Atribuição patrimonial geradora e enriquecimento; b. Diminuição do património do doador; c. Espírito de liberalidade. O primeiro requisito do contrato de doação é a existência de uma atribuição patrimonial geradora de enriquecimento, ou seja um acto que atribua a outrem uma concreta vantagem patrimonial. O art. 940.° refere que essa atribuição patrimonial pode consistir, quer na disposição de uma coisa ou de um direito, quer na assunção de uma obrigação. Efetivamente, em qualquer desses casos, o donatário sofre um incremento do seu património, quer em virtude da transmissão da coisa ou do direito objecto do conrato, quer em virtude da aquisição de um novo direito de crédito sobre o doador, em virtude da obrigação por este assumida. Também a remissão de dívidas do donatário, referida no art. 863.°, n.° 2, integra o conceito de enriquecimento. O conceito de enriquecimento para efeitos da doação não coincide, no entanto, com o seu correspondente no enriquecimento sem causa, não sendo por isso relevante se o donatário poderia ter obtido a aquisição por outra via ou se suportou através dela uma poupança de despesas 373. Essencial é apenas que se verifique uma valorização do património do beneficiário, seja qual for a forma por que se opere essa valorização. O segundo requisito do contrato de doação é a diminuição do património do doador, expressa na expressão "à custa do seu património". Este requisito, ao contrário do que sucede no enriquecimento sem causa, supõe uma efectiva diminuição patrimonial, sem o que não se estará perante uma doação. Daí que não seja qualificada como doação, mas antes como prestação de serviços gratuita (eft. art. 1154.9), o contrato pelo qual alguém apenas se obrigue a prestar um serviço a outrem. O último requisito do contrato de doação é a existência de espírito de liberalidade, i.e, que exista a intenção de atribuir o correspondente benefício a outrem por simples generosidade. Ora no caso dos autos, da interpretação da cláusula constante da doação, resulta que o Município ..., titular do direito de propriedade sobre a parcela de terreno doada ao Clube ... quis atribuir uma vantagem patrimonial a este e instituiu uma cláusula de reversão, da qual é beneficiário, no caso de ser dado ao prédio destino diferente, que não seja a construção de um pavilhão gimnodesportivo e outros recintos destinados à prática de desportos amadores, bem como a um pequeno parque de apoio ao campismo local. Posto isto, no caso dos autos a doação está onerada com um encargo (pois a parcela doada só poderia ser utilizada na construção de um pavilhão gimnodesportivo e outros recintos destinados à prática de desportos amadores, bem como a um pequeno parque de apoio ao campismo local”. o de um parque …); logo trata-se de uma doação modal (art. 963° nº 1 CC). Assim as partes outorgantes na doação, Município ... e Clube ... estipularam que o imóvel doado pelo primeiro ao segundo regressaria à titularidade do doador em caso de ser dado destino distinto daquele que foi convencionado. As partes outorgantes através da cláusula de reversão afectaram a doação de uma condição resolutiva (art 270º CC) A doação ficaria resolvida caso se verificasse a condição e, conforme é regra na condição resolutiva (art 276º CC), a sua verificação tem efeito retroativo, pelo que a lei vem determinar que *os bens doados que pela cláusula de reversão regressem ao património do doador passam livres dos encargos que lhes tenham sido impostos enquanto estiverem em poder do donatário, ou de terceiros a quem hajam sido transmitidos" (art. 961.9). Atribui-se assim natureza real à reversão, não sendo esta afectada por outros actos de disposição. Haverá, no entanto, que tomar em consideração, quer a usucapião, quer a aquisição prevista no art. 1301.° a favor de terceiros de boa fé. No caso de se tratar de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo, a cláusula de reversão terá que ser registada (art. 960, n.° 3), sem o que naturalmente não será oponível aos herdeiros ou legatários do donatário, ou a quaisquer subadquirentes. E no caso a questão essencial que está colocada é apreciar e decidir qual dos órgãos representativos do município, assembleia municipal (órgão deliberativo) ou câmara municipal (órgão executivo) detém competência para o ato de renúncia à cláusula de reversão convencionada na doação dos autos, cláusula que como vimos é da titularidade do Município. Assim, em princípio, porque o direito de reversão foi instituído a favor do Município é este o titular desse direito, cabendo a este decidir sobre o seu exercício na hipótese de estarem verificados os requisitos respectivos. E há que ter em consideração as normas que estabelecem o quadro abstracto de distribuição de competências, concretamente, as normas do Regime Jurídico das Autarquias Locais, das quais resulta que no âmbito das relações jurídicas entre entidades, a lei confia a competência a determinado órgão, mas entende condicionar o exercício dessa competência à obtenção de autorização do outro órgão, isto é, a lei faz depender o exercício de um poder por parte de determinado órgão da prévia emissão de uma autorização por outro órgão , o qual, desempenha uma função fiscalizadora, de controlo.[5] E porque o acto de renúncia, mero negócio jurídico unilateral, é, como ensinam P. Lima e A. Varela, "uma demissão do direito, um acto abdicativo e não um acto de transmissão", resulta para nós que o acto de renúncia ao direito de reversão no contrato de doação dos autos vai implicar uma variação negativa no património da Câmara Municipal .... Por isso, por aplicação extensiva das alíneas g) ou h) do nº1 do artigo 33º do RJAL, entendemos que o acto de renúncia a essa cláusula de reversão é subsumível a uma dessas alíneas. Assim, se se considerar que o direito de reversão da doação tem um valor superior a 1.000 vezes a RMMG (em 2019, de 600,00 €, cfr. Dec.-Lei nº 117/2018, de 27 de Dezembro) o acto de renúncia é subsumível na al. g) do nº 1 do artº 33º do RJAL. No primeiro caso, a competência para a prática da renúncia é da Câmara Municipal. No segundo caso, se se considerar que o direito de reversão da doação tem um valor inferior a 1.000 vezes a RMMG, a competência para a sua prática é da exclusiva competência da Câmara Municipal – o que, naturalmente, não impede que, se o entender, possa ela, por muitos motivos, solicitar o assentimento da Assembleia Municipal, por via de autorização como a solicitada. No caso dos autos, porque não está alegado, nem apurado, o valor a atribuir ao direito de reversão, (apenas se conhecendo que o direito de propriedade do imóvel doado tem actualmente o valor patrimonial tributário de 1.454.404,72 €,determinado em 2019 (cfr. a respetiva caderneta predial, que constitui o doc. nº 2 junto com o pedido de rectificação do registo), afigura-se-nos adequado concluir que o órgão competente para o acto de renúncia é a Câmara Municipal, sendo a Assembleia Municipal competente para a autorização para a renúncia. E como resulta dos factos apurados, a renúncia por parte da Câmara Municipal ... nunca teve lugar, o que, por esta via, ainda torna mais evidente, a insuficiência do título apresentado para fundar legalmente o registo de cancelamento que foi lavrado. Com a consequente confirmação integral da Sentença recorrida. 3.3.2. Do Recurso da Conservadora do Registo Predial. Argumenta ainda esta Recorrente: . que o ónus imposto sobre o prédio em causa quando da doação que o Recorrido dele fez ao Clube ... constituiria um simples encargo, temporário e já satisfeito; . que a deliberação da Assembleia Municipal do Recorrido era acto bastante para que um ónus com aquelas características pudesse ver o seu registo cancelado; - e, sem prescindir, que ter o Recorrido actuado como actuou “seria admitir venire contra factum proprium por parte da Câmara Municipal (..)”. Apreciando e decidindo: No tocante à 1ª questão – quanto a ter alegadamente sido cumprido pelo Clube ... o ónus de destinação do prédio a um pavilhão gimnodesportivo – cfr. conclusões 1ª a 6ª – é questão nova. Assim, essa questão não foi suscitada pelo Recorrido no seu requerimento inicial de processo especial de rectificação de registo, não foi objecto do Despacho de indeferimento liminar proferido pela Senhora Conservadora, não foi suscitada pelo Recorrido na impugnação judicial desse Despacho, não foi suscitada pelo Ministério Público na oposição a essa impugnação, não foi suscitada pela interessada Banco 1..., C.R.L., na oposição a essa impugnação que apresentou, não foi suscitada anteriormente pela Senhora Conservadora. Por isso, naturalmente, não foi conhecida na Sentença recorrida. Aliás, o julgador, na elaboração da sentença, nos termos do art. 608º, nº 2 apenas pode conhecer das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Todavia, sendo as questões levantadas nas conclusões das alegações dos recorrentes que delimitam os poderes de cognição do tribunal de recurso, há que aplicar a este limite a exceção decorrente da ressalva da parte final do nº 2 do art. 608º. E tal como é pacificamente entendido quer na doutrina quer na jurisprudência, o instituto do abuso de direito é do conhecimento oficioso.[6] Cumpre pois apreciar e decidir a alegação contida nas conclusões do recurso da Sra Conservadora do Registo Predial, concretamente, as conclusões seguintes: “1ª - O prédio objeto da doação efetuada pelo Município ... ao Clube ..., no ano de 1965, não constituía um "complexo desportivo composto de piscinas, pavilhão e logradouro”, como vem referido, por lapso, no ponto 1) dos factos dados como provados. 2ª - O prédio doado, nessa altura, consistiu numa “parcela de terreno com a área de treze mil e setenta e quatro metros quadrados” (cfr. ponto seis da matéria de facto dada como provada e cópia da descrição predial inicial ora junta em anexo). 3ª - No referido contrato foi estipulada a cláusula de reversão a favor do Município ..., para o caso de não ser construído um pavilhão gimnodesportivo, outros recintos desportivos, bem como um parque de apoio ao campismo. 4º - Pelo menos desde 2012 consta da descrição predial em ficha que o prédio é composto por complexo desportivo, piscinas, pavilhão e logradouro (e desde 1998 na descrição em Livro). 5ª - Deste modo, a publicidade do registo, demonstra que o Clube ... cumpriu com o encargo imposto. 6ª – Por conseguinte, a extinção da cláusula de reversão faz sentido, surge até na esteira da própria publicidade registral.(…) 18ª - A apresentação da certidão, emitida pela Câmara Municipal, de uma deliberação da Assembleia Municipal (órgão deliberativo), que autorizou a extinção da cláusula de reversão foi, assim, título mais do que suficiente para o registo do ato. 19ª - Entender o contrário seria legitimar venire contra factum próprium da Câmara Municipal.” Que dizer? Dos factos apurados resulta que o encargo que foi fixado na escritura de doação do Recorrido ao C... é o de não poder o Clube ... “destinar o imóvel a outro fim que não seja a construção de um pavilhão gimnodesportivo e outros recintos destinados à prática de desportos amadores, bem como a um pequeno parque de apoio ao campismo local”. Sendo que “no caso de ser dado ao imóvel ora doado destino diferente, expressamente fica estipulada a cláusula de reversão para a Câmara Municipal doadora do imóvel doado, com todas as benfeitorias nele feitas e sem que possa reclamar a entrada, no todo ou em parte, porventura já paga”. Mais resulta dos factos apurados que “1ª - O prédio objeto da doação efetuada pelo Município ... ao Clube ..., no ano de 1965, constituía uma “parcela de terreno com a área de treze mil e setenta e quatro metros quadrados” E que pelo menos desde 2012 consta da descrição predial em ficha que o prédio é composto por complexo desportivo, piscinas, pavilhão e logradouro (e desde 1998 na descrição em Livro). E a questão colocada em sede de recurso pela Sra Conservadora é decidir se estes factos por si, desacompanhados de qualquer alegação nesse sentido, permitem concluir que o Clube ... cumpriu com o encargo imposto e simultaneamente se permitem concluir que a instauração da presente ação para rectificação de registo e a subsequente impugnação da decisão de indeferimento liminar fazem incorrer o recorrido num “ venire contra factum proprium”. Vejamos. No actual C.C. o Artº. 334º prescreve “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico desse direito“, sendo que, adoptou-se nesse preceito do C.C. a concepção objectiva de abuso de direito, uma vez que “não é necessária a consciência de se excederem com o seu exercício os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito, basta que se excedam esses limites“. [7] Como sustenta Orlando de Carvalho, o que importa averiguar é se o uso do direito subjectivo obedeceu ou não aos limites de autodeterminação, poder esse que existe, tão somente, para se prosseguirem interesses e não para se negarem interesses, sejam eles próprios ou alheios, e o abuso de direito “é justamente um abuso porque se utiliza o direito subjectivo para fora do poder de usar dele“ [8] (18), havendo abuso de direito, segundo o critério proposto por Coutinho de Abreu “quando um comportamento aparentando ser exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumental e na negação de interesses sensíveis de outrem“. [9] O abuso de direito é um limite normativamente imanente ou interno dos direitos subjetivos, pelo que no comportamento abusivo são os próprios limites normativos-jurídicos do direito particular invocado que são ultrapassados. Este instituto constitui uma forma de antijuridicidade ou ilicitude pelo que a apreciação do abuso de direito pode ser feita oficiosamente, pois está em causa um princípio de interesse e ordem pública. Desta forma, mesmo que a apelante não tivesse levantado a questão do abuso de direito, o Tribunal da Relação podia e devia dele conhecer, se estivessem apurados os respetivos pressupostos legais.[10] O princípio do “venire contra factum proprium”, como aplicação do princípio da confiança do tráfico jurídico, faz com que não deva ser desiludida a outra parte quando esta confia em declarações ou no comportamento do titular do direito, pois, como afirma Menezes Cordeiro, “no essencial, a concretização da confiança, ela própria concretização de um princípio mais vasto, prevê, (...) a actuação de um facto gerador de confiança, em termos que concitem interesse por parte da ordem jurídica; a adesão do confiante a esse facto; o assentar, por parte dele, de aspectos importantes da sua actividade posterior sobre a confiança gerada - um determinado investimento de confiança - de tal forma que a supressão do facto provoque uma iniquidade sem remédio. O factum proprium daria o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências”. [11] Além disso, “normalmente, não se exige culpa por parte do responsável pela criação da situação de confiança. Mas exige-se que ele estivesse em condições de poder agir doutra maneira, designadamente, que tivesse podido conhecer e impedir a aparência criada, usando o cuidado normal, que devesse e pudesse conhecer que, ao adoptar a conduta que cria a confiança, se priva para o futuro de parte da sua liberdade de decisão pessoal”. [12] No que respeita aos pressupostos salienta Baptista Machado que “a confiança digna de tutela tem de radicar em algo de objectivo: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura”. “Para que a conduta em causa se possa considerar causal em relação à criação de confiança, é preciso que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”.[13] Logo, o conflito de interesses e a subsequente necessidade de tutela jurídica, apenas surgem, quando alguém, estando de boa fé, com base na situação de confiança criada pela contraparte, toma disposições ou organiza planos de vida, de onde lhe resultarão danos, se a sua legítima confiança vier a ser frustrada. Posto isto, na situação vertente, à luz do exposto, do facto de constituir matéria de excepção não sujeita ao princípio de preclusão, torna legitima a invocação do abuso de direito por via recursória não obstando ao seu conhecimento o facto de a Recorrente apenas agora o ter suscitado e de sobre ele ainda não ter recaído qualquer decisão, designadamente a recorrida. Todavia, se como inelutável resulta que isto assim é, é também incontornável realidade que existe uma limitação a este princípio do conhecimento ex officio do abuso de direito. Na verdade, pese embora o abuso de direito (artigo 334º do Código Civil) possa ser, como é, de conhecimento oficioso, não estando, por conseguinte, vedado o seu conhecimento ao Tribunal, isso não significa que este considere ocorrido o abuso de direito à luz de factos que não foram alegados nem se possam considerar adquiridos nos autos. Isto é, “mesmo que se considere que esse fundamento (abuso de direito) é de conhecimento oficioso, será sempre necessário que esteja demonstrada a respectiva factualidade para que o mesmo possa ser apreciado” [14] Com efeito, “a aplicação do abuso de direito depende de terem sido alegados e provados os competentes pressupostos, salva a hipótese de se tratar de posições indisponíveis. Além disso, as consequências que se retirem do abuso de direito devem estar compreendidas no pedido feito ao tribunal, em virtude do princípio dispositivo”.[15] Significa isto que, não obstante ser o abuso de direito de conhecimento oficioso, não pode tal instituto ser apreciado à luz de factos não provados e de factos novos ou documentos novos que visam a alteração da matéria de facto.[16] Concluímos assim que o abuso de direito pode ser oficiosamente conhecido, ainda que, apenas, invocado nas alegações de recurso, mas a verdade é que o conhecimento oficioso não prescinde da alegação e prova da factualidade que se integre em tal conceito jurídico”, pelo que, para esse feito, é necessário que o tribunal disponha da factualidade pertinente, alegada pelas partes nos respectivos articulados. [17] Ora, compulsados os autos à evidencia se constata que a questão da eventual existência de abuso de directo por parte do Recorrida apenas foi suscitada por via recursória, não tendo sobre ela recaído qualquer decisão, e bem assim que os factos agora invocados como fundamento dessa excepção não foram antes alegados e em consequência também não foram considerados na decisão recorrida objecto de recurso. As alegações de recurso da Sra Conservadora mostram-se, por isso, ampliadas relativamente aos fundamentos alegados no articulado de impugnação, não tendo sido alegada na oposição oferecida a eventual existência da factualidade em que faz assentar o invocado de abuso de direito. Por decorrência, e uma vez que o conhecimento desta excepção não prescinde da alegação e prova da factualidade que se integre em tal conceito jurídico”, sendo que para esse feito, é necessário que o tribunal disponha da factualidade pertinente, alegada pelas partes nos respectivos articulados, não se pode assim proceder ao conhecimento desta excepção. Destarte, na impossibilidade de ser apreciada esta questão, por inexistência de matéria factual, improcede, sem mais, também nesta parte, a presente apelação. .Saliente-se ainda que o impugnante não está a exercer o direito à reversão, (o que, exigiria a invocação de fundamento resolutivo da cláusula de resolução ou a verificação da cláusula resolutiva, sendo que a reversão é a consequência da resolução), hipótese em que se justificaria, sendo caso disso, a invocação por parte do Clube ... do ora alegado cumprimento do encargo e de um eventual abuso de direito de ação por parte do Município doador. Efectivamente, como decorre dos arts. 965º e 966º, os herdeiros e a sucessora dos doadores têm direito a exigir da donatária o cumprimento do encargo ou, nos termos da doação em análise, a reversão dos bens para os doadores ou seus herdeiros ou representantes. Por sua vez a donatária tem a obrigação de cumprir o encargo, proceder à construção do parque. Esta obrigação tem o carácter técnico já que sobre a donatária incide um vínculo jurídico, em virtude do qual fica adstrita à realização da dita prestação[18] É que existindo uma cláusula de reversão desacompanhada da fixação de prazo de vigência, não se pode, assim, falar de um estado de sujeição por parte do donatário, no sentido de ter de suportar os efeitos jurídicos produzidos, sem a eles se pode opor. O exercício do direito por parte dos doadores (herdeiros e sucessora), tem, pois, como contrapartida a dita prestação por parte da donatária. Concluindo: No caso dos autos a matéria de facto apurada apenas revela que pelo menos desde 2012 consta da descrição predial que o prédio é composto por complexo desportivo, piscinas, pavilhão e logradouro (e desde 1998 na descrição em Livro), o que, por si, desacompanhado de qualquer alegação no sentido do donatário Clube ... ter dado cumprimento ao encargo e na qual se faz assentar o invocado de abuso de direito, não permite a este Tribunal da Relação proceder ao conhecimento desta excepção, o que, se declara. De resto, na presente ação o requerente-recorrido veio impugnar a decisão da Sra Conservadora do Registo Predial de Matosinhos proferida no Processo de Rectificação de Registo que, sob o nº 3/2022, correram termos na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos[19]. O direito à rectificação do registo assiste ao requerente-requerido e a instauração da ação pertinente e da subsequente impugnação judicial da decisão da Sra Conservadora não revelam que o recorrido tenha excedido os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito. Quanto ao“venirecontrafactumproprium”, como refere o Recorrido nas contra-alegações : “trata-se de argumento que a Senhora Conservadora do Registo Predial lançou na sua alegação como coisa manifestamente residual, uma vez que a Senhora Conservadora não fundamenta por qualquer modo a “alegação “, pelo que, não tem este Tribunal factualidade alegada que seja suscetível de fundar a alegação. Assinale-se ainda que afigura-se-nos relevante atentar que o onerado com o encargo, o Clube ..., não apresentou qualquer oposição à impugnação do despacho de indeferimento liminar nem interpôs de recurso da Sentença recorrida. Por fim, independentemente da adesão à realidade da alegação feita nos arts 21ªa 44º da impugnação judicial, facto é que o impugnante, ora recorrido, apresentou as razões da não prática pela Câmara Municipal do acto de renúncia e, por outro lado, não foi apresentada oposição pelo beneficiário da doação, onerado com a cláusula de reversão. Destarte, considerando os fundamentos expostos, afigura-se-nos que a factualidade apurada não permite sustentar “que a Câmara, ao deliberar, por unanimidade, propor à Assembleia Municipal que, no exercício da competência que lhe é conferida pela al. q) do nº1 do art 25º do RJAL, decida autorizar a renúncia à cláusula de reversão estabelecida na escritura de doação de 21 de outubro de 1965” assumiu um comportamento que directa ou indirectamente revelasse a intenção de no futuro renunciar em quaisquer circunstâncias à cláusula de reversão, vinculando-se a não instaurar no futuro uma ação de rectificação de registo e subsequente impugnação de uma eventual decisão de indeferimento liminar. Significa isto que, não obstante ser o abuso de direito de conhecimento oficioso, não pode tal instituto ser apreciado à luz de factos não provados. Destarte, na impossibilidade de ser apreciada esta questão, por inexistência de matéria factual, improcede, sem mais, também nesta parte, a presente apelação. E assim sendo, improcede, na íntegra a presente apelação. Sumário …………………………… …………………………… …………………………… IV. DELIBERAÇÃO: Nestes termos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedentes os recursos de apelação interpostos pelo Ministério Público e pela Sra Conservadora do Registo Predial de Matosinhos, confirmando a decisão recorrida. Custas dos Recursos: - custas pela recorrente no recurso interposto pela Sra Conservadora do Registo Predial de Matosinhos. - isenção de custas do Ministério Público. Art 4º, 1 a) RCP Porto, 12. 10.2023 Francisca da Mota Vieira Carlos Portela Ana Vieira _____________ [1] Entre outros, António Cândido de Oliveira, Direito das Autarquias Locais, 2ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp 263 e segs, Juliana Ferraz Coutinho e Tiago Serrão, in “O funcionamento dos órgãos colegiais autárquicos: algumas considerações” / in Questões Atuais de Direito Local, Braga, n.21 (Jan.-Mar. 2019), p.7-27 [2] https://www.lexico.pt/autorizacao/ [3] Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (REGIME JURÍDICO DAS AUTARQUIAS LOCAIS) [4] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, V. III, Contratos em especial, pp. 169 e segs [5] A propósito, pode consultar-se: Mário Aroso de Almeida, in Teoria Geral do Direito Administrativo, 10ª Edição revista e ampliada, pp 353 .Na nota 564 da pág 353 o autor escreve: “ (…) quando a lei exige uma autorização constitutiva de legitimação para que um órgão possa exercer uma competência ( por exemplo, autorização da assembleia municipal à câmara municipal para alienar um bem imóvel ) o órgão que pede autorização assume o propósito de praticar um acto em determinado sentido ( …): o procedimento autorizativo é prévio ao procedimento dirigido à alienação, que só pode ser desencadeado se o órgão estiver legitimado para o efeito, o que pressupõe a obtenção da autorização. (…) [6] Entre outros, os acórdãos do STJ proferidos em 18-10-2012, no processo nº 660/04.3TBPTM.E1.S1 e em 17.04.2018, no processo nº 1530/15.5T8STS-C.P1.S1, constantes da base de dados do ITIJ [7] cfr. A. Varela, in R.L.J., ano 114, pag. 74-75. [8] Cfr. Teoria Geral do Direito Civil – Sumários desenvolvidos, Coimbra, 1981, pag. 44. [9] Cfr. Coutinho de Abreu, Abuso de Direito, pag. 43. [10] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães proferido a 04.10.2018, no processo 047/14.5TBGMR-A.G1. [11] Cfr. Menezes Cordeiro, ob. cit., pg 758. [12] Cfr. Baptista Machado, obra citada, pag. 414 e, também no sentido de inexigência de culpa, Menezes Cordeiro, obra e volume citados, pag. 761 [13] Cfr. Baptista Machado, Obra citada, pag. 416. [14] Cfr Ac. STJ de 4/02/2010, Revista n.º 2620/06.0TJPRT.S1-7ª Secção. [15] Cfr. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo IV, 2005, página 373. [16] Neste mesmo sentido, se decidiu no Acórdão do STJ de 28/11/2013, considerando que “o abuso de direito (artigo 334º do CC) pode ser objecto de conhecimento oficioso e, por conseguinte, o seu conhecimento não está vedado ao Tribunal, ainda que a sua invocação constitua questão nova (artigo 660º do CPC/artigo 608º, n.º 2 NCPC) mas isso não significa que o Tribunal considere ocorrido o abuso de direito à luz de factos que não foram alegados nem se podem considerar adquiridos nos autos”. [17] Cfr. Ac. STJ de 21/04/2010, Revista n.º 634/05.7TBMGR.C1.S1-2ª Secção. [18] Almeida Costa in Noções de Direito Civil, 2ª edição, pág. 22). [19] Assim o Artigo 120.ºdo CRPredial sob a epígrafe “Processo de retificação” estabelece: O processo previsto neste capítulo visa a retificação dos registos e é regulado pelos artigos seguintes e, subsidiariamente e com as necessárias adaptações, pelo Código de Processo Civil. E o Artigo 121.º do mesmo diploma, sob a epígrafe “Iniciativa” estabelece 1 - Os registos inexatos e os registos indevidamente lavrados devem ser retificados por iniciativa do conservador logo que tome conhecimento da irregularidade, ou a pedido de qualquer interessado, ainda que não inscrito. 2 - Os registos indevidamente efetuados que sejam nulos nos termos das alíneas b) e d) do artigo 16.º podem ser cancelados com o consentimento dos interessados ou em execução de decisão tomada neste processo. 3 - A retificação do registo é feita, em regra, por averbamento a lavrar no termo do processo especial para esse efeito previsto neste Código. 4 - Os registos nulos por violação do princípio do trato sucessivo são retificados pela feitura do registo em falta quando não esteja registada a ação de declaração de nulidade. 5 - Os registos lançados em ficha distinta daquela em que deviam ter sido lavrados são oficiosamente transcritos na ficha que lhes corresponda, anotando-se ao registo errado a sua inutilização e a indicação da ficha em que foi transcrito. E o Artigo 122.º sob a epigrafe “Efeitos da retificação” dispõe. A retificação do registo não prejudica os direitos adquiridos a título oneroso por terceiros de boa fé, se o registo dos factos correspondentes for anterior ao registo da retificação ou da pendência do respetivo processo. |