Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
306/12.6TTVFR.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: SANÇÃO DISCIPLINAR
CADUCIDADE
ÓNUS DA PROVA
CONTRATO DE TRABALHO SEM TERMO
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO
Nº do Documento: RP20150223306/12.6TTVFR.P2
Data do Acordão: 02/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Cabendo ao trabalhador o ónus da prova da caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar, por, numa perspetiva substantiva, consubstanciar fundamento da pretensão do trabalhador e, numa perspetiva processual, constituir matéria impeditiva da licitude do despedimento (art. 342º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil), provado que seja que foi excedido o prazo de 60 dias entre o conhecimento da infração pela entidade com competência disciplinar e a notificação da nota de culpa, com o que opera a caducidade do direito de exercer a ação disciplinar, impende, por sua vez, sobre o empregador o ónus de alegação e prova da instauração do procedimento prévio de inquérito já que tal constitui um facto impeditivo dessa caducidade (art. 342º, nº 2, do Cód. Civil).
II - Não tendo o CT/2003, bem como o CT/2009, consagrado norma idêntica ao nº 3 do art. 41º-A, da LCCT, na redação da Lei 18/2001, afigura-se ter sido intenção do legislador abandonar o entendimento de que a existência de um contrato de trabalho sem termo impedirá, só por si, a celebração, durante a sua vigência, de contrato a termo, pelo que, no âmbito dos referidos Códigos, a lei não impede a celebração, na vigência de contrato de trtabalho sem termo, de contrato de trabalho a termo [desde que formal e materialmente válido e que não vise iludir as disposições que regulam o contrato sem termo].
III - Perpetrado um despedimento ilícito no âmbito de um contrato de trabalho a termo, as consequências são as previstas no art. 393º, nº 2, do CT/2009 e não as constantes dos arts. 390º, nºs 1 e 2 e 391º, nº 1, do mesmo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: 34

Procº nº 306/12.6TTVFR.P1 Apelação
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 796)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Maria José Costa Pinto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B…, litigando com o benefício de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, apresentou requerimento de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (art. 98º-C do CPT, na redação do DL 295/2009, de 13.10) contra Associação Humanitária Bombeiros Voluntários da Feira, do qual consta haver sido despedido aos 29.02.2012 e havendo junto a decisão escrita de tal despedimento, com invocação de justa causa, datada de 25.02.2012[1].

Frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na audiência de partes, a empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento (art. 98º-J do CPT), invocando a exceção da incompetência em razão da matéria do Tribunal do Trabalho, mais alegando, pelos fundamentos que invoca, a existência de justa causa para o despedimento e deduzindo ainda oposição à reintegração.
Juntou o procedimento disciplinar.

O A. apresentou contestação/reconvenção.
Quanto à invocada exceção da incompetência material do Tribunal do Trabalho, pronuncia-se no sentido da sua improcedência.
Mais alega, em síntese, que:
Aos 01.02.2007 celebrou com a Ré contrato de trabalho a termo certo de seis meses, no qual se estabelecia que era celebrado de harmonia com o estipulado na Lei nº 99/2003 de 27 de agosto, data a partir da qual, embora desempenhando as funções de bombeiro (e não de motorista, como dele consta), passou a ser trabalhador da Ré, tendo-se, aos 31.07.2008, “tornado efectivo da Ré”; aos 01.06.2009, quando foi incorporado na Equipa de Intervenção Permanente (EIP), por força do estabelecido no art. 7º, nº 1, da Portaria 1358/2007, de 15.10, celebrou com a Ré novo contrato de trabalho a termo certo de um ano, pelo que, ainda que este terminasse, “sempre o A. permaneceria efetivo da Ré como Bombeiro”; assim, atento o despedimento, o segundo contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Ré e o A. deve ser considerado inexistente e “devendo, por maioria de razão, ser dada sem efeito a caducidade” do segundo contrato de trabalho a termo certo, que a Ré pretendeu operar através da carta enviada ao A. em 23 de Fevereiro de 2012.
O despedimento dever ser considerado ilícito quer por nulidade do procedimento disciplinar, quer por caducidade do exercício da ação disciplinar, quer por inexistência de justa causa.
Termina formulando os seguintes pedidos:
“a) Ser declarado competente este Tribunal do Trabalho;
b) Ser declarada a ilicitude do despedimento, nos termos dos artigos 20º a 68º do presente articulado; ou caso assim não se entenda,
c) Ser declarada a ilicitude do despedimento;
d) Ser declarado inexistente, e sem nenhum efeito legal, o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre a Ré e o A. em 01/06/2009;
e) Ser a Ré condenada a pagar-lhe, por opção do A., a indemnização por despedimento;
f) Ser a Ré condenada a pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde Fevereiro de 2012 até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo do artigo 98º-N, nºs 1 a 3 do CPT;
g) A pagar ao A. as prestações pecuniárias vencidas desde 30 dias antes da data da propositura da acção no montante de € 617,40.
Ser julgado procedente por provado o pedido reconvencional e, consequentemente, ser a Ré condenada a pagar ao A.:
a)A quantia de € 7.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
b) As custas e procuradoria.”

A Ré respondeu alegando, em síntese, que: nos termos da Portaria 703/2008 e art. 37º, nº 1, do DL 241/2007, os bombeiros voluntários, ainda que com contrato individual de trabalho celebrado com a entidade detentora do corpo de bombeiros, estão no que se reporta às infrações cometidas no exercício da atividade de bombeiro, sujeitos ao Estatuto Disciplinar dos Bombeiros Voluntários, aprovado pela mencionada Portaria e subsidiariamente, ao Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas; o último contrato celebrado com o A. é o contrato válido à data da cessação da relação laboral por facto imputável ao A., sendo que o anterior cessou por acordo das partes com a celebração do contrato de Junho de 2009; no mais, refuta o alegado pelo A..

Havendo a 1ª instância absolvido a Ré da instância por incompetência material do Tribunal do Trabalho, esta Relação, na sequência de recurso interposto, por acórdão de 25.02.2013 (fls. 330 e segs), revogou tal decisão, decidindo no sentido da competência material do Tribunal do Trabalho para o conhecimento da presente ação.

Foi proferido despacho saneador (fls. 357 e segs), no qual se julgou improcedente a invocada nulidade do procedimento disciplinar com fundamento na violação do direito de defesa, tendo-se relegado para final o conhecimento da caducidade do direito da empregadora exercer o poder disciplinar. Procedeu também à seleção da matéria de facto, consignando-se a assente e elaborando-se base instrutória, que foi objeto da reclamação de fls. 372, indeferida por despacho de fls. 374.

Realizou-se a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, e cujas sessões tiveram lugar aos 29.11.2013, 09.12.2013, 13.12.2013, 16.12.2013, 19.12.2013, 06.01.2014 e 15.01.2014, data esta em que tiveram lugar as alegações orais (tudo conforme atas de fls. 434 a 436, 440 a 441, 442 a 444, 455 a 457, 462 a 464, 467 a 469 e 473).

Por requerimento de 11.03.2014 (fls. 477), foi solicitada a junção aos autos de despacho de não pronúncia do A. proferido no âmbito do Processo (crime) 87/12.3PAVFR, junção essa não admitida por despacho de 28.04.2014 (fls. 486).

Aos 27.05.2014, foi proferida sentença que:
- Julgou ilícito o despedimento;
- Condenou a Ré a pagar ao Autor: a quantia de 19.756,80 euros, correspondente ao valor das retribuições intercalares, incluindo férias, subsídio de férias e de Natal, que deixou de auferir desde trinta dias antes da data da propositura da presente acção, acrescida das retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, descontando-se os valores a que se reporta o art. 390º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código do Trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações; a quantia de 4.476,15 euros, a título de indemnização substitutiva da reintegração, sem prejuízo do que venha a liquidar-se oportunamente, atenta a data do trânsito em julgado da decisão final do processo;
- Absolveu a Ré do demais peticionado.
- Fixou à ação o valor de €30.000,01.

Inconformada, veio a Ré recorrer, tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“PRIMEIRA: O processo disciplinar instaurado ao A. pela R. respeita todos normativos legais, incluindo no que respeita a prazos.
SEGUNDA: A decisão a proferir deve alterar a resposta dada aos factos provados no que respeita aos pontos x), y) e z). Em vez de provado, tais factos devem merecer resposta negativa, com fundamento nos depoimentos supra transcritos e dos documentos constantes do processo;
TERCEIRA: E aos pontos 1º, 2º, 3º, 4º, 8º, 27º e 30º da base instrutória deve ser modificada a resposta dada, substituindo-a por “Provado”. A fundamentação de tal resposta deve assentar nos depoimentos das testemunhas C…, D…, E… e F… que revelaram um conhecimento directo dos factos, bem como dos documentos juntos aos autos;
QUARTA: Se a R. recebeu o documento abaixo assinado, reuniu com os graduados da R. 2/3 dias depois essa recepção, um seu director de nome G…, indagou junto dos bombeiros o teor do documento abaixo assinado, alguns desses bombeiros emitiram as declarações que constam de folhas 23 a 28 do abaixo assinado, nomeou instrutor, realizou as diligências tidas por necessárias para fundamentar a nota de culpa e efectuou a notificação da nota de culpa nos trinta dias seguintes, não existia fundamento para que o Tribunal “a quo” decidir pela caducidade do direito de exercício do poder disciplinar;
QUINTA: O direito de a R. exercer o procedimento disciplinar não tinha caducado ou decorrido porquanto dentro dos 30 dias seguintes ao conhecimento da infração praticada pelo A., procedeu a averiguações, consoante demonstram algumas das declarações utilizadas para elaborar a nota de culpa/acusação e que fazem parte integrante do processo disciplinar junto ao processo;
SEXTA: O documento abaixo assinado imputa ao Comandante da R. factos que são falsos;
SÉTIMA: O documento abaixo assinado é composto por seis páginas;
OITAVA: O Autor teve participação activa e de liderança na elaboração do abaixo assinado e instigou outros bombeiros a assinar o documento;
NONA: O Autor difundiu nos meios de comunicação social, mormente radio e jornais, o teor do documento abaixo assinado;
DÉCIMA: Os demais bombeiros que integravam o corpo activo da R. manifestaram a intenção de não mais trabalhar com o Autor e com os demais bombeiros que assinaram o documento abaixo assinado;
DÉCIMA PRIMEIRA: O contrato celebrado entre A. e R., em Fevereiro de 2007, cessou antes do A. celebrar o vínculo em Junho de 2009 porque se assim não fosse o A. não reunia os requisitos para celebrar o contrato de Junho de 2009 e para integrar as EIPS, nos termos do artigo 7º da Portaria n.º 1358/2007 de 15 de Outubro e o efeito do despedimento do A. operado na vigência do contrato celebrado com a R. em Junho de 2009, pelo que, se for entendido que inexiste licitude no despedimento, o que só por mera hipótese de raciocínio se coloca, os direitos do A. cessaram no dia 31 de Maio de 2012, data em que o contrato celebrado em Junho de 2009 caducou;
DÉCIMA SEGUNDA: Os factos praticados pelo A. causaram prejuízos à R. porquanto o comandante da Ré viu o seu bom nome e honra serem postos em causa perante os demais bombeiros, tendo havido acusação penal contra o aqui A. e outros.
Não sendo exigível à R. consentir este tipo de atitudes por parte do A., devendo este respeitar os seus deveres laborais, tornaram imediata e impossível a subsistência da relação laboral, eliminando definitivamente a confiança mínima entre as partes que a relação laboral supõe criaram no espírito da empregadora a certeza definitiva quanto à inidoneidade da conduta futura do A., e impossibilitaram de forma prática e definitiva a manutenção de tal relação. A quebra de confiança da R. no A. tem, assim, como consequência directa a inexigibilidade da R. de manter o vínculo duradouro que mantinha com o A.. Sendo a confiança entre as partes um elemento chave no contrato de trabalho, é inegável que este factor assume um papel preponderante quando o que está em questão é o desempenho pelo trabalhador contratado com uma relação mais directa com o comandante da R.. Considerando as condutas em apreço, a sua gravidade e contornos, a aplicação da sanção despedimento por facto imputável ao A., há justa causa nesse despedimento, sendo uma sanção disciplinar adequada aos comportamentos adoptados;
DÉCIMA TERCEIRA: O despedimento do A. aqui recorrido foi lícito;
DÉCIMA QUARTA: A decisão objecto de recurso não aplicou devidamente os preceitos da Portaria 571/2008 de 3 de Julho, da Lei n.º 27/2006 de 3 de Julho, o Decreto-lei n.º 247/2007 de 27 de Junho, o artigo 7º da Portaria n.º 1358/2007 de 15 de Outubro e os artigos 128.º, 329.º, 351.º e 352.º do Código do Trabalho, devendo ser alterada por outra que acolhendo os preceitos legais declare o despedimento do A. licito e que absolva a R. do pedido (…)”.

O Recorrido contra-alegou, pugnando pelo não provimento do recurso e tendo formulado, a final, as seguintes conclusões:
“1. Estabelece o artigo 87º, nº 1 do Código do Processo do Trabalho que “O regime do julgamento dos recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil, que regulamentam o julgamento do recurso de apelação e de revista”.
2. Vinha sendo defendido que o recurso da matéria de facto não é um segundo julgamento e visa unicamente a detecção do erro de facto, sendo que à Relação só poderia pedir-se que efectue um controlo do julgamento, e não que repita ou reproduza o julgamento.
3. Contudo, com a introdução de novas regras sobre o regime legal disciplinador da admissão e reapreciação da prova feita em Juízo ditadas pelo Novo Código Processo Civil é inequívoco que na reapreciação da prova, as Relações têm a mesma amplitude de poderes
que tem a 1ª instância, enquanto efectiva garantia de um segundo grau de jurisdição, permitindo sublinhar que a reapreciação da prova em segunda Instância configura, efectivamente, um novo julgamento. Nesse sentido, Ac. RP de 28.10.2013, relatado pelo Desembargador Oliveira Abreu, in www.dgsi.pt.
4. Sendo que no nosso direito predomina o princípio da livre apreciação das provas, consagrado no artigo 655º, nº 1 do CPC (artigo 607º, nº 5, 1ª parte do NCPC): o tribunal aprecia livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
5. A livre convicção é, hoje, uma concepção racional de livre convicção na busca da verdade factual, com dois corolários: o juiz aprecia livremente – não sujeito a valoração tabelada – toda a prova produzida; através do uso da razão para demonstrar a verdade dos factos.
6. Sendo certo que, a certeza a que conduz a prova suficiente é uma certeza jurídica e não uma certeza material, absoluta.
7. Prevalecendo no nosso sistema jurídico, os princípios da oralidade e da imediação. A convicção do tribunal, no julgamento da matéria de facto, é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, 'olhares de súplica' para alguns dos presentes, "linguagem silenciosa e do comportamento", coerência de raciocínio e de atitude, seriedade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.
8. A gravação dos depoimentos áudio não consegue traduzir tudo quanto pôde ser observado no tribunal “a quo”, nomeadamente, o modo como as declarações são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória e que existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas são percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia.
9. Nos termos do disposto no artigo 640º do NCPC, sendo possível a precisa e separada localização dos depoimentos na gravação (início e termo), não é obrigatória a transcrição da passagem da gravação em causa, exigindo-se a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda a impugnação, a qual se deve bastar com a indicação do depoimento ou depoimentos, e a identificação de quem os prestou, sem a obrigatoriedade da sua transcrição (integral ou por excerto), visto que a lei a dispensa.
10. O artigo 685°-B do CPC (redacção anterior) apontava no sentido do tribunal ad quem, em princípio, se debruçará sobre as provas e as passagens concretamente invocadas pelo recorrente e pelo recorrido, ainda que sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal.
11. Com efeito, a atenção exclusiva às passagens indicadas pelas partes acaba por ser pouco frutuosa para a formação de uma convicção própria do tribunal de recurso relativamente à matéria objecto de impugnação.
Até porque as passagens da gravação e a transcrição de excertos desta, são, inelutavelmente, retirados ao contexto em que foram proferidos. E o recorrente e recorrido não seleccionarão, certamente, passagens de depoimentos desabonadoras da sua pretensão!
12. A convicção probatória não será cabalmente conseguida se a Relação apenas apreciar parte da prova – os concretos pontos – considerados mal julgados, já que a convicção é um processo intuitivo que assenta na totalidade da prova, implicando a valoração de todo o acervo probatório que o juiz a quo teve ao seu dispor.
13. Assim sendo, o tribunal superior não está desonerado nunca de um labor autónomo na reapreciação da prova, nunca perdendo de vista o alcance do princípio da aquisição processual previsto no artigo 515° do CPC e artigo 413º do NCPC.
14. Por isso, exceptuando os casos em que as provas pelo seu objecto são de todo estranhas à matéria impugnada, deverá proceder à audição da generalidade da prova pessoal produzida a fim de obter uma convicção própria, relativamente à matéria impugnada.
15. Nos presentes autos, uma vez ouvidas as declarações das testemunhas supra indicadas, constantes do suporte digital junto aos presentes autos, e escrutinada a documentação junta aos mesmos, não poderá deixar de se confirmar o consignado e descrito na motivação da decisão do Tribunal “a quo”, no que a mesma tem de relevante.
16. A matéria de facto foi correcta, adequada e criticamente analisada e ponderada, correspondendo à força probatória dos documentos juntos e depoimentos prestados, não só ao longo de todo o processo, como também em sede de audiência de discussão e julgamento.
17. Não é possível alterar a decisão da matéria de facto, pois que as provas produzidas não impõem decisão diversa da proferida. Aliás, da audição fonográfica da referida prova em conjugação com a apreciação da restante prova trazida a juízo, nomeadamente, dos documentos juntos aos autos, cremos poder concluir pela ausência de produção de prova credível quanto aos factos pretensamente a considerar como provados.
Este tribunal “ad quem” não tem, pois, qualquer elemento idóneo que possa justamente abalar a livre convicção do tribunal “a quo” quanto às razões subjacentes à decisão, pelo que se deve manter inalterável, face à prova produzida.
18. Tendo como adquirido que a bondade de qualquer decisão de direito está intrinsecamente ligada ao julgamento da matéria de facto, cremos que do escrutínio da decisão da matéria de facto em apreço é inequívoco que a Mª. Juiz “a quo” alicerçou a decisão fáctica, evidenciando uma adequada análise critica das provas produzidas e uma clara consignação das razões que foram determinantes para a formação da convicção do Tribunal, concretizando todos os elementos probatórios, que terá de ser sufragado por este Tribunal de 2ª instância, atento o escrutínio da documentação apresentada em Juízo e o retrato fidedigno dos depoimentos prestados em audiência de discussão e julgamento registados na fundamentação da decisão de facto, concluindo a julgadora “a quo”, e bem, pela sua suficiência ou insuficiência para demonstrarem os factos que acabou por considerar, neste raciocínio lógico, provados e não provados.
19. Os factos concretizados pela recorrente não comportam compleição probatória suficientemente sólida que os sustente e alicerce. O tribunal “a quo” avaliou com justeza e ponderação as provas e no âmbito dos limites circunscritos pela regra da livre convicção.
20. Já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar previsto no artigo 329º, nº 2 do CT, o que torna o despedimento ilícito, nos termos do disposto no artigo 382º, nº 1 do mesmo código.
21. O princípio da proporcionalidade, convocado aquando da selecção da sanção disciplinar tida por adequada, orienta e informa o empregador, enquanto decisor, da necessidade de observar, no momento próprio, a regra segundo a qual a sanção por que se opte deve corresponder, em termos de proporcional severidade, à gravidade da conduta infraccional, avaliada em si e nas suas consequências, e ao grau de culpa do infractor, ambas aferíveis pelo padrão convencional do homem médio/“bonus paterfamilias” e reportadas ao quadro atendível na apreciação da justa causa prefigurado no nº 3 do art. 351º do CT/2009.
22. A noção de justa causa de despedimento que decorre do disposto no n.º 1 do artigo 341º, do Código do Trabalho/2009 pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, grave em si mesmo e nas sua consequências; b) a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação de trabalho; c) a verificação de um nexo de causalidade entre o referido comportamento e tal impossibilidade.
23. In casu, inexiste a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho e, por consequência, é ilícito o despedimento, pois, da matéria de facto resulta que outros bombeiros subscreveram o mesmo documento (“abaixo-assinado”) que o recorrido, e não foram alvo processo disciplinar e consequente despedimento, mantendo-se ao serviço da recorrente!
24. Sendo que, o teor do “abaixo-assinado” visava levar ao conhecimento da Direcção da recorrente, certas irregularidades no funcionamento das operações, denotando o interesse da população e a imagem da AHBVF, sem prejudicar esta, por qualquer forma; foi enviado à recorrente, por correio registado, sem que o seu conteúdo fosse propalado fora dos seus meios internos, e o trabalhador pode e deve denunciar irregularidades à sua entidade patronal, bem como exercer críticas, no âmbito da sua liberdade de expressão.
25. Cabendo á recorrente/empregadora, na acção de impugnação judicial de despedimento, a prova dos factos constantes da decisão sancionatória.
O que não se verificou!
26. A sentença recorrida não violou qualquer preceito legal.
27. O Julgador a quo procedeu a uma correcta interpretação e aplicação do direito, bem como a uma actual análise e interpretação da doutrina e jurisprudência dominantes.
Atento o exposto, deve ser mantida integralmente a sentença recorrida, nos seus precisos termos, com as legais consequências, (…)”

A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
*
II. Matéria de Facto Assente:

Na 1ª instância foi dada como assente a seguinte factualidade:

a) A ré é uma associação que tem como escopo manter o corpo de bombeiros voluntários, socorrer feridos e doentes e proteger, por qualquer forma, vidas e bens (alínea A) da matéria assente);
b) O autor é, desde 1996, é bombeiro voluntário ao serviço da ré (alínea B) da matéria assente);
c) Desde, pelo menos 1 de Junho de 2009, o autor outorgou contrato de trabalho com a ré para o exercício das funções de bombeiro (alínea C) da matéria assente);
d) O autor, enquanto ao serviço da ré, sempre desempenhou as funções de bombeiro (alínea D) da matéria assente);
e) O autor, entre outros bombeiros, no dia 9 de Setembro de 2011, assinou um documento denominado abaixo-assinado, que foi remetido via postal registada para a ré (alínea E) da matéria assente);
f) O documento imputa ao Comandante da ré de entre muitos factos, os seguintes:
a) Ser um indivíduo autoritário, prepotente e vingativo;
b) De se encontrar embriagado a quando do Quartel Aberto;
c) Ter falta de ética e conduta pois alega o Autor que os louvores devem ser dados em formatura e as punições/repreensões devem ser em privado, referindo-se a uma advertência feita a um bombeiro devido a uma alegada filmagem a um incêndio;
d) De colocar a vida dos Bombeiros em risco devido às diversas avarias que os veículos vão tendo, alegando que o Comandante da Ré era conhecedor das mesmas;
e) De colocar em primeiro lugar os seus interesses pessoais e o facto de querer agradar ao CODIS de Aveiro, enviando veículos para fora da sua AAP – área de atuação própria, colocando em risco os Feirenses e os Bombeiros;
f) De não prestar ou deixar que prestassem o devido socorro a uma criança que tinha caído a um poço;
g) De ter obrigado o piquete de serviço na Ré a levantar-se para ir á procura do telefone, de madrugada;
h) Ter usado um veículo da Ré, o VCOT, para uso pessoal, deixando-o abandonado em local escuro (alínea F) da matéria assente);
g) Ao autor foi aplicada a sanção disciplinar de demissão e despedimento, na sequência de processo disciplinar (documento de fls. 3 a 15, que se dá por reproduzido) (alínea G) da matéria assente);
h) O autor e a ré, a 1 de Fevereiro de 2007, celebraram e assinaram o denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO” que consta do documento que constitui fls. 233/234 dos autos, no qual se refere o seguinte: “(…) É celebrado o presente CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO, que se regulará pelas seguintes cláusulas:
1ª - A 2ª Outorgante é admitida ao serviço da 1ª Outorgante para desempenhar funções inerentes a motorista.
2ª - A 2ª Outorgante desempenhará as funções na (…).
3ª - O presente contrato tem início no dia 1 de Fevereiro de 2007 e terá a duração de 6 (seis) meses.
4ª - Como contrapartida pelo seu trabalho, a 1ª Outorgante pagará à 2ª Outorgante a remuneração base mensal ilíquida de (…)
5ª - O horário normal de trabalho da 2ª Outorgante será de 40 horas semanais.
6ª - A 2ª Outorgante terá direito às férias remuneradas, consoante o estipulado na lei.
7ª -O presente contrato é celebrado de harmonia com o estipulado na lei 99/2003, de 27 de Agosto, artigo 129º, nºs 1 e 2, pois a 1ª Outorgante está a (…)”
8ª - O contrato caducará no termo do prazo estipulado na cláusula 3ª, ou no termo das prorrogações, se a 1ª Outorgante comunicar, por escrito, à 2ª Outorgante, até 8 (oito) dias antes do prazo expirar, a vontade de o não renovar, ou a 2ª Outorgante comunicar à 1ª Outorgante a vontade de o rescindir com a antecedência mínima de 15 quinze dias.
9ª - A 2ª Outorgante fica desde já informada e aceita que o contrato, se não cessar antes caducará no fim da 2ª renovação.
10ª - (…)Santa Maria da Feira, 1 de Fevereiro de 2007” (alínea H) da matéria assente);
i) O autor e a ré, a 1 de Junho de 2009, celebraram e assinaram o denominado “CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO” que consta do documento que constitui fls. 40 a 43 dos autos, no qual se refere o seguinte: “(…) Os contratantes celebram entre si, livremente e de boa-fé, o presente contrato de trabalho a termo certo, que se rege pelas disposições gerais contratualmente aplicáveis (Código do Trabalho – anexo à Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro de 2009) e ainda pelas cláusulas seguintes:
1ª - Pelo presente contrato o 2º Outorgante passa a trabalhador por conta, a favor e sob as ordens do 1º Outorgante, com as funções de Bombeiro, incorporado na Equipa de Intervenção Permanente, nos termos definidos na Portaria nº 1358/2007, de 15 de Outubro e de acordo com o nº 5 do artigo 17º do Decreto-Lei nº 247/2007, de 27 de Junho, que veio determinar o regime jurídico aplicável à constituição, organização, funcionamento e extinção dos corpos de bombeiros no território continental.
2ª - O local de trabalho do 2º Outorgante será (…)
3ª - (…)
4ª - O conteúdo das funções do 2º Outorgante são as definidas no artigo 2º da referida
Portaria 1358/2007, de 15 de Outubro, e resume-se, nomeadamente, no seguinte:(…)
5ª - 1. O 1º Outorgante pagará ao 2º Outorgante a remuneração mensal ilíquida de (…);
2. (…);
3. (…)
6ª - O 2º Outorgante prestará o trabalho em regime de Trabalho por turnos conforme escalas/horário elaboradas pelo 1º Outorgante, observando-se o disposto na Portaria referida na cláusula 1ª, não ultrapassando cada um o período normal de trabalho, em a duração de 40 horas semanais.
7ª - O presente contrato terá o seu início no dia 01/06/2009, e terá duração de 1(um) ano, nos termos do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, cessando em 31/05/2010, sendo automática e sucessivamente renovável por igual período por mais duas vezes, caso não venha a ser denunciado por qualquer das partes, com a antecedência de 15 dias a contar do seu termo inicial ou do termo de qualquer das suas renovações, através de comunicação escrita, a vontade de o fazer cessar.
8ª - Este contrato vigorará pelo prazo estabelecido na cláusula anterior em razão do seguinte motivo: (…).
9ª - As partes acordam que para julgamento de quaisquer questões emergentes do não cumprimento deste contrato, o foro competente seja o Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira.
10ª - No omisso regem as pertinentes disposições do Código do Trabalho e demais legislação específica aplicável. (…)
Santa Maria da Feira, 01 de Junho de 2009” (alínea I) da matéria assente);
j) O Instrutor do processo disciplinar instaurado ao autor foi mandatado pela ré por procuração datada de 27 de Outubro de 2011 (alínea J) da matéria assente);
k) Por carta datada de 31 de Outubro de 2011 o instrutor informou o autor que iria dar início à instrução do processo disciplinar (documento de fls. 96 dos autos) (alínea K) da matéria assente);
l) A ré deduziu contra o autor a nota de culpa, datada de 25 de Novembro de 2011 e assinada por “O Instrutor, E…”, que consta do documento que constitui fls. 118 e 119 e que foi comunicada ao Autor nos termos constantes da carta, datada de 28 de Novembro de 2001 e assinada por “E…”, que consta do documento que constitui fls. 117 e na qual se encontram apostos, pelo autor, os seguintes dizeres: “Declaro que recebi o original 28.11.11” (alínea L) da matéria assente);
m) Na mencionada nota de culpa, de fls. 118/119, refere-se, para além do mais que dela consta o seguinte:
“A Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários (…), deduz contra o trabalhador-arguido …, a presente acusação consistente na seguinte factualidade:
1.
O arguido é empregado da arguente desempenhando a função de bombeiro de 1ª.
2.
O arguido no dia 9 de Setembro de 2011, durante o horário de trabalho, entregou na secretaria da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários …, sua entidade patronal, um documento composto por seis páginas de versos em branco, denominado abaixo-assinado, contendo a assinatura do arguido, consoante o documento que se anexa (…).
2.
O conteúdo do referido documento denominado abaixo-assinado tem como teor imputações, incriminações e suspeições sobre o comandante da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários …, Sr. F….
(…)
8.
Bem sabia o arguido que de um ponto de vista jus-laboral era grave a sua conduta e que estava vedado agir desse modo, porquanto deve respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos e demais pessoas que se relacionem com a Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários …, com urbanidade, lealdade e probidade, nos termos do artigo 3º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, Lei 58/2008 de 9 de Setembro.
11.
Efectivamente, a conduta do arguido impossibilita, pela sua gravidade e consequências a manutenção da relação laboral.
12.
À entidade patronal não é exigível ter ao seu serviço um trabalhador que (…), consoante consta do artigo 18º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, Lei 58/2008 de 9 de Setembro.
13.
Nos termos legais, nomeadamente do artigo 24º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, Lei 58/2008 de 9 de Setembro,(…).
15.
Comprometeu (…), impossibilitando a manutenção da relação laboral, devendo ser sancionado com uma pena disciplinar adequada, que será a demissão e o despedimento por facto imputável ao trabalhador.
16.
De facto, é intenção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários … proceder à demissão e despedimento por facto imputável ao arguido B….(…)” (alínea M) da matéria assente);
n) De fls. 247 a 250 consta, em papel timbrado da ré, nota de culpa, datada de 13.12.2011 e assinada por “O Instrutor, O Comandante, C…”, emitida contra o A. e na qual se refere, para além do mais que dela consta, o seguinte:
“Nota de culpa Processo Disciplinar Instaurado Ordem de Serviço nº 44/2011(…)
- Vistos os autos e analisadas as provas na fase instrutória deste processo disciplinar deduzo contra o arguido B… (…), elemento do corpo de bombeiros Voluntários … a seguinte acusação:
Art. 1
- No dia 09 de Setembro de 2011 foi redigido e assinado um abaixo-assinado por um grupo de treze elementos identificáveis pelas suas assinaturas, os quais solicitavam à Direcção dos Bombeiros Voluntários … a exoneração do Comandante F…;
Art. 2
- consta no documento em causa declarações relevantes contra o Comandante F…, destacando as seguintes: (…) Assim deduzo contra o arguido acima mencionado a seguinte pena:
Pena de Demissão, conforme alínea a) do art. 16º da Portaria nº 703/2008 de 30 de Julho, com suspensão imediata até conclusão do processo disciplinar.
Nos termos do nº 1 do art. 49º da respectiva Lei 58/2008 fixo ao arguido o prazo de (…)” (alínea N) da matéria assente);
o) De fls. 251 consta documento, em papel timbrado da ré, datado de 10 de Fevereiro de 2012, assinado por “O Comandante, F…, Eng.º” e endereçado ao autor, em que se refere o seguinte: “(…) De acordo com os fundamentos e as conclusões do Relatório Final, que se adere integralmente, emitido pelo instrutor do processo disciplinar, conforme Ordem de Serviço nº .., datada de 12 de Outubro de 2011, determino a aplicação a V. Exª da Pena de Demissão, conforme previsto na alínea a) do art. 16º, da Portaria nº 703/2008 de 30 de Julho, com efeitos a partir da data da receção do presente ofício.” (alínea O) da matéria assente);
p) De fls. 3 consta, em papel timbrado da ré, carta endereçada e enviada ao autor, datada de 25 de Fevereiro de 2012, na qual se refere o seguinte:
“Tendo-nos sido apresentado Relatório Final no processo disciplinar que lhe foi instaurado, do qual se junta cópia, e porque aderimos integralmente ao conteúdo do mesmo, somos a informar que decidimos aplicar-lhe a sanção disciplinar de demissão e despedimento por facto imputável ao arguido, nos termos dos artigos 9º e 18º do Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que Exercem Funções Públicas, Lei 58/2008 de 9 de Setembro. Mais informamos que a presente decisão produz efeitos no dia seguinte a ser notificado da presente decisão, nos termos do artigo 58º do diploma acima mencionado.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos,
Atenciosamente, [assinatura]
Anexamos: o mencionado relatório final.” (alínea P) da matéria assente);
q) Tal carta foi recebida pelo autor a 27 de Fevereiro de 2012 (documentos de fls. 205);
r) De fls. 235 consta carta, em papel timbrado da ré, datada de 23 de Fevereiro de 2012 e endereçada ao autor, na qual se refere o seguinte: “Serve a presente para comunicar a v. exª que o seu contrato de trabalho a termo certo celebrado com esta Associação cessará no dia 31 de Maio de 2012, não sendo renovado, nos termos da cláusula 7ª do contrato a termo celebrado.” (alínea Q) da matéria assente);
s) O autor é o Bombeiro com mais formação em cursos técnicos de Bombeiro no corpo ativo da ré, designadamente, dois cursos de socorrismo, dois cursos de desencarceramento, curso de matérias perigosas, curso técnico de ambulâncias do INEM, curso Chefe de Incêndios Industriais e Urbanos, curso de Chefe de Equipa Fogos Florestais, curso de Chefe de Equipa de desencarceramento e curso de desfibrilhador automático externo (alínea R) da matéria assente);
t) Tinha a seu cargo, além das funções inerentes à sua categoria, o fardamento, a fanfarra dos Bombeiros, as prevenções e a manutenção exterior e interior do quartel (alínea S) da matéria assente);
u) À data da cessação do contrato de trabalho, o autor exercia funções de responsável da equipa de intervenção permanente (resposta ao número 5º da base instrutória);
v) Tais funções exigem cooperação com o comandante da ré (resposta ao número 6º da base instrutória);
w) O cargo desempenhado pelo autor implica ainda a chefia dos restantes trabalhadores da equipa onde se encontrava inserido (resposta ao número 7º da base instrutória);
x) O contrato referido na alínea i) foi celebrado na sequência da integração do autor numa Equipa de Intervenção Permanente (EIP) (resposta ao número 9º da base instrutória);
y) O documento denominado abaixo-assinado é composto por onze páginas e foi subscrito por 46 bombeiros (respostas aos números 11º e 12º da base instrutória);
z) Do referido documento faz parte integrante, a final, uma listagem, composta por cinco páginas, onde são identificados os 46 bombeiros, com indicação expressa dos respectivos documentos de identificação pessoal, e onde estão apostas as assinaturas dos mesmos (resposta ao número 13º da base instrutória);
aa) O autor é um dos bombeiros com mais horas de serviço anual, enquanto bombeiro voluntário (resposta ao número 16º da base instrutória);
bb) Foi sempre pessoa de confiança dos dois anteriores Comandantes em funções na ré (resposta ao número 17º da base instrutória);
cc) Recebeu dois louvores – medalha grau cobre assiduidade e medalha prata assiduidade (resposta ao número 18º da base instrutória);
dd) É um profissional competente, responsável e interessado (resposta ao número 20º da base instrutória);
ee) O despedimento causou-lhe ansiedade e angústia (resposta ao número 22º da base instrutória);
ff) O autor esteve desempregado entre o despedimento e Novembro de 2012, período durante o qual teve a ajuda dos pais (respostas aos números 23º e 24º da base instrutória);
gg) O autor, com a celebração do contrato de 1 de Junho de 2009, passou a auferir a retribuição mensal ilíquida de 617,40 euros, acrescida de um subsídio de alimentação no valor de 4,27 euros por cada dia completo efetivo de trabalho, de um suplemento mensal de chefia correspondente a 25% sobre o valor base daquela retribuição e do valor de 20,00 euros, a título de “compensação”, sendo que, anteriormente a tal data, o autor recebia a retribuição mensal ilíquida de 670,00 euros, acrescida do valor de 15,00 euros, a título de “compensação” (resposta ao número 28º da base instrutória);
hh) A ré teve conhecimento do teor do documento referido na alínea e) pelo menos a 13 de Setembro de 2011 (resposta ao número 29º da base instrutória);
ii) As cinco páginas do abaixo-assinado referidas na alínea z) nunca fizeram parte do procedimento disciplinar (resposta ao número 31º da base instrutória);
jj) O Ministério Público, a 11 de Setembro de 2013, no processo n.º 87/12.3PAVFR, em que é ofendido o Sr. Comandante H…, deduziu acusação contra, entre outros, o aqui trabalhador, com os fundamentos que constam de fls. 315 e seguintes dos presentes autos, imputando-lhe a prática de um crime de difamação agravado, previsto e punível pelos arts. 180º, n.º 1, e 184º, por referência ao art. 132º, n.º 2, alínea l), do Código Penal;
kk) O autor, entre outros, requereu, a 29 de Outubro de 2013, a abertura de instrução.
*
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas (pela ordem por que serão apreciadas):
- Impugnação da decisão da matéria de facto [alíneas x), y) e z) dos factos provados e respostas, de não provado, aos quesitos 1, 2, 3, 4, 8, 27 e 30];
- Não verificação da caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar;
- Da cessação do contrato de trabalho celebrado em Fevereiro de 2007, da caducidade, aos 31.05.2012, do contrato de trabalho a termo celebrado em Junho de 2009 e, por consequência e caso o despedimento seja considerado ilícito, se os direitos do A. cessaram naquela data.
- Justa causa de despedimento;

2. Antes de mais, importa referir, em síntese, o sentido da sentença recorrida.
Nela entendeu-se que:
- Aquando da notificação da nota de culpa ao A. já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar previsto no art. 329º, nº 2, do CT/2009, o que determina a ilicitude do despedimento nos termos do art. 387º, nº 4, do mesmo;
- Não obstante essa ilicitude, considerou-se que o disposto no art. 387º, nº 4, do CT/2009 impunha ao tribunal que conhecesse da verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento e, conhecendo desses fundamentos, concluiu no sentido de os mesmos não constituírem justa causa do despedimento;
- Quando, em 01.06.2009, foi celebrado o contrato de trabalho a termo, já a essa data [transcrevendo o que consta da sentença] “o contrato de trabalho celebrado a 1 de Fevereiro de 2007 se tinha tornado definitivo. Porém, inexiste, cremos, fundamento para considerar o mesmo como “inexistente”, tendo em conta, desde logo, o que resulta da referida Portaria.
Por outro lado, a entidade empregadora fez operar a caducidade do mesmo contrato de trabalho através da carta datada de 23 de Fevereiro de 2012, atingido o limite máximo previsto também na aludida Portaria (31 de Maio de 2012).
O contrato de trabalho celebrado a 1 de Junho de 2009 caducou, mas impõe-se, nos termos vistos, analisar a verificação e procedência dos fundamentos invocados para o despedimento.”.
- Em consequência da ilicitude do despedimento, considerou serem devidas ao A.:
- nos termos do art. 390º, nº 1, do CT/2009, as retribuições vencidas desde o 30º dia anterior à propositura da ação, no valor base mensal de €617,40 “como peticionado” o que, considerando 26 meses até à data da sentença, perfaz a quantia de €19.755,80, acrescida das retribuições que se vencerem até ao seu trânsito em julgado, e sem prejuízo das deduções a que se reportam as als. a) e c) do nº 2 do citado art. 390º, acrescida de “juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações (último dia do mês em que se venceram – art. 804º e 806º, ambos do Código Civil).”
- nos termos do art. 391º, nº 1, do citado Código, indemnização em substituição da reintegração, no montante de €4.476,15€, calculada com base em 30 dias de retribuição base por cada ano de antiguidade ou fração.
- improcedência do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.

3. Da 1ª questão

Tem esta questão por objeto a impugnação da decisão da matéria de facto, qual seja:
- as als. x), y) e z) dos factos provados e que a Recorrente considera deverem ser dados como não provados;
- as respostas, de não provado, aos quesitos 1, 2, 3, 4, 8, 27 e 30, que a Recorrente considera que deveriam ter sido dados como provados.
No que se reporta às als. y) e z) dos factos provados e às respostas, de não provado, aos quesitos 1, 2, 3, 4, 8, 27 e 30, a Recorrente deu cumprimento aos requisitos previstos no art. 640º, nºs 1 e 2, al. a), do CPC/2013 pois que indicou os concretos pontos da decisão da matéria de facto de discorda e a que deveria ter sido proferida, bem como os meios de prova que sustentam as alterações pretendidas, com indicação dos tempos da gravação dos depoimentos das testemunhas correspondentes aos excertos invocados e que transcreve, nada obstando à pretendida reapreciação.

Quanto à al. x) dos factos provados [“x) O contrato referido na alínea i) foi celebrado na sequência da integração do autor numa Equipa de Intervenção Permanente (EIP) (resposta ao número 9º da base instrutória)”] não deu a Recorrente cumprimento ao requisito previsto na al. b) do nº 1 do citado art. 640º, pois que não indica qualquer meio probatório que, em seu entender, levaria a diferente resposta, nem fundamenta a pretendida alteração, o que determina a imediata rejeição da impugnação quanto a esse ponto da matéria de facto.

Relativamente à resposta, de não provado, ao quesito 27 [“27. O contrato existente anteriormente foi cessado pelo Autor e Ré, por acordo, no momento em que celebraram o contrato a termo em junho de 2009?”], a Recorrente não indica, também, qualquer meio probatório que sustente diferente resposta, mas diz o seguinte:
“Nos termos do n.º 1 do artigo sete da Portaria n.º 1358/2007 de 15 de Outubro “Os candidatos selecionados que integrarem aas EIP celebrarão com a entidade detentora a que pertencem um contrato individual de trabalho a termo certo, por um período até três anos.”.
Logo, o contrato celebrado entre A. e R., em Fevereiro de 2007, cessou antes do A. celebrar o vínculo em Junho de 2009 porque se assim não fosse o A. não reunia os requisitos para celebrar o contrato de Junho de 2009 e para integrar as EIPS.”.
A Mmª Juíz deu tal quesito como não provado referindo para tanto o seguinte:
“O facto incluído no número 27º não resulta da prova produzida. As testemunhas C… e E… não se referiram a tal facto, ao passo que a testemunha I… relevou nada saber em concreto acerca do mesmo facto. Por sua vez, as testemunhas J… e K… não confirmaram o acordo alegado pela ré, pelo contrário. Para além disso, o contrato de trabalho de 1 de Junho de 2009 é omisso quanto a esta matéria, não existindo qualquer elemento que demonstre de forma expressa o acordo em causa;”.
A recorrente não põe em causa esta fundamentação, nem, como se disse, invoca qualquer meio de prova, mormente testemunhal ou documental, no sentido da pretendida alteração, pelo que não há, quanto a ele, que proceder, em sede de reapreciação da decisão da matéria, à sua alteração. Todavia, a Recorrente aduz a argumentação acima referida, no sentido de que, por virtude da celebração do contrato de trabalho a termo de 2009, se impõe concluir que o contrato de 2007 cessou. Tal argumentação consubstancia-se numa questão, de natureza jurídica, que deverá ser apreciada e que adiante o irá ser, pelo que a não reapreciação da resposta a esse quesito em sede de matéria de facto não prejudicará as considerações que adiante se farão a propósito dessa questão.

Procedeu-se à audição integral dos depoimentos das testemunhas C…, E…, D…, F…, I…, estas arroladas pela Ré, e de J…, L…, M…, N…, O…, P… e K…, estas arroladas pelo A., assim como se precedeu a leitura das transcrições dos depoimentos efetuada pelas partes.

3.1. Quanto às als. y) [que engloba as respostas aos quesitos 11º e 12º] e z) dos factos provados, é o seguinte o teor das mesmas:
“y) O documento denominado abaixo-assinado é composto por onze páginas e foi subscrito por 46 bombeiros (respostas aos números 11º e 12º da base instrutória);
z) Do referido documento faz parte integrante, a final, uma listagem, composta por cinco páginas, onde são identificados os 46 bombeiros, com indicação expressa dos respectivos documentos de identificação pessoal, e onde estão apostas as assinaturas dos mesmos (resposta ao número 13º da base instrutória);”
Pretende a Recorrente que tais factos sejam dados como não provados, invocando os depoimentos das testemunhas C… e D…, que transcreve. Mais diz que as seis páginas do abaixo assinado que constam do processo disciplinar têm uma tipologia de letra diferente das cinco páginas que a 1ª instância considerou fazerem parte integrante do mesmo, estão numeradas e a sexta página encontra-se datada como do fim se tratasse, mais questionando, se o documento integrasse as assinaturas de 46 bombeiros, a razão de não terem assinado na pág. 6 no espaço ainda em branco e da não numeração dessas 5 páginas.
Contrapondo, no sentido da prova de tais factos e da consequente manutenção dos mesmos, invoca o Recorrido os depoimentos das testemunhas P… e L….
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, a este propósito, referiu-se o seguinte:
“Foram juntos aos autos dois documentos: um com seis páginas (cfr. fls. 70 e seguintes) e outra com onze páginas (cfr. fls. 236 e seguintes). Neste âmbito – números 11º a 13º da base instrutória –, cumpre realçar o depoimento da testemunha L…, a qual referiu que o abaixo-assinado foi assinado por 46 bombeiros e que o mesmo era composto por duas partes, constituindo o documento de fls. 236 e seguintes. As testemunhas M… e P… confirmaram tais factos. Os depoimentos destas testemunhas foram muito claros a este respeito, nada existindo nos autos que os contradiga;”.
As testemunhas invocadas pela Recorrente [C… e D…] referiram que apenas viram as primeiras 6 páginas do mencionado documento e não já as restantes 5 [destas constam o nome dos 46 bombeiros subscritores do abaixo-assinado, a indicação respetivos documentos de identificação pessoal e as suas assinaturas].
No entanto, C…, já a instâncias da mandatária do A, esclareceu que na reunião havida entre a Direção da Ré e os graduados que não assinaram o abaixo assinado, o Presidente da Associação leu alguns tópicos do mesmo, mas que não esteve com o documento na mão. Já posteriormente é que o Comandante, no gabinete deste, lhe mostrou as primeiras seis páginas do mesmo, não sabendo todavia se seria, ou não, o documento integral. Ou seja, a testemunha apenas tem conhecimento do que lhe foi mostrado pelo Comandante.
D… referiu que no abaixo assinado que lhe foi apresentado (pela Direção na reunião com os graduados que não assinaram o abaixo assinado e pelo ilustre mandatário da ré no decurso do processo disciplinar) não constavam essas cinco folhas com as assinaturas.
Diga-se também que E… referiu que (já após a sua elaboração e receção pela direção) viu o abaixo assinado e que este era composto por duas partes: uma primeira parte, com as imputações e, uma segunda, com as assinaturas. Também F… referiu que viu o documento, que lhe foi mostrado por um graduado, e que continha a parte das imputações propriamente ditas e a parte das assinaturas.
Por outro lado, a existência destas últimas 5 páginas do documento [identificação e assinatura dos 46 bombeiros subscritores] foi confirmada pelas testemunhas P… e L….
Também M… referiu que o documento foi elaborado no mesmo dia em reunião em casa de P… e que foi assinado por todos só ficando a faltar os nºs de alguns BI e que tudo o que está escrito foi assinado. J… e N… igualmente o confirmaram, referindo que a reunião para a elaboração do abaixo assinado teve lugar em casa do pai de P…, onde estiveram presentes 48 pessoas (entre as quais as testemunhas), que cada uma das pessoas que assim o entendia iam referindo as questões a constar do abaixo assinado, que uma delas (que não o A.) as escreveu no computador e que depois todas (à exceção de duas – J… que estava suspenso, e de P…, que já tinha pedido a sua transferência) o assinaram, apenas faltando em relação a alguns o nº do bilhete de identidade, que depois foi preenchido. O… referiu também que o abaixo assinado foi elaborado em casa de P…, que todos os presentes nessa reunião o assinaram. E P… referiu que a reunião teve lugar em sua casa, que estiveram presentes mais ou menos 50 pessoas, que o abaixo assinado foi elaborado e assinado nessa reunião por todas as pessoas à exceção da testemunha, que já tinha pedido a transferência pra Lourosa, do adjunto J1… e de uma outra pessoa (S…) e que apenas faltava os BI de algumas das pessoas. Que foram a testemunha, bem como M…, T… e U… que levaram o abaixo assinado ao correio e que o mesmo era composto, para além das primeiras 6 páginas, também por todas as outras 5 páginas contendo as assinaturas.
Dos referidos depoimentos não decorre, de forma alguma, que o abaixo assinado enviado à Direção da Ré não contivesse essas 5 páginas finais, antes pelo contrário. Com efeito, como resulta do referido, as respostas a esses quesitos encontram corroboração nos depoimentos já mencionados, confirmando ainda P… que foi esse documento, incluindo a listagem dos 46 bombeiros que o assinaram, com a respetiva identificação, que foi o colocado no correio.
Não se vê, pois, razão para diferente convicção do que a formada pela 1ª instância.
Por outro lado, nem o facto de a “aparência” do documento ser diferente, nem a circunstância dessas assinaturas não constarem do espaço em branco da 6ª folha, impede tal convicção, uma vez que essas cinco folhas, intituladas “Abaixo-Assinado” consistem numa listagem com o nome completo do bombeiro, a respetiva assinatura, o nº de bombeiro e o nº do BI ou Cartão de Cidadão, havendo sido assinado pelos subscritores (sendo que das primeiras seis páginas constam as concretas imputações feitas no abaixo assinado), para além de que não existe nos autos qualquer outro abaixo assinado com diferente conteúdo.
A matéria constante das als. y) e z) tem, pois, corroboração na prova produzida, não merecendo os mencionados pontos qualquer reparo, sendo de manter as respostas dadas.

3.2. Quanto ao quesito 1º é o seguinte o seu teor: “1º. O teor do documento denominado abaixo-assinado é falso?”, tendo o mesmo merecido a resposta de não provado.
Antes de mais, importa referir que tal quesito se encontra formulado de forma genérica e até conclusiva.
De todo o modo, a Recorrente invoca diversas afirmações contidas nesse abaixo assinado para concluir, relativamente a cada uma delas (conforme adiante melhor se dirá) e com base nos depoimentos que invoca e que transcreve, que as mesmas não correspondem à verdade. Por sua vez, o Recorrido, com base em outros depoimentos que invoca e que transcreve, pugna pela veracidade das mesmas. Assim, apreciar-se-á da resposta dada, no que se reporta às afirmações invocadas pela Recorrente na impugnação da decisão da matéria de facto como sendo falsas.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto, a este propósito referiu-se o seguinte:
“O facto incluído no número 1º da base instrutória não resultou da prova produzida. O documento denominado abaixo-assinado imputa ao Comandante da entidade empregadora vários factos, sendo que os depoimentos testemunhais não permitem concluir pela sua falsidade, tanto mais que cada uma das testemunhas indicadas a esta matéria tem conhecimento directo de apenas alguns deles (poucos), ao mesmo tempo que deram a conhecer diferentes visões desses mesmos factos. Diga-se, ainda assim, que parece não existir dúvida acerca da existência de “problemas crónicos” de pelo menos dois veículos da entidade empregadora, embora sem o alcance exposto no aludido documento, bem como acerca do facto de não ter sido prestado socorro à criança que caiu no poço, a qual acabou por ser socorrida por civis (cfr. documento de fls. 433), embora não sejam claras as circunstâncias em que tal se verificou e o porquê. Cumpre, ainda, referir que alguns dos pontos elencados no denominado abaixo-assinado não foram sequer abordados em audiência de julgamento, ao passo que o acto processual referido na alínea jj) é manifestamente insuficiente para, neste âmbito, fazer prova do facto em causa;”.

3.2.1. Quanto à afirmação de o comandante ser “indivíduo autoritário, prepotente e vingativo” a Recorrente invoca os depoimentos de C…, D… e F…, por si arroladas e que transcreve, pretendendo demonstrar que tal afirmação não corresponde à verdade. Por sua vez, o Recorrido invoca os depoimentos de M… e J…, que também transcreve, pretendendo demonstrar o contrário.
Segundo C…, o comandante é uma pessoa que fala a todos por igual, que a autoridade tem de ser imposta uma vez que é comandante, que fala em linguagem normal, nunca o viu ser vingativo ou prepotente, mas que autoritário tem que ser já que exerce um posto de comando, embora oiça as pessoas; de acordo com D…, o comandante, consigo, tem sido uma pessoa respeitadora, que era educado e que, na sua presença, nunca viu o contrário; F…, referiu que pode falar por si e que, em relação a si, não tem que dizer e que um comandante tem que ser, por vezes autoritário, com isso querendo dizer firme nas ordens que dá e que, quando a testemunha esteve presente, é normalmente cordial. Relatou todavia um episódio de uma parada (que são feitas no exterior e na presença de várias pessoas estranhas aos bombeiros) em que a testemunha não esteve presente mas que foi comentada depois por todos os colegas, em que o Comandante teria utilizado a expressão “filhos da putice”, que, posteriormente, terá dado uma explicação para tal mas que, enquanto tal explicação não foi dada, é possível que tivessem havido pessoas que terão ficado “apreensivas”.
Em sentido contrário aos depoimentos invocados pela Recorrente, depôs a testemunha M…, referindo que comandante não acata a opinião de ninguém, por muito que fosse chamada a atenção para o erro, relatando um episódio que consigo se passou e bem assim relativamente a uma “retaliação” de que, em sua opinião, foi alvo. Também a testemunha J… se reportou a essas características exemplificando-as com uma situação que, a seu ver, consubstanciaria prepotência e outra “vingança” quanto a si, testemunha, confirmando ainda o relato do episódio em que o comandante utilizou em parada a expressão de “filhos da putice”, que depois, perante o desagrado de algumas pessoas, justificou como se tratando de uma expressão de uso militar, episódio este ainda relatado também por L…. Este, L…, fez ainda referência ao “abuso de autoridade” por parte do comandante, relatando um episódio passado consigo, e à não aceitação de opiniões divergentes com a sua (do comandante).
Nem o sentido dos depoimentos das testemunhas invocadas pela Recorrente são absolutamente inequívocas e seguras quanto à falsidade da afirmação ora em causa, para além de que, em sentido oposto, apontam as depoimentos de M…, J… e L…, não permitindo a mencionada prova concluir no sentido do pretendido pela Recorrente.

3.2.2. Quanto à falsidade da afirmação de que o comandante se encontraria embriagado aquando do Quartel Aberto, a Recorrente invoca os depoimentos de C… e D…. Por sua vez, o Recorrido invoca os depoimentos de M…, L… e J….
A testemunha C… referiu que, no dia do Quartel Aberto, as viaturas haviam sido colocadas para exposição pelas 18h00, 19horas, que o comandante chegou por volta da 1 ou 2 da manhã e que começou a alterar a posição das mesmas e a colocá-las da forma como ele, e o diretor, entendiam que deviam estar, que “aparentemente” ele não estava embriagado, que estava a conduzir os carros todos; D…, que nunca viu o comandante embriagado.
Tais depoimentos são manifestamente insuficientes no sentido de dar como provada a falsidade da referida afirmação.
De todo o modo, segundo M…, embora não tendo assistido, referiu que, na manhã seguinte, entre outros, o C… e o V… comentaram que, na madrugada anterior, o Comandante tinha chegado “embriagado”, e que se pôs a alterar a disposição das viaturas; L.., referiu que foi o chefe de piquete no dia seguinte ao do “quartel aberto” e que o C…, que era o chefe de piquete quando a testemunha entrou às 7 da manhã, quando lhe passou as ordens que o comandante havia dado durante a noite, lhe disse que este tinha estado lá e que “estava com os copos”; relatou também um outro episódio em que o comandante cheirava a álcool, chegou a cair e que a GNR fez uma advertência dizendo que “o vosso comandante que não vá a conduzir senão vou autuá-lo”. J… referiu que o C… lhe disse que, no dia do Quartel Aberto, o comandante tinha estado lá, que alterou todo o dispositivo que tinha sido feito e que estava “embriagado”.
Assim, e perante a contradição entre os depoimentos de C… e D…, por um lado, e dos demais referidos, por outro, nada há a alterar quanto à referida afirmação.

3.2.3. Quanto à “acusação ao comandante de falta de ética e conduta pois alegam que os louvores devem ser dados em formatura e as punições/repreensões devem ser em privado, referindo-se a uma advertência feita a um bombeiro devido a uma alegada filmagem de um incêndio”, a Recorrente invoca excertos dos depoimentos de C…, D… e F…, enquanto que a Recorrida contrapõe com excertos dos depoimentos de M…, L… e J….
C… referiu que o procedimento correto quanto às repreensões é chamar ao gabinete e fazê-las aí e daquilo que tivesse visto, não viu advertências em frente a outros elementos; D… referiu que o comandante tem o hábito de chamar ao gabinete para alguma advertência, que ouve os colegas a comentar que foram chamados ao gabinete do comandante, que nunca o viu a repreender em público, nem ouviu pessoas a queixarem-se, quando é para enaltecer o grupo em si o faz em parada, se enaltece em privado não sabe; F…, referiu que normalmente a repreensão é em privado, nunca assistiu o A. a ser repreendido em público, em privado assistiu a uma situação (por virtude de um rescaldo, havendo os bombeiros sido chamados segunda vez ao local) em que, para além do A. (que foi o chamado por ser o graduado da equipa) e do comandante, estava a testemunha e uma outra pessoa, que a repreensão foi em tom normal, que havia sido feita uma filmagem desse rescaldo (feita pela testemunha, da segunda vez a que foram, por virtude desse rescaldo) para mostrar a estagiários, que esse filme foi mostrado ao A..
Por sua vez, M…, ao relatar o mencionado episódio de repreensão do A., referiu que ela, testemunha se encontrava à porta pelo que ouviu o que se passou, no gabinete encontrava-se o A., o comandante, o subchefe W… e o X…, que quando eram chamados ao gabinete, o comandante tinha uma postura muito alterada, berrava com as pessoas, que foi o que aconteceu nesse episódio, que essa filmagem foi uma coisa inédita, que já começava a haver umas “escaramuças” entre eles e que, na perspetiva da testemunha, “já valia tudo”; L… referiu que o comandante não dá louvores a ninguém, nas paradas insultava as pessoas, tendo também relatado dois episódios, um dos quais passado consigo, em que perguntou se podia falar, ao que o comandante lhe disse “você aqui não é ninguém, sente-se rapidamente” e encostou-lhe a cabeça, tendo sido preciso um colega dizer àquele que “já chega, isto é uma reunião de bombeiros”, estando presente toda a gente, incluindo cadetes, rapazes e raparigas de 13/14 anos e bombeiros de 50/60 anos.
J…, referiu que as repreensões verbais eram dadas em público e reportou uma situação passada com ela testemunha, a propósito de um relatório que a mesma havia pedido e mandado para a Direção, em que aquele, à frente de 7 ou 8 pessoas e aos berros, lhe disse que “ele é que era o comandante, e que ele é que mandava” e que a testemunha “não tinha ali mais nada a fazer”.
Tal prova não permite concluir, de forma segura, no sentido, tal como pretendido pela Recorrente, da falsidade da imputação ora em apreço.

3.2.4. Quanto à afirmação da existência de “vários procedimentos internos do Comandante os quais são postos em causa pelos assinantes do documento”, diz a Recorrente que na passagem do quadro ativo para o quadro de reserva não envolve a intervenção do comandante (art. 4º da Portaria 571/2008, de 3.07) e invoca transcrições dos depoimentos de C…, D… e F….
Segundo C…, para um bombeiro se manter no ativo tem de ter mínimos (140h de socorro, 65h em outros serviços e 70 horas em formação) e, se não os tiver, é enviado para a reserva, o que é gerido pelo recenseamento automático, sem intervenção do comandante, que cada bombeiro tem uma password que permite entrar no portal e verificar os seus tempos, mas não alterá-los; que quem introduz as horas é a secretaria, com base nos relatórios das ocorrências e em documentação. Em sentido similar depôs D…. F… referiu que o comandante, tal como a testemunha, chamam os bombeiros que sabem que lhes faltam algumas horas, advertindo-os de que têm que as fazer para não passarem para a reserva.
A este propósito, contrapõe o Recorrido invocando o depoimento de M…, de acordo com o qual só existe uma forma de não se por ninguém na reserva, que é a de carregar horas nas fichas dos bombeiros e que o comandante e a secretaria têm todas as passwords de todos os elementos dos bombeiros.
Este depoimento suscita a dúvida sobre a possibilidade de contornar o registo das horas mínimas necessárias para a manutenção no ativo, pelo que a resposta ao quesito 1º, na parte ora em questão, afigura-se-nos correta.

3.2.5. Quanto a afirmação de que “o Comandante coloca a vida dos Bombeiros em risco devido às diversas avarias que os veículos vão tendo, alegando que este era conhecedor das mesmas”, invoca a Recorrente as transcrições dos depoimentos das testemunhas C…, D… e F….
Contrapondo, invoca o Recorrido as transcrições dos depoimentos de M…, L… e J….
De acordo com C…: as viaturas estão em condições de conduzir; ocorrem por vezes (e como com qualquer carro) anomalias; que havia um bombeiro mecânico e que, desde que este saiu, é a testemunha o responsável pelas mesmas; quando ocorrem anomalias, têm que ser participadas pelo respetivo motorista e tomam-se as diligências necessárias à reparação; se a anomalia for grave e puser em risco a segurança, a viatura não sai em serviço, nem o comandante a manda sair; que existem viaturas tão antigas, principalmente relativas a fogos florestais, que todos os dias aparecem avarias, tanto a nível de travões, como de aquecimento, que se repara, mas que passado uma semana estão na mesma; se tal anomalia ocorrer durante uma viagem, a responsabilidade de a trazer de regresso se tiver condições de segurança ou de chamar a assistência é do motorista; que as viaturas circulam com condições de segurança, que as mesmas vão às inspeção e se alguma coisa não estiver bem é reparada; que com a testemunha nunca aconteceu nenhuma situação em que o comandante, sabendo que os veículos não estavam aptos, os tivesse mandado para o local de ocorrências.
De acordo com D…: as viaturas estão em condições de circular com segurança; quando existe alguma anomalia, preenchem uma requisição e informam a avaria, entregam na secretaria que encaminha para reparação e se puser em causa a segurança (por exemplo, travões) fica inoperacional até ser reparada e o mecânico dá-la como apta; se uma viatura ficar inoperacional dá-se conhecimento ao comandante, pois é menos uma viatura com que pode contar.
F…, depôs em sentido essencialmente similar, mais referindo que do que tem conhecimento as viaturas quando estão avariadas não vão para a estrada, que circulam em boas condições de segurança, que têm algumas viaturas que só trabalham no verão e que se lembra que existia uma que umas vezes aquecia, outras não, mas que não punha em causa a segurança da mesma, apenas tendo que a parar para não queimar o motor e que era um problema com uma peça na refrigeração, que já foi resolvido.
Por sua vez, M… depôs em sentido contrário, relatando dois episódios passados consigo (e um deles com o A.), em que, sinteticamente: um, com um autotanque de que o A. era motorista, cujos travões não estavam em condições, que alertaram o comando de que a viatura não poderia ser utilizada mas que, não obstante isso, lhes foi ordenada a sua utilização, o que veio a ocorrer originando as consequências que relatou (capotamento da viatura e, depois de um mecânico ter ido ao local e “dado um jeito”, voltou a circular, posteriormente foi testada pelo mecânico, que não a conseguiu travar e só então é que foi reconhecido o problema nos travões que anteriormente haviam alertado); outro, com uma viatura VLCI, de que a testemunha era motorista e quando estavam num incêndio, a embraiagem avariou-se, ainda acabaram esse incêndio e quando tentavam retomar ao quartel, circulando apenas em 1ª devido a tal avaria, o chefe da testemunha e o comandante, não obstante o referido de que tiveram conhecimento, ordenou-lhe que mesmo assim fossem para outro incêndio (também “fora da zona”), o que a testemunha recusou fazer pois isso colocaria em risco os colegas.
Também L… relatou uma ocorrência com uma viatura que se avariou por mais do que uma vez, que regressou ao quartel e que, não obstante isso e sem que tivesse sido reparada por qualquer mecânico, o comandante ordenou que fosse para outro incêndio, que o motorista disse que o carro não estava em condições ao que aquele retorquiu “ide devagarinho, o que interessa é chegar lá.”.
J… referiu que tinha conhecimento das avarias dos carros, assim como o comandante e a própria Direção.
De todos os depoimentos resulta que existiam avarias e, por outro lado, estes três últimos depoimentos contradizem os anteriores no que se reporta à utilização das viaturas mesmo com avarias detetadas por ordem e/ou com o conhecimento do comandante. Esta contraprova não permite concluir, muito menos com a necessária segurança, no sentido da resposta afirmativa ao quesito 1º nessa parte.

3.2.6. Quanto a afirmação de que “o Comandante coloca em primeiro lugar os seus interesses pessoais e o facto de querer agradar ao CODIS de Aveiro, enviando veículos para forma da sua AAP – área de actuação própria, colocando em risco os Feirenses e os Bombeiros”, invoca a Recorrente as transcrições dos depoimentos das testemunhas C…, D… e F….
Contrapondo, invoca o Recorrido as transcrições dos depoimentos de M… e L….
C… referiu que cada vez têm saído mais para fora da área de intervenção da Ré, que, quando tal acontece e se mostre necessária a intervenção na própria área, ficam alguns meios para assegurar o quartel e se houver necessidade de mais gente, utiliza-se o procedimento normal de convocação (mensagem ou sirene); que são accionados pelo CDOS e que, se tiverem os meios suficientes, têm o dever de colaborar, mas não já quando os não tenham.
D…, referiu que têm muitas saídas de prestação de serviços para fora da área de intervenção da Ré; que pensa não estão a isso obrigados, mas que existe uma gestão de meios e de colaboração mútuas com outras corporações vizinhas; que quando isso acontece salvaguardam a possibilidade de intervenção da ré e, se não tiverem homens suficientes no quartel, solicitam ao pessoal que venha para o quartel, explicando-lhes a situação e que a “nossa área de intervenção” fica sempre salvaguardada no mínimo com uma guarnição de 3 homens e uma ambulância de socorro e se forem necessários mais, serão convocados mais meios de acordo com os procedimentos normais.
F… depôs em sentido similar, mais referindo que é normal essa colaboração, que, na medida das disponibilidades, tem que ocorrer, e que só o fazem com ordem do comandante.
Por sua vez, M… referiu que o CDOS de Aveiro sabe de antemão as viaturas que estão disponíveis, que pedem em função dessa disponibilidade para não deixar o quartel desguarnecido, mas que o comandante disponibilizava mais viaturas do que as solicitadas, tendo ocorrido incêndios da área da Ré em que, por o quartel ter ficado desguarnecido, tiveram que intervir os bombeiros de Esmoriz (caso de um incêndio no “…” e outro na zona industrial de …); mais referiu que por não estarem as equipas permanentes, várias vezes eram chamados à pressa os voluntários; que, antes do comandante em questão, os voluntários eram chamados pelo toque da sirene, mas que o atual quis acabar com a utilização (porque, na opinião dele, “o toque da sirene demonstrava à população a inoperacionalidade do quarte”), o que muitas das vezes, gerava atrasos na chegada pois que havia que “ligar a um, ligar a outro”; que o comandante não podia mandar tudo para fora da zona desguarnecendo o quartel.
L… relatou um episódio de um incêndio em que o quartel estava desguarnecido.
A prova feita, mormente a contraprova decorrente dos depoimentos de M… e L…, não permitem também, com a segurança necessária, que se conclua no sentido da falsidade da afirmação em questão e, por consequência, no sentido da prova do quesito 1º, nessa parte.

3.2.7. Quanto às “Fotografias a incluir no livro comemorativo dos 90 anos” da Ré, invoca a Recorrente os excertos transcritos dos depoimentos das já mencionadas testemunhas C…, D… e F…, contrapondo o Recorrido com os excertos transcritos dos depoimentos dos, também já mencionados, M… e J….
A testemunha C… referiu que foi também tirada uma fotografia com os ex-comandantes para uma página do livro, que o B… ligou ao comandante a perguntar se não seria de ligar aos comandantes Y… e Z… para tirar uma fotografia, ao que aquele respondeu que não e, posteriormente, justificou que os comandantes já tinham uma página própria e que já tinha as fotografias deles, e que no livro esses comandantes têm uma página própria.
D… referiu que os mencionados comandantes (Y… e Z…) têm no livro “fotos do memorial”, do historial deles e uma entrevista de ambos.
F… referiu que os mencionados comandantes não estavam na fotografia, pois nela estava o corpo ativo todo, sendo que aqueles já tinham passado ao “quadro de honra”, mas que eles estão incluídos no livro.
Por sua vez, M… disse que não assistiu diretamente ao comandante dar instruções ao A. para não convocar os ex comandantes, mas que, na altura, chegou ao quartel e o A., que era o Chefe das EIPS, estava alterado já que, tendo o comandante mandando-lhe fazer a convocatória, tinha-lhe dito para dela excluir os Comandantes Z… e Y…, bem como o AB… e que, ele, A., não sabia como o fazer; que viu o livro e que dele constavam referências a esses comandantes, que havia fotos de arquivo deles, mas fotos atuais no evento comemorativo, não.
J… referiu que o comandante lhe disse que os anteriores não tinham nada que estar ali, tendo a testemunha retorquido que faziam parte da história, ao que aquele referiu que “a história começou agora.”.
No abaixo assinado consta que “O comandante Engº H…, para efeito da fotografia a incluir no livro comemorativo dos noventa anos da Associação, deu instruções claras ao Bombeiro B… para não convocar os Ex-Comandantes Y… e Z, bem como o Adjunto AC….”.
Ora, de toda a prova acima relatada, nem mesmo da arrolada pela Recorrente, resulta a falsidade do que consta do abaixo assinado. Da prova produzida resulta que os ex comandantes Y… e Z… não foram convocados para a fotografia.
Assim, e também nesta parte, carece de fundamento a pretensão de dar como provado o quesito 1º.

3.2.8. Quanto ao episódio da criança que havia caído no poço, invoca a Recorrente o depoimento de C…, contrapondo o Recorrido com os depoimentos de M… e J….
C… relatou que quando ia para casa, viu uma situação de pânico por uma criança ter caído a um poço; que lhe disseram que já haviam sido chamados os bombeiros; que a testemunha ligou para a Central, tendo sido atendido pelo AD…, tendo mandado que este ativasse os meios necessários e que telefonou (a testemunha) também para os bombeiros da Lourosa quer pela proximidade, quer porque viu também que não havia meios disponíveis nos da Feira, não sabendo se o AD… os conseguiria arranjar; entretanto, um jardineiro que lá estava já se encontrava no poço e subiram, com a ajuda da testemunha, a criança (que apresentava hipotermia porque esteve na água algum tempo, mas não tinha ferimentos); nenhuma das corporações de bombeiros apareceram porque, entretanto, a testemunha as desmobilizou, havendo a criança sido levada para o hospital por um agente da GNR, que já havia sido bombeiro, e que se encontrava presente, não havendo necessidade da deslocação dos bombeiros.
Por sua vez, de acordo com M…, o AD… disse-lhe que uma criança caiu num poço, que não tinha ninguém para mandar, que o comandante lhe disse para ligar para Lourosa, que de Lourosa disseram que não tinham ninguém, que ligou para o comandante a dizer que Lourosa não tinha ninguém, que ia tentar arranjar alguém, que a testemunha, dada a urgência, o mandou tocar a sirene, ao que aquele lhe referiu que não a podia tocar porque o comandante não deixa; não havia pessoal disponível para utilizar os meios de desencarceramento; ao fim de uns 30/40 minutos um bombeiro disse que já não era necessário, que a situação estava resolvida; que posteriormente os pais da criança confirmaram à testemunha que os bombeiros não tinham chegado.
J… disse que estava num local a 10 metros e que não foi dado o alerta para que pudesse ser prestado socorro à criança e que o comandante teria dito para não tocar a sirene, que a criança foi retirada por uns senhores de jardinagem que passavam por lá e que foi levada pela GNR para o hospital.
Consta ainda de fls. 433 uma notícia de um jornal local, no qual se dá conta da referida situação, nela se dizendo ainda que foram chamados os bombeiros da Lourosa e da Feira e que não vieram nem uns nem outros.
Concorda-se, pois, com a fundamentação da decisão da matéria de facto onde se refere que “parece não haver dúvida (…), bem como acerca do facto de não ter sido prestado socorro à criança que caiu no poço, a qual acabou por ser socorrida por civis (…), embora não sejam claras as circunstâncias em que tal se verificou e porquê.”.
Perante a referida prova, carece de fundamento a pretensão da Recorrente no sentido da falsidade do referido no abaixo assinado, assim e também nesta parte improcedendo a alteração pretendida.

3.2.9. Quanto à “acusação do Comandante H… ter usado um veículo da arguente, o VCOT, para uso pessoal, deixando-o abandonado em local escuro”, invoca a Recorrente os depoimentos de C… e D…, bem como o documento de fls. 174, ao que o Recorrido contrapõe com os depoimentos de M… e J….
C… referiu não ter conhecimento direto do episódio em causa, mas apenas pelos comentários que ouviu; do que ouviu o ocorrido aconteceu com a viatura pessoal do comandante e que esta é um Volkswagen …; que nunca viu o comandante levar a viatura VCOT para uso particular.
D… referiu que o centralista, AE… e que já não se encontra ao serviço, chamou a testemunha, que se encontrava de piquete, dizendo-lhe que a GNR de …, Cucujães havia ligado a perguntar se a viatura do comandante tinha desaparecido e que tinha sido encontrada com a mala aberta; que, depois, ligou-se para o comandante e que este confirmou que ele é que tinha a chave da sua viatura particular, que tinha tocado no botão do comando da viatura e aberto a mala, havendo o carro sido identificado como sendo do comandante porque ele tinha lá o fardamento; que tal ocorreu num sábado à noite, por volta das 22h/23h e que a viatura VCOT estava no quartel e que se não estivesse teria tido conhecimento disso uma vez que era o chefe de piquete e a “parada” não é assim tão grande.
Por sua vez, M… referiu que não teve conhecimento direto; que o ocorrido teve lugar numa sexta-feira e que, nesse dia à noite, esteve no quartel até à meia-noite, meia-noite e meia, tendo a certeza de que, nessa altura, a viatura em causa não se encontrava lá, pois que ela costuma ficar aparcada junto aos cacifos onde se guarda o material; no dia seguinte, por volta das 8h/9h, quando regressou ao quartel não tem dúvidas de que a viatura não se encontrava no quartel, tendo-se depois comentado o telefonema da GNR; na altura o centralista disse que a viatura era do quartel e que não estava lá; que a GNR não teria telefonado para o quartel a perguntar pelo auto-comando se fosse a viatura pessoal do comandante, a menos que os agentes da GNR conhecessem o carro pessoal dele; e o certo é que, no dia seguinte, a viatura em questão não estava lá.
J… referiu que no dia seguinte, o centralista lhe disse que a GNR de Cucujães havia telefonado a dizer que estava lá um “carro nosso” e que, quando chegou ao quartel nesse dia de manhã, a viatura VCOT não se encontrava no quartel, mas encontrava-se o carro pessoal do comandante.
O documento de fls. 174 consubstancia um “Relatório de Ocorrência”, elaborado pela GNR e datado de 27.09.2010, no qual se refere, em síntese, que no dia 26.09.2010, pelas 01h30, no …, em Cucujães, essa autoridade se deparou com um veículo Volkswagen …, estacionado e com a mala do porta-bagagens aberta e as portas destrancadas, tendo constatado que se encontrava um blusão dos bombeiros e mais algum material destes e, dentro do porta luvas, conseguiram chegar ao nome do proprietário como sendo H…, o comandante dos bombeiros voluntários de Santa Maria da Feira, havendo sido contactada esta Corporação que, por sua vez, informou o comandante, que aguardaram mais algum tempo, após o que compareceu o comandante referindo que nada tinha sido furtado da viatura e que o ocorrido se deveu a “lapso com o comando da viatura”.
No abaixo assinado em causa, nos 2º e 3º §§ são relatados dois diferentes episódios relativos a viatura VCOT, um em que foi recebida uma chamada da GNR de … e, outra, da GNR de Cucujães. O mencionado documento de fls. 174 corrobora a versão das testemunhas da ré, mas apenas em relação ao episódio relativo a Cucujães, conforme dele decorre.
Assim, quanto ao quesito 1º, apenas haverá que dar como provado que uma das imputações constantes do teor do documento denominado abaixo-assinado [relativa à utilização, pelo Comandante da Ré, de uma viatura desta para seu uso pessoal] ocorreu nos termos do documento que constitui fls. 174, pertencendo a viatura ao Comandante.

3.2.10. Por fim, quanto a este quesito 1º, invoca a Recorrente ainda os depoimentos de C… e D… à pergunta sobre se o conteúdo do documento é verdadeiro ou falso, as quais responderam dizendo que daquilo que têm conhecimento é falso.
Por sua vez, as testemunhas L…, M… e J… responderam precisamente o contrário, ou seja, que o seu conteúdo é verdadeiro.
Tal pergunta, e respetivas respostas, têm carater manifestamente genérico, pelo que nem poderão ser tidas em conta. Aliás, o próprio quesito, tal como se encontra formulado, também têm uma natureza genérica, apenas sendo admissível na medida em que reportado ou conjugado com os concretos factos que são imputados nesse abaixo assinado.
Assim, quanto ao quesito 1º, a impugnação apenas procede parcialmente, conforme referido no precedente ponto 3.2.9., devendo ser objeto da seguinte resposta restritiva:
1º. Provado apenas que uma das imputações constantes do teor do documento denominado abaixo-assinado que tinha como objeto a utilização, pelo Comandante da Ré, de uma viatura desta para seu uso pessoal, ocorreu nos termos do documento que constitui fls. 174, pertencendo a viatura ao Comandante.
E, consequentemente, adita-se à matéria de facto provada a al. LL) com o seguinte teor:
LL) provado que uma das imputações constantes do teor do documento denominado abaixo-assinado que tinha como objeto a utilização, pelo Comandante da Ré, de uma viatura desta para seu uso pessoal, ocorreu nos termos do documento que constitui fls. 174, pertencendo a viatura ao Comandante.

3.3. Quanto aos quesitos 2º e 3º, dados como não provados, é o seguinte o teor dos mesmos:
“2º. O A. teve participação ativa e de liderança na elaboração do documento?”
“3º. Instigou outros bombeiros a assinar o documento afirmando que o teor do documento seria um outro?”
O documento a que se reportam os quesitos consiste no mencionado abaixo assinado.
A Recorrente pretende que os mesmos sejam dados como provados, invocando o depoimento de C….
Por sua vez, o Recorrido contrapõe, indicando os depoimentos de L…, N… e P….
Referiu a testemunha C… que o A. dizia que estava para “rebentar uma bomba”, que antes do abaixo assinado via as pessoas a ligarem para o A., mas não sabia do que se tratava, que se apercebeu que se tratava do abaixo assinado após o conhecimento deste e, a instâncias da mandatária do A., que não viu “aliciamento” por parte do A..
O referido depoimento é manifestamente insuficiente no sentido da pretensão da Recorrente
De todo o modo, as testemunhas M…, N… e P… negaram o que consta dos quesitos, referindo ainda N… que foi ele (testemunha) um dos mentores da iniciativa. Também O… referiu que o A. não instigou ou forçou ninguém a assinar o abaixo assinado (que, como acima referido, foi elaborado e assinado em casa de P…). P… referiu que a iniciativa do abaixo assinado foi do L1… e do N…, havendo, na reunião em que o mesmo foi elaborado, as pessoas relatado os episódios que vieram a ficar vertidos no documento e que o A. não teve qualquer diferente participação em relação aos demais que assinaram o comunicado. Por sua vez, L… referiu que os mentores do referido abaixo assinado foram ele, testemunha, e N….
De referir ainda que E… disse não ter visto o A. a apelar à subscrição do abaixo assinado e, bem assim, D… e F…, que referiram nunca ter visto o A. a recolher assinaturas.
A resposta a tais quesitos não merece, pois, qualquer reparo.

3.4. Quanto ao quesito 4, dado como não provado, era o seguinte o teor do mesmo: “4º. O Autor difundiu as imputações e acusações por jornais e rádios da região?”.
A Recorrente pretende que o mesmo seja dado como provado, invocando os depoimentos dos já mencionados C… e F…, bem como de E….
Opondo-se, invoca o Recorrido os depoimentos de M…, P… e K….
C… referiu, em síntese, que iam umas pessoas da rádio ao bar que tinham no quartel falar com as pessoas que tinham feito o abaixo assinado, que depois disso é que o Presidente da Direção deu uma entrevista à rádio e que ouviu o A. a falar na rádio, mas não se recorda se foi antes ou após a entrevista do Presidente da Direção e, já a instâncias da mandatária do A., que não se recorda se foi ou não no mesmo dia, assim como do que foi dito.
E… referiu que saiu numa entrevista que o A. era uma das pessoas que estava a acompanhar e encabeçar o grupo na angariação de assinaturas, que foi o grupo que assinou o abaixo assinado que levantou a questão na comunicação social, que a Direção apenas falou depois de haver noticias na rádio; mas disse também que não sabe, especificamente, se o A. falou ou não diretamente. E, quando contra inquirido pela mandatária do A., referiu que viu comentários na rede social, mas que não se recorda se foram colocados pelo A. e, quanto à comunicação social, recorda-se que na altura foi noticiado, mas que não sabe quem divulgou as notícias.
F… referiu que era comentado que o A. fez parte do abaixo assinado, que havia muita gente, que o A. fazia parte do grupo.
Por sua vez, M… referiu que o Presidente da Direção falou à rádio e que o A. respondeu, mas que não andou a dar entrevistas, que a comunicação social chegou a “nós” num café nos Bombeiros e “acabou-se por dizer, mais ou menos, o que se estava a passar” e que só após a entrevista do Presidente da Direção à rádio é que foram abordados.
K… negou que o A. tivesse difundido na rádio ou nos jornais as imputações que constavam do abaixo assinado, que a única coisa que o A. fez foi defender-se após uma entrevista dada pelo Presidente da Ré em que este dizia que o A. era “revoltoso”, em que estava sempre a falar do A. e a “massacrá-lo”. Que a intenção foi dar conhecimento das situações à Direção, razão pela qual o fizeram enviando o abaixo assinado por carta registada à Direção; que, antes de tal envio, falaram com um elemento da Direção (Sr. G…) que fazia o elo de ligação com a Direção e que este várias vezes lhes disse que a Direção não sabia de nada, “vocês não escreveram lá para cima”.
P… referiu que ele e mais três colegas (M…, T… e U…) foram ao correio enviar o abaixo assinado para a Direção por carta registada.
Também D… referiu que a questão foi abordada na comunicação social, mas que não sabe se foi o A. quem o divulgou e/ou se ele deu entrevistas e que nunca o viu a dar entrevistas na rádio ou no jornal.
A referida prova não permite concluir que haja sido o A. a difundir as “imputações” e “acusações” e/ou que o haja feito, desconhecendo-se a sua origem; e, por outro lado, se resulta da referida prova que o A. falou a um meio de comunicação social, os depoimentos são, todavia, contraditórios quanto a quem deu primeiro a entrevista, se o Presidente da Associação, se o A.
A resposta dada ao quesito não merece, pois, reparo.

3.5. Relativamente ao quesito 8º, que foi dado como não provado, é o seguinte o seu teor: “Os demais bombeiros que integram o corpo ativo de bombeiros da Ré manifestaram o propósito de não mais voltarem a trabalhar com o Autor?”.
Pretende a Recorrente que o mesmo seja dado como provado, invocando os depoimentos de C…, E… e D…, ao que o Recorrido contrapõe com o depoimento de K….
C… referiu que ouviu alguns chefes dizer isso, concretizando o “W…” e o “AF…”.
E… referiu que na altura houveram pessoas que manifestaram o seu descontentamento com as pessoas envolvidas no abaixo-assinado, não se recordando no entanto de alguém que o tenha manifestado e, bem assim, dirigido a quem em concreto do grupo que assinou o abaixo assinado.
D… referiu que os que não assinaram o abaixo assinado não queriam lá mais os que o fizeram, uma vez que “nos fizeram sofrer porque tivemos que nos unir, redobrar forças e tudo o mais e conseguimos superar isso”, que “não gostavam” e que neles estava incluído o A. Porém, quando inquirido pela mandatária do A. sobre alguém em concreto que tivesse manifestado essa intenção, não logrou identificar alguém, limitando-se a referir que eram os bombeiros do corpo ativo.
K… referiu que os demais colegas do A. não manifestaram o propósito de não trabalhar mais com o A., que gostavam de trabalhar com ele e que este não mudou de atitude depois do abaixo assinado (que só não foi assinado por mais gente por medo), que não disseram que com ele não trabalhavam mais. O… referiu que nunca ouviu alguém dizer que não pretendia trabalhar com o A. e que este era uma pessoa respeitada pelos demais colegas. E AG… referiu também nunca ter ouvido da parte de alguém não querer trabalhar com o A.
A prova invocada pela Recorrente é demasiado vaga e pouco segura, reportando-se no essencial à generalidade dos subscritores do comunicado e não especificamente ao A.. Aliás, E… o que manifestou foi a discordância dos não subscritores em relação aos subscritores do abaixo assinado, o que é diferente do que consta do quesito 8º. Acresce que o que deste consta foi negado por K… e não foi confirmado por O…, nem por AG….
A resposta ao quesito não merece, pois, censura.

3.6. Quanto ao quesito 30º, dado como não provado, dele consta o seguinte: “Antes da nomeação do instrutor, nos 30 dias seguintes ao conhecimento da infração, a Ré procedeu a averiguações?”.
Pretende a Recorrente que o mesmo seja dado como provado, invocando os depoimentos de C…, E… e D….
O Recorrido pugna pela manutenção da resposta, referindo que: dos documentos juntos aos autos pela Ré nada consta quanto à existência de averiguações prévias (quais as diligências que foram efetuadas, quando e por quem o foram, qual o resultado das mesmas); “as declarações prestadas de fls…. provam que todas as diligências foram levadas a cabo decorridos que estavam 30 dias, após 13 de Setembro de 2011” [sic]; e os depoimentos das testemunhas alegadamente ouvidas pela Recorrente em fase de processo disciplinar não têm qualquer data aposta.
Na fundamentação da decisão da matéria de facto referiu-se o seguinte:
“O tribunal respondeu negativamente ao número 30º da base instrutória, uma vez que se lhe afigura que da prova produzida (documental e testemunhal) não resulta que a entidade empregadora tenha decidido realizar diligências susceptíveis de assumirem qualquer relevo para a decisão de instaurar o procedimento disciplinar aqui em causa e para fundamentar a correspondente nota de culpa. O procedimento disciplinar iniciou-se com a decisão de o instaurar, não resultando dos autos a realização de diligências prévias à decisão de instaurar o mesmo. Impõe-se, ainda, referir que a entidade empregadora não especificou as averiguações a que procedeu, sendo certo que dos documentos juntos aos autos resulta que apenas a 17 de Outubro de 2011 se constatou a existência de trabalhadores por conta de outrem, com as consequências daí decorrentes, designadamente, no que concerne à instauração do procedimento disciplinar (cfr. fls. 68 e 69). Por outro lado, as declarações de fls. 87 e seguintes são irrelevantes, uma vez que algumas são posteriores aos 30 dias seguintes a 13 de Setembro de 2011, não foram inquiridas as pessoas aí identificadas como suas autoras na qualidade de testemunhas, não resulta das mesmas a existência da aludida decisão da entidade empregadora, para além de se nos afigurarem irrelevantes para o apuramento dos factos com relevo disciplinar, o mesmo sucedendo com as reuniões a que as testemunhas C…, E… e D… fizeram alusão nos seus depoimentos;”.
De referir que do documento de fls. 68 mencionado nessa fundamentação, datado de 17.10.2011 e subscrito pelo instrutor do mesmo [relativo aos processos disciplinares movidos a bombeiros na sua qualidade apenas de voluntários], refere-se que “Depois de ter analisado a ordem de serviço em que fui nomeado instrutor dos processos disciplinares descritos na mesma, detetei que existem alguns elementos que são funcionários da Associação (…), por isso os processos disciplinares devem ser instruídos pela entidade patronal, a Direcção da Associação(…)”, mais constando os nomes de 4 bombeiros, entre os quais o do A.. E, ainda, que os documentos de fls. 90 a 95 consubstanciam declarações assinadas por bombeiros (alegadamente de retratação do abaixo assinado e/ou em que referem a assinatura do mesmo embora com desconhecimento do seu conteúdo), concordando-se com o que a propósito das mesmas é referido na mencionada fundamentação (o mesmo se dizendo quanto ao documento de fls. 87/88, que consiste numa declaração da esposa de um bombeiro, designadamente de louvor do Sr. Comandante).
C… referiu que, após o abaixo assinado, a Direção convocou uma primeira reunião com os graduados que assinaram o abaixo assinado e, um ou dois dias depois, uma segunda, com os graduados que o não tinham assinado. Não se recorda da data dessa primeira reunião, mas que a mesma teve lugar passados 3 ou 4 dias da receção do abaixo assinado. Que essa reunião serviu para informarem do abaixo assinado e para verificar da veracidade dos factos nele referidos; há um diretor (G…) que faz a ponte com os bombeiros e que viu que ele, após o abaixo assinado, falou com todas pessoas, para depois precisar que não sabe se foi com todas, mas que foi com grande parte, acabando por concretizar que o viu falar com o “AH…”.
E… referiu que depois do abaixo assinado, “semanas, semana, semanas”, não podendo precisar, houve uma reunião da Direção com os graduados que não assinaram o abaixo assinado (na qual a testemunha esteve presente, tendo havido uma outra com os graduados que o assinaram), tendo alguns elementos da Direção colocado algumas questões em relação a alguns pontos do documento, a tentar perceber se teria fundamentação. Que o já referido G… trocou impressões com a testemunha sobre o abaixo assinado, o propósito era perceber se tinha fundamento, mas não se recorda se as conversas eram sobre o A. ou em geral, e que isso deve ter sido nas semanas seguintes.
D… referiu que a Direção teve uma reunião com os graduados que não tinham assinado o abaixo assinado, que, embora não podendo especificar datas, esta teve lugar num curto período de tempo, senão na mesma semana em que foi recebido o abaixo assinado, foi na semana seguinte; que antes do processo disciplinar falaram com um diretor (G…) que procurava saber o que os bombeiros achavam daquilo, o que se passava e se correspondia à verdade, que houve uma fase de averiguações, que falou com muitos bombeiros, incluindo com a testemunha.
Ainda que, de acordo com esses depoimentos, a Direção da Ré tenha convocado duas reuniões (uma com os subscritores do abaixo assinado, outra como os graduados não subscritores), e que um elemento daquela tenha falado com vários bombeiros alegadamente sobre tal abaixo assinado, nada de concreto resulta desses depoimentos, designadamente as concretas datas em que tal ocorreu, quando se iniciaram e terminaram essas diligências, quem foi questionado e que perguntas foram feitas, sendo que dos autos não consta qualquer documento que corporize essas alegadas diligências de prova.
Aliás, o quesito tem até natureza conclusiva, sendo certo que não concretiza as mencionadas “averiguações”, as quais também não foram alegadas pela Ré nos articulados, que se limitou a alegar que antes de 27.10.2011 (data da nomeação do instrutor) e “dentro dos 30 dias seguintes ao conhecimento da infração praticada pelo A. procedeu a averiguações, consoante demonstram algumas das declarações utilizadas para elaborar a nota de culpa/acusação e que fazem parte integrante do processo disciplinar junto ao processo” (art. 9º da resposta da ré à contestação).
A mera existência de uma reunião com os graduados não subscritores do abaixo assinado ainda que tendo por objeto o teor de tal documento, bem como eventuais conversas com elementos dos bombeiros, tudo referido de forma vaga, sem concretização do efetivo teor dessa reunião e dessas conversas, sem identificação das pessoas com quem tais conversas tenham tido lugar, e sem um mínimo de concretização relativamente a datas das mesmas, o que aliás nem foi devidamente concretizado pela Ré nos articulados, não nos permite concluir, com a necessária segurança, no sentido da prova do quesito.
Sobre as declarações de fls. 87 a 95 já a elas acima nos referimos.
Quanto aos autos de inquirição que constam do processo disciplinar (fls. 98 a 114), não se encontram os mesmos datados, para além de que, aparentemente, tiveram lugar após 31.10.2011 (dado que, de acordo com o processo disciplinar junto aos autos, essas inquirições encontram-se inseridas após a comunicação, pelo ilustre instrutor do mesmo e datada esta de 31.10.2011, ao A. e à Ré de que iria ser dado início à instrução do processo disciplinar).
Assim, e em conclusão, afigura-se-nos que a prova produzida, documental e testemunhal, não permite, com a necessária segurança, que se dê como provada a matéria do quesito 30º, cuja resposta não merece, pois, censura.

3.7. Assim, e em conclusão, com exceção da alteração parcial da resposta ao quesito 1º, improcedem, no mais, as alterações pretendidas pela Recorrente.

4. Da não verificação da caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar

Na sentença recorrida considerou-se que o direito de a Ré exercer o poder disciplinar caducou, dado o A. não ter sido notificado da nota de culpa no prazo de 60 dias a contar do conhecimento da infração pela ré.
Para tanto, nela referiu-se o seguinte:
“Comecemos, então, por apreciar a questão de saber se a acção disciplinar foi exercida dentro do prazo previsto no art. 329º, n.º 2, do Código do Trabalho.
O art. 329º, n.º 2, do Código do Trabalho, estabelece que “o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”.
Entendemos que tal prazo é um prazo de caducidade, uma vez que, por aplicação do disposto no art. 298º, n.º 2, do Código Civil, quando um direito deva ser exercido dentro de determinado prazo são-lhe aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição, o que não se verifica neste caso, pois a lei não qualifica o prazo previsto na mencionada disposição legal como de prescrição (cfr., neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho II, pág. 725, falando de “caducidade atípica”, porque passível de interrupção em alguns casos, e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 31 de Janeiro de 2013, in www.dgsi.pt).
No caso em apreço, resulta dos factos provados que a entidade empregadora teve conhecimento do documento denominado abaixo-assinado pelo menos a 13 de Setembro de 2011, sendo certo que, por carta datada de 31 de Outubro de 2011, o instrutor, mandatado por procuração datada de 27 de Outubro de 2011, informou o trabalhador de que iria dar início à instrução do procedimento disciplinar.
Todavia, a nota de culpa desse procedimento disciplinar apenas foi notificada ao trabalhador a 28 de Novembro de 2011, quando já tinha decorrido o prazo de sessenta dias mencionado.
A notificação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.º 1 e n.º 2 do art. 329º do Código do Trabalho (cfr. art. 353º, n.º 3, do mesmo Código), pelo que aquela prévia decisão de instauração do procedimento disciplinar não interrompe o decurso do prazo de sessenta dias. De facto, o que releva para a interrupção do prazo não é o início do procedimento, mas a notificação ao trabalhador da nota de culpa.
Como se escreveu, em relação ao regime legal então em vigor, no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26 de Junho de 2007 (in www.dgsi.pt): «A regra fundamental em tal domínio é a que se acha consignada no art. 372º, n.º 1, do C.T.: “o procedimento disciplinar deve exercer-se no 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infracção”. Por outro lado, há que notar igualmente que, no caso de procedimento disciplinar visando o despedimento do trabalhador, como sucedeu na hipótese dos autos, e em que como se sabe a lei estabelece uma tramitação formal (arts. 411º a 418º do C.T.), o referido prazo de 60 dias só é interrompido com o conhecimento, pelo trabalhador, da nota de culpa que lhe venha a imputar a prática dos factos passíveis de semelhante sancionamento. É o que resulta directamente do preceituado no n.º 4 daquele art. 411º, quando afirma que “a comunicação da nota de culpa ao trabalhador interrompe a contagem dos prazos estabelecidos no art. 372º”».
Em suma, temos que, aquando da notificação da nota de culpa ao trabalhador, já tinha decorrido o prazo de caducidade do direito de exercer o poder disciplinar previsto no art. 329º, n.º 2, do Código do Trabalho, o que torna o despedimento ilícito, nos termos do disposto no art. 382º, n.º 1, do mesmo Código, (…).”.
Estamos, no essencial, de acordo com as considerações transcritas, importando apenas tecer umas breves considerações adicionais.
Antes de mais, para referir que ao caso é aplicável o Código do Trabalho e não o regime do contrato de trabalho em funções públicas a que se reporta a decisão de despedimento.
Como manifestamente decorre dos contratos individuais de trabalho outorgados entre as partes, o que foi celebrado foi um contrato individual de trabalho, de direito privado, e não um contrato de trabalho para o exercício de funções públicas, para além de que a Ré não se enquadra em nenhuma das entidades públicas que se vinculam por este tipo de contratação – cfr. art. 3º da Lei 12-A/2008, de 27.02 e 3º da Lei 58/2008, de 11.09. Aliás, isto mesmo o dissemos no Acórdão de 25.02.2013[2], proferido nos autos, a fls. 330 e segs (a propósito da competência material do Tribunal do Trabalho).
Tanto no CT/2003 (art. 372º, nº 1), como no CT/2009 (art. 329º, nº 2), este o aplicável ao caso atenta a data dos factos em apreço, o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração. No âmbito do DL 64-A/89 de 27.02, que antecedeu o CT/2003, vinha-se entendendo que o não exercício do poder disciplinar, dentro do referido prazo (que era também idêntico) determinava a caducidade do direito a tal exercício. Porém, o CT/2003, atenta a letra do seu art. 430º, nº1, veio a atribuir a tal prazo a natureza de prazo de prescrição, o que, todavia, veio a ser abandonado pelo art. 382º, nº 1, do CT/2009, que deixou de o qualificar como prazo de prescrição, dizendo apenas que “1. O despedimento por facto imputável ao trabalhador é ainda ilícito se tiverem decorrido os prazos estabelecidos nos nºs1 e 2 do artigo 329º, (…)”. Ou seja, tal como na sentença, consideramos também que, atualmente, o referido prazo de 60 dias para o exercício do poder disciplinar é um prazo de caducidade.
O mencionado prazo interrompe-se com a notificação da nota de culpa ao trabalhador (art. 353º, nº 3, do CT/2009), não bastando, para tanto, a comunicação do instrutor do procedimento disciplinar ao trabalhador de que lhe foi instaurado um processo disciplinar/e ou de que lhe vai dar início.
Importa todavia referir que, nos termos do art. 352º do CT/2009, interrompe também o mencionado prazo de caducidade a instauração de processo prévio de inquérito [caso este seja necessário para fundamentar a nota de culpa e desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamento irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo].
Cabendo ao trabalhador o ónus da prova da caducidade do direito ao exercício do poder disciplinar por, numa perspetiva substantiva, consubstanciar fundamento da pretensão do trabalhador e, numa perspetiva processual, por constituir matéria impeditiva da licitude do despedimento (art. 342º, nºs 1 e 2 do Cód. Civil), provado que seja que foi excedido esse prazo de 60 dias entre o conhecimento da infração pela entidade com competência disciplinar e a notificação da nota de culpa, com o que opera a caducidade do direito de exercer a ação disciplinar, impende, por sua vez, sobre o empregador o ónus de alegação e prova da instauração do procedimento prévio de inquérito já que tal constitui um facto impeditivo dessa caducidade (art. 342º, nº 2, do Cód. Civil).
No caso, a ré teve conhecimento do teor do abaixo assinado e que motivou o procedimento disciplinar em causa nos autos no dia 13.09.2011 (al. hh) dos factos provados), sendo que a nota de culpa apenas foi notificada ao A. aos 28.11.2011 (al. l) dos factos provados), ou seja, já após o mencionado prazo de 60 dias sobre o conhecimento da infração pela Ré.
E, por outro lado, não fez a Ré prova de que tivesse tido lugar processo prévio de inquérito, tanto mais que não fez a ré prova da matéria que constava do quesito 30º, prova essa que a ela competia.
Tendo, assim, caducado o direito ao exercício do poder disciplinar, o despedimento do A. é ilícito nos termos do disposto no art. 382º, nº 1, do CT/2009.

No que se reporta às consequências dessa ilicitude, a questão passa por saber se o A. e Ré estavam vinculados por um contrato de trabalho sem termo ou a termo, questão esta que se prende com a 3ª questão objeto do recurso, elencada no ponto 1 e que passaremos a apreciar.

4. Da cessação do contrato de trabalho celebrado em Fevereiro de 2007, da caducidade, aos 31.05.2012, do contrato de trabalho a termo celebrado em Junho de 2009 e, por consequência e face à ilicitude do despedimento, se os direitos do A. cessaram naquela data.

Na contestação ao articulado motivador do despedimento, o A. alegou que: aos 01.02.2007, celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo de seis meses, o qual, aos 31.07.2008, se converteu em contrato de trabalho sem termo; aos 01.06.2009, quando foi incorporado na Equipa de Intervenção Permanente (EIP), por força do estabelecido no art. 7º, nº 1 da Portaria 1358/2007, de 15.10, celebrou contrato de trabalho a termo certo de um ano; a celebração deste 2º contrato decorreu apenas da necessidade de integração do A. numa EIP, pelo que, ainda que tal intervenção terminasse, o A. sempre permaneceria como trabalhador efetivo da Ré, pelo que, atento o despedimento, este segundo contrato deve ser considerado inexistente, “devendo, por maioria de razão, ser dada sem efeito a caducidade do referido contrato de trabalho a termo certo, pretendida pela Ré com a carta enviada ao aqui A. em 23 de fevereiro de 2012, (…).”
Por sua vez, alegou a Ré na resposta que o contrato anteriormente existente cessou por acordo das partes no momento em que estas celebraram, em Junho de 2009, o contrato de trabalho a termo, devendo operar a caducidade deste caso o despedimento venha a ser considerado ilícito.
Na sentença recorrida, considerou-se improcedente a alegação do A. relativa à “inexistência” do contrato de trabalho a termo celebrado em junho de 2009, tendo-se nela referido o seguinte:
“O trabalhador pugna pela inexistência do contrato de trabalho a termo certo celebrado a 1 de Junho de 2009.
Resulta dos factos provados que o autor foi integrado na Equipa de Intervenção Permanente (EIP).
Nos termos do disposto no art. 7º, n.º 1, da Portaria 1358/2007, de 15 de Outubro, “Os candidatos selecionados que integrarem as EIP celebrarão com a entidade detentora a que pertencem um contrato individual de trabalho a termo certo, por um período de até três anos”.
Assim, na sequência integração do autor na Equipa de Intervenção Permanente, foi celebrado o contrato de trabalho descrito na alínea i), sendo certo que, nessa altura, já o contrato de trabalho celebrado a 1 de Fevereiro de 2007 se tinha tornado definitivo. Porém, inexiste, cremos, fundamento para considerar o mesmo como “inexistente”, tendo em conta, desde logo, o que resulta da referida Portaria. Por outro lado, a entidade empregadora fez operar a caducidade do mesmo contrato de trabalho através da carta datada de 23 de Fevereiro de 2012, atingido o limite máximo previsto também na aludida Portaria (31 de Maio de 2012).
O contrato de trabalho celebrado a 1 de Junho de 2009 caducou, (…)”.
Diga-se que o A. não requereu, em relação a esta questão, a ampliação, ainda que em via subsidiária, do objeto do recurso.
Porém, não obstante o assim considerado, no que se reporta às consequências da ilicitude do despedimento, a sentença recorrida aplicou o disposto nos arts. 390º e 391º do CT/2009, relativos estes ao despedimento ilícito operado no âmbito de um contrato de trabalho sem termo, e não já o disposto no art. 393º do mesmo diploma, relativo às consequências do despedimento ilícito no âmbito dos contratos de trabalho a termo [diga-se que na sentença nada se diz quanto à razão de tal decisão].
Ora, do assim decidido, discorda a Recorrente considerando que a celebração do contrato de trabalho a termo, em junho de 2009, fez cessar o anterior vínculo laboral (que havia sido celebrado em 2007) e que, assim sendo, este veio a caducar em 31.05.2012, data em que deverão cessar os efeitos da ilicitude do despedimento.

4.1. Antes de mais, importa referir que o A. não põe em causa a validade do termo aposto ao contrato de trabalho celebrado em junho de 2009, designadamente em virtude de eventual não verificação de motivo justificativo do mesmo, questão sobre a qual, também, a sentença recorrida não se pronunciou (nem tinha que se pronunciar por não ser de conhecimento oficioso) e que, por consequência, não cabe a esta Relação analisar. E também não está em questão que o contrato de trabalho a termo então celebrado em 2007 se haja convertido em sem termo.
A questão que importa apreciar passa, pois, por saber quais as consequências da celebração, em 2009, do contrato de trabalho a termo quando, a essa data, o anterior contrato de trabalho já se havia convertido em sem termo.

4.2. O art. 17º, nº 5, do DL 247/2007, de 27.06, dispõe que: “5. Nos municípios em que se justifique, os corpos de bombeiros voluntários ou mistos detidos pelas associações humanitárias de bombeiros podem dispor de equipas de intervenção permanente, cuja composição e funcionamento é definida por portaria do membro do governo responsável pela área da administração interna.”.
Em execução desse normativo, veio a ser publicada a Portaria 1358/2007, de 15.10, que, para além do mais, dispõe sobre a composição das equipas de intervenção permanente (EPI), missões, critérios de seleção e de candidatura e contrato.
Nos termos de tal Portaria, essas equipas são compostas por cinco elementos, um dos quais o chefe de equipa recrutado na estrutura do comando, de entre oficiais bombeiros ou de entre chefias existentes no quadro ativo do corpo de bombeiros e quatro bombeiros (art. 1º); os critérios de seleção das EIP e os programas dos cursos de formação são aprovados por despacho do diretor nacional de Bombeiros (art. 4º), podendo candidatar-se os bombeiros que no momento da candidatura possuam idade compreendida entre os 20 e os 40 anos e que preferencialmente observem os critérios de prioridade referidos no art. 6º, nº 3 (art. 5º); as candidaturas dos oficiais bombeiros e bombeiros ao processo de recrutamento devem ser entregues na respetiva associação humanitária de bombeiros, sendo a aprovação das mesmas e consequente seleção dos elementos que integram a EIP da competência da direção da associação humanitária de bombeiros, por proposta do comandante do corpo de bombeiros, carecendo a seleção de homologação do diretor nacional de Bombeiros (art. 6º).
Por sua vez, dispõe o art. 7º da citada Portaria que: “1. Os candidatos selecionados que integrarem as EIP celebrarão com a entidade detentora a que pertencem um contrato individual de trabalho a termo certo, por um período até três anos. 2. A remuneração destes elementos é a que vier a ficar determinada no protocolo a subscrever entre a Autoridade Nacional de Protecção Civil, a respectiva câmara municipal e a associação humanitária de bombeiros.”.
Ou seja, e em síntese, decorre da referida regulamentação que a integração nas EIP tem lugar por candidatura dos próprios interessados que, se selecionados, celebrarão com a associação respetiva contrato de trabalho que a Portaria define dever ser a termo certo, por período até 3 anos.

4.3. A LCCT (aprovada pelo então DL 64-A/89, de 27.02), na sua redacção primitiva, não previa a situação da celebração de um contrato a termo durante a vigência de um contrato de trabalho sem termo, pelo que, pelo menos parte siginficativa da jurisprudência e apesar, no domínio do referido diploma, de algumas vozes dissonantes da doutrina[3], vinha-se entendendo que, com base no princípio da liberdade contratual, nada obstava a que tal sucedesse, desde que, naturalmente, se verificassem os requisitos de validade, formal e material, do contrato a termo, mais se considerando, como se refere no Acórdão desta Relação, de 13.01.2003, in www.dgsi.pt, Processo0212042, que mesmo que existisse entre as partes um contrato sem termo, quando é celebrado o segundo contrato, agora a termo, haveria que se “concluir que aquele contrato sem prazo tinha terminado por vontade das partes aquando da celebração do segundo, por ser incompatível a subsistência simultânea dos dois contratos.”.
Certamente sensível à maior debilidade do trabalhador na relação jurídico laboral, tendo em vista a sua maior ou melhor protecção e evitar ou minimizar a verificação de situações eventualmente fraudulentas , a Lei 18/2001, de 03.07, aditou à LCCT o art. 41º-A, em cujo nº 3 se dispunha que “3. Sem prejuízo do disposto no artigo 5º[4], é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador permanente.”.
Porém, o CT/2003, bem como o CT/2009, não contemplam norma idêntica a esse nº 3 do art. 41º-A, com o que se nos afigura indiscutível ter sido intenção do legislador abandonar o entendimento de que a existência de um contrato de trabalho sem termo impedirá, só por si, a celebração, durante a sua vigência, de contrato a termo. O legislador destes dois últimos diplomas não podia, certamente, ignorar a controvérsia anterior e o propósito então assumido pela Lei 18/2001, ao prescrever, como prescreveu, nos termos do citado art. 41º-A, nº 3, não podendo a exclusão desta norma significar outra coisa que não o retorno ao entendimento do principio da liberdade contratual (dentro dos limites, naturalmente, da verificação dos pressupostos legais da admissibilidade da celebração do contrato de trabalho a termo).
Daí que se nos afigure que, no âmbito dos CT de 2003 e de 2009, a lei não impedirá a celebração, na vigência de contrato de trtabalho sem termo, de contrato de trabalho a termo [desde que formal e materialmente válido e que não vise iludir as desposições que regulam o contrato sem termo].
Ora, no caso, foi precisamente isso- celebração de um contrato a termo no decurso de uma vinculação por um contrato de trabalho sem termo - que ocorreu. As partes, mormente o A., dentro do principio da liberdade contratual e pese embora a existência de uma anterior vinculação sem termo, vieram a celebrar um novo contrato de trabalho a termo certo, contrato este com um objeto, funções e remuneração (superior) diferentes do anterior e cuja validade, formal ou substantiva, não foi, como se disse, posta em causa nos autos pelo A., que se limitou a invocar a sua “inexistência”, esta aliás julgada improcedente pela sentença recorrida e que, nessa parte, transitou em julgado, já que não foi impugnada pelas partes, mormente pelo A. (como o poderia ter sido ao abrigo do disposto no art. 636º do CC - ampliação do objeto do recurso).
Aliás, salienta-se que na celebração deste segundo contrato interveio, desde logo e em primeira linha, a vontade do A., na medida em que, para o celebrar, teve ele necessariamente e nos termos da mencionada Portatria, que se candidatar, o que constitui manifestação inquívoca da sua vontade de celebração de tal contrato.
Ora, perante a celebração, em junho de 2009, deste segundo contrato de trabalho a termo e atento o principio da liberdade contratual, impõe-se concluir que o inicialmente celebrado, em 2007 e que se havia convertido em sem termo, terminou por vontade das partes aquando da celebração do segundo, por ser incompatível a subsistência simultânea dos dois contratos.
Acrescente-se que da referida legislação – DL 247/2007 e Portaria 1358/2007 – nada decorre no sentido de que a celebração do contrato de trabalho a termo previsto no art. 7º desta Portaria não implique a cessação do eventual vínculo laboral sem termo que o trabalhador mantinha anteriormente com a entidade empregadora e/ou de que a caducidade desse contrato a termo determine a reposição do vínculo jurídico-laboral, mormente sem termo, anteriormente detido peo trabalhador.
De todo o modo, no caso, não foi pelo A. posta em causa a validade formal e/ou subancial deste contrato a termo, celebrado em junho de 2009, o qual apenas alegou a sua “inexistência”, “inexistência” esta que foi julgada improcedente pela sentença recorrida e que, nesta parte, transitou em julgado.

4.4. Ora, assim sendo, como entendemos que é, o despedimento ilícito em causa nos autos ocorreu no âmbito de um contrato de trabalho a termo certo, cujas consequências são as previstas no art. 393º do CT/2009 e não nos arts. 390º e 391º do mesmo [estes os aplicados na sentença, sem que, todavia, aí haja sido justificada essa aplicação].

Dispõe o citado:
Artigo 393º
Regras especiais relativas a contrato de trabalho a termo
1 - Ao contrato de trabalho a termo aplicam-se as regras gerais de cessação do contrato, com as alterações constantes do número seguinte.
2 - Sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador é condenado:
a) No pagamento da indemnização pelos prejuízos causados, não devendo o trabalhador receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente;
b) Na reintegração do trabalhador sem prejuízo das sua categoria, caso o termo ocorra depois do trânsito em julgado da decisão do tribunal.

No caso, na sentença decidiu-se no sentido da inexistência de danos não patrimoniais, pedido esse que foi julgado improcedente e de que o A. não recorreu, tendo a sentença, nessa parte, transitado em julgado.

Quanto aos danos patrimoniais (e porque outros não se provaram), tem o A. direito a uma indemnização correspondente às retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao termo certo do contrato, que ocorreria no dia 31.05.2012, uma vez que o mesmo foi celebrado aos 01.06.2009, pelo prazo de um ano e, assim, terminando a sua segunda renovação (automática), naquela data (31.05.2012). Diga-se, a este propósito, que ainda que tal não fosse necessário por isso decorrer do citado preceito, a Ré comunicou também ao A., por carta datada de 23.02.2012, que o mencionado contrato de trabalho a termo cessaria no dia 31.05.2012 (cfr. al. r) dos factos provados), carta essa que o próprio A., no seu articulado de contestação refere ter-lhe sido remetida.
Tendo o despedimento ocorrido aos 28.02.2012 (cfr. als. p) e q) dos factos provados) e ocorrendo o termo do contrato a 31.05.012, tem o A. direito, a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, às retribuições que deixou de auferir nesse período, no montante global de €2.375,25 [€617,40 + 25% de 617,40+20) x 3 meses].
E tem ainda direito, não às férias e aos subsídios de férias e de natal considerados na sentença (de 2012, por inteiro, de 2013 e demais vincendos até ao trânsito em julgado da sentença), mas tão-só às férias e subsídios de férias e de natal proporcionais ao tempo decorrido entre o despedimento ilícito (28.02.2012) e 31.05.2012 (arts. 245º, nº 1, al. b), e 263º, nºs 1 e 2, al. b), do CT/2009), sendo de referir que relativamente aos proporcionais correspondentes aos meses de janeiro e fevereiro de 2012 nada foi peticionado.
Quanto às férias há que ter como base de cálculo a quantia de global de €791,75 (€617,40 de remuneração de base, acrescida de 25% desta quantia de subsídio de chefia e de €20,00 que auferia a título de “compensação”) – art. 264º, nº 1, do CT/2009;
Quanto ao subsídio de férias há que atender, como base de cálculo, à retribuição de €771,75 (€617,40 de remuneração de base, acrescida de 25% desta quantia de subsídio de chefia, uma vez que este se trata de prestação retributiva que constitui contrapartida do modo específico da execução do trabalho), sendo certo que se desconhece a que se reporta a “compensação” de €20,00, não se sabendo se se encontra a mesma relacionada com o modo específico de execução do trabalho – citado art. 264º, nº 2.
Quanto ao subsídio de natal há que atender, como base de cálculo, apenas à retribuição de base de €617,40 atento o disposto nos arts. 262º, nºs 1 e 2, al. a) e 263º do CT/2009.
Assim, tem o A. direito, a tais títulos, à quantia global de €545,23, assim discriminada:
- a título de férias proporcionais a esses 3 meses, à quantia de €197,94 (791,75/12 x 3 meses);
- a título de subsídio de férias proporcional a esses 3 meses, à quantia de €192,94 (€771,75 / 12 x 3);
- a título de subsídio de Natal proporcional a esses 3 meses, à quantia de €154,35 (617.40 / 12 x 3).
Importa ainda esclarecer o seguinte:
O A., para além da remuneração de base de €617,40 auferia um suplemento mensal de chefia de 25% sobre o valor base dessa retribuição, bem como a quantia de €20,00 a título de “compensação”, prestações estas que têm natureza retributiva e integram a retribuição devida nos termos do citado art. 393º, nº 2, al. a). Já quanto ao subsídio de alimentação, o mesmo não tem natureza retributiva (art. 260º, nº 2, do CT/2009), pelo que não integra a mencionada indemnização.
Entendemos, também, que no âmbito da indemnização devida nos termos do referido art. 393º, nº 2, al. a), não há que proceder às deduções previstas no art. 390º, nº 2, als. a), b) e c), do CT/2009.
Com efeito, neste sentido, pronunciámo-nos no recente Acórdão, de 05.01.2015, proferido no Processo 80/13.9TTSTS.P1[5], cujas considerações são aplicáveis ao caso, no qual se referiu o seguinte que se passa a transcrever:
«No acórdão desta Relação de 27.10.2008[6], ainda que incidindo sobre o art. 440º do CT/2003 (correspondente ao art. 393º do atual CT/2009) e sobre o desconto das retribuições intercalares entre a data do despedimento ilícito e o 30º dia anterior à propositura da ação (art. 437º, nº 4, do então CT/2003), considerou-se o seguinte:
“(…)
Ora, do cotejo destes normativos ressalta, desde logo, a distinção entre a compensação como efeito da ilicitude do despedimento nos contrato de trabalho sem termo e a compensação decorrente do contrato a termo. Assim, enquanto no contrato sem termo ou por tempo indeterminado à compensação - compreendendo as retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal – é deduzido o montante das retribuições respeitantes ao período decorrido desde a data do despedimento até 30 dias antes da data da propositura da acção, se esta não for proposta nos 30 dias subsequentes ao despedimento; já no contrato de trabalho a termo há regras especiais, e ao que cremos imperativas, porquanto a compensação não deve ser inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se aquele termo ocorrer posteriormente.
Ou, como melhor refere Júlio Gomes[7], “a lei continua a consagrar um regime especial para o contrato de trabalho a termo. Na verdade, aplicam-se as regras gerais, mas com duas alterações: Por um lado, na hipótese de despedimento ilícito, o empregador só será condenado à reintegração se o termo do contrato ocorrer depois do trânsito em julgado da decisão do tribunal; e por outro lado o trabalhador tem direito à indemnização pelos prejuízos causados (o que corresponde, de resto, à regra geral), mas não deverá receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal se este se verificar antes do termo (expressamente a lei não faz aqui referência a deduções).” [realce nosso]
Logo se a lei não faz referência expressa às deduções previstas na regra geral da cessação do contrato como consequência do despedimento, antes realça no tocante ao contrato de trabalho a termo a alteração segundo a qual o trabalhador não deve receber uma compensação inferior à importância correspondente ao valor das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato, parece-nos que com tais normas outra coisa não visou o legislador que não fosse compensar, também nesta vertente, a precariedade e a insegurança da relação de trabalho ligada geneticamente a esta forma de contratação.
Aliás, como outrossim refere Leal Amado,[8] [nos contratos a termo], por força da al. a) [do nº2 do art. 440º do CT], “em caso de despedimento ilícito, o empregador será condenado no pagamento da indemnização pelos prejuízos causados, tal como já decorreria do disposto no art. 436º/1-a), tendo o quantum indemnizatório como limite mínimo o valor dos salários intercalares devidos ao trabalhador desde a data do despedimento até à verificação do termo do contrato ou até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, consoante o que ocorra em primeiro. Os salários intercalares correspondentes ao período que medeia entre estas duas datas (data do despedimento e data da verificação do termo resolutivo ou do trânsito em julgado da decisão) representam, pois, montante mínimo a pagar pelo empregador ao trabalhador, a título de indemnização compensatória dos prejuízos causados pelo despedimento ilícito, não parecendo haver aqui espaço para que o tribunal proceda a qualquer das deduções previstas nos nºs 2, 3 e 4 do art. 437º. Com efeito - acrescenta - importa não olvidar que nos contratos de duração indeterminada os salários intercalares, ainda que sujeitos aquelas deduções, acrescem à indemnização pelos danos causados (arts 436º/1-a) e 437º/1 do CT), ao passo que no âmbito dos contratos a termo os salários intercalares, sem deduções funcionam com padrões mínimos da indemnização”.
E funcionando os salários intercalares como padrão mínimo de indemnização no âmbito dos contratos a termo, parece-nos - em suma - não haver lugar neste domínio à dedução do montante das retribuições prevista no art. 437º/4, como igualmente nos parece não ocorrer in casu qualquer situação de desigualdade entre trabalhadores diligentes e outros que o não são e muito menos se ambos tiverem celebrado um contrato a termo.”.
Tais considerações mantêm atualidade no âmbito do CT/2009, que não introduziu, nessa matéria, alterações, sendo igualmente transponíveis para os descontos do subsidio de desemprego a que se reporta o art. 390º, nº 2, al. c), e que estão previstos unicamente no que se refere às retribuições intercalares devidas em consequência do despedimento ilícito perpetrado no âmbito de um contrato de trabalho sem termo.
Tais deduções não estão previstas no âmbito do contrato de trabalho a termo, nem são a este aplicáveis nos termos e pelos fundamentos expostos no acórdão transcrito.
Com efeito, e como decorre do que se consignou, a consequência indemnizatória prevista no art. 393º, nº 2, al. a), deverá abranger os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador, tendo ela, porém, como limite mínimo obrigatório montante correspondente às retribuições que o trabalhador haja deixado de auferir desde o despedimento até ao termo certo ou incerto do contrato (ou até ao trânsito em julgado da decisão judicial, se aquele termo for posterior). Correspondendo tal limite a um limite mínimo obrigatório e reportando-se o preceito às retribuições como mero elemento referencial para o cálculo desse valor mínimo, não há que efetuar qualquer dedução (a referência às retribuições que seriam auferidas até ao termo do contrato tem como desiderato, tão-só, o de fixar o padrão mínimo do montante indemnizatório).
Também no sentido de que o citado preceito consagra um montante compensatório mínimo se pronuncia Albino Mendes Batista, in Primeiras Reflexões sobre os Efeitos da Ilicitude do Despedimento no Novo Código do Trabalho[9], Prontuário do Direito do Trabalho, CEJ, nº 66, pág. 23 e Acórdãos da RP de 11.06.2007, Processo 0711041, da RL, de 13.02.2008 (Processo 9071/2007-4) e da RC, de 05.06.2008 (Processo 590/06.4TTGRD.C1), todos in www.dgsi.pt. Diga-se que estes arestos reportam-se à inaplicabilidade dos descontos referentes às retribuições auferidas pelo trabalhador após o despedimento e/ou ao período entre a data do despedimento e o 30º anterior à propositura da ação. Não obstante, a orientação neles perfilhada é igualmente transponível no que toca aos descontos relativos ao subsídio de desemprego.
(…)
As retribuições intercalares a que se reporta o art. 390º, nº 1, e a indemnização a que se refere o art. 393º, nº 2, al. a), ainda que tenham, ambas, natureza indemnizatória, não se reconduzem à mesma realidade. Aquela consubstancia uma das componentes indemnizatórias do despedimento ilícito (a par de outras, designadamente a indemnização de antiguidade em substituição da reintegração caso o trabalhador por aquela opte); esta consubstancia uma indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, em que a lei fixa um limite mínimo obrigatório, apenas se socorrendo das retribuições que seriam devidas até ao termo do contrato como valor referencial de determinação desse limite mínimo.”. [fim de transcrição]

4.5. Entendemos também que a ilicitude do despedimento no âmbito do contrato de trabalho a termo e em que a indemnização se traduza, nos termos do art. 393º, nº 2, al. a), nas retribuições devidas até ao termo do contrato, que esta não obsta ao direito do trabalhador à compensação devida, nos termos do art. 344º, nº 2, do CT/2009, pela caducidade do contrato.
Com efeito, apesar desse despedimento (ilícito), o contrato sempre caducará no termo do seu prazo. E, por outro lado, se assim se não entendesse encontrado estaria o modo do empregador poder pagar uma indemnização (por despedimento ilícito) inferior à compensação que seria devida pela caducidade do contrato (basta pensar numa situação de despedimento ilícito próxima da data da caducidade do contrato de trabalho a termo, em que a compensação por esta, de montante superior, seria substituída pela indemnização por aquele, de montante inferior).
Ao caso é aplicável o disposto no art. 344º, nº 2, na sua redação primitiva, pois que as alterações introduzidas pela Lei 23/2012, de 25.06 e diplomas subsequentes, são posteriores à data em que operaria a caducidade do contrato (31.05.2012). E, por outro lado, o nº 3 do art. 344º aditado pela Lei 53/2011, de 14.10, apenas é aplicável aos novos contratos de trabalho a termo certo, atento esse nº, bem como o disposto no art. 3º da referida Lei.
Assim, tem o A. direito a uma compensação correspondente a três dias de retribuição base por cada mês de duração do contrato (já que esta é superior a seis meses). Ou seja, no caso, tendo o contrato de trabalho a termo certo sido celebrado aos 01.06.2009 e considerando a sua duração até 31.05.2012, tem o A. direito à compensação de €2.222,64 (617,40 / 30 x 3 dias x 36 meses).

4.6. Resta referir, no que se reporta aos juros de mora, que:
- sobre a quantia de €2.375,25 correspondente às retribuições entre a data do despedimento e 31.05.2012, são devidos juros de mora, á taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações (último dia do mês em que se vencerem), tal como decidido na sentença recorrida [ainda que com outra fundamentação] e que, nesta parte, não foi objeto do recurso.
- sobre as demais quantias (de €545,23 e de €2.222,64), tem, nos termos dos arts. 804º, 805º, nº 1, 806º e 559º, do Cód. Civil, direito a juros de mora, á taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

4.7. Tem, pois, razão a Recorrente ao entender que o despedimento ocorreu no âmbito de um contrato de trabalho a termo, que este caducaria aos 31.05.2012 e que o ressarcimento do A. tem como limite esta data, pelo que, nesta parte, procedem as conclusões do recurso, sem prejuízo, porém do que acima ficou liquidado quanto às quantias devidas ao A.

5. Da existência de justa causa do despedimento

A sentença recorrida, para além da ilicitude do despedimento com fundamento na caducidade do direito de exercício da ação disciplinar e invocando o disposto no art. 387º, nº 4, do CT/2009, conheceu ainda da justa causa do despedimento, julgando-a improcedente, decisão esta de que a Recorrente discorda.
O conhecimento desta questão, face ao que se decidiu no ponto precedente, ficou todavia prejudicado, por se mostrar totalmente inútil (sendo proibida a prática de atos inúteis – art. 130º do CPC/2013), já que a existência, ou não, de justa causa não tem qualquer reflexo na decisão do caso em apreço, mormente no cálculo da indemnização devida ao A. em consequência da ilicitude do despedimento (determinada, como acima decidido, com fundamento na referida caducidade do direito de exercício da ação disciplinar).
Com efeito, no caso dos autos, a indemnização devida ao A. consubstancia-se, como decorre do que se referiu e decidiu no ponto antecedente, num montante fixo, não suscetível de graduação em função do qualquer dos critérios previstos no art. 381º, nº 1, do CT/2009 e/ou do maior ou menor grau de ilicitude do despedimento e/ou da culpa da Ré, já que essa indemnização, no caso, nunca poderá ser inferior às retribuições devidas desde o despedimento até à data do termo do contrato e foi essa indemnização, mínima e obrigatória, sem carecer da referida ponderação, que se fixou.
Por outro lado, e como também já acima se deixou dito, não há que ponderar e fixar indemnização correspondente a danos não patrimoniais (para o que, eventualmente, poderia relevar o conhecimento da questão da existência de justa causa) pois que estes foram considerados pela 1ª instância, com trânsito em julgado, como inexistentes.
Assim sendo, não se conhece da questão relativa à justa causa do despedimento, porque prejudicada e inútil.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em conceder parcial provimento ao recurso, em consequência do que se decide:
I. Considerar ilícito o despedimento do A. por caducidade do direito de exercício da ação disciplinar, assim confirmando, nesta parte, a sentença recorrida;
II. No mais impugnado no recurso, revogar a sentença recorrida, que é substituída pelo presente acórdão em que se decide condenar a Ré, Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários da Feira, a pagar ao A., B…, a quantia global de €5.143,12, acrescida de juros de mora, tudo conforme a seguir descriminado: i) €2.375,25, a título de indemnização pela ilicitude do despedimento, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento de cada uma das prestações que integram esse montante; ii) €545,23, a título de férias e subsídios de férias e de natal proporcionais ao período desde o despedimento até ao termo do contrato de trabalho celebrado a termo certo; iii) €2.222,64 a título de compensação a que se reporta o art. 344º, nº 2, do CT/2009; iv) sobre as quantias referidas em ii) e iii), acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Custas pela Recorrente e Recorrido na proporção do decaimento.

Porto, 23.02.2015
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Maria José Costa Pinto
____________
[1] O legislador, no processo especial denominado de “Ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento” introduzido pelo DL 295/2009, de 13.10 (que alterou o CPT) e a que se reportam os arts. 98º-B e segs, não definiu ou indicou a posição processual dos sujeitos da relação material controvertida; isto é, não indicou quem deve ser considerado, na estrutura dessa ação, como Autor e Réu, recorrendo, para efeitos processuais, à denominação dos sujeitos da relação material controvertida (trabalhador e empregador) – cfr., sobre esta questão Albino Mendes Batista, in A nova ação de impugnação do despedimento e a revisão do Código do Processo de Trabalho, Coimbra Editora, págs. 96 e segs. e Hélder Quintas, A (nova) ação de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, in Prontuário do Direito do Trabalho, 86, págs. 144/145, nota 25. De todo o modo, e por facilidade, quando nos referirmos a Autor (A.) e Ré (R.) estaremos a reportar-nos, respetivamente, ao trabalhador e ao empregador.
[2] Relatado pela ora relatora e em que interveio, como 1ª adjunta, a ora 2ª adjunta.
[3] Cfr. José João Abrantes, in Contrato de Trabalho a Termo, Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Vol. III, Almedina, pág. 162 e Júlio Gomes, O Contrato de Trabalho a Termo ou a Tapeçaria de Penélope, Estudos do Instituto do Direito do Trabalho, Almedina pág.91/92. Em sentido contrário, Albino Mendes Baptista , Jurisprudência do Trabalho Anotada, 3ª edição, ág. 295 e segs., citado por José João Abrandes, in ob. e págs. mencioandas.
[4] Referente à reforma por velhice do trabalhador.
[5] Relatado pela ora relatora e em que intervieram os mesmos adjuntos, in www.dgsi.pt. .
[6] Inédito, ao que supomos, relatado pelo Exmº Desembargador Fernandes Isidoro e em que a ora relatora interveio como 2ª adjunta.
[7] - Cfr. DIREITO DO TRABALHO, volume I, Relações Individuais de Trabalho, 2007, p. 1037
[8] - Em «OS EFEITOS DO DESPEDIMENTO ILÍCITO (sobre os arts 436º a 440º do Código do Trabalho) », Temas Laborais 2, 2007, ps 93/94.
[9] Reportando-se ao CT/2003.