Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1530/14.2TMPRT-L.P2
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA PAULA AMORIM
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
DECISÃO PROVISÓRIA
Nº do Documento: RP202103221530/14.2TMPRT-L.P2
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Não merece censura a decisão provisória, que ponderando as concretas circunstâncias do caso e o superior interesse da criança, fixou como adequado para a particular situação em que se encontrava a progenitora, a aplicação do regime de regulação das responsabilidades parentais para a hipótese de fixar residência em Portugal.
II - Por referência à data de setembro-outubro de 2020, frequentando a criança a escola em sistema presencial, não se mostra justificada a oposição da progenitora por não ter sido proferida qualquer decisão administrativa no sentido de deferir a mobilidade do sistema presencial para não presencial e porque no superior interesse da criança o sistema presencial era o que melhor garantia a sua educação, desenvolvimento intelectual, psicológico e físico, mesmo considerando a doença de que padecia e o risco de contrair a doença COVID 19.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RespParentais-Visitas/Ensino Presencial-1530/14.2TMPRT-L.P2
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Em 07 de agosto de 2018 no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Gondomar - Juiz 1, instaurou a progenitora B…, divorciada, titular do Passaporte Americano ………, residente em …, …, Apt. 1, …, Nova Iorque, …., Estados Unidos da América, nos termos do disposto, entre outros, nos Art. 878º, 1882º, 1906º, números 1, 5, 6 e 7 do Cód. Civil, Art. 69.º, n.º 1 da Constituição (doravante CRP), art.º 8.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) e Art. 42.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível a alteração da regulação das responsabilidades parentais, demandando o progenitor C…. residente em …, …, ….-… Gondomar,
Pretende alterar o regime de guarda e residência que se fixou por sentença no processo que regulou as responsabilidades parentais em relação à criança D… nascido a 6 de Dezembro de 2011, filho de C… e B… (Proc. 1530/14.2 TMPRT-A).
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O processo prosseguiu os ulteriores termos com decisão da exceção de incompetência territorial, o que determinou a remessa dos autos para o Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores do Porto - Juiz 3, com apensação aos autos que fixaram o regime das responsabilidades parentais, sendo-lhe atribuído o Apenso L).
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Foram promovidos os normais atos e diligências processuais, em conformidade com a tramitação legal, como se apurou pela consulta efetuada via Citius.
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Em 28 de setembro de 2020 o progenitor veio requerer ao abrigo do disposto no art. 28º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível de forma a assegurar a execução efetiva do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais em vigor, como medida cautelar destinada a garantir a frequência da escola pela criança se ordenasse à progenitora, sob pena da comissão de um crime de desobediência:
a) Que faça o D… retomar, de imediato, a frequência escolar, no Colégio E…, e que se exima de voltar a fazê-lo faltar à escola;
b) Que entregue de imediato o D… ao pai.
c) Tendo em conta que a progenitora se encontra em Portugal desde o passado mês de Maio, se determine que, enquanto tal suceder, vigorará o regime previsto na douta sentença para a residência dela neste país.
d) Dada a urgência de o D… regressar à escola, requer ainda, ao abrigo do disposto no artigo 28.º, n.º 4, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, que o requerido supra nas alíneas a) e b) seja determinado pelo Tribunal sem prévia audição da progenitora ou, assim não se entendendo, que, pela via mais expedita, seja ela notificada para se pronunciar no prazo máximo de 24 horas.
Alegou para o efeito que a progenitora se encontra ininterruptamente em Portugal desde maio de 2020, o que em setembro 2020, perfazia cerca de quatro meses.
Depois de fazer um período de quarentena de duas semanas, esteve com o D… de 9 de Junho até 4 de Julho. Nesse período, o D… esteve com o pai ocasionalmente e pernoitou na sua residência quatro noites, a pedido da criança, que estava com saudades dele e da sua casa. No dia 3 de Julho, a progenitora deveria ter entregado o D… ao progenitor, para o início das suas férias com ele, o que não fez, só o entregando no dia 4.O D… passou então com o pai o período de férias de 4 a 19 de Julho, dia em que voltou para a mãe, com quem ficou até 30 de Agosto, em gozo de férias, conforme previsto na douta sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais.
Depois dessas férias e com o argumento de que iria embora para os Estados Unidos no dia 6 de Setembro, a progenitora solicitou ao progenitor que até lá o D… ficasse
com ela mais uns dias, no que aquele acedeu, apesar de tal abarcar ainda alguns dias de férias que lhe cabia a ele passar com o filho.
O D… ficou com o pai de 30 de Agosto a 3 de Setembro, dia coincidente com o inicio do ano letivo no Colégio E…, que frequenta, regressando assim à escola.
No final desse dia 3 de Setembro, quinta-feira, a progenitora foi então, conforme combinado com o progenitor, buscar o D… à escola, para ficar com ele até ao dia 5 de Setembro, véspera do seu alegado regresso aos Estados Unidos. Não levou o D… à escola no dia seguinte, 4 de Setembro (sexta-feira), com a justificação, falsa, de que a criança tinha tosse.
Nas duas semanas seguintes, o D… permaneceu com o pai, tendo ido sempre à escola, sem qualquer problema.
Como a progenitora, ao contrário do que anunciara, não regressou aos Estados Unidos, esteve periodicamente com o D… ao longo dessas duas semanas, com o acordo do progenitor, indo buscá-lo em alguns dias à escola e entregando-o depois ao pai no final da tarde, sempre com o argumento de que iria embora em breve, o que nunca aconteceu.
No dia 17 de Setembro, a progenitora informou então o progenitor de que iria embora no dia 28 de Setembro e que, por isso, pretendia passar mais alguns dias com o D…. No que o progenitor acedeu, combinando então com a progenitora que o D… ficaria e pernoitaria com ela de 20 a 27 de Setembro, devendo ela entregá-lo ao pai no último desses dias, véspera da sua alegada partida para os Estados Unidos.
O progenitor entregou então o D… à progenitora no dia 20 de Setembro, perguntando-lhe antes se ela o levaria à escola, ao que a mesma respondeu afirmativamente.
Logo a partir de terça-feira, dia 22 de Setembro, inclusive, o D… nunca mais foi à escola, faltando todo o resto da semana, pois a progenitora não o entregou, com o argumento de que a criança tinha tosse e pieira. O que a progenitora decidiu e executou sem o acordo do pai e à revelia deste, na linha do que lhe é habitual, e sem consultar o médico pediatra assistente da criança, Dr. F…, ou tampouco qualquer outro médico ou autoridade de saúde pública.
Mais alegou que a progenitora nunca teve qualquer intenção de voltar aos Estados Unidos, onde por isso não regressou, permanecendo em Portugal, do que o informou apenas no sábado, 26 de Setembro 2020.
A progenitora incumpriu o acordado com o progenitor e também não lhe entregou o D…, retendo-o na sua companhia, anunciando que assim o manterá, com o argumento de que tal lhe é permitido pelo regime em vigor para a hipótese de ela residir nos Estados Unidos da América, quando, na verdade, reside, de facto, em Portugal desde há já cerca de quatro meses.
Mais anunciou a progenitora ao progenitor, que não lhe entregará o D… até que ambos falem sobre a frequência da escola pelo filho mas a verdade é que, pese embora o progenitor se tenha disposto a falar com ela acerca disso, ela furta-se a fazê-lo, exigindo-lhe agora uma declaração do médico assistente que contrarie aquilo que, segundo ela, são as orientações da Direção Geral de Saúde e da Ordem dos Médicos.
A progenitora, também à revelia do pai, voltou a fazer o D… faltar à escola no dia 28 de Setembro, pelo quinto dia consecutivo, preparando-se assim para reter o D… consigo indefinidamente e de o manter ausente da escola, em completa violação do regime de regulação das responsabilidades parentais em vigor e, pior do que tudo, contra o interesse da criança.
Mais alegou que ao D… foi diagnosticada asma leve, que não demanda qualquer especial preocupação, tanto que nos últimos anos sequer teve qualquer crise, seja quando está com o pai, seja na escola, podendo assim ter uma vida perfeitamente normal, igual à das demais crianças saudáveis.
Devido ao estado de epidemia que se vive, a progenitora pretende que o D… não frequente presencialmente a escola, no que tem vindo a insistir praticamente desde o início de Setembro, como resulta das mensagens trocadas entre os progenitores, acima juntas.
Não concordando o progenitor com tal procedimento, decidiu então a progenitora ignorá-lo, assim como a opinião do pediatra assistente do D…, e impor a sua vontade, retendo a criança consigo e impedindo-a de frequentar a escola, contra a opinião do médico pediatra assistente da criança, que não consultou e que, como lhe foi transmitido pelo progenitor, entende que o D… pode e deve ir à escola, posto que não tem qualquer patologia clínica que o impeça, como resulta da declaração da sua autoria.
Referiu, ainda, que, o Colégio – E… – frequentado pela criança sequer tem disponível no momento atual qualquer sistema de ensino à distância, online, sendo as aulas dadas apenas presencialmente, conforme decidido pelo Governo de Portugal e como lhe foi informado pela própria escola, que esclareceu que “para os estudantes que precisam de ficar em casa a escola providencia materiais mas a prioridade são os alunos presenciais”
O que significa que neste momento o D… está a faltar injustificadamente à escola e, a não ser que o Tribunal intervenha, assim continuará sem fim à vista, mantendo-se ausente das aulas, a que não assiste, e da aprendizagem.
Mesmo para a hipótese de a progenitora residir nos Estados Unidos, a sentença reguladora do exercício das responsabilidades parentais prevê que ela estará com o D… e com ele pernoitará em número de dias a combinar com o progenitor, ou seja, neste caso, de 20 a 27 de Setembro, conforme acordado entre ambos, devendo avisar o progenitor de que quer visitar o filho com, pelo menos, três dias de antecedência, o que também não se verificou, limitando-se ela a informá-lo, na véspera do dia em que o deveria entregar, que iria continuar com a criança para além daquele período que haviam acordado.
Acresce que, também conforme resulta da douta sentença, em caso de discórdia quanto ao número de dias de permanência do D… com a progenitora, esta não poderá, obviamente, manter a criança junto de si indefinidamente, desvirtuando o ali decidido quanto à fixação da sua residência junto do progenitor, devendo, nesse caso, como prevê a douta sentença, estar ela com o filho o mesmo número de dias que com ele conviveria de acordo com o regime fixado para vigorar enquanto ela residisse em Portugal, podendo visitar o filho desde que com isso não prejudique os seus “horários de descanso e escolares”.
De acordo com as recomendações da Direção Geral da Saúde, a decisão sobre se crianças com doenças crónicas devem ou não regressar à escola depende de avaliação do médico assistente. Por seu turno, o Governo, através do despacho n.º 8553-A/2020, de 4 de Setembro (publicado no Diário da República n.º 173/2020, 2.º Suplemento, Série II) previu um conjunto de medidas educativas aplicáveis aos alunos que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados doentes de risco e que se encontrem impossibilitados de assistir às atividades letivas e formativas presenciais em contexto de grupo ou turma, mas para que essas medidas sejam aplicáveis, nomeadamente o ensino à distância, é necessário que tal seja requerido à escola e que a criança seja efetivamente considerada doente de risco, em termos de a doença de que padece a impossibilitar de assistir presencialmente às atividades letivas, não bastando por isso que lhe tenha sido diagnosticada uma doença crónica, como asma, ainda por cima leve, como sucede com o D… e sem registos de crises ou sintomatologias graves.
Para tanto é, de entre o mais, e como consta expresso no artigo 4.º, alínea a), do mesmo diploma, necessária uma declaração médica, que ateste que a condição de saúde do aluno justifica essa especial proteção, o que no caso não existe, pois o pediatra do D… não vê qualquer razão para que ele não frequente presencialmente a escola, entendendo, ao invés, que essa frequência só lhe é benéfica.
Mais alegou que na ausência de acordo entre os progenitores, é ao pai, seu encarregado de educação, junto de quem foi estabelecida a residência do D… e a quem cabe definir as suas orientações educativas mais relevantes – as quais não podem ser contrariadas pela progenitora -, que compete decidir se a criança deve ou não frequentar a escola, sempre com assento em opinião médica.
O progenitor entende que o D.., ainda que estando sujeito a todas as condicionantes inerentes ao estado de pandemia que se vive, no estrito respeito pelas recomendações das autoridades de saúde e de educação nacionais, pode e deve, como as demais crianças, ir à escola, pois, do ponto de vista do seu interesse, nomeadamente da sua saúde, nada existe que o impeça e, ao invés, tudo o aconselha, quer em termos de aprendizagem, quer ao nível da sua socialização e equilíbrio emocional, pois ficar fechado em casa, sem aulas ou mesmo com estas dadas à distância, não faz bem nem à educação nem à saúde mental de nenhuma criança.
Para tanto, teve o progenitor o cuidado de se aconselhar junto do pediatra assistente da criança, que recomendou o regresso à escola.
O mesmo já não se passando com a progenitora, que, desconsiderando em absoluto a opinião do progenitor e sem consultar o médico assistente da criança, decidiu que o D… não vai à escola, fazendo-o assim faltar às aulas e deixar de aprender, sem que para tanto tenha qualquer razão atendível e justificável, quer do ponto de vista da saúde do filho, quer do ponto de vista legal.
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Em 06 de outubro de 2020 a progenitora veio exercer o contraditório alegando para o efeito que a Requerente se encontra em Portugal desde 26 de maio de 2020, mas não se encontra, no entanto, a residir em Portugal. Não tem atualmente visto de residência nem dispõe de outro documento legal que lhe permita residir em Portugal.
A progenitora apenas dispõe de passaporte dos Estados Unidos da América, que lhe permite viajar para Portugal e aqui permanecer, habitualmente pelo prazo de 3 (três) meses mas que, como medida excecional fruto da pandemia Covid, foi alargado para 6 (seis) meses pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
A progenitora com o passaporte que atualmente dispõe apenas pode permanecer em Portugal durante 6 meses contados desde a data da sua entrada no País, ou seja, até 26 de Novembro de 2020.
A Progenitora reside nos Estados Unidos da América.
Quando em Maio de 2020, em plena situação de crise pandémica mundial, a Requerente quis embarcar para Portugal deparou-se com obstáculos, com os quais nunca antes se tinha deparado, porque a Requerente não dispunha, nem dispõe como se disse, de visto de residência. Nesse momento, a Requerente viu-se obrigada a obter uma Declaração junto do Consulado de Portugal nos EUA, onde constasse que o seu filho Menor reside em Portugal e esse era o motivo justificativo para a viagem, que era uma viagem essencial de acordo com a Diretiva 2004/38/EC do Parlamento Europeu e do Conselho, caso contrário não lhe teria sido autorizado o embarque. No entanto, tal viagem de avião só seria possível se a Requerente conseguisse um voo direto de Nova Iorque para Portugal dado que se o voo tivesse escala noutro país, tal impediria a autorização para o seu embarque. Apenas a companhia aérea G… tinha voos diretos para Portugal e, à data, todos os voos da G… foram todos cancelados. A progenitora acabou por chegar a Portugal através da Holanda.
A estadia mais prolongada da Requerente no País deve-se, por isso, à atual situação de pandemia (COVID-19) que afeta todo o mundo com particular relevância também os Estados Unidos da América, país onde todos os dias há registos de centenas de mortos e milhares de infetados.
De acordo com o regime em vigor, o D… devia passar as férias de verão com a Mãe nos EUA, como ocorreu todos os anos desde 2017, e é algo que D… anseia todos os anos. Devido às excecionais circunstâncias decorrentes da pandemia COVID, a Mãe decidiu não sujeitar o D… a uma viagem internacional - mais longa do que as habituais, com uma quarentena obrigatória de 14 dias após chegar ao país e a um teste de Covid no aeroporto, o que poderia colocar a criança em risco acrescido de exposição ao vírus. Esta decisão da Mãe teve associados custos financeiros enormes e sacrifícios perante as suas obrigações profissionais.
A permanência mais alargada da Requerente no País deve-se única e exclusivamente ao facto da Progenitora saber de antemão que, uma vez regressada a Nova Iorque, não poderá, em curto prazo, voltar, de forma habitualmente fácil, a visitar o D… em Portugal. Assim que a Progenitora regressar a Nova Iorque também terá de ficar em confinamento obrigatório durante duas semanas antes de poder sequer começar a trabalhar.
Após a sua estadia em Nova Iorque, por motivo de prevenção e saúde do D…, a progenitora, caso volte a viajar para Portugal, não prescindirá de cumprir também aqui as duas semanas de quarentena antes de estar com o filho. Referir que, embora não seja obrigatório em Portugal, a mãe cumpriu as recomendações e ficou de quarentena à chegada a Portugal durante 14 dias, entre 26 de maio e 10 de junho.
Mais referiu que receia que ao regressar ao país da sua residência durante alguns meses, ficar, por razões profissionais e financeiras, impedida de viajar para Portugal, nomeadamente aquando do aniversário do Menor e das próximas férias de Natal.
A permanência do D… em Portugal durante todo este tempo, nomeadamente o das férias de Verão que seriam com a Mãe nos EUA, foi favorável também ao progenitor porque pôde estar sempre que quisesse com o filho. A requerente sempre que D… lhe pediu levou-o ao requerido para que ambos pudessem conviver, o que não se verificaria se estivessem nos EUA.
Ao contrário da progenitora que entre 1 de Março (ultima viagem ao Porto) e 10 de Junho esteve impedida fisicamente de estar com o Menor, o Pai, durante o período de quarentena compreendido entre 13 de março e 10 de junho, pôde estar na companhia do Menor 24 horas por dia / 7 dias por semana.
Resulta da sentença proferida que, a partir do momento em que a Progenitora passasse a residir no estrangeiro, podia visitar o Menor D… livremente quando se encontrasse em Portugal, desde que avisasse o progenitor com pelo menos três dias de antecedência, ficando o D… com a progenitora e com esta pernoitando o número de dias a acordar com o progenitor.
Mais refere a sentença que, em caso de discórdia quanto a tal questão, ao longo do ano, a Progenitora poderá conviver com o D… pelo mesmo número de dias que conviveria de acordo com o seguinte regime (sendo para o efeito contabilizados os dias de convívio regular e dias de férias):
- o D… passará com a mãe, quinzenalmente, o período que decorre entre quinta-feira após o termo das atividades escolares e segunda-feira, até ao início das atividades escolares;
- estará ainda com a mãe na semana anterior ao fim-de semana a passar com o pai, desde quarta feira após o termo das atividades escolares até sexta-feira de manhã, ao início das atividades escolares, e
- passará com a mãe metade das férias escolares de Natal, Páscoa e Verão.
Considera a progenitora que por se encontrar a viver nos EUA, tem direito a estar e a pernoitar com o D… durante, pelo menos, 144 dias por ano e feitas as contas ao período de tempo que passou com o filho, 103 dias, verifica-se que não atinge o limite que lhe foi concedido, sendo certo que não pode estar com duas semanas de férias na Páscoa.
Mais alegou que o D… tem asma, é doente de risco, considerando para o efeito informação fornecida pelo Serviço Nacional e saúde em situação de pandemia.
De acordo com as orientações da Autoridade de Saúde, os alunos que devam ser considerados doentes de risco, devem ter condições especiais de avaliação e de frequência escolar e apoio educativo individual em contexto escolar ou no domicílio, presencial ou à distância.
Considera, ainda, que ao contrário do que vem alegar o progenitor, a decisão sobre se crianças com doenças crónicas devem ou não regressar à escola não depende de avaliação do médico assistente (art. 38º do requerimento sob resposta), mas sim de declaração médica que ateste a condição de saúde do aluno e justifique a sua especial proteção.
O D… padece de asma brônquica (doença cronica brônquica) pelo que apresenta risco acrescentado com a pandemia COVID-19 e ao abrigo do Despacho 8553-A/2020 não deve assistir às atividades letivas e formativas de forma presencial.
Neste sentido declarou o Dr. H…, médico, que acompanha o Menor D… desde 24/07/2017, o qual referiu ter ficado preocupado ao saber que em Portugal é obrigatório que a criança esteja fisicamente presente na escola e que, atualmente, o tamanho das aulas não diminuiu e que há pouco distanciamento entre os alunos. Isto é, o D… não terá o distanciamento necessário à sua especial condição de saúde.
Mais declarou o referido médico que o D… é portador de doença respiratória crónica, ou seja, asma de nível moderado e por necessidade médica ele deve ter opção de frequentar a escola remotamente por ensino à distância porque a sua presença física na escola torna muito arriscado que ele contraia COVID-19. E, que ao estar infetado com COVID-19 o D…, por ter asma de nível moderado, pode potenciar a contração de doenças graves com risco de vida. Parecer médico que também foi corroborado pelo Dr. I…, medico especialista otorrinolaringologista, que acompanha o Menor desde o ano de 2016.
No dia 24 de setembro, a Progenitora recebeu um email do Colégio E…, dando conta da existência de um caso positivo de COVID-19 na comunidade estudantil.
A Progenitora entende que o D… carece, como se referiu, de um plano especial por ter asma moderado, que lhe permita, na pendência da segunda vaga da pandemia atual, ter aulas não presenciais.
O Colégio E…, frequentado pelo Menor, solicitou uma reunião com ambos os Progenitores, a qual ocorreu na sexta-feira, dia 02 de outubro. No final da aludida reunião, o Diretor do Colégio informou os Progenitores que ficaria a aguardar o acordo do Progenitor ou uma decisão superior (judicial) para o D… iniciar o ensino à distância atendendo a que, só desta forma, o Colégio poderá prosseguir com essa forma de ensino de acordo com os procedimentos resultantes do Despacho n.º8553-A/2020.
A progenitora referiu, ainda, que a Requerente também já teve indicação médica para o Menor não frequentar o Colégio no ano letivo de 2020/2021 aulas presenciais.
Considera que a decisão do D… frequentar ou não o Colégio na atual situação de pandemia atendendo à particular doença do D…, compete a ambos os pais.
Ao contrário do que pretende fazer crer o Requerido, esta decisão deve ser tomada por ambos os progenitores, não só pelo Progenitor na qualidade de encarregado de educação do menor D… atendendo a que não é uma questão da vida corrente do menor.
As decisões de questões de particular importância da vida do Menor cabem a ambos os progenitores, não só ao Requerido. Os pais (ambos os pais) devem ser ouvidos na determinação das medidas a adotar e ter acesso a toda a informação sobre a aprendizagem do seu educando – cfr. resulta do Despacho 8553-A/2020, que Despacho n.º 8553-A/2020 que prevê a possibilidade de aplicação de medidas de apoio educativas aos alunos que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados doentes de risco e que se encontrem impossibilitados de assistir às atividades letivas e formativas presenciais em contexto de grupo ou turma.
Termina por pedir que se indefira o requerido no requerimento sob resposta e atendendo ao início da segunda vaga da pandemia de COVID, face à doença crónica da criança D… e na prossecução do seu superior interesse, se digne ordenar que o D… frequente durante o ano letivo 2020/2021, em regime não presencial, o ensino escolar no E.., oficiando-se ao Colégio E… para prosseguir com os procedimentos necessários ao ensino à distância de acordo com o Despacho 8553-A/2020 de 4 de setembro, de forma a evitar mais atrasos no ensino escolar do D….
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Juntaram entretanto as partes documentos para prova dos factos alegados.
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Apresentados os autos com vista ao Ministério Público, promoveu o Digno Magistrado:
“Uma vez que a progenitora se encontra em Portugal e não se sabe da exata data do seu regresso aos Estados Unidos da América, promovo que se determine o cumprimento da sentença e se ordene a frequência escolar presencial do menor, porquanto não existem quaisquer motivos que justifiquem para o mesmo o ensino à distância”.
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Em 09 de outubro de 2020 (ref. Cítius 417986256) proferiu-se despacho com a decisão e fundamentos que se transcrevem:
“O progenitor requereu que o D… seja de imediato entregue ao pai, que se faça o mesmo retomar, de forma imediata, a frequência escolar e que se determine que enquanto a progenitora permanecer em Portugal, vigorará o regime previsto na sentença para a residência da mesma neste país.
Alegou para fundar a sua pretensão que a progenitora se encontra em Portugal desde maio de 2020, tendo impedido o menor de ir à escola, por alegadas razões de saúde.
A progenitora pugnou pelo indeferimento do requerido, confirmando que se encontra em Portugal desde maio de 2020, mas não a residir neste país.
Requer que o D… frequente o ano letivo 2020/2021 em regime não presencial e que se oficie ao E… para prosseguir com os procedimentos necessários ao ensino à distância.
O Ministério Público promoveu se determine o cumprimento da sentença e se ordene a frequência escolar presencial do menor.
Cumpre decidir.
Para decisão da questão em apreço, importa ter presente o regime fixado por sentença de 03/10/2015, a qual estipulou que:
- O menor fica a residir com o progenitor, o qual assumirá a responsabilidade pela decisão das questões da vida corrente do menor;
- A decisão das questões de particular importância da vida do menor caberá a ambos os progenitores;
- Enquanto a progenitora permanecer a residir em Portugal, o D… passará com a mãe, quinzenalmente, o período que decorre entre quinta-feira após o termo das atividades escolares, e segunda-feira, até ao início das atividades escolares;
- estará ainda com a mãe na semana anterior ao fim-de-semana a passar com o pai, desde quarta-feira após o termo das atividades escolares até sexta-feira de manhã, ao início das atividades escolares;
(…)
- a partir do momento em que a progenitora assar a residir fora do país, nomeadamente nos EUA, o regime de convívios atrás fixado será de imediato substituído pelo seguinte:
- a progenitora poderá visitar o menor livremente quando se encontrar em Portugal, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares do menor;
- para o efeito deverá avisar o progenitor com elo menos três dias de antecedência;
- nessas ocasiões o menor ficará com a mãe e com esta pernoitará o número de dias a acordar pelo progenitores;
- em caso de discórdia quanto a tal questão, a mãe, ao longo do ano, poderá conviver com o D… pelo menos o mesmo número de dias que conviveria de acordo com o regime atrás fixado a vigorar enquanto esta se mantiver a residir em Portugal (sendo para o efeito contabilizados os dias de convívio regular e dias de férias).
Do regime fixado na sentença supra referida resulta que foram previstas as hipóteses de a progenitora residir em Portugal e no estrangeiro, nomeadamente nos Estados Unidos da América.
Nesta segunda hipótese, naturalmente, foi dada prevalência a um intenso convívio com a mãe quando se deslocasse a Portugal.
Atualmente, a mãe reside nos Estados Unidos da América mas encontra-se em Portugal desde maio de 2020, desconhecendo-se quando regressará aos Estados Unidos.
O regime previsto na sentença, no que respeita à hipótese de residência da mãe nos Estados Unidos, baseou-se nas regras da experiência comum, das quais resulta que um cidadão trabalhador residente num outro continente se deslocaria a Portugal nos seus períodos de férias, os quais dificilmente durarão mais de 30 dias.
Não previu, por tal não ser equacionável, a hipótese de tais visitas se prolongarem por quase cinco meses.
Face ao período durante o qual a mãe se encontra já em Portugal – quase cinco meses – entendemos que não se justifica a aplicação de um regime excecional, pensado, repete-se, para a hipótese de deslocações mais curtas, desde logo pela instabilidade que tal regime é passível de causar ao menor, quando aplicado por períodos tão longos.
Assim sendo, determino o cumprimento do regime previsto na sentença para a hipótese de a mãe residir em Portugal.
No que respeita à frequência pelo E… da escola – em regime presencial ou não presencial – verifica-se que a residência do menor foi fixada junto do progenitor, cabendo a este a decisão dos atos da vida corrente.
A decisão das questões de particular importância cabe a ambos os progenitores.
As denominadas questões de particular importância para a vida do filho deverão estar relacionadas com questões existenciais graves, que pertençam ao núcleo essencial dos direitos do filho, as questões centrais e fundamentais para o seu desenvolvimento, segurança, saúde, educação e formação, todos os atos que se relacionem com o seu futuro, a avaliar em concreto e em função das suas circunstâncias.
São questões de particular importância, nomeadamente, as intervenções cirúrgicas das quais possa decorrer risco para a saúde do menor; a prática de atividades desportivas radicais ou outras que possam comportar perigos para a sua integridade física; a saída do menor para o estrangeiro para países em conflito de que resultem riscos acrescidos para a sua segurança; a educação religiosa do menor – neste sentido, cfr Tomé D`Almeida Ramião, OTM Anotada e Comentada, 9ª edição, p. 158 e ss.
E, acrescentamos, serão ainda questões de particular importância, para além das qualificadas como tal pelos progenitores em sede de regulação, a mudança do ensino público para o ensino privado, ou vice-versa; a autorização para contrair matrimónio; o saber se o menor deve prosseguir os estudos ou ingressar no mercado de emprego antes da maioridade e o permitir o uso de contraceção.
As demais questões a decidir serão atos da vida corrente do menor, a decidir pelo progenitor residente, o que se compreende, pois caso contrário o progenitor residente seria frequentemente colocado numa situação de impasse relativamente à tomada de decisões quanto ao menor (sempre que houvesse discordância quanto às decisões a tomar, e enquanto a mesma não fosse suprida pelo Tribunal), razão pela qual o acordo terá de reservar-se para questões realmente nucleares da vida do menor.
Voltando ao caso concreto, afigura-se-nos que a questão em apreço não integra o núcleo das questões existenciais graves que exigem o acordo de ambos os progenitores ou, nas sua falta, a intervenção do Tribunal, sendo antes um ato da vida corrente, a decidir, assim, pelo pai.
Face ao exposto, decido:
- fixar regime provisório de convívios da progenitora com o menor, correspondente ao regime estipulado na sentença de 03/10/2015 para a hipótese de a progenitora residir em Portugal;
- determinar que a decisão da frequência pelo D… da escola em regime presencial cabe ao progenitor com quem reside, no caso, o pai.
Notifique”.
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A progenitora veio interpor recurso do despacho.
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Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:
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Termina por pedir o provimento do recurso, revogando-se a decisão recorrida, a qual deve ser substituída por outra.
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Na resposta ao recurso o apelado considerou que a sentença não merece censura.
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O Ministério Público apresentou alegações[2], nas quais formulou as seguintes conclusões:
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………………………………
………………………………
Termina por pedir que se julgue improcedente por não provado o recurso apresentado e, consequentemente, deverá manter-se a decisão provisória recorrida nos seus precisos termos.
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O recurso foi admitido como recurso de apelação, com subida em separado.
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O recurso foi instruído sob o apenso L).
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Fundamentação
1. Delimitação do objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das de conhecimento oficioso – art. 639º do CPC.
As questões a decidir:
- regime de visitas/convívio com a criança, durante a permanência da progenitora em Portugal;
- se a opção pelo ensino presencial ou ensino à distância constitui um assunto de particular importância, cuja decisão passa pelo acordo dos progenitores, ou se constitui um ato da vida corrente que recai sobre o progenitor com quem reside a criança;
- se a opção pelo ensino presencial constitui um risco para a saúde da criança.
-
2. Os factos
Com relevância para a apreciação das conclusões de recurso cumpre ter presente os seguintes factos provados no tribunal da primeira instância:
- Na sentença proferida em 03 de outubro de 2015 que fixou o regime de regulação das responsabilidade parentais, estipulou-se que:
- O menor fica a residir com o progenitor, o qual assumirá a responsabilidade pela decisão das questões da vida corrente do menor;
- A decisão das questões de particular importância da vida do menor caberá a ambos os progenitores;
- Enquanto a progenitora permanecer a residir em Portugal, o D… passará com a mãe, quinzenalmente, o período que decorre entre quinta-feira após o termo das atividades escolares, e segunda-feira, até ao início das atividades escolares;
- estará ainda com a mãe na semana anterior ao fim-de-semana a passar com o pai, desde quarta-feira após o termo das atividades escolares até sexta-feira de manhã, ao início das atividades escolares;
(…)
- a partir do momento em que a progenitora passar a residir fora do país, nomeadamente nos EUA, o regime de convívios atrás fixado será de imediato substituído pelo seguinte:
- a progenitora poderá visitar o menor livremente quando se encontrar em Portugal, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares do menor;
- para o efeito deverá avisar o progenitor com elo menos três dias de antecedência;
- nessas ocasiões o menor ficará com a mãe e com esta pernoitará o número de dias a acordar pelo progenitores;
- em caso de discórdia quanto a tal questão, a mãe, ao longo do ano, poderá conviver com o D… pelo menos o mesmo número de dias que conviveria de acordo com o regime atrás fixado a vigorar enquanto esta se mantiver a residir em Portugal (sendo para o efeito contabilizados os dias de convívio regular e dias de férias).
- Atualmente, a mãe reside nos Estados Unidos da América mas encontra-se em Portugal desde maio de 2020, desconhecendo-se quando regressará aos Estados Unidos.
- No início do ano letivo 2020-2021 e em setembro de 2020, D… – matriculado no Colégio E…, passou a frequentar as aulas em regime presencial.
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3. O direito
- Do efeito a fixar ao recurso -
Nos pontos I e II das conclusões de recurso visa a apelante a atribuição do efeito suspensivo ao recurso, alegando para o efeito que a decisão causa prejuízo irremediável à criança (ponto I) e o facto de se tratar de um criança com doença crónica (asma brônquica) perante a situação de pandemia mundial (Covid 19) (ponto II).
O despacho que admitiu o recurso fixou o efeito meramente devolutivo, o que não merece censura, por constituir o regime regra e garantir a eficácia da decisão provisória objeto de recurso, no superior interesse da criança (art. 32º/4 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível).
Acresce que os fundamentos invocados, sob o ponto II das conclusões de recurso, não resultam demonstrados nos autos.
Mantém-se o efeito meramente devolutivo atribuído ao recurso.
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- Das medidas adotadas -
Na pendência dos autos de alteração do regime de regulação das responsabilidades parentais, o qual foi fixado por sentença proferida em 03 de outubro de 2015, transitada em julgado, o progenitor veio requerer a fixação de um regime provisório como medida cautelar destinada a garantir a frequência da escola pela criança e ainda, que se determine, tendo em conta que a progenitora se encontra em Portugal desde o passado mês de Maio 2020, que enquanto tal suceder, vigorará o regime previsto na douta sentença para a residência dela neste país.
Com efeito, determina o art. 28º/1/2 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível que “em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão”, bem como, “podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo”.
De acordo com os interesses da criança e de modo a assegurar a execução da decisão final pode o juiz proferir uma decisão provisória sobre qualquer das questões que venha a apreciar a final ou questões urgentes cujo conhecimento seja conveniente ou aconselhável que ocorra antes do final da causa[3].
A adoção da decisão está dependente de o tribunal as julgar convenientes à boa decisão da causa e à promoção dos interesses da criança.
Por se tratar de uma decisão provisória assenta num juízo de mera probabilidade ou verosimilhança.
Passando à reapreciação da decisão.
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- Do regime de visitas/convívio com a criança -
O progenitor pretende que se determine, tendo em conta que a progenitora se encontra em Portugal desde o passado mês de maio 2020, que enquanto tal suceder, vigorará o regime previsto na douta sentença para a hipótese de residir neste país.
Em sede de decisão provisória fixou-se o regime provisório de convívios da progenitora com o menor, correspondente ao regime estipulado na sentença de 03 de outubro de 2015 para a hipótese de a progenitora residir em Portugal.
A apelante insurge-se contra tal segmento da decisão, nos pontos IV a XIII, argumentando que não se ponderou as particulares circunstâncias do caso e o facto de não ser cidadão residente no território português e apenas por efeito da situação de pandemia ter permanecido por período superior a três meses, justificando-se por isso, a aplicação do regime previsto para a hipótese de residir nos Estados Unidos da América.
Considerando os argumentos da apelante somos levados a considerar que a decisão não merece censura.
Como se começou por referir estamos perante uma decisão provisória a tomar em sede de processo tutelar cível, o qual reveste a natureza de jurisdição voluntária (art. 12º Regime Geral do Processo Tutelar Cível). A decisão a proferir não está sujeita a critérios de legalidade estrita, pautando-se por critérios de oportunidade ou conveniência sobre os interesses em causa, privilegiando sempre o superior interesse da criança (art.1906º/7CC).
No exercício das responsabilidades parentais em caso de divórcio o tribunal determinará os direitos de visita de acordo com o interesse do filho, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente, o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro (art. 1906/5 CC).
Resulta dos factos provados que na sentença proferida em 03 de outubro de 2015, que fixou o regime de regulação das responsabilidades parentais, estipulou-se:
- O menor fica a residir com o progenitor, o qual assumirá a responsabilidade pela decisão das questões da vida corrente do menor;
- A decisão das questões de particular importância da vida do menor caberá a ambos os progenitores;
- Enquanto a progenitora permanecer a residir em Portugal, o D… passará com a mãe, quinzenalmente, o período que decorre entre quinta-feira após o termo das atividades escolares, e segunda-feira, até ao início das atividades escolares;
- estará ainda com a mãe na semana anterior ao fim-de-semana a passar com o pai, desde quarta-feira após o termo das atividades escolares até sexta-feira de manhã, ao início das atividades escolares;
(…)
- a partir do momento em que a progenitora passar a residir fora do país, nomeadamente nos EUA, o regime de convívios atrás fixado será de imediato substituído pelo seguinte:
- a progenitora poderá visitar o menor livremente quando se encontrar em Portugal, sem prejuízo dos horários de descanso e escolares do menor;
- para o efeito deverá avisar o progenitor com elo menos três dias de antecedência;
- nessas ocasiões o menor ficará com a mãe e com esta pernoitará o número de dias a acordar pelo progenitores;
- em caso de discórdia quanto a tal questão, a mãe, ao longo do ano, poderá conviver com o D… pelo menos o mesmo número de dias que conviveria de acordo com o regime atrás fixado a vigorar enquanto esta se mantiver a residir em Portugal (sendo para o efeito contabilizados os dias de convívio regular e dias de férias).
Na situação presente ponderou-se na decisão provisória as concretas circunstâncias a que se reporta a apelante e que consistem no facto de já existir um regime que prevê de forma minuciosa o regime de convívios entre a criança e os progenitores, mas que não acautela a peculiar situação criada com a permanência da progenitora em Portugal há cerca de cinco meses, o facto da progenitora não residir em território português, mas se encontrar em Portugal há cerca de cinco meses (maio a outubro de 2020), sem que na altura em que foi proferida a decisão se perspetivasse uma data para a progenitora se ausentar para os Estados Unidos da América, onde tem residência.
O interesse da criança esteve presente, ao considerar-se que não se justifica a aplicação de um regime excecional, baseado no facto da progenitora residir nos Estados Unidos da América, pensado para a hipótese de deslocações mais curtas, desde logo pela instabilidade que tal regime é passível de causar à criança, quando aplicado por períodos tão longos.
Efetivamente, o regime previsto para a hipótese da progenitora residir em Portugal constitui o que melhor consegue garantir de forma equilibrada o convívio dos progenitores com o filho. A situação de facto em que se encontrava a progenitora assemelhava-se àquela prevista para a hipótese de residir em Portugal.
Conclui-se, assim, que não merece censura a decisão que fixou como adequado para a particular situação em que se encontrava a progenitora, a aplicação do regime previsto para a hipótese de fixar residência em Portugal.
Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso sob os pontos III a XIII.
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- Do ensino presencial -
O progenitor veio requerer que se adote uma medida cautelar que faça o D… retomar, de imediato, a frequência escolar, no Colégio E…, e que a progenitora se exima de voltar a fazê-lo faltar à escola.
A progenitora, na oposição pediu o indeferimento do requerido e atendendo ao início da segunda vaga da pandemia de COVID, face à doença crónica da criança D… e na prossecução do seu superior interesse, que o tribunal ordenasse que o D… passasse a frequentar durante o ano letivo 2020/2021, em regime não presencial, o ensino escolar no E…, oficiando-se ao Colégio E… para prosseguir com os procedimentos necessários ao ensino à distância de acordo com o Despacho 8553-A/2020 de 4 de setembro, de forma a evitar mais atrasos no ensino escolar do D….
No despacho, sob recurso, decidiu-se que a decisão da frequência pelo D… da escola em regime presencial cabe ao progenitor com quem reside, no caso, o pai, por constituir assunto da vida corrente.
Nas conclusões de recurso, sob os pontos XIV a XXIV, a apelante insurge-se contra o segmento da decisão que considerou tal questão um “ato da vida corrente”, entendendo que deve ser qualificado como assunto de “particular importância”, cuja decisão fica subordinada ao acordo dos progenitores, justificando-se que no caso se permita, face à doença de que padece o D…, estabelecer um plano de aulas não presencial.
A questão que importa apreciar consiste em saber se em setembro de 2020 a decisão de requerer o ensino não presencial constitui matéria da competência dos pais ou apenas do progenitor com quem reside a criança e por outro lado, se a opção pelo ensino presencial constitui a solução que melhor garante o superior interesse da criança.
No contexto de pandemia causada pela doença Covid 19 e reportando-nos ao inicio do ano letivo de 2020-2021, a opção pelo ensino presencial ou não presencial estava subordinada aos procedimentos previstos na Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-D/2020, DR 139, 1ª série, 20 de julho de 2020 e Despacho n.º 8553-A/2020 de 04 de setembro de 2020, DR nº 173, 2ª série, Parte C.
Com efeito, em Portugal, até 11 de março de 2020, no processo de ensino e aprendizagem, vigorava como regra o sistema presencial e apenas nas situações de exceção, previstas na Portaria n.º 350 -A/2017, de 14 de novembro, para as crianças e jovens com doença do foro oncológico, se previa a organização de sistemas de ensino não presencial.
Atendendo à emergência de saúde pública de âmbito internacional, declarada pela Organização Mundial de Saúde, no dia 30 de janeiro de 2020, bem como à classificação do vírus como uma pandemia, no dia 11 de março de 2020, o Governo a partir desta data aprovou um conjunto de medidas excecionais e temporárias relativas à situação epidemiológica da doença COVID -19, entre as quais, numa primeira fase, a suspensão das atividades letivas e não letivas presenciais.
Gradualmente, operou-se a retoma do ensino em sistema presencial, como disso dá nota o preâmbulo da Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-D/2020, DR 139, 1ª série, 20 de julho de 2020.
Porém, como se lê no preâmbulo da citada Resolução, perante a “incerteza da evolução da pandemia da doença COVID -19, há que definir um quadro de intervenções que garanta uma progressiva estabilização nos planos económicos e social, sem descurar a vertente de saúde pública.
Neste contexto, torna-se necessário estabelecer medidas excecionais de organização e funcionamento dos estabelecimentos de educação pré -escolar e dos ensinos básico e secundário, incluindo escolas profissionais, no ano letivo 2020/2021, que garantam a retoma das atividades educativas e formativas, letivas e não letivas, em condições de segurança para toda a comunidade educativa”.
Passou a prever-se no ponto 4.” Considerar, enquanto regimes do processo de ensino e aprendizagem, o presencial, que constitui o regime regra, o misto e o não presencial”.
O regime estabelecido tem aplicação, como se prevê no ponto 2: “à educação pré -escolar, incluindo os estabelecimentos das instituições do setor social e solidário que integram a rede nacional da educação pré -escolar regulada pelo Decreto -Lei n.º 147/97, de 11 de junho, e às ofertas educativas e formativas, letivas e não letivas, dos ensinos básico e secundário, ministradas em estabelecimentos de ensino público, particular e cooperativo de nível não superior, incluindo escolas profissionais, públicas e privadas, doravante designados por escolas, sem prejuízo do previsto no Estatuto do Ensino Particular e Cooperativo de nível não superior, aprovado em anexo ao Decreto -Lei n.º 152/2013, de 4 de novembro”.
No ponto 7, estabelecem-se os princípios orientadores quanto à implementação das medidas previstas na Resolução do Conselho de Ministros n.º 53-D/2020, DR 139, 1ª série, 20 de julho de 2020, sem prejuízo dos princípios já previstos neste domínio na legislação, entre os quais se destaca:
“b) A afirmação do regime presencial como regime regra e do caráter excecional e temporário dos regimes misto e não presencial”; e
“f) O reconhecimento da importância da escola, enquanto suporte e condição para o funcionamento normal da vida familiar, profissional e económica do País”.
O Despacho n.º 8553-A/2020 de 04 de setembro de 2020, DR nº 173, 2ª série, Parte C, que surge na sequência da Resolução do Conselho de Ministros em análise, veio estabelecer um conjunto de medidas de apoio educativo a prestar aos alunos que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados de risco e que, por via dessa condição fiquem impedidos de assistir às atividades letivas e formativas presenciais em contexto de grupo ou turma.
O diploma, nos termos do ponto 1, prevê que é aplicável:“[a]os alunos que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados doentes de risco e que se encontrem impossibilitados de assistir às atividades letivas e formativas presenciais em contexto de grupo ou turma, designadamente, as seguintes medidas educativas:
a) Condições especiais de avaliação e de frequência escolar;
b) Apoio educativo individual em contexto escolar ou no domicílio, presencial ou à distância, através da utilização de meios informáticos de comunicação.
Determina-se, ainda, no ponto 2, que “[c]ompete aos pais e encarregados de educação, ou aos alunos, quando maiores, requerer junto do agrupamento de escolas ou escola não agrupada (doravante escola) onde o aluno se encontra matriculado, a opção pela mobilização das medidas nos termos previstos no número anterior”.
Quanto às medidas a adotar, no ponto 3, prevê-se:”[o]s pais ou encarregados de educação devem ser ouvidos na determinação das medidas a adotar e ter acesso a toda a informação sobre a aprendizagem do seu educando”.
O ponto 4 prevê os requisitos para apresentação do pedido de mobilização nas medidas de ensino e aprendizagem e determina que tal pedido depende da apresentação:
“a) Da declaração médica que ateste a condição de saúde do aluno que justifique a sua especial proteção;
b) Da declaração prevista na alínea c) do n.º 2 do artigo 3.º da Portaria n.º 350 -A/2017, de 14 de novembro, a qual deve ainda incluir a aceitação do plano de desenvolvimento das aprendizagens previsto no número seguinte.
Estabelece-se, ainda, no ponto 8 que:”[o] exercício da opção referida no n.º 2 não é passível de alteração ao longo do ano letivo, salvo se se verificar a alteração das circunstâncias motivada pela evolução da pandemia”.
Decorre da conjugação dos diplomas que em setembro de 2020, no início do ano letivo de 2020-2021, retomou-se como sistema de ensino e aprendizagem o sistema presencial, mesmo em estabelecimentos de ensino particular e para todos os graus de ensino.
Contudo, considerando a situação criada pela pandemia, não se deixou de acautelar a situação das crianças e jovens que, de acordo com as orientações da autoridade de saúde, devam ser considerados doentes de risco e que se encontrem impossibilitados de assistir às atividades letivas e formativas presenciais em contexto de grupo ou turma, permitindo a mobilização para um sistema de ensino não presencial.
Tal procedimento não é automático e tem de ser requerido pelos pais e encarregados de educação, ou pelos alunos, quando maiores, junto do competente agrupamento de escolas ou escola não agrupada (escola) onde o aluno se encontra matriculado.
Na situação concreta, resulta dos factos apurados que iniciado o ano letivo 2020-2021 D… passou a frequentar a escola no sistema de ensino presencial.
A opção pela mobilidade para outro sistema constitui matéria de natureza administrativa que não cumpre ao tribunal determinar, pois passa por um procedimento sem intervenção judicial e por isso, o pedido formulado pela progenitora no sentido do tribunal ordenar que o D… frequente durante o ano letivo 2020/2021, em regime não presencial, o ensino escolar no E…, oficiando-se ao Colégio E… para prosseguir com os procedimentos necessários ao ensino à distância de acordo com o Despacho 8553-A/2020 de 4 de setembro, de forma a evitar mais atrasos no ensino escolar do D…, não poderia ser atendido no âmbito deste incidente.
Acresce que a existir divergência entre os progenitores sobre a promoção de tal procedimento e considerando, como defende a apelante, que tal matéria constitui uma “questão de particular importância”, cumpria promover o processo previsto no art. 44º do Processo Tutelar Cível, por constituir o procedimento próprio para resolução do diferendo.
Contudo, a progenitora não promoveu tal procedimento.
Nesta parte, o despacho recorrido não se pode manter, em sede de decisão provisória, pois não cumpre nesta sede, por não ter sido formulado tal pretensão, tomar posição sobre se a opção de mobilidade no sistema de ensino constitui uma questão de “particular importância” ou da “vida corrente da criança”. Estamos no âmbito de um procedimento cautelar onde se pretende apenas tomar uma decisão provisória no sentido de adotar uma medida para garantir que a criança mantenha a frequência presencial da escola.
Resta referir, por último, que a alegada situação de doença de que padece a criança e à qual se reporta a apelante, para justificar a sua atitude, não resulta demonstrada perante os factos provados e por isso, não se justifica mesmo em sede de medida cautelar e ponderando o superior interesse da criança, que se determine um diferente sistema de ensino e aprendizagem.
Não resulta dos factos provados que D… padeça de asma brônquica, como defende a apelante no ponto XV das conclusões de recurso, nem a reapreciação oficiosa dos factos perante os elementos de prova apresentados permitem obter tal conclusão (art. 662º/1 CPC).
As orientações da autoridade de saúde, publicadas no site da Direção Geral de Saúde acessíveis via internet, a que se refere a apelante no ponto XVII das conclusões, constituem respostas a questões genéricas, meros indicadores, dirigidas a um grupo heterogéneo da população, sem particularizar a situação das crianças e jovens.
Acresce que no regime previsto no Despacho n.º 8553-A/2020 de 04 de setembro de 2020, DR nº 173, 2ª série, Parte C não se mostra suficiente que a criança faça parte de um grupo de risco, tal como definido pela autoridade de saúde, pois prevê-se, a entrega de declaração médica que ateste a condição de saúde da criança ou jovem que justifique a sua especial proteção.
No caso presente na sentença proferida em 03 de outubro de 2015 julgou-se provado que D… sofria de renite alérgica. Os documentos juntos aos autos permitem considerar que a criança tem asma.
Em declaração datada de 28 de setembro de 2020 o médico pediatra, Dr. F…, que assiste a criança declarou “ não ter patologia impeditiva da frequência escolar” (página 440 processo eletrónico).
Em 21 de outubro de 2020, a médica pneumologista, Dr.ª J…, em relatório clínico, fundamentado com bibliografia científica atualizada, declarou que “D… tem sido acompanhado em consulta por quadro de asma ligeira intermitente, controlada, no Hospital K…”.
Questionada sobre se a concreta criança deve frequentar a escola em sistema presencial, escreveu: “[a] razão pela qual as crianças não tiveram ensino presencial e foram isoladas socialmente, na fase inicial da pandemia Covid 19, foi para proteção dos adultos, suscetíveis a doença grave, e não para proteção direta das crianças, dado que os dados iniciais proveniente da China já permitiam perceber que estas eram mais poupadas pela doença. Esta situação veio a confirmar-se em muitos países, à medida que a pandemia se instalou. Por este motivo, as sociedades científicas pediátricas têm defendido que a manutenção do ensino presencial nas escolas deve ser prioritária, devido ao impacto potencial a longo prazo nas crianças e jovens, se tal não suceder. Esta é também a posição da Direção Geral da Saúde e do Ministério da Educação, no nosso país.
É natural que o regresso ao ensino presencial tenha causado inquietação aos pais e professores. Nas crianças com asma, havia alguma apreensão de que o regresso à escola no ano letivo de 2020-2021 se acompanhasse de maior expressão, do que a habitual, do peco anual de crises que se observa sempre em setembro. Na nossa experiência, isso não se verificou, dado não termos observado aumento da taxa de internamentos por asma associada a infeção pelo novo vírus SARS-COV-2. Por seu lado, a permanência no domicílio pode aumentar a exposição a alergénios como ácaros do pó da casa, pode ter repercussões na saúde mental e limita a possibilidade de as crianças praticarem exercício físico, situação considerada benéfica para controle da asma.
As famílias devem ser tranquilizadas e informadas de que a Covid19 grave em crianças é muito rara, independentemente de terem ou não asma. Reconhecendo que o síndrome hiperinflamatório multissistémico pode ser uma complicação grave associada à Covid 19, salienta-se que o número de admissões em unidades de cuidados intensivos mantém-se baixo. Uma análise dos dados de mortalidade por todas as causas, mostrou que a mortalidade por Covid 19 em idade pediátrica é muitíssimo inferior à de outras causas, incluindo as resultantes de acidentes e de infeções por outros vírus, nomeadamente pelo vírus influenza. Em Portugal , até à data foram confirmados mais de 10000 casos de Covid 19 em idade pediátrica, havendo apenas um óbito a lamentar, numa criança com doença subjacente muito grave e nenhum por síndrome hiperinflamatório, multissitémico.
Apesar dos receios iniciais, até à data, a asma ligeira da criança continua a não ser considerada fator de risco nem de gravidade para infeção Covid 19. Deve salientar-se, ainda que, ao contrário de outras doenças infeciosas, as crianças parecem ter menor probabilidade de disseminar a infeção SAR-COV 2. Os surtos atuais não estão relacionados com a frequência da escola, mas muito mais com contágios intrafamiliares.
Assim, pensamos que os benefícios de frequentar a escola são substancialmente superiores aos riscos, dado não estar garantido que ele não possa adquirir a infeção fora do contexto escolar e os riscos de contrair doença grave por Covid 19 serem reduzidos. Aconselhamos que mantenha um bom controle da sua doença base, com corticoide inalado em baixa dose, e que esteja protegido contra a gripe através de vacinação” (páginas 213 a 220 do processo eletrónico).
A mesma médica em “Documento Clínico”, com data de 08 de outubro de 2020 emitiu a seguinte declaração: ”O D… é acompanhado em consulta por asma ligeira, bem controlada com medicação. De momento, não tem contraindicação clínica para frequentar ensino presencial, que é benéfico em termos de desenvolvimento e de socialização, isso foi explicado a ambos os pais, em consulta”.
Para fundamentar a sua posição, a progenitora, como refere sob o ponto XV das conclusões de recurso, apoia-se em informações clínicas de três médicos, juntas aos autos com o requerimento de resposta.
Na informação prestada pelo Dr L…, com data de 24 de setembro de 2020, refere-se que: “ o menino D…, com 8 anos de idade sofre de asma brônquica (doença crónica brônquica) e apresenta risco acrescentado com a pandemia Covid 19 e ao abrigo do Despacho 8553-A/2020 não deve assistir às atividades letivas e formativas presenciais”.
Na declaração emitida pelo Dr H…, com data de 23 de setembro de 2020, refere-se que a criança em causa : “é um paciente sob o meu cuidado desde que o conheci em 24 de julho de 2017. D… tem leve a moderada asma persistente e requer intermitentemente medicação preventiva diária de algo […]Tenho acompanhado o D… regularmente até ele se ter mudado para Portugal, para viver com o pai. Agora vejo-o uma vez por ano quando regressa aos Estados Unidos para visitar a sua mãe.[…] tive uma visita virtual hoje[23.09.2020].
Sei que ele está atualmente a tomar Singulair para sua asma e Flonase para a rinite alérgica. Sua principal reclamação atualmente é pigarro.
Fiquei preocupado, no entanto, ao saber que é obrigatório que ele esteja fisicamente presente na escola e que, atualmente, o tamanho das aulas não diminuiu e que há pouca ou nenhuma maneira de conseguir 6 pés ou mais de distanciamento entre os alunos.
D… é portador de doença respiratória crónica, ou seja, asma e, portanto, é por necessidade médica que ele deve ter a opção de frequentar a escola remotamente por ensino a distância. Sua presença física na escola torna muito arriscado que ele contraia o Covid 19. Estar infetado com Covid 19 além da asma tem o potencial de predispor a doenças graves com risco de vida”. Depois tece sugestões sobre medicamentos a tomar.
Na declaração médica com data de 22 de setembro de 2020, o Dr I…, Otorrinolaringologista refere: ”O menino D… padece de asma alérgica pelo que pode constituir um factor de risco e prognóstico agravado no caso de infeção pelo vírus SARS-Covid 19”.
Confrontando todas as declarações médicas somos levados a concluir que em setembro de 2020 a D… estava diagnosticada a doença asma.
Porém, as declarações médicas juntas pela progenitora não permitem considerar que a doença de que padece, o impede de frequentar a escola em sistema de ensino presencial face à situação de pandemia em que se vivia.
Desde logo e tal como observa o apelado, as declarações médicas apresentadas pela progenitora foram emitidas por médicos que não tratam e nem acompanham com regularidade e desde o nascimento, a criança, contrariamente, ao que ocorre com a declaração do pediatra e médica pneumologista. Depois, são ambíguas quanto a determinar as caraterísticas da doença, porque tanto referem que sofre de “asma brônquica”, como de “leve a moderada asma persistente” e de “asma alérgica”. Por fim, não explicam em que medida a doença de que padece o coloca num grupo de risco que justifique a mobilização para um sistema de ensino não presencial.
O risco de contrair a doença COVID 19 não constitui, só por si, fundamento para determinar a mobilidade do sistema de ensino, porque esse risco pode ocorrer em qualquer circunstância, desde que não se respeite as normas de segurança sanitária, apesar de se considerar que as crianças se encontram mais protegidas. Aqui, apenas se trata de saber em que medida frequentar a escola, em sistema presencial, pode constituir um risco para a saúde da criança a quem foi diagnosticada a doença asma. Nenhuma das declarações médicas juntas pela progenitora dá uma resposta fundamentada.
Em contraponto, o relatório da médica Drª J…, faz uma análise detalhada dos possíveis riscos e da sua avaliação decorre desde logo que se mostra a todos os títulos benéfico para a criança o ensino presencial, mas sobretudo, desvaloriza o risco que possa constituir para a saúde do D… frequentar a escola em regime presencial, mesmo considerando a doença de que sofre.
Ponderando estes aspetos é de concluir, por referência à data de setembro-outubro de 2020, não se mostrar justificada a oposição da progenitora, por não ter sido proferida qualquer decisão administrativa no sentido de deferir a mobilidade do sistema presencial para não presencial e porque no superior interesse da criança o sistema presencial era o que melhor garantia a sua educação, desenvolvimento intelectual, psicológico e físico.
Pelo exposto improcedem as conclusões de recurso, sob os pontos XV a XXIV.
-
Nos termos do art. 527º CPC as custas são suportadas pela apelante.
-
III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação e revogar, em parte, a decisão quanto a considerar a decisão da frequência pelo D… da escola em regime presencial cabe ao progenitor com quem reside, no caso, o pai, por constituir assunto da vida corrente e confirmar no mais a decisão.
-
Custas a cargo da apelante.
*
Porto, 22 de março de 2021
(processei e revi – art. 131º/6 CPC)
Assinado de forma digital por
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
Miguel Baldaia de Morais
__________
[1] Texto escrito conforme o Novo Acordo Ortográfico de 1990.
[2] As alegações de recurso mostram-se juntas ao apenso M), às quais se acedeu por consulta do apenso via Citius.
[3] Cfr. Ac. Rel. Porto 16 de novembro de 2010, Proc. 2861/09.9TBVCD-B.P1, acessível em www.dgsi.pt
RUI M.L.EPIFÂNIO – ANTÓNIO H.L. FARINHA, Organização Tutelar de Menores, Almedina, Coimbra, 1987, pag. 220; TOMÉ D`ALMEIDA RAMIÃO Regime Geral do Processo Tutelar Cível- Anotado e Comentado, Quid Juris, Sociedade Editora, Lisboa, Fevereiro de 2016, pag. 82