Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1621/13.7TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ASSOCIAÇÃO SINDICAL
COMISSÃO EXECUTIVA
DESTITUIÇÃO
Nº do Documento: RP201410131621/13.7TTPRT.P1
Data do Acordão: 10/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - Sendo a Comissão Executiva, nos termos dos estatutos da associação sindical, um “corpo gerente” que funciona na dependência da Direção, sujeita às orientações desta e por ela eleita de entre os seus membros, e não estando previsto no leque de competências da Assembleia Geral a destituição da Comissão Executiva, é daquela (direção) e não desta (assembleia geral) a competência para a destituição da Comissão Executiva, não sendo aplicável o art. 172º do Cód. Civil.
II - Regendo-se a associação sindical pelos princípios de organização e gestão democráticas, a convocatória para a reunião da Direção deve conter na ordem de trabalhos a destituição da Comissão Executiva, sob pena de anulabilidade da deliberação dessa destituição, por aplicação analógica do disposto no art. 174º, nº 3, do Cód. Civil.
III - Nada obsta, todavia, à renovação da deliberação de destituição tomada em nova reunião da Direção expurgada que seja do vício procedimental que havia afetado a anterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 1621/13.7TTPRT.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 767)
Adjuntos: Des. Maria José Costa Pinto
Des. João Nunes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório:

B… intentou, ao abrigo do disposto nos arts. 164º e segs, do CPT, ação declarativa com processo especial de impugnação de estatutos, deliberações de assembleias gerais ou actos eleitorais contra o C…, formulando o seguinte pedido: a) que seja determinada a “suspensão da eficácia das deliberações/actos praticados pelo C… – nas reuniões de Direcção nos passados dia 9 e 29 de Novembro de 2013”; b) que sejam “declaradas inválidas/nulas as “decisões tomadas” pelo C… – nas reuniões de Direcção do C… - nos passados dia 9 e 29 de Novembro de 2013”; c) que seja “ordenada a reposição da situação quo ante através da reposição no exercício de funções da Comissão Executiva eleita e em funções à data das supra citadas ilegais decisões.”
Para tanto, em síntese e no que releva ao recurso, alegou que:
O A. é membro da direcção e coordenador da Comissão Executiva do C… Réu; no dia 09.11.2013, realizou-se uma denominada reunião extraordinária da Direcção do C…, a qual tinha como ponto único da ordem de trabalhos o debate da situação do C… e à qual o A. não esteve presente; não obstante, nessa reunião foi, para além do mais, aprovada por maioria a proposta de “destituir a Comissão Executiva por manifesta incapacidade de gestão a todos os níveis (…)”, bem como convocada nova reunião da Direcção do C…, para 29.11.2013, reunião esta na qual foi “ratificada” a destituição da comissão executiva e nomeada nova comissão executiva;
A reunião de 09.11.2013 tinha como ponto único da ordem de trabalhos o debate da situação do C….
Por outro lado, não estando, nos respetivos Estatutos, deliberada a forma de destituição da comissão executiva, é de aplicar o disposto no art. 172º, nº 1, do Cód. Civil, pelo que competia à Assembleia Geral, e não à Direção do C…, a destituição daquela, razão pela qual tal “deliberação/ato deve ser declarado inválido por ser nulo”;
Na mencionada reunião de 09.11.2013, foi ainda deliberado que “os processos judiciais e disciplinares decididos pela então Comissão Executiva fiquem suspensos para que venham a ser apreciados pela nova Comissão Executiva”, o que viola os arts. 20º, nº 1, e 73º, nº 2, dos Estatutos, nos termos dos quais a competência para o exercício do poder disciplinar pertence à Comissão Executiva.
Finalmente, foi ainda requerida, nos termos do art. 168º do CPT, a suspensão da eficácia das mencionadas deliberações.

Por despacho de 10.01.2014 foi indeferida a suspensão da eficácia das deliberações e atos impugnados requerida ao abrigo do disposto no art. 168º do CPT.

O Réu contestou, arguindo as exceções da caducidade do direito de ação, da litispendência, da ilegitimidade processual ativa e da ineptidão da petição inicial.
Quanto ao mérito, alegou em síntese que: o art. 54º dos Estatutos não é aplicável à comissão executiva; o art. 68º, nº 1, dos mesmos não constitui obstáculo às deliberações tomadas, tanto mais que, tendo-se demitido um número de elementos da comissão Executiva que deixou este corpo gerente sem quórum para funcionar e deliberar, necessário seria a eleição de uma nova Comissão Executiva; as deliberações das reuniões da direcção de 9 e 29 de Novembro de 2013, estão conformes com a lei e com os Estatutos do C…, sendo válidas e eficazes.

O A. respondeu, concluindo pela improcedência das exceções invocadas e pela procedência da ação nos termos constantes da p.i.

Dispensada a realização da audiência preliminar e fixado o valor da ação, em €30.000,0, foi, aos 19.03.2014, proferido despacho saneador/sentença que julgou improcedentes as exceções da ineptidão da petição inicial, da ilegitimidade ativa, da litispendência e da caducidade do direito do A. em intentar a presente ação, bem como julgou totalmente improcedente a ação, absolvendo o Réu dos pedidos.

Inconformado, veio o A. recorrer, formulando, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“1. A sentença recorrida viola de forma clara e frontal o disposto no artigo 613.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1 alínea b) do CPC, pois na decisão recorrida decidiu-se dispensar a realização de audiência preliminar atenta a simplicidade da causa, sem contudo se fundamentar tal simplicidade;
2. Na sentença recorrida é referido que os Estatutos são omissos quanto à competência da destituição dos membros da Comissão Executiva;
3. Referindo-se também que “…não cabendo essas funções à Assembleia Geral (artigos 54º e 56º dos Estatutos), e retirando-se dos estatutos que a Comissão Executiva é um órgão de gestão (artigo 50º) que depende da Direcção (artigo 68º, b) e c)), e não um órgão do C… (enumerados no artigo 49º) parece-nos evidente que também compete à Direcção a destituição da Comissão Executiva”;
4. A posição do Juiz a quo procede a uma interpretação extensiva, para não dizer latíssima da competência da Direcção do C… pois que se tais funções não cabem à Assembleia Geral como se refere na douta sentença recorrida não se pode daí concluir que tal competência também não prevista nos Estatutos caiba na competência da Direcção;
5. Entendimento como o defendido pela sentença recorrida não encontra suporte legal e viola o princípio de Direito de aplicação supletiva do Código Civil aquando da omissão na Lei especial;
6. Ora, surge assim a sentença recorrida inquinada com erro na fundamentação jurídica da decisão (erro de direito), nos termos do art. 615º, n.º1, al. b) CPC, vício este, que sanciona com nulidade a sentença recorrida;
7. Por outro lado, o tribunal a quo confunde a legitimidade do agendamento e realização da reunião do dia 9 de Novembro de 2013 com as deliberações ali tomadas;
8. O Recorrente na reunião de 23 de Outubro de 2013 aprovou o agendamento da reunião vinda de referir, cuja ordem de trabalhos nem de longe nem de perto visava a destituição de quem quer que seja e muito menos da Comissão Executiva no seu todo;
9. Não foi nunca intenção do Autor, ora Recorrente e demais colegas da Comissão Executiva marcar uma reunião de Direcção para a sua própria destituição, como erroneamente se concluiu na douta decisão ora sob mérito;
10. Não se pode extrapolar da ordem de trabalhos previamente definida e por todos aceite para a reunião do dia 9 de Novembro de 2013, consubstanciando tal extrapolação um erro claro quanto à matéria de facto;
11. Em L) da matéria de facto refere o Meritíssimo Juiz a quo “Na referida reunião de 29 de Novembro foi ratificada a destituição da Comissão Executiva e nomeada uma nova Comissão Executiva, da qual fazem parte os elementos identificados em E)”.
12. Isto é, dá-se como provado que a decisão de destituição da Comissão Executiva ocorreu na reunião de 9/11/2013 e não em 29/11/2013 como erradamente conclui em b) da matéria de direito, o que torna tal entendimento na ratificação de acto nulo, pois que a reunião de 9/11/2013 não tinha na sua ordem de trabalhos a aprovação da destituição da Comissão Executiva, nem a manutenção da vigente em mera gestão;
13. Tenhamos presente que a reunião de 09/11/2013 tem uma ordem de trabalhos que não permite qualquer decisão e muito menos a destituição da Comissão Executiva.
14. Também não pode concluir-se que essa decisão tenha ocorrido na reunião de 29/11/2013 pois que, na reunião de 09/11/2013 se decidiu a ordem de trabalhos daquela, dada como provada alínea na H) da matéria de facto “in fine”: “a) ratificação da destituição da Comissão Executiva nesta reunião decidida; b) eleição de uma nova Comissão Executiva”.
15. Ora, surge assim a sentença recorrida inquinada com erro na fundamentação jurídica da decisão (erro de direito), nos termos do art. 615º, n.º1, al. c) CPC, vício este, que sanciona com nulidade a sentença recorrida
Termos em que, sempre com o douto suprimento, deve:
a)desde logo, serem julgadas procedentes as invocadas nulidades;
b)ser julgado procedente o presente recurso com a revogação da sentença e respectivas consequências, (…)”.

O Recorrido contra-alegou pugnando pelo não provimento do recurso e tendo formulado, a final das suas alegações, as seguintes conclusões:
“A) É uma falsa questão a denominada “questão prévia” suscitada pelo Recorrente;
B) Na realidade não existe qualquer questão prévia, aceitando-se, naturalmente, que a sentença não tenha complicado o que é simples;
C) Mas, ainda que fosse de aceitar partir de premissa diversa e considerar imprescindível, in casu, a audiência preliminar – no que não se concede – não se vislumbra qual o efeito útil que tal pudesse revestir para o Recorrente;
D) Temos presente que o Tribunal elaborou, previamente à decisão tomada, o respectivo despacho saneador, o que foi feito em cumprimento integral do disposto no art. 131º do CPT;
E) Outrossim, deu oportunidade ao Recorrente (ali Autor) de se pronunciar, em Resposta, quanto às excepções deduzidas em sede de Contestação;
F) A realização da audiência preliminar, salvo o devido respeito e com a devida vénia, apenas teria como efeito a dilação de um processo, tão iníquo, quanto inútil;
G) Claudicam, por conseguinte os argumentos de alegada violação do disposto nos arts. 613º, nº 2 e 615º, nº 1, alínea b) do CPC;
H) E, não claudicam apenas pelas supra apontadas razões;
I) É que no caso dos autos existe uma regra especial, a do nº 3, in fine, do art. 77º do CPT, a qual se aplicaria acaso existisse uma nulidade suprível ex officio pelo Juiz e antes da eventual subida do recurso;
J) Contudo, no caso sub judicio não existe a alegada nulidade, nem sequer foi a mesma arguida nos moldes legais (art. 77º do CPT);
K) Ademais, salvo o devido respeito, bem andou o Tribunal ao analisar, previamente uma questão prejudicial para os demais pedidos do A./Recorrente;
L) Em seguida, ainda na dita “questão prévia” das suas alegações, levanta o Recorrente uma questão ininteligível e relativa ao não enquadramento da decisão do Tribunal “a quo” com o disposto no art. 172º do CPC;
M) Ora, tal disposição diz respeito às “Formas de requisição e comunicação de actos”, não se vislumbrando o sentido e o alcance pretendidos;
N) Porém, se o Recorrente pretendia referir-se ao art. 172º do Código Civil, não podia ser outra a decisão do Tribunal, a menos que lhe fosse mudada a redacção à disposição legal;
O) Com efeito, não sendo a “Comissão Executiva” do C… um órgão, porque razão haveria que lhe ser aplicável o disposto no art. 172º do Código Civil?!
P) O art. 172º do Código Civil é claro, quando refere: “1. Competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa colectiva. 2. São, necessariamente, da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.”
Q) É facto indesmentível que a decisão de primeira instância julgou totalmente improcedente a acção;
R) E, desde já se adianta, que pelos argumentos expendidos a sentença não merece censura;
S) Na realidade, a “Comissão Executiva” é um “corpo gerente”, conforme decorre do art. 50º dos Estatutos do Recorrido;
T) Certamente, por mero lapso, refere a sentença “órgão de gestão” em vez de “corpo gerente”;
U) Mas, não é lídimo ao Recorrente agarrar-se a tal lapso para sustentar a sua peregrina tese;
V) Igualmente, não pode proceder o argumento de que estando omissos os Estatutos quanto à competência para a destituição dos membros do Corpo Gerente “Comissão Executiva”, se possa daí extrair que tal competência não caiba à Direcção;
W) Aliás, quem pode o mais, pode o menos… ou o equivalente;
X) Com efeito, é a Direcção do C… que elege os membros do Corpo Gerente “Comissão Executiva” e é dentre a Direcção e dos membros que a compõem que são eleitos os membros da Comissão Executiva;
Y) Aliás, diga-se que muito mal se compreende esta posição do A. ora Recorrente, quando muito bem sabe que anteriores Comissões Executivas foram eleitas e destituídas em situações semelhantes e até chegou a ser pedido um Parecer sobre tal matéria a Advogado do C…, que aqui vai anexo, e que legitimou a alteração da composição da Comissão Executiva de que o Recorrente fazia parte!!!
Z) Quanto ao demais, as alegações do Recorrente assentam em vacuidades, generalidades e banalidades que não retiram mérito à decisão do Tribunal “a quo”, bem antes pelo contrário!
AA) Vacuidades como a alegada necessidade de “estabilização dos órgãos e corpos gerentes do C…”… de alegadas “brechas insanáveis na Direcção, pois que os membros da Comissão Executiva são simultaneamente membros da Direcção”… “que a convivência não é saudável…” etc…etc…
BB) Depois queria o Recorrente uma “eleição intercalar”, trazendo à colação mais um artigo dos Estatutos que não se aplica ao caso vertente;
CC) Só o faz, certamente, na vã tentativa de confundir o julgador;
DD) Pois que o nº 2, do art. 54º dos Estatutos não se aplica ao caso sub judicio.
EE) Também, não pode o Recorrente ignorar que já há algum tempo, a maior parte dos seus pares da Direcção do C… não estava consigo;
FF) Igualmente, não pode ignorar que o escrutínio da sua gestão foi negativo;
GG) Assim, tem de respeitar a legitimidade da maioria dos membros da Direcção do C…, o que até ao momento, ainda não entendeu;
HH) Por outro lado, está carecido de razão substantiva na lide, antes se verificando estar a agir em manifesto abuso de direito (artigo 334º do Cód. Civil), e mesmo em má fé (artigo 542º do CPC);
II) Caso entenda o Tribunal “ad quem” existir má fé da parte do Recorrente requer-se que arbitre uma multa e indemnização a favor do Recorrido, de forma justa, equitativa e proporcional à conduta demonstrada pelo Recorrente;
JJ) Doutro modo, salvo o devido respeito, respiga da matéria dos autos a simplicidade de que se revestia a decisão da causa, tanto mais que o sentido da mesma não podia ser outro, mesmo que tivesse sido realizada a audiência preliminar;
KK) Aliás, se alguma crítica poderia ser assacada à decisão que antecede ela deveu-se apenas ao facto de não ter procedido, de imediato, a excepção da ineptidão da petição inicial;
LL) Com efeito, existe manifesta contradição entre os pedidos formulados e a causa de pedir;
MM) O ali A. e ora Recorrente não clarifica a sua posição quanto a cada uma das deliberações que pretendeu impugnar, designadamente, concretizando entre as tomadas no dia 09 e no dia 29 de Novembro de 2013;
NN) Por outro lado, introduz na causa de pedir matéria de facto relativa a dois recursos que interpôs junto do Sr. Presidente da Mesa da Assembleia Geral em 18 de Novembro de 2013 e 04 de Dezembro de 2013, mas depois, e a final, não formula qualquer pedido em relação a tais factos, nem dos mesmos tira qualquer consequência ou efeito jurídico, tudo indicando que se conformou com os respectivos indeferimentos;
OO) Assim, analisado o teor da causa de pedir por confronto com o pedido, retira-se uma manifesta antinomia;
PP) E, como consabido, a petição inicial é inepta quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir; quando o pedido esteja em contradição com a causa de pedir ou quando se cumulem causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis;
QQ) Aliás, o pedido consiste no efeito jurídico pretendido pelo ali Autor, na providência jurisdicional por ele requerida ao tribunal – art.º 581º, nº 3, do CPC;
RR) Por seu turno, a causa pedir é o acto ou facto jurídico, concreto, que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido (neste sentido Antunes Varela in Manual de Processo Civil, 1985, Coimbra Editora, pág. 245);
SS) No dizer de ALBERTO DOS REIS, a causa de pedir consiste "no acto ou facto central da demanda, o núcleo essencial de que emerge o direito do autor", mas os fundamentos de facto "abrangem não só a causa de pedir, mas ainda outros factos que servem ou para demonstrar a existência da causa de pedir, ou para a esclarecer, ou para a completar" ("Código de Processo Civil -Anotado", Vol. II, 3.ª Ed., Coimbra Editora, p. 351);
TT) Entre o pedido e a causa de pedir há-de existir uma relação de consequência, de modo que aquele se afirme como o corolário lógico desta;
UU) Inexistindo tal relação estaremos perante uma situação ineptidão da petição inicial;
VV) Destarte, patenteia-se uma antinomia insolúvel entre o que se pede e a razão do que se pede;
WW) Como é bom de ver, e considerando a causa de pedir invocada, o pedido nunca poderia proceder nos termos expostos encontrando-se assim o pedido em contradição com a causa de pedir;
XX) Está-se assim, claramente, perante uma ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir;
YY) Consubstanciando um vício que afecta todo o processo, a ineptidão da petição inicial não é susceptível de suprimento, salvo no caso previsto no n.º 3 do artigo 186.º do Código de Processo Civil;
ZZ) No caso sub judice, trata-se de um vício de tal modo grave que gera a nulidade de todo o processo – cfr. artigo 186º, n.º 1, do Código de Processo Civil, constituindo, por isso a aptidão desta peça um verdadeiro pressuposto processual;
AAA) A falta de tal pressuposto processual constitui, assim, uma excepção dilatória (artigo 577º, al. b) do Código de Processo Civil) de conhecimento oficioso (artigo 195º e 578º do Código de Processo Civil), que conduz à absolvição do Réu da instância (artigo 278º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Civil);
BBB) Assim não decidiu de pronto o Tribunal “a quo”, mas não lhe estaria vedada tal possibilidade;
CCC) Contudo, cotejando a acção intentada pelo A. ora Recorrente com a sentença, e agora com a sua peça recursória, facilmente se antolha a improcedência deste recurso, (…)”.
Juntou um documento /parecer.
O Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes, notificadas, não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Matéria de facto dada como provada
Pela 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade

A) O C… é a associação sindical constituída pelos trabalhadores nele filiados que, independentemente da natureza do respectivo vínculo, exerçam a actividade profissional, permanente ou provisória na Administração Pública Central, Local ou Regional, nos órgãos do Estado que desenvolvam funções materialmente administrativas e, nomeadamente, nos institutos públicos, nas associações públicas, nas empresas públicas ou concessionarias de serviços públicos do sector público administrativo, bem como, em geral, em quaisquer entes públicos ou privados que se encontrem investidos de poderes de autoridade na prossecução de fins públicos ou prossigam atividade de utilidade pública ou de solidariedade social e ainda daqueles que, qualquer que seja a sua relação contratual, se encontrem ao serviço de entidades de ensino particular e cooperativo ou gestoras de serviços, atividades e funções públicas que tenham sido ou venham a ser objeto de privatização;
B) O A. é membro da direcção e coordenador da Comissão Executiva do C…;
C) Na reunião de Direcção de 23 de Outubro de 2013 foi aprovado o agendamento de uma Reunião extraordinária de Direcção para o dia 09/11/2013, pelas 11,00 horas;
D) O que era do conhecimento do autor, que esteve presente nessa reunião, e que indicou quem deveria presidir à reunião de 9 de Novembro de 2013;
E) A reunião teve, efectivamente, lugar no dia 9 de Novembro de 2013 tendo estado presentes, entre outros, os membros da direcção (e da comissão executiva) D…, E…, F…, G… e H…;
F) O A. não esteve presente na aludida reunião;
G) A referida reunião tinha como ponto único da ordem de trabalhos o debate da situação do C…;
H) Na referida reunião foi aprovada, por unanimidade, uma moção de censura, denominada de “resolução”, onde foi decidido, por unanimidade, “destituir a Comissão Executiva por manifesta incapacidade de gestão a todos os níveis (acção sindical, económicos, financeira, recursos humanos, etc), por inaceitáveis e imperdoáveis atitudes e comportamentos tendo em conta o carácter e natureza do C…” e “convocar uma nova reunião extraordinária para o dia 29/11/2013, pelas 11 horas, a realizar na sede social do C… com a seguinte ordem de trabalhos:
a) ratificação da destituição da Comissão Executiva nesta reunião decidida;
b) eleição de uma nova Comissão Executiva;”
I) Foi ainda decidido que “a Comissão Executiva tem neste momento atribuições de mera gestão corrente”, tendo-se deliberado ainda que “os processos judiciais e disciplinares decididos pela então Comissão Executiva, fiquem suspensos para que venham a ser apreciados pela nova Comissão Executiva”;
J) Na mesma reunião ficou ainda decidido convocar de novo o C…, para uma reunião da Direcção do C…, a qual veio a ser realizada a 29 de Novembro de 2013, com a ordem de trabalhos descrita em H);
L) Na referida reunião de 29 de Novembro foi ratificada a destituição da Comissão Executiva e nomeada uma nova Comissão Executiva, da qual fazem parte os elementos identificados em E); [alterado]
M) Com as datas de 18 de Novembro e 4 de Dezembro de 2013 o autor apresentou, junto do Presidente da Assembleia Geral do réu, recursos das deliberações tomadas nas reuniões de 9 e 29 de Novembro de 2013, tendo este decidido pela não convocação de assembleia-geral;
*
“Na al. L) dos factos provados consta que:
“L) Na referida reunião de 29 de Novembro foi ratificada a destituição da Comissão Executiva e nomeada uma nova Comissão Executiva, da qual fazem parte os elementos identificados em E);”.
A ata dessa reunião de 29.11.2013 consta do documento de fls. 79 a 81, foi junta pelo A. e não foi impugnada pelo Réu, dela constando que a destituição da Comissão Executiva foi “ratificada por unanimidade”.
Ora, o que deve constar da matéria de facto é o que foi deliberado, com as palavras imputadas a essa deliberação. Com efeito, tal como se encontra redigido essa al. L), pareceria que a “ratificação” seria uma conclusão do Mmº Juiz (o que nem seria possível em sede de matéria de facto por se tratar de expressão que encerra ou tem conteúdo jurídico-conclusivo).
Por outro lado, dessa ata o que decorre é que a nova comissão executiva foi eleita, e não já “nomeada” (estes conceitos distintos).
Assim, altera-se a redação da al. L) dos factos provados, que passará a ser a seguinte:
L) Na referida reunião de 29 de Novembro foi deliberado, por unanimidade, “ratificar” a destituição da Comissão Executiva e foi eleita uma nova Comissão Executiva, da qual fazem parte os elementos identificados em E);
*
O A. alegou na petição inicial que os membros da Comissão Executiva D…, E…, F…, G… e H… estiveram presentes na reunião da Direção de 9.11.2013 e, bem assim, que os mesmos, no dia 25.11.2013, apresentaram a sua demissão dessa Comissão, tendo junto, com a petição inicial, a ata dessa reunião de 09.11.2013 e respetiva lista de presenças (documento de fls. 18 a 25), bem como o “Pedido de Demissão” por aqueles formulado que consta do documento de fls. 75 e 76.
Tais factos não foram impugnados pela ré, que também não impugnou os mencionados documentos, pelo que se encontram assentes por acordo das partes nos articulados, bem como também se encontram provados documentalmente.
Assim, e estando já assente que os referidos membros se encontraram presentes em tal reunião, conforme al. E) dos factos dados como assentes pela 1ª instância, adita-se à matéria de facto provada a al. N), com o seguinte teor:
N) Os membros da Comissão Executiva referidos na al. E) apresentaram, aos 25.11.2013, o “Pedido de Demissão” de membros dessa Comissão que consta do documento que constitui fls. 75 e 76 dos autos.
*
O A. juntou, em anexo à ata da reunião do dia 09.11.2013 (fls. 18 a 22), a lista de presenças nessa reunião e que consta do documento de fls. 23 a 25, que não foram impugnados pelo réu.
Assim, e porque documentalmente provado, adita-se a al. O), com o seguinte teor:
O) Na reunião do dia 09.11.2013, dos 55 membros efetivos da Direção do réu, compareceram 32.
***
III. Questões Prévias

1. Da junção do documento de fls. 359 e segs.

Com as contra-alegações o Recorrido juntou o documento de fls. 359 e segs, subscrito por advogado e dirigido ao Presidente da Assembleia Geral do C… réu relativo a determinadas questões que, como nele se refere, lhe havia sido solicitada “informação” e no qual se finaliza nos seguintes termos: “SMO, este é o nosso parecer.”.
Tal documento consubstancia um parecer dirigido ao Presidente da Assembleia Geral do C… que o havia solicitado ao subscritor do mesmo.
Assim, e nos termos do disposto no art. 651º, nº 2, do CPC/2013[1], admite-se a sua junção.

2. Do vertido nas als. KK) a BBB) das conclusões formuladas pelo Recorrido.

Em tais alíneas, o Recorrido tece considerações sobre a excepção da ineptidão da petição inicial, concluindo que, embora o tribunal a quo não a tivesse julgado procedente, não lhe estava vedada tal possibilidade.
Tais considerações, e conclusão, são totalmente irrelevantes e inócuas pois que, tendo a 1ª instância julgado improcedente essa exceção, cabia ao Recorrido, caso discordasse do assim decidido, ter requerido, nos termos do art. 636º, nº 1, do CPC/2013, a ampliação do objeto do recurso, o que o Recorrido não fez, limitando-se às considerações que teceu e à conclusão de que o tribunal a quo poderia ter decidido de modo diferente.
***
III. Do Direito

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC/2013 aplicável ex vi dos arts. 5º, nº 1, da citada Lei e 1º, nº 2, al. a), do CPT/2009).
Assim, são as seguintes as questões suscitadas:
- Nulidades de sentença;
- Da invalidade da destituição da Comissão Executiva (por a Direção do C… Réu não ter competência para tal; por não constar da ordem de trabalhos da convocatória para a reunião da Direção de 09.11.2013; por não poder ser “ratificada” na reunião da Direção de 29.11.2013).

2. Da 1ª questão
Das nulidades de sentença

O Recorrente invoca, como nulidades de sentença, as seguintes:
- Falta de fundamentação da decisão que dispensa a audiência preliminar [art. 615º, nº 1, al. b), do CPC];
- Conclusão 6ª [“erro na fundamentação jurídica da decisão (erro de direito), nos termos do art. 615º, nº 1, al. b) CPC, vício este, que sanciona com nulidade a sentença recorrida”];
- Conclusão 15ª [“erro na fundamentação jurídica da decisão (erro de direito), nos termos do art. 615º, nº 1, al. c) CPC, vício este, que sanciona com nulidade a sentença recorrida”];

Por sua vez, e no que se reporta à 1ª das mencionadas nulidades, o Recorrido, para além de pugnar pela sua improcedência, alega ainda que a mesma não foi arguida nos termos do disposto no art. 77º, nº 1, do CPT.

2.1. Dispõe o art. 615º, nº1, als. b) e c), do CPC, que é nula a sentença quando: “b) [n]ão especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão” e “c) [o]s fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível”.
No que se reporta às nulidades de sentença referidas nas conclusões 6ª e 15ª é manifesto que o alegado a propósito das mesmas [na conclusão 6ª faz-se, certamente por lapso, referência à nulidade da al. b), e não à da al. c), a que, provavelmente, o Recorrente se pretenderia reportar] não consubstancia qualquer nulidade de sentença mas sim eventual erro de julgamento, realidades que não se confundem.
A nulidade por oposição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se verifica uma real contradição entre os fundamentos e a decisão, isto é, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou diferente; ou, por outras palavras, quando existe uma quebra no raciocínio lógico, não retirando o juiz, das premissas de que parte, a conclusão lógica que se imporia no silogismo judiciário.
Diversa dessa situação, por não respeitar a um vício lógico na construção da sentença, mas a uma contradição aparente, é a que deriva de simples erro material, quer na fundamentação, quer na decisão (cfr. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª edição, Almedina, págs. 53/54.).
Ora, no caso, não existe qualquer vício no silogismo judiciário. O Mmº Juiz, das premissas de que parte, retirou a consequência decorrente das mesmas.
Não estamos, pois, perante nulidades da sentença, mas sim (eventuais) erros de julgamento. Como o tribunal não se encontra vinculado à qualificação jurídica dada pelas partes, irá conhecer-se do eventual erro de julgamento, que o recorrente suscita indevidamente como nulidades da sentença.

2.2. Quanto à alegada falta de fundamentação da decisão que dispensou a audiência preliminar:
Tal vício a, porventura, verificar-se poderia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. b), do CPC/2013, constituir nulidade de sentença.
Nos termos do dispõe no art.77º, nº 1, do CPT, “[a] arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.”.
De harmonia com tal preceito a arguição das nulidades da sentença deve ter lugar, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, este dirigido ao juiz do tribunal a quo, e não na alegação ou conclusões do recurso, sob pena de delas não se poder conhecer por extemporaneidade, exigência aquela que visa permitir ao tribunal recorrido que, com maior celeridade, sobre elas se pronunicie, indeferindo-as ou suprindo-as.
Não obstante, o Tribunal Cosntitucional no seu Acórdão n.º 304/2005, publicado no DR, II Série, de 05.08.2005 decidiu o seguinte: “Julgar inconstitucional, por violação do princípio da proporcionalidade (artigo 18.º, n.ºs. 2 e 3), com referência aos n.ºs. 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, a norma do n.º 1 do artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro [que corresponde, com alterações, ao Art.º 72.º, n.º 1 do Cód. Proc. do Trabalho de 1981], na interpretação segundo a qual o tribunal superior não pode conhecer das nulidades da sentença que o recorrente invocou numa peça única, contendo a declaração de interposição do recurso com referência a que se apresenta arguição de nulidades da sentença e alegações e, expressa e separadamente, a concretização das nulidades e as alegações, apenas porque o recorrente inseriu tal concretização após o endereço ao tribunal superior”.
No caso, o Recorrente, embora não dando cabal cumprimento ao disposto no art. 77º, nº 1, referiu, todavia, no requerimento de interposição do recurso, arguir “nulidades da sentença”, sendo que, seguidamente, apresenta as alegações e, após o seu endereço a esta Relação e ainda que sob a designação de “A- Questão prévia”, invoca, e fundamenta, expressamente a nulidade de sentença prevista no art. 615º, nº 1, al. b), do CPC, por falta de fundamentação da decisão que dispensou a audiência preliminar, referindo, em síntese, que a mesma se limitou a invocar a simplicidade da causa, sem contudo a justificar.
Mais referiu que a matéria de facto relativa à falta de quórum, que era controvertida, não foi abordada na decisão e que a forma como se decidiu quanto ao não enquadramento da questão à luz do art. 172º do “CPC” apenas poderia resultar da discussão em audiência preliminar ou em audiência de julgamento.
Ora, assim sendo, e tendo ainda presente que o Recorrente, no requerimento de interposição do recurso, fez alusão à arguição de nulidades de sentença, afigura-se-nos que o caso se subsume na situação prevista no referido Acórdão do Tribunal Constitucional, pelo que se entende ser de a apreciar.

2.2.1. Dispõe o art. 62º, nº 1, do CPT que “1. Concluídas as diligências resultantes do preceituado no nº 1 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada uma audiência preliminar quando a complexidade da causa o justifique.”.
Por sua vez, no processo civil, e tendo em conta que, à data do despacho saneador/sentença, já se encontrava em vigor o CPC/2013, à audiência prévia (designação que veio substituir a audiência preliminar) reportam-se os arts. 591º, 592º e 593º, dispondo o primeiro que ela se destina a algum ou alguns dos fins mencionados no seu nº 1, o segundo os casos em que ela não tem lugar e, o terceiro, as situações em que ela pode ser dispensada.
O regime da necessidade de convocação da ora designada audiência prévia, no processo civil, e da audiência preliminar, no processo laboral, não é, assim como não era no âmbito do CPC/1961, exatamente idêntico em ambas as jurisdições, pois que, se no primeiro a regra é a da sua realização, a menos que se verifique alguma das situações previstas no art. 593º em que possa ser dispensada, no processo laboral ela apenas terá lugar se a complexidade da causa o justificar.
No caso, o Mmº Juiz referiu o seguinte “Atenta a simplicidade da causa dispenso a realização da audiência preliminar – art. 62º, nº 1”, decisão que se encontra minimamente fundamentada, já que se invoca o preceito ao abrigo do qual ela é dispensada, bem como o motivo determinante dessa dispensa.
Ora, e como se tem entendido, apenas a falta absoluta de fundamentação é que constitui nulidade da sentença, não a constituindo a motivação incompleta, deficiente ou errada - cfr. Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª Edição, Almedina, págs. 52e 53.
Não se nos afigura, pois, que a não indicação, pelo Mmº Juiz, da razão por que entende revistar-se a causa de simplicidade, determine a nulidade invocada.
Por outro lado, também não se nos afigura que a questão objeto da ação seja de complexidade tal a justificar a convocação daquela diligência. Ela consubstancia-se, no essencial (e expurgada de algum “empolgamento” por banda das partes, mas desnecessário à apreciação da questão fulcral), na apreciação da validade da deliberação de destituição da Comissão Executiva e necessária interpretação do direito aplicável.
É certo que, pela Ré, foram suscitadas diversas exceções dilatórias, as quais foram, todavia e todas elas, debatidas nos articulados, e indeferidas, sendo que, com esse indeferimento, se conformou a Ré e em nada sendo o A. prejudicado, quanto a elas, pela falta da audiência preliminar.
Por outro lado, a questão da existência ou inexistência de quórum, a ser eventualmente relevante para a decisão da causa, e se controvertida se mostrasse, não determinaria a nulidade por falta de fundamentação (ou qualquer outra) da decisão que dispensou a audiência preliminar, mas a anulação da decisão recorrida com vista à ampliação da matéria de facto com o consequente julgamento quanto a ela, consubstanciando um erro de julgamento e não o mencionado vício da decisão.
Quanto à invocação do art. 172º do “CPC”, certamente que se deve a lapso manifesto a invocação deste diploma legal já que esse preceito do CPC, nada tem a ver com a matéria dos autos. O Recorrente, certamente, estar-se-ia a reportar ao art. 172º do Cód. Civil. Mas não vemos que a questão, puramente de direito, quanto à aplicabilidade, ou não, desse preceito ao caso em apreço seja de tal modo complexa que determinasse a necessidade de convocação de audiência preliminar.
Assim sendo, improcede a alegada nulidade de sentença.

3. Da 2ª questão
Da invalidade da destituição da Comissão Executiva

Havendo a Comissão Executiva de que o A. era coordenador sido destituída, defendendo a invalidade dessa destituição alinha o Recorrente a seguinte argumentação: a Direção do C… Réu não tem competência para tal; essa destituição não constava da ordem de trabalhos da convocatória para a reunião da Direção de 09.11.2013; dada a invalidade dessa deliberação, não poderia ela ser ratificada na reunião da Direção de 29.11.2013.

3.1. A sentença recorrida
Na sentença recorrida referiu-se o seguinte:
“Atentos os factos alegados pelo autor, e aceites pela ré, e salvo o devido respeito, entendemos que a presente acção não pode proceder.
Com efeito, e nos termos do artigo 73º, n.º 4 dos estatutos do réu (publicados no BTE n.º 40, de 29 de Outubro de 2013), compete à direcção a eleição da comissão executiva.
É certo que os estatutos em causa são omissos quanto à competência da destituição dos membros da comissão executiva.
Contudo, não cabendo essas funções à Assembleia Geral (artigos 54º e 56º dos Estatutos), e retirando-se dos estatutos que a comissão executiva é um órgão de gestão (artigo 50º) que depende da direcção (artigo 68º, b) e c)), e não um órgão do C… (enumerados no artigo 49º) parece-nos evidente que também compete à direcção a destituição da comissão executiva (sendo que a duração do seu mandato, repare-se, está dependente da duração do mandato da direcção – não sendo, pois, caso de aplicação do disposto no artigo 172º, n.º 1 do C. Civil (aplicável ao aqui réu por força do seu artigo 157º).
Não é, pois, de aplicação à destituição da Comissão Executiva do C… réu o disposto no artigo 172º, n.º 2 do C. Civil, uma vez que não estamos perante um órgão do C….
Quanto ao mais alegado pelo autor para fundamentar a sua posição nos autos temos que dizer que:
a) No que se refere ao alegado no artigo XXV da sua petição inicial cumpre dizer que, ainda que se demonstrasse ser prática do C… a marcação das reuniões da direcção pelo coordenador da comissão executiva, o não respeito dessa prática nunca poderia ter como consequência a invalidade das deliberações tomadas na reunião de 29 de Novembro de 2013 precisamente porque, conforme reconhece o autor (artigo XXIV), não existe nenhuma norma estatutária que impusesse esse facto;
b) No que se refere à reunião de 9 de Novembro cumpre ainda dizer que, mesmo que se entendesse ter existido alguma ilegalidade nas decisões ali tomadas, o que é certo é que é na reunião de 29 de Novembro que se toma a decisão de destituição da Comissão executiva, o que sempre levaria a que não tivesse consequências qualquer invalidade nas decisões ali tomadas.
*
Sem necessidade de maiores considerações, pois, concluímos pela improcedência da acção.”.

3.2. Enquadramento normativo
À matéria relativa às estruturas de representação coletiva dos trabalhadores, mormente as associações sindicais, é aplicável o art. 55º da CRP, bem como o CT/2009, designadamente arts. 405º e 440º e segs, normativos de que, para além do mais, resulta que: no exercício da liberdade sindical é garantido aos trabalhadores a liberdade de organização e regulamentação interna das associações sindicais, as quais se devem reger pelos princípios da organização e da gestão democráticas (55º, nºs 2, al. c), e 3, da CRP); as associações sindicais estão sujeitas ao regime geral do direito de associação em tudo o que não contrarie o CT ou a natureza específica da respetiva autonomia, não sendo aplicáveis as normas do direito de associação do regime geral suscetíveis de determinar restrições inadmissíveis à respetiva liberdade de organização (art. 441º do CT); regem-se por estatutos e regulamentos por elas aprovados, elegem livre e democraticamente os titulares dos corpos sociais e organizam democraticamente a sua gestão e atividade (art. 445º do CT), estatutos esses que devem regular, para além do mais que consta do art. 450, os órgãos da associação sindical, entre os quais deve haver uma assembleia geral, um órgão colegial de direção e um conselho fiscal, bem como o número de membros e o funcionamento daqueles; “No respeito pelos princípios da organização e da gestão democráticas, as associações sindicais devem reger-se, nomeadamente, em obediência às seguintes regras: a) Todo o associado no gozo dos seus direitos tem o direito de participar na atividade da associação, incluindo o de eleger e ser eleito para os corpos sociais e ser nomeado para qualquer cargo associativo, (…); b) São assegurados a igualdade de oportunidades e imparcialidade no tratamento das listas concorrentes às eleições para os corpos sociais; (…)” [art. 451º, nº 1, do CT].

Por sua vez, nos Estatutos do Réu, publicados no BTE nº 40, de 29.10.2013, dispõe-se o seguinte:
- No art. 49º, sob a epígrafe Órgãos do C…, que “São órgãos do C…: a) A Assembleia Geral; b) A Direção; c) O Conselho Fiscalizador.”
- No art. 50º, sob a epígrafe Corpos gerentes, que: “Constituem os corpos gerentes do C…: a) A Direção; b) A comissão Executiva.”
- No art. 51º, que “Podem eleger e ser eleitos para a direção, para o conselho fiscalizador e para a mesa da assembleia geral, por voto direto e secreto, os associados do C…, (…)” e, no art. 52º, que duração do mandato dos membros da direção, do conselho fiscalizador e da assembleia geral é de 4 anos.
- No art. 54º, sob a epígrafe Destituição dos membros da direção, do conselho fiscalizador e da mesa da assembleia geral, que: “1. Os membros da direção, do conselho fiscalizador e da mesa da assembleia geral podem ser destituídos em assembleia geral expressamente convocada para o efeito, (…). 2. A destituição de pelo menos 50% dos membros de um ou mais órgãos determina a realização de eleições extraordinárias para esse órgão, no prazo máximo de 90 dias. 3. A assembleia geral que proceder à destituição nos termos do número anterior elege uma comissão provisória em substituição do órgão ou órgãos destituídos. 4. Se os membros destituídos nos termos dos números anteriores não atingirem a percentagem referida no número 2, são substituídos elos respetivos membros suplentes.”
- No art. 56º, sob a epígrafe Competência da assembleia geral, que “Compete em especial à assembleia geral: a) Eleger os membros da direção, do conselho fiscalizador e da mesa da assembleia geral; b) deliberar sobre a destituição dos membros da mesa da assembleia geral, da direção e do conselho fiscalizador; (…); ”
- No que se reporta à direção: no art. 67º, que: “1. A direção do C… é composta por 55 elementos efetivos e 25 suplentes, (…)”; no art. 68º, que a direção na sua primeira reunião deve: “a) Definir as funções de cada um dos seus membros; b) eleger a Comissão Executiva; c) Definir as atribuições da Comissão Executiva;”; no art. 69º, que “Compete à direção, em especial: a) Nomear os representantes do C…; b) Dirigir e coordenar a atividade do C…, (…); c) Elaborar e apresentar, anualmente, à assembleia geral o plano de atividades e o orçamento, bem como o relatório de atividades e contas; d) Exercer o poder disciplinar nos termos dos estatutos; e) Administrar os bens, gerir os fundos do C… e definir a política de pessoal; f) elaborar o inventário dos haveres do C…, (…); g) Submeter à apreciação da assembleia geral os assuntos sobre os quais ela deva pronunciar-se; h) Requerer ao presidente da mesa da assembleia geral a convocação de reuniões extraordinárias sempre que julgue conveniente; i) Elaborar os regulamentos internos necessários à boa organização dos serviços do C…; j) Promover a constituição de grupos de trabalho (…).”; no art. 70º que “1. A direção reunirá, em princípio, uma vez por mês, e as suas deliberações são tomadas por maioria simples dos votos dos membros presentes devendo lavrar-se ata de cada reunião. 2. A direção só pode deliberar validamente com a presença da maioria dos seus membros efetivos. 3. (…).”
- No art. 73º, sob a epígrafe Comissão executiva, que: “1. A comissão executiva tem por funções a coordenação da atividade do C…, a gestão administrativa, financeira e de pessoal de acordo com os presentes estatutos e as orientações aprovadas pela direção, reunindo sempre que necessário, no mínimo uma vez por semana, salvo justo impedimento. 2. Compete em especial à comissão executiva o exercício do poder disciplinar, a admissão e rejeição dos pedidos de inscrição de associados. 3. A comissão executiva é presidida por um coordenador, a quem cabe a representação do C… em juízo e fora dele, sem prejuízo do disposto na alínea a) do artigo 69º; 4. A comissão executiva é eleita pela direção de entre listas com um número impar de 7 a 11 dos seus membros apresentadas a sufrágio, encabeçadas por um candidato a coordenador e com funções atribuídas aos restantes elementos.”

Finalmente, de harmonia com o Código Civil:
- Art. 157º: “As disposições do presente capítulo são aplicáveis às associações que não tenham por fim o lucro económico dos associados, às fundações de interesse social, e ainda às sociedades, quando a analogia das situações o justifique.”.
- art. 172º, sob a epígrafe Competência da assembleia geral: “1. Competem à assembleia geral todas as deliberações não compreendidas nas atribuições legais ou estatutárias de outros órgãos da pessoa coletiva. 2. São, necessariamente, da competência da assembleia geral a destituição dos titulares dos órgãos da associação, a aprovação do balanço, a alteração dos estatutos, a extinção da associação e a autorização para esta demandar os administradores por factos praticados no exercício do cargo.”

3.3. Da incompetência da Direção do C… para a destituição da comissão executiva

Diz o Recorrente que os estatutos do C… Réu são omissos quanto à destituição da comissão executiva, pelo que, ex vi do art. 157º do Cód. Civil, é aplicável o disposto no art. 172º do mesmo e, daí, ser essa destituição da competência da assembleia geral e não da direção .
Na verdade, como decorre da referência às normas estatutárias do réu, estas não dispõe quanto ao modo de destituição da comissão executiva. Tal não significa, contudo e pelo que se dirá, que assista razão à Recorrente.
Os Estatutos do Réu definem, no art. 49º, quais os seus órgãos e, desse elenco, apenas consta a assembleia geral, a direção e o conselho fiscalizador, sendo que a assembleia geral apenas tem competência para a eleição e destituição da direção, do conselho fiscalizador e da mesa da assembleia geral (art. 56º,als. a) e b)), não estando prevista, como competência da assembleia geral, a destituição da comissão executiva.
A falta de previsão, como competência da assembleia geral, da destituição da comissão executiva não significa que estejamos perante uma lacuna na definição das competências daquela, ou seja, que estejamos, no que a esse órgão (assembleia geral) se reporta, perante um caso omisso, este apenas aquele em que o silêncio não foi intencionalmente pretendido.
A comissão executiva é um “corpo gerente” do C…, que é eleito pela direção de entre os membros que a compõem, com as funções referidas no art. 73º, mas que funciona na dependência da direção, pois que não só é por ela eleita, como está sujeita às orientações aprovadas pela direção. Não é, pois, um “órgão” do C… na aceção seja do art. 49º dos Estatutos, seja do art. 172º do CC. É, tão só, uma comissão a quem são, nos termos referidos, cometidas as funções referidas no art. 73º. Quando muito, e numa aceção ampla de “orgão”, poder-se-ia dizer que a comissão executiva seria um “sub-orgão” da direção, composto por membros por este eleitos de entre os membros da direção e funcionando na dependência deste.
Ora, assim sendo, não faria qualquer sentido que a competência para a destituição da comissão executiva competisse à assembleia geral e, por consequência, que os Estatutos previssem essa mesma competência. Ou seja, a omissão, no leque de competências da assembleia geral, para a destituição da comissão executiva é intencional, não configurando, pois, uma lacuna desse leque de competências.
Sendo a comissão executiva, como é, uma comissão eleita pela direção, a esta subordinada e junto de quem funciona, a competência para a sua destituição não poderá deixar de competir à direção. A competência para destituir não poderá deixar de ser de quem tem a competência para eleger, tratando-se do “verso e reverso” da mesma realidade.
É certo que os Estatutos, no leque de competências da direção (art. 69º), não referem expressamente a competência da direção para a destituição da comissão executiva, mas, aqui, e ao contrário do que ocorre com a definição de competências da assembleia geral, não poderemos deixar de considerar que se trata de omissão não intencional da norma. Ou, dito de outro modo, se ponderada tivesse sido a questão da competência para a destituição da comissão executiva, esta seria equacionada em termos de a deferir à direção.
Por outro lado, mas pelo que ficou dito, não colhe a invocação da aplicação subsidiária do art. 172º do CC.
Desde logo, este preceito reporta-se aos órgãos da pessoa coletiva, sendo que a comissão executiva não é um órgão.
Por outro lado, nos termos do art. 441º do CT, a aplicação subsidiária das normas do CC relativas às associações, deverá ter em conta a natureza específica da autonomia das associações sindicais. E, estando-se perante um caso omisso, haveria que, em primeira linha, recorrer aos próprios Estatutos no sentido de encontrar a solução que, dentro do seu espírito e lógica, seria a adoptada pelos seus subscritores (art. 10º, nº 3, do CC). Quer-se com isto dizer que a norma do art. 172º do CC que, segundo a pretensão do Recorrente, deferiria à assembleia geral a competência para a destituição da comissão executiva, é similar ao art. 56º, als. a) e b) dos Estatutos, sendo que, como acima se disse, este preceito não consagra essa competência, nem se nos afigura que, se a situação tivesse sido prevista, a teria pretendido consagrar. Ou seja, não se vê que por via da aplicação subsidiária do CC se possa ou deva chegar a uma solução que os Estatutos do Réu afastaram ou teriam pretendido afastar, sendo que, salvas as matérias expressamente salvaguardadas no Código do Trabalho, vigora em matéria de organização e funcionamento sindical total autonomia. A aplicação subsidiária dos arts. 167º e segs. do CC deve, pois, ser adaptada, ou sofrer as restrições necessárias, em função das características próprias da autonomia da vontade negocial das associações sindicais.
Assim, e concluindo, afigura-se-nos que a competência para a destituição da comissão executiva é da Direção do C…, nesta parte improcedendo as conclusões do recurso.

3.4. Da invalidade da deliberação da destituição da comissão executiva tomada na reunião de 09.11.2013

Invoca o Recorrente a invalidade dessa deliberação com fundamento no facto de, na ordem de trabalhos constante da convocatória para essa reunião, não constar a destituição da comissão executiva.
Dos Estatutos do Réu apenas consta que a direção reunirá, em princípio, uma vez por mês, nada se dizendo quanto à convocatória para as reuniões, nem quanto à necessidade, ou não, dessa convocatória conter a ordem de trabalhos. Por outro lado, esta exigência, apenas se encontra prevista para as reuniões da assembleia geral (art. 62º, nº 1), sendo que o CC também a prevê tão-só para as reuniões da assembleia geral. Poder-se-ia, assim, questionar dessa obrigatoriedade quanto às reuniões da direção.
Não obstante, as associações sindicais devem reger-se pelos princípios da organização e gestão democráticas (art. 55º, nº 3, da CRP), elegendo livre e democraticamente os titulares dos corpos sociais e organizando democraticamente a sua gestão e atividade (art. 445º do CT).
Ora, assim sendo, não poderemos deixar de considerar que a destituição da comissão executiva deverá constar da ordem de trabalhos referida em convocatória.
Trata-se de matéria de relevância indiscutível no âmbito da vida do C…, mormente da sua direção, e só com essa referência, na convocatória para a reunião, se dá execução a uma organização, gestão e destituição com observância dos referidos princípios democráticos, permitindo o prévio esclarecimento e ponderação em tão relevante ato. Afigura-se-nos pois que não poderá deixar de se aplicar essa exigência, que se encontra prevista tanto nos Estatutos, como no art. 174º do CC, para as reuniões da assembleia geral.
No caso, da convocatória para essa reunião de 09.11.2013 não constava a destituição da comissão executiva que, assim, é irregular.
Por outro lado, como decorre da lista de presenças de fls. 23 a 25, não estiveram presentes todos os membros da direção (estiveram presentes 32 membros efetivos da direção, quando dela constam 55), pelo que não aproveita o disposto no art. 174º, nº 4, do CC (ainda que aplicável à assembleia geral), nos termos do qual a comparência de todos os associados sanciona quaisquer irregularidades da convocação, desde que nenhum deles se oponha à realização da assembleia geral.
Os Estatutos não estipulam a consequência dessa irregularidade, pelo que, embora reportada à assembleia geral, não poderemos deixar de aplicar, por analogia, a solução prevista no art. 177º do CC, que determina que as deliberações [ainda que da assembleia geral] contrárias à lei ou aos estatutos por irregularidades havidas na convocatória dos associados são anuláveis, podendo a anulabilidade ser arguida por qualquer associado que não tenha votado a deliberação. Por outro lado, o poder de confirmação dos atos anuláveis previsto no art. 288º do CC, compete apenas à pessoa a quem pertencer o direito de anulação.
No caso, a deliberação não foi votada pelo A., que também não a confirmou nos termos do citado art. 288º.
Assim, e nesta parte, afigura-se-nos que procedem as conclusões.

3.5. Da invalidade da deliberação de “ratificação” da destituição da comissão executiva tomada na reunião de 29.11.2013

A este propósito alega o Recorrente que não é possível ratificar um ato nulo.
Como vimos, a deliberação de 09.11.2013 não é nula, mas sim anulável. Por outro lado e como também já deixámos dito, nos termos do artº 288º do CC, a anulabilidade é sanável mediante confirmação, confirmação esta que compete à pessoa a quem pertencer o direito de anulação. Ou seja, não cabia à Direção, na nova reunião, o direito de “confirmação” ou de “ratificação”, esta com o sentido de “confirmação”, da deliberação do dia 09.11.2013 e como forma de extirpar a irregularidade que afetou essa mesma deliberação.
Tal conclusão, bem como a utilização, na deliberação, da palavra “ratificação” não obstam, todavia, à validade da deliberação tomada no dia 29.11.2013, e à interpretação de que, nesta, o que se pretendeu deliberar, e deliberou, foi a destituição da comissão executiva, esta a pretensão correspondente à real vontade dos membros da direção que, embora daquele modo (isto, referindo-se à “ratificação”), a manifestaram de forma inequívoca.
Ratificação é um conceito que pode conter mais do que uma acepção, mas que, no essencial, é “o acto jurídico pelo qual uma pessoa aceita, na sua esfera, os efeitos jurídicos de acto praticado em seu nome por terceiro, que não dispunha de poderes para a sua prática (…)”, podendo também ser utilizada no sentido de “autorização posterior que sana a ilicitude contratual decorrente da falta daquela autorização” – cfr. Ana Prata, Dicionário Jurídico, Volume I, 5ª Edição, Almedina, pág. 1205.
Ora, é evidente que nem é esta a situação, nem foi com esse acepção que a direcção do C… deliberou no sentido de “ratificar” a anterior deliberação. O que, na verdade, ocorreu é que foi reiterada a destituição da comissão executiva, deliberação essa que manifesta inequivocamente a vontade da direção de proceder a essa destituição. O que essa declaração consubstancia é, pois, uma renovação da deliberação anterior, similar à renovação de negócio jurídico, mas não já uma confirmação da deliberação anterior.
Como se diz no Acórdão do STJ de 15.12.2011, in www.coletaneadejurisprudencia.com, Processo 5575/06.8TBSTS, citando Oliveira Ascensão, Teoria Geral do Direito Civil, II, 1999, “a renovação do negócio jurídico é um acto de autonomia privada, pelo qual não se deve recusar aos interessados inteira liberdade na conclusão do negócio com o mesmo conteúdo do negócio anterior como expressão do principio da autonomia contratual” e, citando ainda Rui Alarcão, Confirmação dos Negócios Anuláveis, 1971, “renovação do negócio jurídico consiste na possibilidade de as partes refazerem um negócio jurídico que antes haviam celebrado, concluindo sobre o seu objecto um novo negócio, destinado a absorver o conteúdo daquele e a substitui-lo para o futuro.”.
Por outro lado, a renovação e confirmação são atos que não se confundem. Enquanto que a confirmação se reporta ao mesmo ato, repondo a sua validade, a renovação supõe a existência de uma deliberação nova de conteúdo idêntico à anterior - cfr. Acórdão da Relação do Porto de 14.02.2007, in site indicado.
Ainda como se retira desse Acórdão da Relação do Porto, no âmbito societário, o art. 62º do CSC prevê a figura da renovação da deliberação a qual, nesse domínio, mais não é do que uma tipificação da renovação do negócio jurídico e que surgiu da preocupação crescente do Direito das Sociedades com as perturbações que a pendência de acções de invalidade de deliberações sempre acarreta para os entes colectivos. De harmonia com o nº 2 do citado preceito, a anulabilidade da deliberação cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da precedente.
Ora, não se vê razão para inaplicar tal principio do direito civil ao caso em apreço, assentando a atividade sindical também na autonomia da vontade coletiva (sindical) democráticamente manifestada.
No caso, a 2ª reunião da Direção do C... Réu, que teve lugar no dia 29.11.2013 já não padecia do vício procedimental que afetou a primeira, pois que da convocatoria para essa 2ª reunião já constava, da respetiva ordem de trabalhos, a destituição da anterior comissão executiva, sendo que, como se disse, nesta segunda reunião, de 29.11.2013, foi, de forma inequívoca, reiterada a vontade coletiva da Direção do C... de destituição da anterior comissão executiva.
Não se vê, assim, obstáculo à validade desta segunda deliberação, tomada na reunião de 29.11.2013.
No que se reporta à questão dos efeitos retroativos, ou não, dessa renovação, importa referir o seguinte:
Tratando-se a renovação da deliberação de uma nova deliberação, embora de conteúdo idéntico à anerior, ela apenas produziria os seus efeitos para o futuro.
E, por outro lado, o Código Civil não contém norma semelhante ao art. 62º, nº 2, 2ª parte, do CSC, no qual se refere que o sócio que nisso tiver um interesse atendível pode obter a anulação da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. Ou seja, a deliberação renovatória, no âmbito das sociedades comerciais, tem por regra efeito retroativo, a menos que se verifique interesse atendível do sócio, a este competindo o ónus de alegação e prova de tal interesse.
Pese embora o CSC não seja de aplicação subsidiária às associações sindicais, nem às associações previstas no Código Civil, não poderemos deixar de cosiderar essa aplicabilidade atenta a similitude e analogiaa das situações, face à identidade do interesse tutelado na norma.
Ora, assim sendo, não foi pelo A. alegado qualquer interesse atendível seu justificativo dessa não retroatividade, não consubstanciando, para os efeitos em questão, interesse atendível a alegação das repercussões dessa destituição na vida do C..., que aliás duraram menos do que um mês, nem a suspensão de “um processo judicial” e de processos disciplinares, não consubstanciando isso qualquer circunstancialismo próprio do A., mas do próprio C..., mormente da sua direção, e sem esquecer que a atuação da comissão executiva está sujeita às orientações aprovadas pela direção.
Ou seja, entendemos que a renovação da deliberação, em 29.11.2013, repercute os seus efeitos à data da primeira deliberação (09.11.2013).
Assim, e face ao referido, improcedem as conclusões do recurso.

4. Finalmente, alega o Recorrido que, se esta Relação assim o entender, deve o A. ser condenado em litigância de má-fé.
Ora, não vemos que ocorra tal litigância.
Para que ocorra a litigância de má-fé, não basta que a pretensão (no caso do A.) ou a defesa (no caso do réu) não tenham acolhimento, devendo, antes, o caso subsumir-se a alguma das situações previstas no nº 2 do artº 542º do atual CPC, o qual dispõe que:
1 – Tendo litigado de má-fé, a parte será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta o requerer.
2 – Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.
3 – (…).
A litigância de má-fé constitui corolário dos deveres processuais de verdade, lealdade e cooperação com vista a uma breve, eficaz e justa composição do litígio – cfr. arts. 7º, nº 1, e 8º, do atual CPC.
Assim, se a parte deduz pretensão cuja falta de falta de fundamento não ignora ou não devia ignorar, com o propósito ilegítimo de obter decisão que não merece a tutela do direito ou que, com má-fé, altera ou omite a verdade de factos relevantes por si conhecidos (no que se consubstancia a má-fé material), viole gravemente o dever de cooperação ou faça um uso reprovável do processo nos termos previstos no al. d) do nº 2 do citado artº 542º (no que se consubstancia a má-fé instrumental), deverá ser condenada como litigante de má-fé.
A litigância de má-fé não pode, porém, traduzir-se numa limitação do legítimo direito de as partes discutirem e interpretarem a factualidade e o regime jurídico aplicável, ainda que jurisprudencialmente minoritária ou pouco consistentes se apresentem as respetivas teses. E, porque assim é, é que, nos termos do citado preceito, igualmente se exige uma conduta dolosa ou gravemente negligente da parte na sua atividade processual, sendo certo, e tendo-se presente, que a incerteza da lei, a dificuldade da interpretação dos factos e da sua qualificação jurídica poderão, por vezes, conduzir a um desfecho da ação em sentido contrário àquele que a parte, convicta e seriamente, defendia e desejava.
Impõe-se pois que a conduta da parte seja passível de um juízo de grave censura, o que ocorrerá, não quando se esteja perante uma mera leviandade ou imprudência, mas sim perante uma conduta intencionalmente maliciosa (dolosa) ou que traduza uma grave ou grosseira “falta de precaução pela mais elementar prudência que deve ser observada nos usos correntes da vida. Mas só quando o processo fornece elementos seguros da conduta dolosa ou gravemente diligente deverá a parte ser censurada como litigante de má-fé, o que pede prudência ao julgador, (…)» - Cfr. Acórdãos da RP de 12.05.05 (e Ac. do STJ de 11.12.2003, naquele citado) e de 22.01.2007[1] (Processo 0645005), ambos em www.dgsi.pt.
Para a litigância de má-fé, não basta, pois, que a parte não veja acolhida a sua pretensão. Para que tal litigância ocorra é, assim, necessário que se esteja perante situação que não deixe margem para dúvidas quanto à conduta dolosa ou gravemente negligente da parte violadora dos supra mencionados deveres.
No caso, não se nos afigura que a atuação do Recorrente seja passível de um juízo de censura clamorosamente grave e/ou que haja deduzido pretensão cuja falta de fundamento manifestamente não desconhecia ou não poderia deixar de conhecer.
***
V. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo A.

Porto, 13-10-2014
Paula Leal de Carvalho
Maria José Costa Pinto
João Nunes
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[1] Abreviatura de Código de Processo Civil aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06.
[2] Este relatado pela ora relatora.