Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
301/12.5TTSTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: EDUARDO PETERSEN SILVA
Descritores: PRINCÍPIO DA NECESSIDADE DO PEDIDO
TRANSFERÊNCIA DO TRABALHADOR
COMPENSAÇÃO
Nº do Documento: RP20140915301/12.5TTSTS.P1
Data do Acordão: 09/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Por força do princípio da necessidade do pedido – artigo 3º do CPC – e do princípio da estabilidade da instância – artigo 260º do CPC – não pode condenar-se o empregador a pagar uma compensação por transferência de local de trabalho que cause prejuízo sério ao trabalhador, se o que este pediu foi a declaração de ilicitude do despedimento e o pagamento, em função dela, da indemnização em substituição da reintegração, ainda que imprecisamente designada como compensação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 301/12.5TTSTS.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 381)
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto
Adjunto: Desembargadora Paula Leal de Carvalho

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, residente em …, Santo Tirso, intentou contra C…, S.A., com sede na Rua …, nº. …, ….-… …, Cascais, a presente acção declarativa com processo comum emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que julgada provada e procedente a presente acção, por via dela seja:
Para a hipótese de a Autora optar pela reintegração:
a) Declarado ilícito o despedimento da Autora levado a cabo pela Ré;
b) Condenada a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho;
C) Condenada a Ré a pagar à Autora todos os salários e subsídios vencidos desde os 30 dias anteriores à propositura da acção, até efectiva reintegração, e que até ao momento ascendem a 4.344,88 €.
Para a hipótese de a Autora optar pela compensação:
a) Declarado ilícito o despedimento da Autora levado a cabo pela Ré;
b) Deve a Ré ser condenada a pagar uma compensação correspondente a um mês por cada ano de antiguidade, no valor de 4.344,88 €;
b) Condenada a pagar as férias e o Subsídio de férias vencidas 01/01/2011 e não gozadas no valor de 1.086,22€ (€543,11 x 2);
d) Condenada a pagar os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato (De Janeiro a 4 de Maio de 2012) no valor de 543,09 € (181,03 € x3);
e) Condenada a Ré a pagar todos os salários e subsídios vencidos desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até à decisão com transito em julgado e que, até ao momento ascendem a 4.344,88 €, quantia que deve ser acrescida de juros à taxa legal, desde a decisão até efectivo pagamento.
Alegou, em síntese, que foi contratada em 02/02/2004, tendo, desde a sua admissão, prestado sempre o seu trabalho no mesmo local. No início de 2011 foi transmitido à aqui ré a posição de empregador, sendo comunicado à autora que por esse facto havia necessidade de assinar um novo contrato, desta vez com a ré, sendo-lhe todavia assegurado que todos os direitos adquiridos, bem como as condições de trabalho, estavam salvaguardadas. Em 05/04/2011, a ré entregou uma carta à autora, a comunicar-lhe a transferência unilateral do local de trabalho, de Santo Tirso para Braga, com efeitos a partir do dia 05/05/2012, transferência que implicaria um prejuízo sério para a autora, do que a mesma deu conhecimento à ré por carta de 28/04/2011. A ré manteve a mesma posição, acabando por no dia 04/05/2012, verbalmente, dizer à autora que a partir do dia seguinte não trabalhava mais ali, despedindo-a, redigindo, com o seu próprio punho, uma carta com data anterior, que a autora assinou, posteriormente se apercebendo que por essa carta aparecia ela própria a despedir-se. Por força dessa cessação pagou-lhe, apenas e tão só, a quantia 346,24 €, não tendo a autora sequer direito a subsídio de desemprego, ficando sem qualquer rendimento.

A ré contestou, impugnando a matéria afirmada pela autora, invocando a prescrição dos créditos reclamados, a título de subsídio de férias, férias não gozadas e subsídio de natal. No mais, diz, que nunca a autora foi despedida verbalmente, sendo a mesma quem voluntariamente apresentou o seu pedido de demissão, que leu, compreendeu o seu teor e assinou sem reservas, nunca mais regressando ao trabalho, nem apresentado qualquer reclamação sobre o alegado despedimento ilícito.
Finalmente, a título de compensação, e caso a ré venha a ser condenada no pagamento de créditos salariais, que, de qualquer forma, entende não serem devidos, deve ser possível à mesma compensar o crédito que detém sobre a autora, no valor de 1.086,22 euros, pelo facto de esta ter feito cessar a relação laboral sem cumprimento do aviso prévio previsto na lei, correspondente a dois meses de retribuição.

A autora respondeu às excepções de prescrição e de compensação, impugnando os factos em que elas assentam.

Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a arguida excepção de prescrição, fixado o valor à causa de €10.319,07, organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamação, e veio a realizar-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se realizou julgamento, sem gravação de depoimentos testemunhais. A autora, entretanto notificada, optou pela indemnização em detrimento da reintegração.

Foi proferida sentença, consignando os factos provados e não provados e a respectiva motivação, e afinal proferida decisão do seguinte teor:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção, condenando-se a ré a pagar à autora, a título de créditos salariais, o valor de 1.293,07 euros, acrescido de juros de mora, nos termos peticionados, até integral pagamento.
Custas por autora e ré na proporção dos decaimentos, sem prejuízo do concedido apoio judiciário”.

Inconformada, interpôs a Autora o presente recurso, apresentando a final as seguintes conclusões:
1- Mantendo-se inalterados os factos dados como provados, não pode, ainda assim, a Recorrente conformar-se com o conteúdo da decisão recorrida.
2- Resulta do artigo 31 da Petição inicial o seguinte: “ Mesmo que o Tribunal entenda que pelo documento 6 a Autora tomou a iniciativa de se despedir, o que não aconteceu, uma vez que, como já alegado, foi o próprio Administrador que, habilidosamente, redigiu a carta e fez a Autora na hora assinar, mesmo assim, segundo o nº. 5 do artigo 194 do C.T. a Autora tinha sempre direito à compensação prevista no artigo 366, ou seja, correspondente a um mês de retribuição base por cada ano completo de antiguidade”.
3- Isto porque, quando a Autora recebeu a carta a comunicar-lhe a transferência unilateral do local de trabalho de Santo Tirso para Braga, a Autora de imediato responde por escrito (Doc. 7) à Ré alegando ter prejuízo sério com tal transferência.
4- Para além de o dizer por escrito, disse-o verbalmente quando tomou a iniciativa de falar directamente com o Administrador D…, alegando que lhe era impossível, pelos prejuízos, que isso lhe causava ir trabalhar para Braga.
5- Como ficou provado que a referida carta de despedimento surgiu nessa mesma reunião, elaborada pelo representante legal da Ré e dada à Autora para assinar, na sequência da recusa da Autora em ir trabalhar para Braga.
6- Prevê o nº 5 do artigo 194 do C.T que” No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366 do C.T.”
Assim sendo,
7- A Autora na sua petição inicial quando faz o pedido da condenação da Ré ao pagamento da compensação, fá-lo para o caso de conseguir provar o despedimento verbal, ou seja, o despedimento ilícito, mas também para o caso de se o Tribunal assim não o entender, então sempre teria a Autora direito à compensação pelo nº 5 do art. 194º do CT.
8- E dúvidas não restam que em sede de julgamento ficou devidamente provado com factos concretos o prejuízo sério que a Autora teria com a deslocação do local de trabalho de Santo Tirso para Braga.
9- Pelo que, mesmo que fosse a Autora a despedir-se pela carta que lhe foi colocada pelo representante legal da Ré para assinar, sempre teria direito à compensação.
10- Aliás, consta da sentença recorrida, (letra I) como facto provado, que a referida carta de despedimento surge e foi assinada pela Autora no dia 04/05/2012, ou seja, no dia anterior ao dia em que tinha que ir trabalhar para Braga.
11- Ou seja, ficou provado que a carta em que a Autora aparece a despedir-se ocorreu na sequência da ordem recebida de ir trabalhar para Braga, e não por outro motivo qualquer.
12- Assim, para além de decorrer da lei, foi pela Autora reclamado em sede de Petição Inicial no seu artigo 31, o pagamento da compensação pelo nº 5 do artigo 194, para o caso de a Autora não conseguir provar o despedimento verbal.
13- Pelo que, no caso concreto atendendo aos factos provados, deveria a Ré ter sido condenada no montante de 4.344,88 € a título de compensação pela cessação do contrato de trabalho nos termos do nº 5 do artigo 194 do CT, para além dos montantes constantes da sentença recorrida.
14- Ou seja, condenada a Ré a pagar a quantia global de 5.537,95 € em vez dos apenas 1.293,07€.
15- A sentença recorrida violou o disposto no nº 5 do artigo 194 do Código do Trabalho e artigo 74 do Código de Processo de Trabalho
Termos em que, revogando a sentença, (…)”

Contra-alegou a recorrida, formulando a final as seguintes conclusões:
1. Na presente a acção, a instância está estabilizada nos seguintes aspectos:
a) a causa de pedir: consubstanciada num despedimento verbal, ilícito;
b) o pedido: consubstanciado na reintegração ou pagamento de indemnização, mais as remunerações intercalares.
2. A acção não tem como causa de pedir e pedido:
a) a resolução unilateral e fundamentada do contrato pelo trabalhador ;
b) o pagamento da compensação em função da licitude da resolução unilateral do contrato pelo trabalhador.
3. Para dar seguimento a tese da Recorrente, necessário seria que de causa de pedir e do pedido, resultasse que:
- a Autora resolveu o contrato;
- alegando prejuízo sério;
- com reclamação da indemnização prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho.
4. Ora nada disto consta da petição inicial, e esses factos não foram nem podiam ter sido apreciados pelo doutro Tribunal em sede de sentença.
5. Mas mais, deu-se como provado na alínea I da douta sentença que:
No dia 04/05/2012, ou seja, no dia anterior ao dia em que tinha que ir trabalhar para Braga, a autora foi falar directamente com o Administrador D…, altura em que assinou a carta junta a fls. 27 destes autos, cujo teor aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, ali declarando, em suma que “venho por este meio rescindir o contrato … dando o aviso prévio de dois meses…”(Doc. 9).
6. Nessa carta de fls. 27, consta expressamente: “venho por este meio rescindir o contrato que mantenho com a vossa firma por motivos de ordem pessoal dando o aviso prévio previsto na lei de 2 meses”
7. Nesta carta de fls 27, que constituiu o título de cessação do contrato de trabalho, não consta qualquer resolução unilateral com fundamento no prejuízo sério, mas sim que se rescinde o contrato de trabalho por motivos de ordem pessoal.
8. Não assistindo em consequência à Recorrente qualquer fundamento para a invocação da resolução fundamentada do contrato de trabalho com alegação de prejuízo sério.
Neste termos e nos demais de direito improcede o recurso interposto, mantendo-se a sentença recorrida (…)”

O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso.
Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.

II. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, a única questão a decidir é a de saber se a Ré devia ter sido condenada, além da quantia em que foi condenada, a pagar igualmente à Autora a compensação devida nos termos do artigo 194º nº 5 e artigo 366º, ambos do Código do Trabalho, ou seja, por resolução do contrato com fundamento em prejuízo sério causado pela transferência de local de trabalho.

III. Matéria de facto
A matéria de facto dada como provada na 1ª instância, e citamos, é a seguinte:
“A-) A ré dedica-se à restauração e alimentação.
B-) Em 02/02/2004, a autora, como trabalhadora, celebrou contrato de trabalho com o E…, contribuinte nº. ………, com sede na … em Santo Tirso, como empregador (Doc.4).
C-) O E…, no início de 2011, transmitiu à aqui Ré C… a posição de empregador que tinha no contrato aludido em B-).
D-) Por força do descrito em C-), foi comunicado à aqui autora, que havia necessidade de assinar um novo contrato, o que foi feito em 01/02/2011, desta vez, com a aqui ré, ficando assegurados àquela os direitos adquiridos e condições de trabalho, que se mantinham inalteráveis e seriam assumidos pela ré (Doc. 5).
E-) A laboração da autora, apesar da referida transmissão, nunca foi interrompida.
F-) Em 05/04/2011, a ré entregou uma carta à autora, a comunicar-lhe a transferência unilateral do local de trabalho, de Santo Tirso para Braga, com efeitos a partir do dia 05/05/2012 (Doc. 6), alegando o excesso de mão-de-obra.
G-) Em resposta à carta aludida em F-), a autora respondeu à ré, por carta de 28/04/2011, cujo teor aqui reproduzimos (Doc. 7). (completada a redacção desta alínea oficiosamente, v. infra)
H-) Por carta do dia 3/05/2012 a ré manteve a mesma posição assumida em F-), comunicando à autora que no dia 05/05/2011 a aludida transferência ocorreria (Doc. 8).
I-) No dia 04/05/2012, ou seja, no dia anterior ao dia em que tinha que ir trabalhar para Braga, a autora foi falar directamente com o Administrador D…, altura em que assinou a carta junta a fls. 27 destes autos, cujo teor aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, ali declarando, em suma que “venho por este meio rescindir o contrato … dando o aviso prévio de dois meses…”(Doc. 9). (completada a redacção desta alínea oficiosamente, v. infra)
J-) Após a assinatura do documento n.º 9, a autora não mais regressou ao trabalho, nem apresentou qualquer reclamação.
K-) Por força da cessação do contrato aludida em I-), a ré pagou à autora a quantia líquida de 346,24 €. (Doc. 10).
Mais se provou que:
1º. A Autora mora na freguesia …, e não tem meio de transporte próprio.
2º. A partir de … não existe meio de transporte para Braga.
3º. Por força da transferência aludida em F-), a autora teria que apanhar meio de transporte público de … para Santo Tirso, por sua vez, de Santo Tirso para Braga, e de Braga para a Rua …, freguesia …, uma vez que dista cerca de 4 Km do centro de Braga.
4º. Por força do descrito em 1º a 3º, a autora, inconformada com a situação, no dia 04/05/2012, disse directamente ao Administrador D…, que lhe era impossível, pelos prejuízos que isso lhe causava, ir trabalhar para Braga.
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a boa decisão da causa, mormente os descritos nos artigos 5º e 6º da BI”.

Para melhor compreensão, desde já se reproduz o teor destes artigos da Base Instrutória:
5º - Tendo-lhe aquele verbalmente dito “A partir de amanhã em Santo Tirso já não trabalha mais”, após o que, com o seu próprio punho, redigiu a carta aludida em I) (Doc.)), que deu à autora para a mesma assinar, o que aquela fez, assegurando-lhe que com essa carta a autora já não tinha que ir para Braga trabalhar?”
6º - Só posteriormente é que a autora se apercebe que por essa carta aparecia ela própria a despedir-se?

Por se mostrar provado por acordo nos articulados, altera-se oficiosamente a alínea I, supra, completando-a, para o seguinte teor:
I-) No dia 04/05/2012, ou seja, no dia anterior ao dia em que tinha que ir trabalhar para Braga, a autora foi falar directamente com o Administrador D…, altura em que assinou a carta junta a fls. 27 destes autos, cujo teor aqui reproduzimos para todos os efeitos legais, a qual se mostra datada de 4.3.2011, com a menção “Aceito” datada de 8.3.2011, ali declarando, em suma que “venho por este meio rescindir o contrato que mantenho com a vossa firma por motivos de ordem pessoal, dando o aviso prévio previsto na lei de 2 meses. Mais informo que o meu último dia de trabalho será o dia 4 de Maio de 2011”(Doc. 9).
Pela mesma razão, completa-se a alínea G-) nos seguintes termos: “Em resposta à carta aludida em F-), a autora respondeu à ré, por carta de 28/04/2011, cujo teor aqui reproduzimos, extractando-se: “Em resposta à carta que me foi entregue em mão, referente à minha transferência do local de trabalho, desde já comunico que por várias razões me será impossível aceitar. Dado que a minha residência tem transportes públicos muito limitados, e para chegar ao novo local de trabalho, que fica aproximadamente a 100 km de distância, por cada viagem de ida e volta, tenho que fazer várias mudanças de transporte, e ligação dos mesmos. Para além do transtorno, devido ao que referenciei atrás, também me vai causar problemas a nível pessoal, familiar e monetário. Sendo assim (…) será impossível aceitar tal proposta” (Doc. 7)”.

Apreciando:
Dispõe o artigo 194º nº 5 do Código do Trabalho que “No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º”.
A recorrente defende que, mesmo com os factos provados, está demonstrado o prejuízo sério, está demonstrado que a carta de demissão se relaciona com a ordem, reafirmada, de transferência de local de trabalho para Braga, e que por isso lhe devia ter sido atribuída a compensação mencionada.
A recorrida, nas conclusões da alegação, defende que a instância se estabilizou com a causa de pedir e o pedido formulados na petição inicial, após a citação, e que quer uma quer outro não são relativos à compensação pela resolução do contrato prevista no artigo 194º nº 5, mas sim que a compensação a que se alude na segunda parte do pedido é a compensação em substituição da reintegração, em caso de despedimento ilícito, o qual não ficou provado.
Esta linha de defesa leva-nos à reprodução do teor da petição inicial.
Na verdade, no artigo 31º da petição inicial, a A. escreveu: “Mesmo que o Tribunal entenda que pelo doc. 6 a Autora tomou a iniciativa de se despedir, o que não aconteceu, uma vez que, como já alegado, foi o próprio Administrador que, habilidosamente, redigiu a carta e fez a Autora na hora assinar, mesmo assim, segundo o nº 5 do artigo 194º do Código do Trabalho a autora tinha sempre direito à compensação prevista no artº 366, ou seja, correspondente a um mês de retribuição base por cada ano completo de antiguidade”.
Prosseguiu a A.:
32 – Isto é, desde 2004 a 2012, equivale a 8 anos de antiguidade x 543,11€ = 4.344,88€ a título de compensação pela cessação do contrato, o que se reclama.
(…)
35 – Em 04 de Maio de 2011, a Ré verbalmente comunicou à A., a decisão de a partir do dia seguinte não permitir que a mesma trabalhasse mais, despedindo-a assim de forma verbal.
36 – Sendo tal despedimento ilícito. Por não ter sido elaborado o legal procedimento e não ter sido colocada à disposição da Reclamante, até ao termo do prazo, nem posteriormente, a respectiva compensação, no valor de 4.344,88€.
37 – Como consequência da ilicitude do despedimento, a Autora tem direito a ser reintegrada no seu posto de trabalho.
38 – Caso não opte pela reintegração a Autora tem direito a uma compensação correspondente a um mês de salário base por cada ano de trabalho, o que até ao momento ascende a 4.344,88€.
39 – A Ré não pagou as férias nem o subsídio de férias vencidas em 01/01/2011 e não gozadas no valor de (…).
40 – Não lhe tendo sido pagos os proporcionais (…).
41 – Tudo o que ascende a (…)”.
42 – Tendo a Ré pago apenas no momento da cessação (…)”.
43 – Tem a Autora direito ainda a todos os salários e subsídios que se vençam até 30 dias anteriores à propositura da acção (…)) até efectiva reintegração, e que, até ao momento, ascendem a 4.344,88€ (de Dezembro de 2011 a Julho de 2012).
Termos em que a acção deve ser julgada provada e procedente e em consequência:
Para a hipótese de a Autora optar pela reintegração:
a) Declarado ilícito o despedimento da Autora levado a cabo pela Ré;
b) Condenada a Ré a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho;
C) Condenada a Ré a pagar à Autora todos os salários e subsídios vencidos desde os 30 dias anteriores à propositura da acção, até efectiva reintegração, e que até ao momento ascendem a 4.344,88 €.
Para a hipótese de a Autora optar pela compensação:
a) Declarado ilícito o despedimento da Autora levado a cabo pela Ré;
b) Deve a Ré ser condenada a pagar uma compensação correspondente a um mês por cada ano de antiguidade, no valor de 4.344,88 €;
b) Condenada a pagar as férias e o Subsídio de férias vencidas 01/01/2011 e não gozadas no valor de 1.086,22€ (€543,11 x 2);
d) Condenada a pagar os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano da cessação do contrato (De Janeiro a 4 de Maio de 2012) no valor de 543,09 € (181,03 € x3);
e) Condenada a Ré a pagar todos os salários e subsídios vencidos desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até à decisão com transito em julgado e que, até ao momento ascendem a 4.344,88 €, quantia que deve ser acrescida de juros à taxa legal, desde a decisão até efectivo pagamento”.(fim de transcrição da petição inicial).

Como interpretar?
Tem a recorrida razão quando diz que, artigo 260º do novo CPC e já assim era na versão anterior, ou melhor, sempre assim foi, “Citado o Réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”, a saber, para o que aqui interessa e no caso específico do processo de trabalho, quanto consta do artigo 28º do CPT:
“1 - É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.
2 - Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.
3 - O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da acção, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial.
4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o réu é notificado para contestar tanto a matéria do aditamento como a sua admissibilidade”.
Não tendo a A. aditado novos pedidos ou causas de pedir, é aos exactos termos da petição que temos de nos ater, para saber qual foi o pedido e qual a causa de pedir, dos quais, por força do mencionado artigo 260º do CPC, se não pode fugir. Em abono da verdade, diga-se, a recorrente não está a invocar nova causa de pedir nem novo pedido no recurso, interpretando a sua petição inicial como contendo tais causa de pedir e pedido relativos à compensação por resolução devida a transferência de local de trabalho.
Então, de novo, como interpretar a petição inicial que acima transcrevemos?
O artigo 31º da mesma contém a causa de pedir: - “se se entender que fui eu que me despedi, através da carta que me deram a assinar, então tenho direito à compensação a que se refere o artigo 194º nº 5 do CT, porque, conforme referi noutros artigos da petição inicial, a transferência causa-me prejuízo sério, como aliás invoquei em carta que enderecei à patronal”.
E quanto ao pedido?
Com o devido respeito pela recorrente, quando formula o seu pedido em termos alternativos – “estes efeitos se o despedimento for ilícito e eu quiser a reintegração, estes outros se eu quiser a compensação por despedimento ilícito”, citamos: “Para a hipótese de a Autora optar pela compensação: a) Declarado ilícito o despedimento da Autora levado a cabo pela Ré;[1] não está a referir-se à compensação por resolução por transferência de local de trabalho, porque a resolução não é um despedimento em sentido jurídico-laboral rigoroso, que possa ser declarado ilícito – só os despedimentos promovidos pelo empregador podem ser declarados ilícitos, os “despedimentos” ou “auto-despedimentos” que os trabalhadores decidem opor aos seus empregadores são sempre lícitos – cfr. artigos 340º, alíneas c) a f) face à alínea g), e artigos 394º e 400º, todos do Código do Trabalho – mas está a Autora a referir-se sim à “compensação”, que a lei intitula “indemnização”, em substituição da reintegração, nos artigos 389º nº 1 al. b) e 391º do CT. Só assim se compreende que no pedido “em caso de optar pela compensação”, se peçam também as retribuições intercalares, a que se referem os artigos 389º nº 1 al. a) e 390º (intitulado “compensação”) do CT, as quais são, como aquela “compensação/indemnização”, efeitos legalmente previstos para o despedimento ilícito promovido pelo empregador – artigo 389º nº 1 al. a) e b) do CT – e incompatíveis com a resolução, na qual, pelo motivo que seja invocado, o trabalhador opera unilateralmente o termo do contrato, que assim termina na data em que a resolução opera (isto é, não continua a vencer retribuições intercalares até que o tribunal decida).
Diremos assim que o pedido formulado - apesar do teor do artigo 31º da petição inicial, das alegações que aliás resultaram provadas sobre o prejuízo da autora em ser transferida de local de trabalho e da carta que esta mandou à entidade empregadora, e mesmo podendo ler-se que os motivos pessoais invocados na carta de demissão se referiam a estes motivos pessoais de prejuízo em relação à transferência – se refere exclusivamente à hipótese de despedimento ilícito, esquece a causa de pedir que se sumariava no artigo 31º da petição inicial e não pode, por isso, ser interpretado em termos tais que se entenda que a compensação ali referida seja a compensação prevista no artigo 194º nº 5 do Código do Trabalho, apenas podendo ser lido como referindo-se à indemnização em substituição da reintegração por despedimento ilícito, o qual, aliás, não se provou.
Ora, porque o tribunal só pode resolver o conflito de interesses a pedido – artigo 3º do CPC – e porque o pedido é aquele que tiver sido formulado, e a formulação feita só permite a leitura que acabamos de referir, a conclusão é a de que, apesar dos factos provados quanto aos prejuízos e da eventual conexão que pudéssemos fazer entre a denúncia do contrato feita pela Autora na carta assinada a 4 de Maio, não podemos condenar a recorrida na compensação prevista no artigo 194º nº 5 e 366º do Código do Trabalho, improcedendo pois o recurso.
Tendo ficado vencida, é a A. responsável pelas custas – artigo 527º nº 1 e 2 do CPC – sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Porto, 15.9.2014
Eduardo Petersen Silva
Paula Maria Roberto
Paula Leal de Carvalho
____________
Sumário a que se refere o artigo 663º, nº 7 do actual CPC:
Por força do princípio da necessidade do pedido – artigo 3º do CPC – e do princípio da estabilidade da instância – artigo 260º do CPC – não pode condenar-se o empregador a pagar uma compensação por resolução por transferência de local de trabalho que cause prejuízo sério ao trabalhador, se o que este pediu foi a declaração de ilicitude do despedimento e o pagamento, em função dela, da indemnização em substituição da reintegração, ainda que imprecisamente designada como compensação.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).