Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
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| Nº Convencional: | JTRP000 | ||
| Relator: | JOAQUIM GOMES | ||
| Descritores: | TERMO DE IDENTIDADE E RESIDÊNCIA DEVERES DO ARGUIDO | ||
| Nº do Documento: | RP20120516280/10.3SMPRT.P1 | ||
| Data do Acordão: | 05/16/2012 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REC. PENAL. | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO. | ||
| Indicações Eventuais: | 1ª SECÇÃO. | ||
| Área Temática: | . | ||
| Sumário: | I- A prestação do termo de identidade e residência [TIR] cria um específico processo comunicacional entre o arguido e o tribunal que, além do mais, possibilita uma via segura de comunicação dos atos processuais e gera eficácia nas notificações efetuadas pelo tribunal para a residência indicada pelo arguido. II- Entre os deveres específicos e complementares do arguido sobressai o dever geral de diligência, visto não na perspetiva de um dever de colaboração com o tribunal, mas com o sentido de dar funcionalidade ao seu estatuto de arguido, o que não é compatível com uma atitude de alheamento processual e, menos ainda, de violação dos seus deveres processuais. | ||
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| Decisão Texto Integral: | Recurso n.º 280/10.3SMPRT.P1 Relator: Joaquim Correia Gomes; Adjunto: Carlos Espírito Santo Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto I. RELATÓRIO 1. No PC n.º 280/10.3SMPRT do 1.º Juízo Criminal do Porto, em que são: Recorrente/Arguido: B….. Recorrido: Ministério Público foi proferida sentença em 14 de Outubro de 2011, a fls. 117-123, que condenou o arguido pela prática, como autor material, de um crime de ofensas à integridade física p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal numa pena de 100 (cem) dias de multa com o valor diário de € 5,00 (cinco euros). 2. O arguido interpôs recurso por correio electrónico expedido em 2011/Nov./08 a fls. 127-136, pugnando que a sentença recorrida deve ser revogada e o mesmo absolvido, concluindo que: 1.º) O recorrente não praticou o crime pelo crime a que foi condenado [I, II, VII]; 2.º) O tribunal formou a sua convicção no depoimento sincero e emotivo, conciso e concreto do ofendido e da testemunha C…… [III] 3.º) O arguido – certamente por lapso escreveu-se ofendido – não teve a oportunidade, por causas que lhe foram alheias de prestar o seu depoimento e exercer o seu direito de defesa [IV] 4.º) A prova fundou-se apenas nas palavras das testemunhas, que como se demonstrou não podem ser consideradas verdadeiramente credíveis, não podendo o tribunal condenar quando se demonstrou que as declarações dos mesmos não são verosímeis [V, VI] 3. O Ministério Público respondeu em 2011/Dez./22 a fls. 161-177 sustentando que o recurso não merece provimento. 4. Recebidos os autos nesta Relação, onde foram autuados em 2012/Jan./16 e indo os mesmos com vista ao Ministério Público, foi por este emitido parecer em 2012/Jan./25, a fls. 186/187, que sufragou a resposta anterior no sentido da improcedência do recurso. 5. Cumpriu-se o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do C. P. Penal, nada obstando ao conhecimento do recurso. * O objecto do recurso incide sobre existência da nulidade por não ter estado presente na audiência de julgamento [a)] e por ter existido erro notório na apreciação da prova [b)]* II. FUNDAMENTAÇÃO* * 1.1 A sentença recorrida Desta transcrevem-se as seguintes passagens: “Factos Provados. Discutida a causa resultou provada a seguinte matéria fáctica, com interesse para a decisão: 1. No dia 18/04/2010, pelas 16:00 horas, no cruzamento entre a Rua Santo Ildefonso e a Rua Morgado Mateus, área desta cidade e comarca, o arguido agrediu o ofendido D….., desferindo, com um objecto metálico de características não concretamente apuradas, pancadas que atingiram aquele no braço esquerdo. 2. Como consequência directa e necessária da conduta do arguido, o ofendido sofreu dores e, pelo menos, no membro superior esquerdo, mais precisamente no terço superior da face posterior do antebraço, escoriação horizontal com 3 cm de comprimento, lesão esta que determinou 6 dias de doença para a cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral. 3. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que com tal conduta molestava fisicamente o ofendido. 4. O arguido conhecia o carácter proibido e punido da conduta que adoptou. 5. Nada consta no certificado de registo criminal do arguido. Factos Não Provados. Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados nos autos ou em audiência, nem outros, não escritos, contrários ou incompatíveis com os provados, nomeadamente que: a) Nas circunstâncias descritas em 1), o arguido deu um pontapé no joelho esquerdo do ofendido. Motivação. O decidido fundamenta-se, na análise crítica e comparativa da prova documental e da prova testemunhal produzida, a saber e de forma resumida: Quanto ao dia em que os factos ocorreram ponderou-se de forma critica e comparativa o depoimento do ofendido que referiu ter apresentado queixa no próprio dia da ocorrência dos factos e ter, no dia seguinte, comparecido no IML e as datas apostas na queixa de fls. 2 e no relatório de fls. 18. - Quanto aos demais factos descritos na acusação e integradores de responsabilidade criminal, teve-se em conta o depoimento do ofendido D….. que relatou como, aquando da entrega dos filhos da sua namorada e do arguido, foi por aquele agredido, sem qualquer motivo, com um objecto metálico – para si uma colher de trolha. Negou no entanto ter o arguido lhe desferido um pontapé no joelho. Mais referiu as lesões e dores sofridas, apenas relacionando a lesão no braço com a agressão de que foi vitima. O depoimento do ofendido mostrou-se sério e credível, para além do que foi confirmado pela testemunha C….., que presenciou os factos, porquanto acompanhava o ofendido, tendo relatado a agressão em causa nos exactos termos descritos pelo ofendido e afirmado ainda não ter visto aquele a ser agredido a pontapé. Mais se valoraram os documentos juntos aos autos, a saber: o relatório do IML de fls. 18-20, bem como o CRC do arguido. Assim, analisada critica e comparativamente a prova testemunhal e documental produzida, sempre em conjugação com as regras da experiência comum, dúvidas não subsistiram quanto á veracidades dos factos imputados ao arguido e integradores de responsabilidade criminal. Nenhuma outra prova foi produzida.” * 1.2 Circunstâncias a considerar1.2.1 O arguido prestou TIR em 2011/Jan./13 a fls. 59 indicando como sua residência a Rua …., …, ….º 4300-000 Porto. 1.2.2 A PSP notificou o arguido da sentença em 2011/Out./21 a fls. 126, fazendo constar como residência do arguido a Praça …., n.º …, …., 4100-357 Porto. 1.2.3 Mediante pesquisa efectuada através do programa Citius em 2011/Nov./07, a fls. 152, no âmbito deste processo foi indicada como sua residência a Praça …., n.º …, …, 4100-357 Porto, tendo sido notificado para esta residência em 2011/Nov./10 (fls. 139). 1.2.4 O arguido é portador de um título de residência emitido em 2011/Fev./24, cuja cópia encontra-se a fls. 153, onde consta como sua residência a Praça …., n.º …, …, 4100-357 Porto. 1.2.5 A Ordem dos Advogados comunicou em 2011/Mar./09 ao DIAP do Porto e no âmbito deste processo que tinha sido nomeado como advogada do arguido a Sr.ª Dr.ª E….., a qual esteve presente na audiência de julgamento realizada em 2011/Out./14, onde o arguido não esteve presente – fls. 71 e 115. 1.2.6 A notificação do arguido para a audiência de julgamento foi depositada no receptáculo do correio da residência da Rua …., …, 3.º 4300-000 Porto (fl.s 99). * 2. Fundamentos do recursoa) Nulidade pela ausência do arguido na audiência de julgamento A Constituição da República estabelece no seu art. 32.º, n.º 1 uma cláusula geral de garantia de defesa ao instituir que “O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso” (i), especificando-se depois em que consistem as mesmas, encontrando-se aqui o quadro constitucional nuclear do processo penal. Uma delas é o direito de presença do arguido na audiência de julgamento (ii), tal como passou a constar no n.º 6 deste artigo 32.º[1], ao estabelecer-se que “A lei define os casos em que, assegurados os direitos de defesa, pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgament”. Essa dispensa de presença do arguido tem assim carácter excepcional e visa essencialmente estabelecer uma concordância prática entre as garantias de defesa de defesa, no caso a comparência do arguido na audiência de julgamento, com a realização da justiça penal através dos Tribunais, que são facetas essenciais de um Estado de Direito Democrático (2.º, 32.ºe 202.º da Constituição). Outros direitos nucleares constitucionais de defesa que para aqui podem ser convocados são a presunção de inocência até ao trânsito em julgado da sentença (iii), a realização do julgamento no mais curto prazo possível (iv), mas na observância das garantias de defesa, o direito de assistência por advogado (v) (32.º, n.º 2 e 3 Constituição). Por sua vez, no artigo 20.º, n.º 4 da Constituição também se assegura que “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham sejam objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”. A noção de processo justo e equitativo tem igualmente consagração na Convenção Europeia dos Direitos Humanos (C.E.D.H), através do seu artigo 6.º, segundo o qual “Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial …” (n.º 1), salvaguardando-se que “Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada” (n.º 2). Na densificação desse processo justo e equitativo o n.º 3 deste artigo 6.º, expressou um “catálogo mínimo de direitos”, ao estipular, entre outras circunstâncias, que “O acusado, tem no mínimo, os seguintes direitos: Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;” (b), “Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha” (c), “Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas da acusação …” (d). O Código de Processo Penal[2] até consagra expressamente um autêntico estatuto processual ao arguido (61.º, n.º 1), reconhecendo-lhe certos e precisos direitos de defesa, destacando-se, para o caso aqui em apreço, o direito de estar presente nos actos processuais que lhe dizem respeito (al. a), em ser ouvido pelo tribunal sempre que se possa tomar uma decisão que pessoalmente o afecte (al. b) e ser assistido por defensor, com a qualidade de advogado, em todos os actos processuais em que participar (al. f), mormente na audiência de julgamento (332.º, n.º 1)[3]. De resto cabe ao defensor exercer os direitos que a lei reconhece ao arguido (61.º a 67.º). Daqui podemos certamente assentar que o acusado tem o direito a estar presente nas fases em que se suscite o exercício da sua defesa, mormente para contradizer a prova que sustenta a acusação, seja questionando as mesmas, seja mediante a apresentação de outras provas, o que tanto pode acontecer no decurso do debate instrutório, como no âmbito da audiência de julgamento. E quando nos reportamos à sua assistência por advogado, está também em causa a eficácia da mesma, o que passa por uma defesa efectiva, tanto na preparação, como na sua realização, e não por uma defesa apenas aparente ou fictícia [TEDH Artico c. Itália, 1980Mai./13; Goddi c. Itália 1984/Abr./ 09, Daud c Portugal, 1998/Abr./21; Bogumil c. Portugal de 2008/Out./07; Proposta de Decisão-Quadro do Conselho, de 28 de Abril de 2004, relativa a certos direitos processuais penais na União Europeia, Com (2004) 328 final, § 57 a 59], como de resto é dever legal do defensor enquanto advogado (92.º, 93.º, 95.º, n.º 1, al. b) do E. O. A.[4]). Isto significa que, mormente no âmbito do processo penal, o acusado deve dispor de um processo equitativo, o que só é possível se lhe forem conferidas as devidas oportunidades para o mesmo se poder defender, não o colocando, de forma directa ou indirecta, numa posição de desvantagem face aos seus oponentes.[5] E haverá essa desvantagem se o seu defensor, que no caso é um advogado, não exercer uma efectiva assistência, não havendo razões para distinguir aqueles que são oficiosamente nomeados, através do regime jurídico de acesso ao direito e aos tribunais (Lei n.º 34/2004, de 29/Jul.)[6], daqueles que são contratados [TEDH Artico c. Itália, 1980/Mai./13, onde o advogado era nomeado; Goddi c. Itália 1984/Abr./ 09, em que o advogado foi contratado]. Este direito a um processo equitativo, implica um tratamento leal (“fair treatment”) de todos os sujeitos processuais, mormente do acusado, por parte do tribunal, conferindo-se a este a possibilidade de proceder a um efectivo controlo dos procedimentos que lhe dizem respeito, de modo a assegurar-lhe todas as garantias de defesa. Por isso e tendo presente as suas garantias constitucionais de defesa, as mesmas surgem como autênticos direitos fundamentais (16.º, 17.º e 18.º Constituição), que muito embora tenham uma conotação essencialmente subjectiva (i), cabendo aos seus titulares o seu exercício, também não deixam de exprimir, de modo objectivo, uma ordem de valores vinculativa (ii), que podem conduzir a uma interpretação conforme a constituição (verfassungskonforme Auslegung). Por sua vez, aos tribunais compete, no exercício da sua função jurisdicional, assegurar a essência dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, conferindo-lhes conteúdo (202.º, n.º 2 Constituição). Assim e desde que se assegure a essência daquele direito constitucional à defesa, “pode ser dispensada a presença do arguido ou acusado em actos processuais, incluindo a audiência de julgamento” (32.º, n.º 6 Constituição). Nesta conformidade e salvaguardando-se o conteúdo útil e necessário do direito à defesa, assim como preservado o direito a um processo equitativo, passou-se a regular a dispensa da presença do arguido, naquilo que vulgarmente se designa por julgamento “in absentia”. Tendo presente o mesmo estatuto jurídico-processual do arguido consagrado no Código de Processo Penal, podemos também constatar que o mesmo não tem apenas direitos (61.º, n.º 1), mas também específicos deveres processuais (61.º, n.º 3), estes, naturalmente, mais relacionados com a realização da justiça penal. No que concerne aos deveres sobressai, também para a situação “sub judice”, o “dever de comparência” perante as autoridades judiciárias (al. a)) e a obrigação de “Prestar termo de identidade e residência” (TIR) (al. c)). Mas a prestação de TIR gera igualmente um conjunto de deveres, alguns coincidentes com os assinalados no art. 61.º, n.º 3, como o dever de comparência (61.º, n.º 3, al. a); 196.º, n.º 3, al. a)), mas outros não, surgindo estes como complementares daqueles, como os deveres de não mudar de residência e de comunicar essa nova residência ou lugar onde possa ser encontrado (196.º, n.º 3, al. b)). Por sua vez, a prestação de TIR regula ainda um específico processo comunicacional entre arguido e tribunal, como seja a possibilidade de notificação por via postal simples (196.º, n.º 3, al. c)), cabendo ao arguido indicar uma residência para essa notificações e o dever de comunicar a subsequente mudança de residência. Essa indicação de residência é, de resto, seguida noutros ordenamentos jurídicos, designadamente aqueles que influenciaram, a nível do direito comparado, o actual Código de Processo Penal, como sucede com o “Codice de Procedura Penale” italiano, que prevê e regulamenta no seu artigo 161.º e ss. o instituto do “Domicilio dichiarato, eletto o determinato per le notificazioni”. [7] Trata-se de um acto pessoalíssimo, representando uma declaração vinculada, que possibilita uma via segura de comunicação dos actos do processo, que gera a eficácia nas notificações efectuadas pelo tribunal para a residência indicada, salvo casos fortuitos ou de força maior. Assim, do estatuto jurídico do arguido e tomando como referência os seus deveres específicos e complementares, sobressai um seu dever geral de diligência [Ac. TC 545/2006; 378/2003; 111/2007], não na perspectiva de um dever de colaboração, mas antes de dar funcionalidade àquele seu estatuto, que não é compatível com um posicionamento de alheamento processual e muito menos de violação dos seus deveres processuais. Por isso é que o incumprimento de tais deveres por parte do arguido, legitima que passe a estar representado por defensor em todos os actos processuais a que deva ou tenha o direito de estar presente e a realização dos mesmos na sua ausência (196.º, n.º 3, al. d)), como seja a audiência de julgamento, mas neste caso nos termos do art. 333.º. A realização de audiência de julgamento sem a presença do arguido regulamentada no art. 333.º cinge-se apenas a duas situações: i) uma por iniciativa do tribunal, em virtude de ausência voluntária do arguido, que tanto pode ser injustificada como justificada, por estar impossibilitado de comparecer (n.º 1); ii) outra por iniciativa e com o consentimento do arguido (n.º 4). O mesmo já não se passa se se tratar de uma ausência forçada do arguido, não lhe sendo imputável qualquer falta relevante de diligência, que conforme posicionamento desta Relação corresponde a uma nulidade insanável, ainda que o arguido tenha prestado TIR e sido expedida notificação para a sua residência. Tal sucede “No caso de o arguido se encontrar preso e sendo essa situação do conhecimento do Tribunal, …, sendo irregular qualquer comunicação efectuada para uma das residências indicadas no TIR, enquanto perdurar essa prisão” [Ac. TRP 2007/Jan./01] ou então se “…. o arguido se encontrar preso, depois de ter sido notificado da data da audiência de julgamento, sendo por essa razão que não comparece a esta” [Ac. TRP de 2009/Out./21].[8] * No que respeita aos vícios processuais, temos consagrado no artigo 118.º o princípio da legalidade dos actos processuais, tipificando-se os casos de nulidade, ao estatuir-se no seu n.º 1 que “A violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, havendo, no entanto, que distinguir a nulidades insanáveis, que se impõem de modo absoluto, daquelas outras que são sanáveis e como tal de características relativas.Por sua vez, logo se acrescenta no subsequente n.º 2 que “Nos casos em que a lei não cominar nulidade, o acto ilegal é irregular” – outro vício que pode comportar um acto processual e o mais fulminante de todos eles é a sua inexistência, que é aquele destituído de “corpus” jurídico. Ora resulta do art. 119.º, al. c), que “A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência”, é uma nulidade que assume natureza insanável. A palavra ausência pode ter vários significados, pois tem como seus sinónimos “falta”, “inexistência”, “vaga”, mas juridicamente corresponde ou tem o significado de não estar, em nenhum momento, pessoalmente presente. Assim, só ocorre essa nulidade quando se tratar de presença obrigatória do arguido, o que só sucederá naqueles casos em que a lei imponha a sua comparência ou quando esta seja facultativa, designadamente por ficar dependente do seu exercício por parte do mesmo arguido, não lhe seja concedida essa possibilidade. Trata-se de resto, como já referimos, de um dos seus direitos processuais gerais, tal como decorre do art. 61.º, n.º 1, al. a). Um desses casos, por imposição do art. 332.º, n.º 1, na redacção do Dec.-Lei n.º 320-C/2000, de 15/Dez., é precisamente a presença do arguido na audiência de julgamento, muito embora se ressalve certas situações – naquele segmento normativo alude-se precisamente que “É obrigatória a presença do arguido na audiência, sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 333.º e nos n.os 1 e 2 do artigo 334.º”. Por outro lado, uma das situações em que se permite o julgamento na ausência do arguido é, segundo o art. 333.º, n.º 1, quando o mesmo “regularmente notificado não estiver presente na hora designada para o início da audiência,” sendo certo que “o presidente toma as medidas necessárias e legalmente admissíveis para obter a sua comparência, e a audiência só é adiada se o tribunal considerar que é absolutamente indispensável para a descoberta da verdade material a sua presença desde o início da audiência”. * O arguido sustentou no seu recurso que não teve a oportunidade, por causas que lhe foram alheias de prestar o seu depoimento e exercer o seu direito de defesa (conclusão IV), tendo antes expendido na sua motivação que não foi regularmente notificado uma vez que a sua residência não é a existente no TIR desde Fevereiro de 2011, como também não é essa a morada que consta dos seus elementos identificativos no CITIUS, tendo informado oralmente a sua nova morada na secção do processo dos Juízos Criminais, entendo que isso fosse suficiente.Diga-se, desde já, que a partir do momento em que o tribunal recorrido e no âmbito deste processo, teve conhecimento da nova residência do arguido, o que ocorreu quando foi notificado pessoalmente da sentença pela PSP, o mesmo começou a ser notificado para a mesma. Por outro lado, não existem elementos disponíveis nos autos donde se possa dizer e dar como assente que o arguido comunicou a mudança da residência que anteriormente tinha indicado no TIR, como de resto lhe incumbia. Acresce ainda que a sua defensora esteve sempre presente na audiência de julgamento e não suscitou essa mudança de residência do arguido, tendo certamente consultado o processo e convocado este último antes dessa mesma audiência para preparar convenientemente a sua defesa, pois esta tem que ser efectiva e não apenas aparente. Por último, podemos até constatar que desde 2011/Mar./09 o arguido esteve sempre representado pela mesma defensora, a qual nunca veio aos autos comunicar que não podia contactar com aquele, designadamente para preparar condignamente a sua defesa, como seria e é seu dever (95.º, n.º 1, al. b) do E. O. A.). Foi também esta defensora que também esteve na audiência de julgamento e a mesma não chegou a solicitar que o arguido fosse ouvido na segunda data para a qual estava aprazada a segunda audiência, como podia fazê-lo, já que este último tem sempre o direito de prestar declarações até ao encerramento da audiência (333.º, n.º2). Nesta conformidade, não encontramos qualquer fundamento para a procedência deste fundamento de recurso. * b) Erro notório na apreciação da provaComo decorre do proémio do artigo 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal “Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:” a existência de “Erro notório na apreciação da prova” (al. c)). Para o efeito tem se entendido, praticamente de modo uniforme por parte da jurisprudência, que tal vício verifica-se quando se dá como provada uma série de factos que violam as regras da experiência comum e juízos lógicos ou então que são contraditados por documentação com prova plena, sem que tenha sido invocada a falsidade desta [Ac. do STJ de 2005/Fev./09 (Processo n.º 04P4721)[9], 1999/Out./13, CJ (S) III/184; 1999/Jun./16, BMJ 488/262; 1999/Mar./24; BMJ 485/281; 1999/Jan./27, BMJ 483/140; 1998/Dez./12, BMJ 482/68; 1998/Nov./12, BMJ 481/325; 1998/Jun./04, BMJ 478/183; 1998/Abr./22, BMJ 476/272; 1998/Abr./16, 476/273; 1998/Abr./15, BMJ 476/238; 1998/Abr./16, BMJ 476/253; 1998/Jan./27, BMJ 473/178]. Assim como se apontou naquele primeiro aresto, “O “erro notório na apreciação da prova” – naquela sua primeira modalidade – constitui uma insuficiência que só pode ser verificada no texto e no contexto da decisão recorrida, quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio”. Mais se acrescentou que “A incongruência há-de resultar de uma descoordenação factual patente que a decisão imediatamente revele, por incompatibilidade no espaço, de tempo ou de circunstâncias entre os factos, seja natural e no domínio das correlações imediatamente físicas, ou verifïcável no plano da realidade das coisas, apreciada não por simples projecções de probabilidade, mas segundo as regras da experiência comum”. Por isso é que no citado Ac. do STJ de 1999/Out./13, se decidiu que “O vício do erro notório na apreciação da prova só pode verificar-se relativamente aos factos tidos como provados ou não provados e não às interpretações ou conclusões de direito com base nesses factos”. Ora o recorrente, nas suas conclusões de recurso, acabou por dissentir do julgamento da matéria de facto, divergindo da convicção que então foi formada pelo tribunal recorrido. Mas como já se referiu “A discordância entre o que o recorrente entende que deveria ter sido dado como provado e o que na realidade o foi pelo tribunal nada tem a ver com o vício de erro notório na apreciação da prova, tal como este é estruturado na lei” [Ac. do STJ 1999/Mar./24, BMJ 485/281; 1998/Nov./12 e 1998/Abr./16, BMJ 481/325, 476/253]. Por outro lado, o recorrente valoriza versões de outros acontecimentos que não estão reflectidos e materializados na motivação da convicção probatória do tribunal, o que não se enquadra minimamente em qualquer vício do art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, pelo que também improcede este fundamento de recurso. * III.- DECISÃO.* * Nos termos e fundamentos expostos, nega-se provimento ao presente recurso interposto pelo arguido F….. e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em cinco (5) UCs ([513.º n.º 1 e 514.º n.º 2 do Código de Processo Penal). Notifique. Porto, 16 de Maio de 2012 Joaquim Arménio Correia Gomes Carlos Manuel P. Espírito Santo _______________ [1] Redacção dada pela Lei Constitucional n.º 1/97, mais precisamente através do seu artigo 15.º. [2] Doravante são deste diploma os artigos a que se fizer referência sem indicação expressa da sua origem. [3] Redacção dada pelo Dec.-Lei n.º 320-C/2000, de 15/Dez. [4] Lei n.º 15/2005, de 26 de Janeiro de 2005, alterada pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro e pela Lei n.º 12/2010, de 25 de Junho. [5] BARRETO, Ireneu Cabral, A Convenção Europeia dos Direitos do Homem – Anotada, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p. 133; ASHON, Christina & FINCH, Valerie, Humans Rights & Scots Law, Edimburgo, Thomson & W. Green, 2002, p. 99 e ss.. [6] Alterada pela Lei n.º 47/2007, de 28/Ago.; Regulamentada pela Portaria n.º 10/2008, de 3/Jan., alterada pelas Portarias n.º 210/2008, de 29/Fev., n.º 654/2010, de 11/Ago. e 319/2011, de 30/Dez. [7] TRAMONTANO, Luigi, Il Códice de Procedura Penale Spiegato, Piacenza, CELT, 2006, pp. 344 e ss. [8] Ambos acessíveis em www.dgsi.pt e o segundo também em www.colectaneadejurisprudencia.com, de que fomos relator. [9] Divulgado em www.dgsi.pt, relator Cons. Henriques Gaspar. |