Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
303/14.7T9VFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NETO DE MOURA
Descritores: OBJETO DO PROCESSO
PRINCÍPIO DA VINCULAÇÃO TEMÁTICA
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RP20161123303/14.7T9VFR-A.P1
Data do Acordão: 11/23/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 1034, FLS. 81-87)
Área Temática: .
Sumário: I - Proferido despacho que recebeu a acusação e designou o dia para a audiência, não é processualmente admissível que o mesmo juiz, ou outro, antes de efectuado o julgamento e sem a emergência de circunstâncias supervenientes, venha a proferir decisão oposta.
II - O objeto do processo é constituído pelo "facto histórico unitário", pelos concretos factos que se revelam como uma "tranche de vie" que se imputa a um determinado indivíduo e formam um acontecimento da vida delimitado no espaço e no tempo.
III - A alteração da qualificação jurídica dos factos descritos na acusação ou na pronúncia só poderá ocorrer após a discussão da causa, quando se conhece do mérito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 303/14.7 T9VFR-A.P1
Recurso penal
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

I Relatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 303/14.7 T9VFR, corre termos pela Secção Criminal (J2) da Instância Local de S.ta Maria da Feira, Comarca de Aveiro, a encerrar o inquérito originado por uma queixa apresentada por B…, entretanto admitida a intervir como assistente, o Ministério Público proferiu despacho em que considerou não estar indiciada a prática de qualquer crime, mas determinou a notificação da assistente “nos termos e para os efeitos do art. 285º, n.º 1, do CPP”.
Na sequência da notificação ordenada, veio a assistente deduzir acusação particular contra C…, devidamente identificada nos autos, imputando-lhe factos que, em seu critério, integram a prática de um crime de injúria previsto e punível pelo artigo 181.º do Código Penal (fls. 12 e segs.), acusação que o Ministério Público não acompanhou (fls. 17).
Distribuído o processo, o Sr. Juiz proferiu o despacho a que aludem os artigos 311.º a 313.º do Cód. Proc. Penal, em que, além do mais, consignou:
O tribunal é competente e a assistente B… tem legitimidade para exercer a acção penal. Não se verificam nulidades, exceções e outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa, de que cumpra conhecer.
Recebo a acusação deduzida a fls. 187 contra a arguida C… pela prática dos factos e violação dos preceitos legais incriminadores aí descritos, que aqui dou por integralmente reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 313.º, n.º 1, al. a), do Código Penal”.
A audiência não se realizou na data designada, mas a Sra. Juiz (nova titular do processo) não designou nova(s) data(s) para o efeito.
Em vez disso, proferiu despacho, datado de 30.11.2015 (fls. 27 e segs.), em que decidiu apreciar a nulidade da acusação, concluindo assim:
Pelo exposto, nos termos que conjugadamente resultam do preceituado nos artigos 181.º, n.º 1, 184.º, 132.º, n.º 2, alínea l), 188.º, n.º 1, alínea a), todos do Código Penal, e 119.º, alínea b), do Código de Processo Penal, declaro a nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de acusação pública pela prática do imputado crime de injúria agravado. Sem custas”.
É contra este despacho que a assistente se insurge, interpondo recurso para esta Relação, com os fundamentos que explanou na respectiva motivação e que condensou nas seguintes conclusões (em transcrição integral):
I. “A ora Recorrente/Assistente não concorda com o teor do despacho que declara a "nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de acusação pública pela prática do imputado crime de injúria agravado”.

II. É na qualificação jurídica do crime imputado que reside a razão da discordância da ora Recorrente, pois é seu entendimento que o crime em causa não é o agravado mas sim o simples e, como tal não assume a natureza de crime semi-público, mas sim de crime particular, tendo o Tribunal "a quo" errado ao decidir como decidiu.

III. De acordo com o enunciado fáctico vertido na participação criminal/queixa apresentada pela ora Recorrente contra a Arguida, a esta é imputada a prática de um crime de injúria p. e p, pelo art.s 181.º do Código Penal, consubstanciando-se tal imputação na circunstância de, sendo ambas funcionárias/trabalhadoras de uma mesma Instituição e, como tal, colegas de trabalho (ainda que com hierarquias e funções distintas), e durante uma conversa de trabalho tida com os membros da Direcção (entidade empregadora de ambas) e de outros funcionários, a Arguida ter apodado directamente a ora Recorrente de incompetente, o que a ofendeu e atingiu na sua honra e consideração, sendo certo que quem dirigia os trabalhos da dita conversa não era a Recorrente, que ali estava apenas porque tal lhe foi determinado pela sua entidade empregadora e o assunto que discutiam, Arguida e entidade empregadora, não era relacionado nem com a Recorrente nem com as funções que esta desempenha na Instituição.

IV. O Tribunal “a quo” entendeu que: ".... a vítima é uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, porquanto exercia as funções de docente ou, pelo menos, de membro de comunidade escolar".

V. O ponto de discordância da ora Recorrente reside precisamente aqui, posto que se entende não poder ser a Recorrente considerada como estando abrangida no núcleo das pessoas visadas em tal normativo legal, pois que, no caso em apreço e tal qual relatado na participação criminal, a Recorrente e a Arguida são funcionárias da mesma Instituição e ainda que com funções, categorias e hierarquias distintas, são colegas de trabalho e, nessa qualidade, encontram-se numa posição de igualdade, não havendo aqui qualquer posição/função que urge proteger, não se impondo, pois, qualquer tutela penal reforçada, pois que quer a Recorrente quer a Arguida se encontram entre pares e numa posição de igualdade.

VI. Não há, no caso em apreciação, uma qualquer necessidade de proteção reforçada da vítima (entendida esta com o sentido que lhe é dado pelo Tribunal " a quo") posto que, e como supra se expôs, os factos cuja prática foram imputados à Arguida surgem quando ambas estão numa posição de paridade, e não quando a Recorrente assume uma posição cuja natureza haja necessidade de proteger.

VII. A previsão normativa do n.º 2, al. l) do art. 132.º do CP, abrange um conjunto de pessoas que, pela posição e funções que detêm e exercem, merecem uma tutela mais forte do que a que se prevê, via de regra, para outras pessoas que sofram da mesma agressão, mas não se encontrem naquela qualidade, nem por causa dela, não se enquadrando, o caso dos autos e da Recorrente, na situação que impõe a aplicação de tal artigo.

VIII. Ao decidir como decidiu e ao considerar que o crime cuja prática é imputada à Arguida é um crime agravado e, como tal, de natureza semi-pública, com as consequências processuais daí advenientes, o Tribunal laborou em erro e decidiu manifestamente contra legem,

IX. violando o disposto no art.º 181.º do Código Penal, por o não aplicar, quando o deveria ter feito, considerando-se assim que o crime cuja prática é imputada à Arguida é um crime simples e de natureza particular, e

X. violando o disposto nos arts. 184.º e art.º 132.º, n.º 2, al. l), ambos do Código Penal, por os aplicar, posto que, por errada interpretação, subsumiu a factualidade dos autos a tais artigos, quando o não deveria ter feito, uma vez que, repete-se, a Recorrente não se enquadra no núcleo de pessoas visadas em tal artigo 132.º, n.º 2, al. l), do CPP.

XI. Ao caso dos autos deve ser aplicado o disposto no art.º 181.º do Código Penal, devendo considerar-se que o crime em causa é um crime simples (e não agravado) e é um crime de natureza particular (e não semi-pública)”.
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Admitido o recurso e notificados os sujeitos processuais por ele afectados, apenas o Ministério Público veio responder à respectiva motivação, pronunciando-se pela sua improcedência e consequente confirmação do despacho em crise.
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Ordenada a subida dos autos ao tribunal de recurso, e já nesta instância, na intervenção a que alude o art.º 416.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer em que se pronuncia em sentido, diametralmente, oposto ao do Ministério Público na 1.ª instância, pois entende que o recurso merece provimento.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II - Fundamentação
São as conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões do pedido, a delimitar o objecto do recurso e a fixar os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso (cfr. artigos 412.º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal e, entre outros, o acórdão do STJ de 27.05.2010,.
Como resulta claro das conclusões do recurso, a assistente não aceita a (re)qualificação jurídico-penal dos factos (que imputou à arguida na acusação que deduziu) efectuada no despacho recorrido (É na qualificação jurídica do crime imputado que reside a razão da discordância da ora Recorrente, pois é seu entendimento que o crime em causa não é o agravado mas sim o simples e, como tal não assume a natureza de crime semi-público, mas sim de crime particular, tendo o Tribunal "a quo" errado ao decidir como decidiu” - conclusão II), sem questionar se a Sra. Juiz (de julgamento) tinha poderes para proceder a uma tal alteração e, em consequência, declarar “a nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de acusação pública”.
É o Ex.mo PGA quem, no parecer que emitiu, coloca a questão nos seus devidos termos.
Assim:
“Sem discutir, neste momento, se os factos descritos na acusação particular integram ou não o crime nela imputado à arguida, propendemos para considerar, salvo o devido respeito, que o despacho impugnado deve ser revogado.
Com efeito, tendo o tribunal a quo, no momento processual a que se referem os artigos 311 º a 313º, do C. P. Penal, recebido a acusação deduzida pela assistente - e até com expressa remissão para os "factos e violação dos preceitos legais incriminadores aí descritos" -, estava-lhe vedada, segundo cremos, até por esgotamento do seu poder cognitivo, a possibilidade de, posteriormente, ainda que antes do início da audiência de julgamento, reapreciar a mesma questão e proferir novo despacho que, inutilizando o anterior, modificou e rejeitou a acusação.
Ultrapassada aquela fase de saneamento do processo, e a entender-se que a acusação padece de alguma anomalia, cremos que o tribunal a quo apenas poderá agir nos termos e com observância do disposto nos artigos 358º e 359º, do C. P. Penal.
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código do Processo Penal, 2007, pgs. 780/781, em anotação ao artigo 311°, a propósito da "imodificabilidade da qualificação jurídica no momento do saneamento judicial dos autos": «... o legislador quis que a qualificação jurídica dos factos feita pela acusação (pública ou particular) ou, havendo instrução, pela pronúncia fosse discutida na audiência de julgamento e só nesse momento (acórdão do TC n.º 518198), podendo então os sujeitos processuais proceder a essa discussão jurídica sem quaisquer restrições ou vinculações à qualificação feita em momento anterior. Razão pela qual o juiz, aquando da prolação do despacho do artigo 311, não deve rejeitar a acusação e devolvê-la ao MP para corrigir erros "claros" de qualificação jurídica dos factos, sendo certo que a "clareza" do direito não é indiscutível».
No mesmo sentido militam, também, os fundamentos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 11/13, de 13 de junho de 2013, que fixou jurisprudência no sentido de que «A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no artigo 358.º, ns. 1 e 3 do CPP.».
A propósito virão, ainda, as palavras do Professor Alberto dos Reis (CPC anotado, reimpressão, 1981, Vol. V, pgs. 126/127), quando ensinava que «0 juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível. Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível. […] A razão pragmática do princípio da extinção do poder jurisdicional consiste na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via de recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio Juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo em todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.».
A fase de julgamento no processo comum (Livro VII do Código de Processo Penal) comporta três subfases: dos actos preliminares (artigos 311.º e segs.), da audiência (artigos 321.º e segs.) e da sentença (artigos 365 e segs.).
É a primeira dessas subfases - que se inicia com o recebimento, após distribuição, dos autos no tribunal (pelo juiz de julgamento) - que aqui nos vai interessar especialmente, pois que, apesar de ter estado designada data para a audiência, esta não chegou a iniciar-se.
Os poderes do juiz nesta subfase diferem consoante tenha havido instrução, ou não. Desde logo porque, como é bom de ver, não pode rejeitar a pronúncia e o conhecimento das nulidades e de todas as questões prévias ou incidentais, em princípio, foram apreciadas e decididas na decisão instrutória (artigo 308.º, n.º 3, do Cód. Proc. Penal).
Tendo a assistente deduzido acusação e não tendo sido requerida instrução, o processo transitou directamente para a fase de julgamento.
A intervenção inicial do juiz é, então, para sanear o processo, sendo este o primeiro de três distintos momentos em que pode conhecer das nulidades e outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa.
Foi o que fez o Sr. Juiz, verificando a competência do tribunal e a legitimidade da assistente para exercer a acção penal e atestando a inexistência de “nulidades, exceções e outras questões prévias ou incidentais que obstem ao conhecimento do mérito da causa, de que cumpra conhecer”.
Porém, a Sra. Juiz, nova titular do processo, não concordou com o despacho proferido pelo anterior titular e decidiu inutilizá-lo, declarando “a nulidade insanável correspondente à omissão de dedução de acusação pública”.
Ora, sob pena de se instalar a confusão e a incerteza, não é processualmente admissível que o próprio juiz autor de uma decisão, ou outro posteriormente, antes de efectuado o julgamento, e sem a emergência de circunstâncias supervenientes, venha proferir decisão totalmente oposta.
Na prática, ainda que por forma indirecta, o que fez a nova titular do processo foi revogar a decisão anteriormente proferida por outro juiz, revogação só possível mediante recurso e por tribunal superior.
Este é o primeiro erro manifesto que inquina o despacho recorrido.
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Mas, em sede de “Actos preliminares”, os poderes do juiz de julgamento não se confinam à verificação dos pressupostos processuais e ao conhecimento de nulidades (as insanáveis e as que hajam sido, oportunamente, arguidas) e irregularidades e de questões prévias ou incidentais (prescrição do procedimento criminal, amnistia, desistência de queixa, morte do agente, etc).
Tem sido muito discutido o âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 311.º ao juiz de julgamento[2] e, se pode considerar-se pacífico, p. ex., o entendimento de que “não é admissível ao juiz censurar o modo como tenha sido realizado o inquérito e devolver o processo ao Ministério Público para prosseguir a investigação de forma a abranger outros factos e/ou outros agentes, ou, simplesmente, para reformular a acusação” (cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código de Processo Penal”, 2.ª edição actualizada, UCE, 791, e acórdão do TRE, de 11.07.1995, CJ XX, T. IV, 287)[3], já não deparamos com a mesma unanimidade quando se procura saber se o juiz (de instrução ou de julgamento) pode determinar a devolução dos autos ao Ministério Público para que proceda ao eventual suprimento de uma nulidade de inquérito ou para que seja sanada a irregularidade concretizada na falta de notificação da acusação ao arguido.
Mas o ponto que tem suscitado maior controvérsia prende-se com o âmbito do poder de sindicância da acusação pelo juiz de julgamento.
Nessa controvérsia, destacam-se as questões de saber:
- se o juiz pode emitir um juízo sobre a (in)suficiência dos indícios para ter sido deduzida acusação e, portanto, se pode rejeitar a acusação com fundamento em indiciação insuficiente[4];
- se o juiz é livre de valorar jurídico-penalmente os factos da acusação e, portanto, se pode modificar a qualificação ou subsunção jurídica desses factos logo no despacho previsto no artigo 311.º do Cód. Proc. Penal ou em qualquer altura até à prolação da sentença;
- o que deve considerar-se uma acusação manifestamente infundada.
Nas respostas a estas questões não se pode deixar de ter presente a estrutura basicamente acusatória[5] do nosso processo penal (consagrada no art.º 32.º, n.º 5, da CRP) que significa, fundamentalmente, que uma pessoa só pode ser julgada por um crime mediante acusação deduzida por um órgão distinto do julgador, que lhe imputa esse crime, sendo a acusação condição e limite do julgamento, ou seja, sendo a acusação que define e fixa o objecto do processo e, portanto, o objecto do julgamento.
Nos exactos termos em que a configuram Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª edição revista, 522), a estrutura acusatória do processo penal significa “no plano material, a distinção entre instrução, acusação e julgamento; no plano subjectivo, significa a diferenciação entre juiz de instrução (órgão de instrução) e juiz julgador (órgão julgador) e entre ambos e órgão acusador” e, portanto, implica: “(a) proibição de acumulações orgânicas a montante do processo, ou seja, que o juiz de instrução seja também o órgão de acusação; (b) proibição de acumulação subjectiva a jusante do processo, isto é, que o órgão de acusação seja também órgão julgador; (c) proibição de acumulação orgânica na instrução e julgamento, isto é, o órgão que faz a instrução não faz a audiência de discussão e julgamento e vice-versa”.
Mas, como adverte Teresa Beleza[6] (Apontamentos de Direito Processual Penal, p. 51 e 52), mesmo sendo diferentes a entidade que investiga e acusa e a entidade que julga, se esta (a entidade que julga) puder, livremente, investigar, procurar e acrescentar factos novos para decidir determinada causa, então, a estrutura acusatória do processo será puramente formal, pois acabará por ser o juiz a moldar o objecto do processo.
Corolário deste modelo processual é o princípio do acusatório ou princípio da vinculação temática que significa que o juiz de julgamento está tematicamente vinculado aos factos que lhe são trazidos pela entidade que acusa.
Daí que seja decisivamente importante determinar quando, em que momento, e como é que se fixa o objecto do processo.
Isso acontece quando o Ministério Público (ou o assistente, no caso de crimes particulares) deduz acusação ou, abstendo-se o M.º P.º de acusar, com o requerimento de abertura da instrução (RAI) pelo assistente.
Esse é o momento crucial de definição do objecto do processo, pois é sobre os factos que lhe são trazidos pelo Ministério Público ou pelo assistente que o juiz de julgamento vai pronunciar-se, ou seja, é a acusação (pública ou particular) ou, em alternativa, o RAI que vincula tematicamente o julgador.
Esta é uma garantia essencial do julgamento independente e imparcial: cabe ao tribunal julgar os factos constantes da acusação e não intrometer-se na definição do thema decidendum.
Como ensina o Professor Figueiredo Dias[7], “segundo o princípio da acusação (…) a actividade cognitória e decisória do tribunal está estritamente limitada pelo objecto da acusação. Deve pois afirmar-se que o objecto do processo penal é o objecto da acusação, sendo esta que, por sua vez, delimita e fixa os poderes de cognição do tribunal (actividade cognitória) e a extensão do caso julgado (actividade decisória).
É a este efeito que se chama a vinculação temática do tribunal e é nele que se consubstanciam os princípios da identidade, da unidade ou indivisibilidade e da consunção do objecto do processo penal”[8].
A vinculação temática do tribunal, a garantia de que o juiz de julgamento não esteja envolvido na definição do objecto do processo e a garantia de independência do Ministério Público em relação ao juiz na formulação da acusação constituem corolários decisivos do princípio do acusatório.
Importa, então, ainda que muito sumariamente, esclarecer o que constitui o objecto do processo.
Sobretudo depois da introdução do actual n.º 4 do artigo 339.º do Código de Processo Penal[9], reúne amplo consenso o entendimento de que o objecto do processo não é constituído pelo tipo legal de crime acusado, pela incriminação imputada ao agente/arguido.
É, isso sim, constituído pelo “facto histórico unitário”, pelos concretos factos que se revelam como uma “tranche de vie”, que formam um acontecimento da vida, delimitado no espaço e no tempo, que se imputam a um indivíduo determinado.
É esse pedaço de vida que há-de subsumir-se à descrição abstracta de uma proposição penal, de um tipo legal, ou seja, o concreto comportamento atribuído a determinado agente há-de corresponder, ou não, ao comportamento abstractamente previsto na lei penal.
Nisso consiste a qualificação ou valoração jurídico-penal e também esta integra o objecto do processo.
Nas palavras do Professor Figueiredo Dias, ob. cit., o objecto do processo será (…) “um recorte, um pedaço da vida, um conjunto de factos em conexão natural (…) analisados em toda a sua possível relevância jurídica, ou seja, à luz de todos os juízos jurídicos pertinentes. O objecto do processo será assim uma questão-de-facto integrada por todas as possíveis questões-de-direito que possa suscitar”.
Vejamos, pois, como definiu a assistente o objecto do processo, reproduzindo aqui a acusação que deduziu:
“No passado dia 02 de Setembro de 2014, entre as 9H30 e as 10H30 (não se conseguindo precisar com exactidão a hora), nas instalações do D… (doravante designado D…), sitas na Rua …, n.º .., na freguesia de …, concelho de Santa Maria da Feira, e na sequência de decisão proferida pelo Tribunal de Trabalho de Santa Maria da Feira que ordenou a reintegração ao serviço da ora arguida, decorria uma conversa de cariz laboral entre os membros da Direcção do referido D… e a arguida. Nessa conversa e para além dos membros da referida Direcção (num total de 5) e da arguida, estavam também presentes outras pessoas, nomeadamente outros trabalhadores do D… e a ora assistente, esta na qualidade de Directora Técnica da Valência de Creche e Pré-Escolar, e como tal, de “chefia intermédia”.
Quer a arguida quer a assistente são trabalhadores do D…, sendo portanto este D… a entidade empregadora de ambos.
No decorrer da conversa que, entre outras coisas, se prendia com as funções que seriam desempenhadas pela arguida, esta, dirigindo-se a todos os presentes disse em alto e bom som: "Mas que incompetência!".
Ao ouvir esta expressão a assistente perguntou directamente à ora arguida se esta lhe estava a chamar de incompetente, ao que a arguida respondeu afirmativamente dizendo "Sim, estou”.
Neste momento interveio o presidente da Direcção do D… ao que a arguida, fazendo um gesto com a mão dirigido e abrangendo todos os presentes, entre eles a assistente, disse "O Senhor Padre está rodeado de incompetentes".
Como se disse, a assistente é trabalhadora do D… desde 1999, e desde 2006 que desempenha as funções de Coordenadora Pedagógica/Directora Técnica, sendo por todos reconhecida como profissional competente, capaz e responsável pelo cargo, tarefas e funções que desempenha.
No âmbito das referidas funções que são de grande responsabilidade compete à assistente, entre outras, as funções de orientar a acção do pessoal na componente educativa e funcional das Valências, sendo pois absolutamente necessário que todo o pessoal lhe reconheça a autoridade e respeito inerente ao cargo que desempenha.
Ao chamar, como chamou a assistente de incompetente, a arguida quis pôr e pôs em causa o bom nome pessoal e, sobretudo, profissional da mesma. E isto é tanto mais grave quando tal afirmação foi feita à frente da Direcção do D…, entidade empregadora da assistente e de quem esta depende profissionalmente, bem assim como à frente de outros colegas de trabalho, sendo que alguns lhe estão hierarquicamente subordinados.
Com o uso das expressões proferidas a arguida quis dizer que a assistente tinha falta de competência, falta de aptidão e de conhecimentos necessários, ausência de qualificação, inabilidade, incapacidade para desempenhar convenientemente uma tarefa ou um cargo e ausência de conhecimento ou ignorância, com a intenção clara de desacreditar, desprestigiar e diminuir a honra e consideração da assistente.
Desta feita, ao agir como agiu e ao proferir as expressões que proferiu, a arguida pôs em causa a capacidade e o grau de profissionalismo da assistente, assim como o rigor, a competência e a boa execução das funções, tarefas e cargo que lhe estão atribuídas, o que assume particular gravidade por ter sido dito em alto e bom som em frente aos membros e elementos que constituem a entidade empregadora da assistente e demais pessoas ali presentes.
Ora, qualquer que seja o conceito de honra ou consideração que se perfilhe, as expressões “incompetente” ou “que incompetência” proferidas no âmbito de uma conversa de trabalho e perante a entidade empregadora da visada que tem uma função de Coordenação como é o caso da assistente, têm um significado inequivocamente ofensivo da sua honra e consideração pessoal e, sobretudo, profissional, à luz do homem médio, ultrapassando a mera violação das normas de boa educação e cortesia, entrando no puro juízo injurioso.
As expressões proferidas pela arguida são injuriosas para a generalidade das pessoas a quem, em contexto e ambiente semelhantes ao que foram proferidas, se dirigissem, pelo que também o foram para a assistente.
Face ao supra exposto, a assistente sentiu-se ofendida, humilhada e vexada na sua honra, consideração e bom nome pessoais e profissionais, assim como diminuída nas suas funções.
A arguida agiu livre, voluntária, deliberada e conscientemente, bem sabendo que daquela maneira ofendia a honra e consideração da assistente, pessoal e profissionalmente, tudo com intenção de o fazer, como conseguiu, conhecendo que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis e mesmo assim não se coibiu de o fazer.
Assim, cometeu a arguida, em autoria material, um crime de injúria p. e p. pelo art. 181.º do C.P.”.
No despacho recorrido, a Sra. Juiz alterou a qualificação jurídica dos factos, pois considerou que se subsumem à previsão incriminadora do crime de injúria agravado (artigos 181.º, 184.º e 132.º, n.º 2, al. l), do Código Penal), argumentando que “a vítima é uma das pessoas referidas na alínea l) do n.º 2 do artigo 132.º, no exercício das suas funções ou por causa delas, porquanto exercia as funções de docente ou, pelo menos, de membro de comunidade escolar”.
Cabe aqui recordar que, no despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 312.º do Código de Processo Penal, o Sr. Juiz recebeu a acusação “pela prática dos factos e violação dos preceitos legais incriminadores aí descritos, que aqui dou por integralmente reproduzidos nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 313.º, n.º 1, al. a), do Código Penal”.
A alteração da qualificação efectuada mais não é do que um (proibido) controlo substantivo da acusação.
Divergindo da valoração jurídico-penal dos factos efectuada pela assistente, e não aceitando o despacho que recebeu a acusação tal e qual como foi deduzida, a Sra. Juiz, em manifesta violação do princípio do acusatório, ingeriu-se em competências alheias, moldando substancialmente a acusação e impondo aos sujeitos processuais a qualificação jurídica que considerou correcta, tudo isto à sua revelia, sem lhes dar a oportunidade de manifestarem os seus pontos de vista sobre a questão que, oficiosamente, suscitou e de que conheceu.
Com efeito, nem explícita, nem implicitamente resulta dos factos descritos na acusação que a assistente é docente e, mesmo que possa ser considerada “membro de comunidade escolar”, nada permite afirmar que foi ofendida pela arguida no exercício das suas funções ou por causa delas.
O que consta da descrição factual da acusação é que a alegada ofensa foi proferida numa “conversa de cariz laboral entre os membros da Direcção do referido D… e a arguida” e que estavam presentes várias outras pessoas, nomeadamente a assistente “na qualidade de Directora Técnica da Valência de Creche e Pré-Escolar”, que é coisa bem diversa de ser alvo de ofensas no exercício das funções de docente ou de membro da comunidade escolar, ou por causa delas.
Acresce que, como é bem sabido, o dolo do agente tem de abranger todos os elementos objectivos do tipo legal em causa. Pratica um crime doloso todo aquele que, no momento e nas circunstâncias em que age (ora, por acção, ora por omissão), fá-lo com conhecimento e vontade de realização da factualidade material típica, ou seja, da conduta descrita como crime.
O elemento intelectual implica, desde logo, o conhecimento (previsão ou representação), por parte do agente das circunstâncias do facto, ou, por outras palavras, o conhecimento dos elementos materiais constitutivos do tipo objectivo do ilícito, incluindo as circunstâncias modificativas agravantes nos tipos qualificados ou agravados.
Quer isto dizer que, in casu, para poder imputar-se à arguida o crime de injúria agravado, teria ela de conhecer a qualidade funcional de docente ou membro da comunidade escolar da assistente e, bem assim, que ela estava no exercício dessas funções ou que foi por causa delas que a arguida lhe dirigiu palavras que sabia serem adequadas a ofender a honra e consideração que lhe são devidas e, ainda assim, quis proferi-las.
Nada disso está expresso na acusação, pelo que, para se concluir que o crime cometido foi o crime de injúria agravado, só pressupondo que esses elementos subjectivos estariam implícitos na factualidade nela descrita, o que chocaria com a filosofia subjacente ao acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 1/2015 (DR, I, de 27.01.2015)[10].
Depois de recebida a acusação e antes da prolação da sentença, após realização da audiência de discussão e julgamento, o juiz não pode apreciar do mérito da acusação.
Uma vez proferido o despacho a que aludem os artigos 312.º e 313.º do Código de Processo Penal, o juiz não pode, quer no início da audiência, quer em momento anterior, proferir decisão que implique o conhecimento do mérito da causa quanto às questões relacionadas com a matéria de facto, designadamente considerando que estão, ou não estão, indiciados factos atinentes à especial censurabilidade ou perversidade do agente e convertendo, por isso, a imputação de um crime simples num crime qualificado ou agravado e vice-versa.
Não é demais reafirmar que, definido e delimitado o objecto do processo pela acusação (ou pela pronúncia, tendo havido instrução), assim se fixando o thema decidendum, a regra é a de que esse quid (“pedaço da vida real portador de uma unidade de sentido”) deve manter-se inalterado até ao trânsito em julgado da condenação.
Mas a vinculação temática do tribunal, quer no que concerne aos factos descritos na acusação, quer no que tange ao enquadramento jurídico dos mesmos ali operado, não é absoluta.
No processo penal há interesses conflituantes (o interesse público da aplicação do direito criminal, mediante a eficaz perseguição dos delitos cometidos, e o direito impostergável do arguido a um processo penal que assegure todas as garantias de defesa) que se impõe conciliar e por isso o princípio da vinculação temática não pode ser entendido e aplicado com uma rigidez tal que o tribunal fique impedido na sua actividade cognoscitiva e decisória de atender a factos que não foram objecto da acusação, sejam quais forem as circunstâncias.
Como ensina o Professor Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, III, 2.ª edição, Verbo, pág. 273), “por razões de economia processual, mas também no próprio interesse da paz do arguido, a lei admite geralmente que o tribunal atenda a factos ou circunstâncias que não foram objecto da acusação, desde que daí não resulte insuportavelmente afectada a defesa, enquanto o núcleo essencial da acusação se mantém o mesmo”.
Com efeito, em certos casos e situações, por razões várias, já depois de deduzida a acusação, algumas vezes no decurso do julgamento, outras mesmo na fase de recurso, apuram-se novos factos ou constata-se que os factos da acusação foram deficientemente ou insuficientemente descritos ou deficientemente ou incorrectamente qualificados (valorados jurídico-penalmente), possibilitando a lei, desde que salvaguardadas as garantias de defesa do arguido, a alteração dos factos e/ou a alteração da sua qualificação jurídica, para que o processo possa alcançar o seu concreto fim, isto é, a descoberta da verdade e a realização da justiça.
Possibilidade que a lei prevê e disciplina nos artigos 358.º e 359.º do Código de Processo Penal.
A possibilidade de alteração da qualificação jurídica, mesmo sem qualquer alteração factual, que na acusação ou na pronúncia se atribuiu aos factos nas mesmas descritos, está contemplada no n.º 3 do citado artigo 358.º, situação que o legislador entendeu submeter ao regime aplicável à alteração não substancial dos factos.
Em suma, dentro de certos limites (seja, desde que salvaguardadas as garantias de defesa do arguido) é, legalmente, possível a alteração dos factos da acusação ou da pronúncia. Por outro lado, o tribunal não está vinculado pela qualificação jurídica dada aos factos na acusação ou na pronúncia, havendo-a. O Ministério Público, o arguido e o assistente têm o direito de discutir a qualificação jurídica dos factos sem quaisquer restrições durante a audiência (artigo 339.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
O ponto que tem sido objecto de controvérsia é o de saber qual o momento processualmente adequado para o tribunal de julgamento se pronunciar sobre a qualificação jurídica dos factos que constituem o objecto do processo.
A melhor doutrina defende que esse momento é, necessariamente, posterior à produção de prova e mesmo à decisão sobre os factos da acusação (pública ou particular) ou, havendo instrução, da pronúncia, pois é claro o propósito do legislador de que a discussão sobre a qualificação jurídica dos factos ocorra na audiência de julgamento e só nesse momento.
Como já referimos, a alteração da qualificação jurídica poderá ocorrer em consequência de uma alteração (não substancial) dos factos ou, mesmo sem qualquer alteração factual, se o tribunal considerar incorrecta a valoração jurídico-penal efectuada na acusação ou na pronúncia.
Ora, tendo em conta a inserção sistemática do artigo 358.º do Código de Processo Penal no capítulo que define as regras e princípios que regulam a actividade da produção de prova, não há lugar para grandes dúvidas de que o mecanismo da alteração da qualificação jurídica do n.º 3 daquele preceito foi previsto e tem aplicação já após a discussão da causa, quando se conhece do mérito da causa.
As divergências que existiam ao nível da jurisprudência sobre essa questão justificaram a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça que fixou jurisprudência no seguinte sentido (AUJ n.º 11/2013, de 12.06.2013, DR, I SÉRIE, 138, de 19.07.2013):
«A alteração, em audiência de discussão e julgamento, da qualificação jurídica dos factos constantes da acusação, ou da pronúncia, não pode ocorrer sem que haja produção de prova, de harmonia com o disposto no art.º 358º nºs 1 e 3 do CPP»
Por identidade de razão, não pode haver alteração da qualificação jurídica dos factos em momento anterior à audiência, uma vez proferido o despacho a que aludem os artigos 312.º e 313.º do Código de Processo Penal e no qual o juiz recebeu a acusação, com expressa remissão para os factos nela descritos e com o enquadramento jurídico-penal na mesma efectuado.
Em conclusão, não pode manter-se o despacho recorrido.

IIIDispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao presente recurso e revogar a decisão recorrida.
Sem tributação.

(Processado e revisto pelo primeiro signatário, que rubrica as restantes folhas).
Porto, 23/11/2016
Neto de Moura
Ana Bacelar
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[1] Cfr., ainda, o acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ n.º 7/95, de 19.10.95, DR, I-A, de 28.12.1995.
[2] Sobre este ponto específico, cfr. Vinício Ribeiro, “Código de Processo Penal – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2.ª edição, 864.
[3] No mesmo sentido, os acórdãos do TRL, de 05.05.1999 e de 08.07.2004, respectivamente, na CJ XXIV, T. III, 138, e CJ XXIX, T. IV, 127.
[4] Pelo acórdão n.º 4/93, de 17.02.93 (DR, I, de 26.03.1993) o STJ fixou jurisprudência no sentido de que os poderes do juiz de julgamento a que alude o artigo 311.º do Cód. Proc. Penal incluíam a faculdade de rejeitar a acusação por manifesta insuficiência da prova indiciária.
Com a reforma do Código de Processo Penal operada pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e as alterações introduzidas naquele artigo, a doutrina e a jurisprudência estiveram de acordo em que tal “assento” caducou.
[5] Com efeito, é consensual a ideia de que o Código de Processo Penal consagra um modelo de processo “basicamente acusatório integrado por um princípio subsidiário e supletivo de investigação oficial” (cfr. Figueiredo Dias, “Acordos sobre a sentença em processo penal”, edição do Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, 16).
[6] Com a colaboração de Frederico Isasca e Rui Sá Gomes.
[7] Direito Processual Penal, 1974, p.145
[8] Identidade quer, aqui, dizer que o objecto do processo deve manter-se idêntico da acusação à sentença definitiva e consunção que a decisão sobre o objecto do processo deve considerar-se como tendo definido jurídico-criminalmente a situação em tudo o que podia e devia ser conhecido.
[9] Que é do seguinte teor:
4 — Sem prejuízo do regime aplicável à alteração dos factos, a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultante da acusação ou da pronúncia, tendo em vista as finalidades a que se referem os artigos 368.º e 369.º”.
[10] Que é do seguinte teor:
«A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do CPP».