Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
792/12.4TACHV.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: CO-AUTORIA
AUTORIA PARALELA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Nº do Documento: RP20141105792/12.4TACHV.P1
Data do Acordão: 11/05/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: REENVIO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Existe insuficiência da matéria de facto provada, se não é averiguado no processo, a existência ou não de coautoria ou de autoria singular simultânea, entre o arguido que está a ser julgado e outros arguidos já julgados em processo autónomo sendo os factos apurados os mesmos em ambos os processos, por tal se poder repercutir quer na aplicação das penas em face do principio da igualdade na aplicação do direito e quer na condenação na indemnização civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 772/12.4TACHV.P1
Chaves

Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto.
2ª Secção criminal

I-Relatório.

No Processo Comum Singular n.º 792/12.4TACHV, do 2º juízo do Tribunal Judicial de Chaves, foi submetido a julgamento, o arguido B…, melhor identificado a fls. 297.

A Sentença de 20 de Março de 2014, depositado no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto:
Parte Crime.
Julgo a acusação pública procedente por provada e, em consequência:
a). Condeno arguido B… na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p., pelo art. 143º, n.º1, do Cód. Penal.
b). Nos termos do art. 50º, n.ºs 1, e 5, do Cód. Penal, suspende-se a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período, ou seja, 2 (dois) anos.
c). Sujeita-se ainda a suspensão da execução da pena:
i) Ao pagamento ao ofendido C… da quantia de € 14.190,00 sendo € 7.095, a pagar até ao termo do prazo de 1 ano após o trânsito em julgado desta decisão e € 7.095,00 até ao termo dos 2 anos:
ii) A regime de prova nos termos do art. 53º, do Cód. Penal.
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Após trânsito solicite-se à DGRS a elaboração do plano de reinserção social a ser aplicado ao arguido.
Custas criminais e demais encargos pelo arguido com taxa de justiça de 2 UC nos termos do art. 8º, n.º5, tabela III do Regulamento das Custas Processuais e arts. 513º e 514º, do Cód. Proc. Penal.
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Parte Cível.
Julgo parcialmente procedente por provado o pedido de indemnização civil formulado por C…, e, em consequência condeno o arguido C… a pagar-lhe a quantia de € 16.440,00 (dezasseis mil quatrocentos e quarente euros), correspondendo € 14.190,00 a danos de natureza patrimonial e € 2.250,00 a danos de natureza não patrimonial, acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido de indemnização civil e até efectivo e integral pagamento.
Custas na proporção do decaimento – cfr. art. 523º, do Cód. Proc. Penal e 527º, n.º1, do Cód. Proc. Civil.
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Após trânsito comunique ao registo criminal.
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Deposite-se – cfr. art. 372º, n.º5, do Cód. Proc. Penal.»
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, apresentando a motivação de fls. 336 a 349 que remata com as seguintes conclusões:
A. Ao arguido B…, foi aplicada nos presentes autos, a pena de dois anos de prisão suspensa por igual período, sujeitando, no entanto a suspensão da execução da pena ao pagamento ao ofendido da quantia de 14190 €, sendo 7095 € a pagar a até ao termo do prazo de um ano após trânsito em julgado da decisão e adicionais 7095 €, até ao termo dos dois anos, quanto a nós, no entanto, excessiva a medida da pena, senão vejamos;
B. Deu como provado a Meritíssima Juíza, grosso modo, que o arguido praticou um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punido pelo artigo 143, nº 1 do Código Penal; E,
C.É na fixação concreta da medida de uma pena estabelecida no âmbito de uma moldura abstracta que se evidencia a tarefa mais importante do Juiz, obedecendo a um rigoroso cumprimento da Lei, seja das normas estabelecidas no Código Penal (artigos 40º, 70º e 71º) seja dos princípios constitucionais que se evidenciam como orientadores primários da interpretação jurídico-penal, seja no caso concreto no Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro.
D. Como se sabe é na culpa do agente e nas razões preventivas gerais e especiais que se encontram as guias fundamentais para fixar a pena devida em determinado caso, sendo que o Código Penal estabelece um limite inequívoco e inultrapassável onde tem que assentar a medida da pena: a culpa do agente, nomeadamente a sua medida.
E. É este o limite que nenhum razão de prevenção pode ultrapassar e de acordo com a imposição normativa estabelecida no artigo 40º n.º 2 do Código Penal, não há pena sem culpa nem a pena pode, na sua dimensão concreta, ultrapassar a medida da culpa («limite inultrapassável», refere Gonçalves da Costa in «A Parte Geral no Projecto de Reforma do Código Penal Português», Revista Portuguesa de Ciência Criminal ano 3, Abril/Dezembro 1993, p. 330 e 333 e no mesmo sentido Margarida Silva Pereira in «Relatório e parecer da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos Liberdades e Garantias sobre a Proposta de Lei 92/VI» - que reviu o Código Penal, in Sub Judice, nº 11, p.11.);
F.O que impõe que na fixação da pena concreta se leve em consideração a dimensão da prevenção, geral e especial, como aliás decorre do artigo 71º n.º 1, prevenção que, no entanto, como vem sendo absolutamente assumido pela doutrina e jurisprudência de uma forma inequívoca, respeitando aliás a imposição legislativa, se assume como uma prevenção geral de integração;
G. E se este é o quadro geral sobre o qual assenta a tarefa de aplicar concretamente a pena, no que respeita à pena de prisão dever referir-se que é inequívoca a assunção legislativa (com suporte constitucional) de que a pena de prisão se assume como ultima ratio no leque de penas aplicáveis, sendo sugestionado, enfaticamente, pelo Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, que no caso concreto do agente a mesma deverá ser mesmo não privativa de liberdade;
H. Como refere Anabela Rodrigues, «a prisão - se cumprido o programa de alargamento de margens legais no âmbito das quais se pode recorrer a penas de substituição e se a tipologia destas penas, por sua vez, também for suficientemente ampla - deve ver a sua aplicação reduzida aos casos de cometimento de crimes mais graves, em que uma reacção através de outras formas de pena não poderia assegurar o efeito essencial de prevenção geral desejado», cf. «Sistema punitivo português. Principais alterações ao Código Penal Revisto», Sub Júdice, nº 11 p. 32.
I. Mas resulta, para nós, que a factualidade que subjaz à aplicação da medida da pena, que está concretamente aplicada, não se mostra adequada por ultrapassar o necessário para a estrita reintegração das normas afetadas pelo comportamento do agente/arguido e cremos, igualmente, que são ultrapassados com a pena concretamente aplicada, não apenas os limites da prevenção, geral e especial, como também o grau de culpa do arguido; Porquanto,
J. O Arguido é pessoa, integrada socialmente, que para além de um crime de condução sem habilitação legal não possui qualquer outro crime pelo qual tenha sido condenado, desde 2010 até à presente data;
K. Depois, resultou dado como provado, que no dia 3 de Junho de 2010 pelas 06:35 horas, junto a um estabelecimento de diversão noturna denominado de “F…” verificou-se um desentendimento no qual o arguido terá atingido o ofendido com um pau;
L. Mas também resultou dos autos e é manifestado na douta sentença da qual se recorre, que correu termos um outro processo, concretamente o processo nº 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves, já transitado em julgado, em que, eram acusados e foram condenados D… e E…, respetivamente, numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5 € e 250 dias de multa à taxa diária de 5 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do ofendido, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar;
M. Ou seja, verificou-se a prática do crime na pessoa do ofendido em co autoria, entre os sobreditos D…, E… e B…, pois os primeiros também agrediram o ofendido, “estando acompanhado por mais do que uma pessoa no momento em que lhe acertou”, tal como é dito, também, na douta sentença;
N. E foi dado como provado, tal como consta de certidão junta aos autos, do processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves, que e passa-se a citar que:
“No dia 3 de Junho de 2010, pelas 06.35 horas que D… e E… e outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, munido cada um de um pau, …, diferiram várias pancadas no corpo do ofendido C…, - porquanto o mesmo ofendido nos presentes autos – bem como murros e pontapés no corpo provocando-lhe dores e as seguintes lesões: várias feridas no couro cabeludo e deformidade do nariz, arrancamento de dentes da arcada superior esquerda, fratura do cúbito esquerdo, ferida a nível do nariz, lábio superior esquerdo, couro cabeludo.
O. Precisamente as mesmas lesões que foram dadas como provadas nos presentes autos, que não foram praticadas em exclusivo por parte do arguido ora recorrente, sendo que, nos custa a percecionar tendo em conta que em nenhum dos processos se verificou uma atuação mais ou menos destacada por parte dos co autores do crime na pessoa do ofendido e das lesões nele infligidas, o porque de tão díspar condenação nos presentes autos;
P. Pois, no momento da prática dos autos o arguido B… tinha 19 anos, era e é um jovem, que não praticou em exclusivo o crime em que se lhe aplica pena tão pesada, privativa de liberdade, e se desconsidera o Decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro, que prescreve uma imperativa necessidade de evitar a pena de prisão tanto quanto o possível;
Q. E neste caso, a um jovem, atualmente, de 22 anos, que não praticou até ao presente nenhum outro crime, que não seja um crime de condução sem habitação legal e que não tem conexão sistemática com o crime pelo qual foi condenado nos autos, não será de lhe dar um voto de confiança, e ter um juízo de prognose favorável no que toca à sua ressocialização, cremos evidentemente que sim, e que haveríamos de lhe ter aplicado uma pena não privativa de liberdade, de multa, nos mesmos moldes que foram aplicados no processo que com este se encontra materialmente conexionado
R. Pois, tendo em conta os princípios norteadores do dito Decreto-lei 401/82 de 23 de Setembro, há que tutelar de algum modo a ressocialização dos jovens imputáveis quando se encontram no limiar da maturidade, como é o caso do arguido que com 22 anos, se vê contrariamente ao necessário, com a franca e séria possibilidade de passar dois anos preso por um acto irrefletido, único e não repetido até à presente data, quando tinha apenas 19 anos
S. Em que, fazer depender o não cumprimento da pena privativa de liberdade do pagamento da quantia de 14190 euros, que é referente ao dano patrimonial necessário para repor as peças dentárias do ofendido e demandante, cremos ser, salvo melhor opinião também manifestamente excessivo;
T. Pois, o jovem encontra-se desempregado, e não tem possibilidades financeiras para amealhar tal soma, o que o condenará já à partida a passar dois anos privado de liberdade, contrariamente a tudo o que é defendido pelo aludido Decreto-lei e pelos ensinamentos da Professora Doutora Anabela Miranda Rodrigues no excerto já citado; Quando se verifica que;
U. Em primeiro, e como se disse, o crime foi praticado em co autoria, tendo já nos autos 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves, sido condenados D… e E… a pagar ao ofendido, pelos mesmo factos, cada um deles a quantia de 2250 €, portanto 4500 €, para reparação dos danos sofridos quer patrimoniais quer morais; E repete-se,
V. Não houve, nem resulta dos autos que o arguido B… tivesse uma atuação mais agressiva, mais negativa, mais merecedora de uma postura mais “pesada” do sistema judiciário, que lhe impusesse uma condenação a dois anos de prisão suspensa, mas condicionada ao pagamento da quantia de 14190 €, nem tão pouco cremos adequado, justo e legalmente admissível, que o mesmo pague a totalidade dos danos que não praticou em exclusivo, designadamente, o custo de reposição das placas dentárias, pelo que não lhe será aplicável o preceituado no artigo 51, nº 1 alínea a);
W. Depois, a condenação manifesta e passa-se a citar ”No que se refere aos danos de natureza patrimonial, ou seja aqueles que são avaliados em dinheiro, provou-se que, para proceder à reposição das peças dentárias o demandante necessita de 14 190,00 € dano esse que foi causado pelo arguido”, sendo que, daqui resulta algo com o que igualmente não concordamos, pois, não foi o arguido em exclusivo que praticou os danos no ofendido e já há uma condenação no montante de 4500 € pelos mesmos factos e para a reparação dos mesmos danos; Depois,
X. Cremos que se trata de uma condenação inadmissível, pois, a folhas 279 dos presentes autos, por requerimento apresentado pelo demandante e ofendido, este manifesta o que se segue “Aceita-se o valor referido nessa sentença – por referência à sentença proferida no processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves – de 11190 € para os tratamentos médico dentários, já que o orçamento junto ao pedido cível de indemnização incluía o tratamento de dois dentes cuja necessidade de tratamento não resultam da atuação dos arguidos(…)Tendo por via disso reduzido o pedido de indemnização para 14190 €, sendo destes 3000 € a título de danos não patrimoniais;
Y. Portanto não se antevê a razão pela qual é condenado a um montante superior ao peticionado a título de danos não patrimoniais, pelo que só o montante de 11190 € deveria e deverá ser considerado;
Z. Ademais, o orçamento junto ao autos e já junto também no âmbito do processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves, é emitido por um clínica, que sendo um clinica conhecida e reconhecida, é também consabido que pratica preços elevados, sendo que, igualmente, em dezenas de médicos dentistas do país se poderiam realizar as mesmas intervenções, com similar qualidade mas por um preço mais comedido;
AA. Não resultando, igualmente, de qualquer peritagem o valor ao qual o arguido foi condenado nem havendo a garantia que o ofendido recebido o montante nessa clinica fará o tratamento;
BB. Assim, e como dito, cremos que a sentença da qual se recorre ultrapassa consideravelmente os limites da prevenção geral e especial, devidos à sociedade e ao arguido, e bem como ultrapassam o grau de culpa do mesmo, que não se destacou dos co autores do crime para ter pena tão pesada, devendo haver um reajuste da medida da pena na sua tipologia devendo a mesma em conformidade com o Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, indelevelmente aplicável no caso em concreto, ser não privativa da liberdade, no sentido de aplicar uma punição mais reeducadora do que sancionadora e mais justa;
CC. Pois, pense-se no caso concreto o que virá de positivo para a vida de um jovem com 22 anos que vai passar, se não houver uma intervenção de V. Exa. Venerandos Desembargadores, dois anos na cadeia, e só não os passará, de igual modo, se os progenitores e familiares do mesmo se ajuntarem e pagarem a quantia à qual foi condenado e nessa perspetiva a justiça não será aplicada ao arguido;
DD. Depois, deverá haver um reajuste no montante ao qual foi condenado no pagamento por manifestamente excessivo pelas razões indicadas.
Normas jurídicas violadas: Foram, pelo menos, violadas as normas, 40º, 51, nº 1 alínea a), 70º e 71º do Código Penal e Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro
Termos em que, pelo exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, por via disso, ser reapreciada a pena aplicada ao arguido e no concreto ser aplicada ao mesmo uma pena não privativa de liberdade tendo em conta os ditames do Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro e dos artigos 40º, 70º e 71º do Código Penal e, igualmente, verificar-se um reajuste do montante ao qual o mesmo foi condenado a título de danos, fazendo-o descer e não fazer depender o seu pagamento do cumprimento ou não de qualquer pena.»
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O recurso foi admitido para este Tribunal da Relação do Porto, por despacho constante de fls. 352.
O ofendido ofereceu resposta constante dos autos a fls. 357 a 361 onde pugna pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
O Mº Pº na primeira instância ofereceu resposta constante dos autos a 364 a 366, onde sumariou as seguintes conclusões:
-A pena de prisão de dois anos, aplicada ao arguido, ainda que suspensa na sua execução, mostra-se adequada.
-Tal como se mostra adequado suspender a execução da pena de prisão ao pagamento da quantia de €14.190,00, correspondente ao valor da reposição da arcada dentária do ofendido.
- Não foi violado qualquer preceito legal.
- Nenhum reparo merece a douta sentença recorrida, que deverá ser mantida nos seus precisos termos, assim se fazendo justiça.
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Nesta Relação, o Exº. Procurador da República emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Cumprido o artigo 417º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não houve resposta.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.-Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:
- Opção pela pena de prisão e medida da pena.
- Valor do pedido de indemnização civil.
- Razoabilidade da condição aposta à suspensão da execução da pena de prisão.
*
2. Factualidade.
Segue-se a enumeração dos factos provados e não provados tal como constam da decisão sob recurso:
«II. Os Factos.
Instruída e discutida a causa provou-se que:
1. No dia 3 de Junho de 2010, pelas 06h35m, no exterior do estabelecimento de diversão denominado “F…”, junto ao …, em Chaves, teve lugar um pequeno desentendimento entre várias pessoas, entre as quais o arguido e o ofendido.
2. Assim, nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido B…, munido de um pau cujas características concretas não se apuraram, desferiu várias pancadas no corpo do ofendido C…, assim como murros e pontapés, atingindo-lhe, especialmente a zona da cabeça e da cara na zona da boca.
3. Em consequência da conduta do arguido o ofendido C… sofreu dores e lesões, designadamente:
Várias feridas no couro cabeludo, deformidade no nariz, arrancamento de dentes da arcada superior esquerda, fractura do cúbito esquerdo, ferida a nível do nariz, lábio superior esquerdo, couro cabeludo, mento e espaço inter digital entre o 2º e o 3º dedos da mão direita, fractura dos ossos próprios do nariz, hematoma peri-orbitral esquerdo.
4. Aquando da realização de exame no IML apresentava:
- Na face – cicatriz arciforme de concavidade para baixo, medindo um centímetro no terço médio do bordo da pirâmide nasal que também está ligeiramente afundada. Fractura da coroa do dente 2.1. Evulsão de 2.2 e 2.3. Fractura de 3.2 e 3.3. Cicatriz na face interna do lábio inferior.
Membro superior esquerdo – membro gessado devido a fractura do cúbito.
5. As lesões descritas demandaram 60 dias para a cura, com afectação da capacidade geral e profissional de 45 dias.
6. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, da forma descrita, com o intuito de molestar o corpo e a saúde do ofendido, o que conseguiu, bem sabendo que a sua conduta não era permita por lei.
7. A reposição dos dentes que ficaram danificados em consequência da agressão de que o ofendido foi alvo ascende a € 14.190,00.
8. O ofendido sentiu dores no momento da agressão bem como durante os 30 dias seguintes.
9. Durante cerca de um mês não conseguiu comer comidas sólidas, uma vez que em virtude da falta de peças dentárias tinha dificuldade em mastigar.
10. Tinha dificuldade em dormir.
11. Sentia vergonha em andar na rua e encontrar pessoas mercê da sua dificuldade em falar.
12. Em sede de audiência de julgamento o arguido não manifestou qualquer arrependimento.
13. O arguido não tem antecedentes criminais.
14. No âmbito do Proc.295/10.1TACHV do 2º Juízo deste Tribunal, por sentença já transitada em julgado D… e E… foram condenados, respectivamente, numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e de 250 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do ofendido, nas circunstâncias de tempo e lugar em apreciação nos presentes autos.
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Com relevância para a decisão inexiste matéria dada como não provada.
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Fundamentação.
Para dar como provada a matéria de facto nos termos enunciados, teve-se em conta, desde logo, o depoimento prestado pelo ofendido em sede de audiência de julgamento.
Assim, de modo sereno e ponderado começou por dizer que, na noite dos factos, se encontrava acompanhado de um casal amigo de Viseu e que tinha vindo passar o fim de semana consigo a Chaves.
Esclareceu que, antes da ocorrência aqui em apreciação, teve um pequeno desentendimento com um dos contendores, junto de um estabelecimento de diversão nocturna denominado G….
Posteriormente, deslocou-se com as pessoas que o acompanham – o mencionado casal mais um outro rapaz de nome H… – para um outro estabelecimento de nome “F…”.
Esse tal rapaz – de nome I… – saiu do estabelecimento, tendo regressado pouco tempo depois a deitar sangue, tendo dito que, tinha sido agredido por causa do ofendido.
Na sequência desta conversa, o ofendido, saiu do espaço de diversão nocturna acompanhado do casal amigo, sendo que, no exterior do mesmo se encontrava, no cimo de umas escadas que ali existem, o arguido e um outro individuo de nome D… ambos munidos com um pau.
Aproximou-se para indagar o que se tinha passado, começando quase de imediato a ser agredido com os paus, tendo o arguido B… lhe desferido uma pancada na zona da boca, que lhe atingiu os dentes.
De seguida apareceram mais indivíduos que o continuaram a agredir, fazendo com que caísse ao chão, continuando sempre a agredi-lo com os paus, pontapés e socos, estando o arguido entre eles.
Consegui levantar-se e tentou fugir.
No entanto, o arguido e os que o acompanhavam alcançaram-no, atirando-o novamente ao chão e continuando a agredi-lo em todas as partes do corpo.
Nessa altura perdeu os sentidos, só tendo acordado no hospital, quando lhe estavam a arrancar os dentes que se encontravam danificados em consequência das pancadas que levou.
Tinha ainda o nariz partido, dedos e braço fracturados, feridas na cabeça e hematomas por todo o corpo.
Sofreu muitas dores, ficando com a cara completamente inchando, não conseguindo sequer abrir os olhos.
Durante cerca de um mês não conseguiu comer, apenas ingerindo líquidos em virtude das peças dentárias em falta.
Sentiu-se envergonhado, humilhado com a situação e desgostoso com o seu aspecto físico, em especial com a ausência de dentes. Tando assim, que emigrou tendo em vista angariar dinheiro para poder colocar as peças dentárias em falta bem como todos os tratamentos que necessita de realizar.
O seu depoimento foi perfeitamente revelador da agressão brutal de que foi alvo, estando o ofendido, ainda hoje, muito perturbado com o sucedido e com dificuldades em falar sobre o mesmo.
No entanto, o Tribunal acreditou plenamente nas suas palavras.
Acresce que, das regras da experiência comum, tendo em conta o estado em que o ofendido ficou, e que resultam inequivocamente de fls. 10 e ss (exame médico legal), é inquestionável que o ofendido teve muitas dores, ficou incapacitado durante muitos dias, além de manter durante longo tempo dificuldades para a realização das tarefas mais elementares do dia a adia, como por exemplo, alimentar-se.
A testemunha J…, amigo do ofendido e que tinha vindo passar, na companhia da sua namorada um fim de semana em Chaves, apresentou uma versão dos factos em tudo coincidente com a do ofendido, designadamente no que se refere ao facto de o H… ter sido agredido, e à sua saída e da sua namorado, bem como do ofendido do estabelecimento de nome “F…” e o seu confronto com o arguido e com as pessoas que o acompanhavam.
Assim, saíram da discoteca e depararam-se com o B… e o D… (amigo do arguido), no cimo das escadas (na rua) munidos de paus.
O C… dirigiu-lhes a palavra, perguntando-lhes porque é que tinham agredido o H….
De repente surgiu um grupo de rapazes que começou a bater no C…, tendo o arguido desferido pancadas com o pau na cara daquele.
O C… caiu ao chão, continuando sempre a ser agredido. Tentou ajudar mas também foi agredido.
O C… conseguiu levantar-se, tendo o arguido e os que o acompanhava ido atrás dele, e recomeçado a agredi-lo.
O ofendido caiu ao chão, sendo violentamente pontapeado, por todos eles, incluindo o B….
Afirmou, sem sombra para qualquer dúvida que o B… agrediu o C… com um pau na cara (na zona da boca), bem como lhe desferiu pontapés e todo o tipo de agressões quando aquele estava no chão.
A sua namorada começou a chorar a dizer que queria ir embora e foram para o carro seguindo de imediato para Viseu.
Antes de abandonar o local ainda visualizou o ofendido caído no chão, inanimado, coberto de sangue, a ser agredido por várias pessoas entre as quais o arguido.
Sendo amigo do ofendido, soube descrever o modo como ele se sentiu nos tempos seguintes e como se sente ainda hoje realçando o facto de se sentir muito complexado em virtude de não ter os dentes todos, tendo até emigrado a fim de arranjar o dinheiro para reparar a boca.
Esta testemunha apresentou um depoimento isento, não demonstrando ou evidenciando qualquer motivo querer prejudicar o arguido com o seu depoimento, não obstante a sua relação pessoal e de amizade com o ofendido.
Também a testemunha K…, namorada da testemunha J…, confirmou igualmente que o D… e o B…, quando saíram do estabelecimento de diversão, estavam no cimo de umas escadas existentes na rua com uns paus na mão.
A certa altura começaram a chamar mais rapazes e todos eles agrediram o C…. Viu o B… a agredir o C… com um pau, principalmente na cabeça e na cara, mas também nas outras partes do corpo.
O namorado tentou ajudar o C… sendo que também foi agredido.
Viu o C…, mais do que uma vez, caído no chão, sempre a ser agredido incluindo pelo B….
O C… estava todo ensanguentado.
Ficou muito assustada e começou a chorar pedindo ao namorado para a levar dali, o que fizeram.
O seu depoimento foi claro, descrevendo uma agressão brutal por parte de várias pessoas sobre o C…, não tendo este qualquer possibilidade de se defender.
Também, não tem o Tribunal qualquer razão para duvidar das suas palavras.
Por sua vez, a testemunha L…, agente da PSP e que acorreu ao local, descreveu o estado como encontrou o ofendido como de “inanimado”. Estava muito ferido, deitado não chão e cheio de sangue.
Foi patente na expressão da testemunha que o mesmo ficou extremamente incomodado com a situação com que se deparou. O que, tendo em conta a sua profissão permite concluir que o ofendido se encontrava muito mal tratado.
A testemunha H…, afirmou que no dia dos factos foi agredido pelo E… e pelo D…, tendo voltado a entrar na discoteca e dando disso conhecimento ao C….
Desconhece o que se passou a seguir porque se foi embora.
É certo que o arguido negou a prática de qualquer agressão sobre o aqui ofendido.
Porém, as suas palavras não foram de molde a convencer o Tribunal nem a por em causa a credibilidade das testemunhas ouvidas.
Afirmou, desde logo que era o D… que estava com um pau na mão, a agredir toda a gente. Viu confusão e saiu do local.
Ora, tendo em conta a quantidade de pessoas que se encontravam no local (tanto mais que o E… e o D… já foram condenados por decisão transitada em julgado – da qual não interpuseram qualquer recurso – por terem, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas na acusação agredido o ofendido) é de todo inconcebível que o C… estivesse com um pau na mão, a agredir uma data de pessoas, tanto mais que foi ele quem sofreu os maiores danos.
Note-se que aqui arguido, viu os presentes autos terem origem no seu depoimento em sede de testemunha no processo em que foram julgados e condenados o D… e o E….
Não pode deixar de se ter uma palavra sobre a postura do arguido em sede de audiência de julgamento, sentando-se quase deitado no banco dos arguidos, olhando pela janela, como se de nada lhe interessasse do que se passava naquela sala.
A mesma falta de credibilidade mereceu a testemunha M… afirmando que o ofendido, lhe deu uma paulada que o deixou inconsciente.
Ora, afirmando a testemunha que ficou em estado de inconsciência, e que quando acordou apenas viu o ofendido muito mal tratado, não deixa de causar perplexidade que tenha recusado ir ao hospital a fim de receber tratamento, uma vez que poderia ter uma lesão grave.
Posto isto, em nenhuma palavra desta testemunha se acreditou.
Quanto à intenção, por parte do arguido, de agredir o ofendido e à voluntariedade que esteve subjacente à sua conduta, resulta a prova das mesmas da análise da sua actuação à luz das regras da experiência comum, sendo evidente que só quem tem intenção de agredir empreende aquele tipo de condutas, sendo de conhecimento comum que as mesmas são proibidas por lei.
No que toca ao pedido de indemnização civil a testemunha N…, que trabalhava com o ofendido no O… desta cidade e que o foi visitar ao hospital, começou por dizer que quando o viu desatou a chorar, atento o modo como o mesmo se encontrava. Estava totalmente desfigurado, imobilizado, quase não conseguindo falar. Tinha um olho fechado, cheio de pontos e sem dentes.
Não conseguia comer.
A roupa estava cheia de sangue.
Foi a testemunha que cuidou do ofendido durante um mês.
Mesmo financeiramente teve de o ajudar, pois que, trabalhando há menos de 6 meses, não teve qualquer subsídio de doença.
Andou deprimido, envergonhado e enxovalhado com toda esta situação.
Esta testemunha depôs de modo emotivo sendo evidente o desgosto e a revolta com aquilo que fizeram ao C….
Quanto ao valor da reconstrução dos dentes, tendo em conta o orçamento apresentado e elaborado por dentista, tendo em conta que dois dos dentes incluídos já necessitavam de tratamento em momento anterior ao da agressão, o mesmo ascende a € 14.190,00.»
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3.- Apreciação do recurso.
§1º.
Nos termos do artigo 428º, do Cód. Proc. Penal, as Relações conhecem de facto e de direito.
E atento o disposto no artigo 410º, n.º2, do CPP, o recurso pode ter sempre como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; o c) erro notório na apreciação da prova.
É hoje praticamente unânime a aceitação do princípio do conhecimento oficioso dos referidos vícios da matéria de facto.
Na verdade mandam a prudência e o bom senso que nenhum tribunal possa ser obrigado a aplicar o direito a uma matéria de facto ostensivamente divorciada da realidade das coisas, quer por ser insuficiente, quer por ser contraditória, quer por erroneamente apreciada.
Nas suas conclusões K a O, o recorrente, com vista a motivar a sua pretensão de condenação numa pena de multa, sustenta:
- Que “resultou como provado, que no dia 3 de Junho de 2010 pelas 06:35 horas, junto a um estabelecimento de diversão noturna denominado de “F…” verificou-se um desentendimento no qual o arguido terá atingido o ofendido com um pau;
- Mas também resultou dos autos e é manifestado na douta sentença da qual se recorre, que correu termos um outro processo, concretamente o processo nº 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves, já transitado em julgado, em que, eram acusados e foram condenados D… e E…, respetivamente, numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de 5 € e 250 dias de multa à taxa diária de 5 €, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do ofendido, nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar;
- Isto é que se verificou a prática do crime na pessoa do ofendido em co autoria, entre os sobreditos D…, E… e B…, pois os primeiros também agrediram o ofendido, “estando acompanhado por mais do que uma pessoa no momento em que lhe acertou”, tal como é dito, também, na douta sentença;
- E foi dado como provado, tal como consta de certidão junta aos autos, do processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves, que e passa-se a citar que: “No dia 3 de Junho de 2010, pelas 06.35 horas que D… e E… e outros indivíduos cuja identidade não foi possível apurar, munido cada um de um pau, …, diferiram várias pancadas no corpo do ofendido C…, - o mesmo ofendido nos presentes autos – bem como murros e pontapés no corpo provocando-lhe dores e as seguintes lesões: várias feridas no couro cabeludo e deformidade do nariz, arrancamento de dentes da arcada superior esquerda, fratura do cúbito esquerdo, ferida a nível do nariz, lábio superior esquerdo, couro cabeludo.
- Precisamente as mesmas lesões que foram dadas como provadas nos presentes autos, que não foram praticadas em exclusivo por parte do arguido ora recorrente, sendo que, nos custa a percecionar tendo em conta que em nenhum dos processos se verificou uma atuação mais ou menos destacada por parte dos co autores do crime na pessoa do ofendido e das lesões nele infligidas, o porque de tão díspar condenação nos presentes autos;»
Vejamos.
As supra reproduzidas conclusões patenteiam uma insuficiência da matéria de facto provada, senão para a condenação, para a determinação da medida concreta da pena, pois não é indiferente para este efeito, que o arguido tenha actuado conjuntamente ou em co-autoria com os supra referidos D… e E… ou que apenas se verifiquem autorias singulares simultâneas do aqui arguido e daqueles arguidos julgados e condenados no processo 295/10.1TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves.
A averiguação sobre se a actuação do aqui recorrente ocorreu em autoria singular simultânea com os arguidos (do processo 295/10.1TACHV) D… e E…, ou em co-autoria com os mesmos, mostra-se, por conseguinte, imprescindível para uma correcta e justa opção por uma das penas- multa ou prisão - previstas em alternativa no artigo 143º do C.P., e consequente e posterior correcta e justa determinação da medida concreta da pena
A imprescindibilidade desta averiguação decorre das seguintes razões:
- do facto de na sentença sob escrutínio se ter dado por provado no facto 14º que: No âmbito do Proc. 295/10.1TACHV do 2º Juízo deste Tribunal, por sentença já transitada em julgado D… e E… foram condenados, respectivamente, numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 5,00 e de 250 dias de multa à taxa diária de € 5,00 pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples na pessoa do ofendido, nas circunstâncias de tempo e lugar em apreciação nos presentes autos;
- de na sentença sob escrutínio ter o recorrente sido condenado na pena de 2 anos de prisão suspensa por 2 anos com a condição do pagamento ao ofendido C… da quantia de € 14.190,00 sendo € 7.095, a pagar até ao termo do prazo de 1 ano após o trânsito em julgado desta decisão e € 7.095,00 até ao termo dos 2 anos; e anda a sua sujeição a regime de prova nos termos do art. 53º, do Cód. Penal;
- de a função jurisdicional do Estado estar vinculada pelo princípio da igualdade na sua dimensão de “igualdade de aplicação do direito aos cidadãos através dos tribunais”, sendo que tal “igualdade de aplicação do direito” se consubstancia na vinculação jurídico-material do juiz ao princípio da igualdade, cujas manifestações mais relevantes são i) a aplicação de igual direito a casos idênticos e ii) a utilização de um critério de igualdade na utilização pelo juiz dos seus poderes discricionários de fixação de penas, montantes de indemnização, etc.;
- da conciliação dos factos provados de ambas as sentenças verifica-se que em ambas se dá como provado com poucas diferenças de redacção que «o ofendido C… sofreu dores e lesões, designadamente: várias feridas no couro cabeludo, deformidade no nariz, arrancamento de dentes da arcada superior esquerda, fractura do cúbito esquerdo, ferida a nível do nariz, lábio superior esquerdo, couro cabeludo, mento e espaço inter digital entre o 2º e o 3º dedos da mão direita, fractura dos ossos próprios do nariz, hematoma peri-orbitral esquerdo. Lesões que demandaram 60 dias para a cura, com afectação da capacidade geral e profissional de 45 dias.».
As supra referidas razões, ou pelo menos algumas delas, inculcam a ideia de que efectivamente houve co-autoria entre o aqui recorrente e, pelo menos, os ali arguidos, pois que as mesmas lesões foram imputadas na totalidade aos arguidos do processo 295/10.1TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves e ao aqui recorrente, neste processo.
Por outro lado, o tribunal a quo tinha o dever de proceder a esta averiguação e elucidar esta questão, visto que o princípio da investigação que sobre si impende impõe-lhe a procura da verdade material, tendo em vista a realização da justiça que é o fim último do processo penal, sendo que a sentença do processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves é datada de 10 de Julho de 2012, transitou em julgado em relação ao arguido D… em 17.09.2012 e em relação ao arguido E… em 26.06.2013 e foi junta aos autos, por iniciativa do próprio tribunal (além de que no processo 295/10.1TACHV o MP proferiu despacho de arquivamento em relação ao aqui recorrente, por falta de prova, e ao abrigo do art. 277º, n.º2 do CPP, e despacho de acusação em relação aos ali arguidos D… e E…) durante a audiência de julgamento.
A mesma averiguação, afigura-se-nos ter também importância em sede de pedido de indemnização civil, visto que os arguidos no processo 295/10.1TACHV, foram condenados solidariamente na quantia de 2.250,00€ relativa a danos não patrimoniais, e caso todos os arguidos tenham, como parece resultar da motivação da decisão de facto da sentença sob escrutínio, agido em co-autoria, há interesse na referida averiguação, nomeadamente para efeitos dos artigos 511º e segs. do C.C.
Há ainda necessidade de averiguar as condições de vida do arguido mormente a sua situação económica, familiar e profissional que se mostra imprescindível quer para aferir da razoabilidade da condição aposta à suspensão quer para numa eventual condenação em pena de multa – art. 47º, n.º2 do CP -, sendo que não se entende a razão pela qual tal averiguação não foi efectuada, pois que o arguido, aqui recorrente, esteve presente em audiência e prestou declarações e, sempre poderia e deveria ter-se solicitado relatório social para o efeito.
Pelo exposto, a averiguação referida - actuação do aqui recorrente em autoria singular simultânea com os arguidos D… e E…, ou todos em co-autoria e, bem assim as condições de vida do arguido, mormente a sua situação económica, familiar e profissional - mostra-se definitivamente imprescindível, como dissemos, para uma correcta e justa opção por uma das penas- multa ou prisão - previstas no artigo 143º do CP, e consequente e posterior correcta e justa determinação da medida concreta da pena, existindo assim insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Ora a verificação dos referidos vícios da matéria de facto inquina a decisão e o julgamento que se encontra a montante da mesma, o que tem como consequência, nos termos do art. 426º do CPP, que não seja possível decidir da causa e o reenvio da processo para novo julgamento relativamente à questão da actuação do arguido em autoria singular simultânea ou em co-autoria, como dissemos, com os referidos D… e E… e a averiguação das condições de vida do arguido, mormente a sua situação económica, familiar e profissional.
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§2º. Quanto à questão do valor do pedido de indemnização civil.
Nas conclusões W a Y do seu recurso, o recorrente sustenta: que a condenação do recorrente na quantia de 14.190,00 € a título de danos patrimoniais é inadmissível, pois, a folhas 279 dos presentes autos, por requerimento apresentado pelo demandante e ofendido, este manifesta o que se segue “Aceita-se o valor referido nessa sentença – por referência à sentença proferida no processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves – de 11.190 € para os tratamentos médico dentários, já que o orçamento junto ao pedido cível de indemnização incluía o tratamento de dois dentes cuja necessidade de tratamento não resultam da atuação dos arguidos (…). Tendo por via disso reduzido o pedido de indemnização para 14.190,00€, sendo destes 3000,00 € a título de danos não patrimoniais; e conclui que não se antevê a razão pela qual o recorrente é condenado a um montante superior ao peticionado a título de danos patrimoniais, pelo que só o montante de 11.190,00€ deverá ser considerado.
Compulsando os autos, verifica-se que no seguimento da notificação da certidão junta aos autos – certidão da sentença proferida no processo 295/10.1 TACHV, do 2º Juízo do Tribunal de Chaves - o ofendido apresentou a fls. 279, como refere o recorrente, requerimento visando a alteração do pedido cível para 14.190,00€, sendo 11.190,00€, para tratamentos médico-dentários, (únicos danos patrimoniais em causa nos presentes autos), pelo que a redução do pedido é uma realidade, que aliás foi admitida a fls. 282 dos autos, que tem de ser tida em conta pelo tribunal e há-de ser tida em conta em futura sentença, daqui decorrendo que a decisão sob escrutínio, quer no que tange aos danos patrimoniais, quer no que tange ao valor total da condenação ultrapassa o pedido formulado.
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§3º. Razoabilidade da condição aposta à suspensão da execução da pena de prisão.
Finalmente, o recorrente nas suas conclusões S e T, sustenta ser manifestamente excessivo fazer depender o não cumprimento (a suspensão) da pena privativa de liberdade do pagamento da quantia de 14.190,00€, pois, o recorrente encontra-se desempregado, não tem possibilidades financeiras para amealhar tal soma, o que o condenará já à partida a passar dois anos privado de liberdade.
Está aqui colocada em causa a razoabilidade da condição aposta à suspensão.
Ora, percorrendo a sentença sob escrutínio verifica-se que, na mesma, embora tenha sido dada uma justificação para apor à suspensão a condição de pagamento da indemnização arbitrada, não foi efetuado qualquer juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição - como é imposto pelo artigo 51º, n.º1 al. a) do C.P. – por parte do recorrente condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura- artigo 51º, n.º2, do CP.
A falta de tal juízo implica nulidade da sentença por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, n.º1 al. c) do CPP, consoante fixação recente de jurisprudência no AUJ de 12.09.2012 – “No processo de determinação da pena por crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. no artigo 105º, n.º1, do RGIT, a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos do artigo 50º, n.º1, do Código Penal, obrigatoriamente condicionada, de acordo como artigo 14º, n.º1 do RGIT, ao pagamento ao Estado da prestação tributária e legais acréscimos, reclama um juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação dessa condição legal por parte do condenado, tendo em conta a sua concreta situação económica, presente e futura, pelo que a falta desse juízo implica a nulidade da sentença por omissão de pronúncia.” -, entendimento que aqui sufragamos, como extensível às suspensões de execução de pena de prisão condicionadas a pagamentos de quantias monetárias, em crimes diversos do abuso de confiança fiscal, dada a identidade de razões, entre umas e outras, sendo que no caso presente a suspensão nem sequer é obrigatoriamente condicionada.
Assim, tendo em conta o exposto, a sentença sob recurso sofre também da apontada nulidade, que em futura sentença há que colmatar, se for caso disso, para evitar futuras anulações.
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III. Decisão.

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção do Tribunal da Relação do Porto, na verificação dos vícios supra elencados, em reenviar o processo para novo julgamento, relativamente à questão da averiguação sobre se a actuação do aqui recorrente ocorreu em autoria singular simultânea com os arguidos D… e E… ou em co-autoria com estes e, bem assim, as condições de vida do arguido, mormente a sua situação económica, familiar e profissional, devendo tal averiguação ser efectuada pelo mesmo juiz que fixou os restantes factos definitivamente assentes (salvo eventuais e necessárias alterações de redacção em virtude do que vier a apurar-se).
Na sentença a proferir, após realização de julgamento para averiguação das questões concretas identificadas, haverá que proceder-se ao juízo de prognose de razoabilidade acerca da satisfação da condição aposta ou a apor à suspensão, sendo caso disso (isto é se houver condenação em pena de prisão suspensa com condição) e levar em conta o que supra referimos sobre a redução do valor do pedido de indemnização civil.
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Sem custas.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
Porto, 05 de Novembro de 2014.
Maria Dolores da Silva e Sousa- Relatora
Fátima Furtado – Adjunta