Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
871/23.2JAPRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO
PRISÃO PREVENTIVA
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS
CONDIÇÃO REBUS SIC STANTIBUS
FUNDAMENTAÇÃO
Nº do Documento: RP20230913871/23.2JAPRT-B.P1
Data do Acordão: 09/13/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Inexistindo alteração dos factos e circunstâncias que existiam aquando da aplicação da prisão preventiva - altura em que o arguido teve oportunidade de expor as razões pelas quais não se justificaria, na sua ótica, a aplicação daquela medida de coação - não é violado o princípio do contraditório quando o juiz, em despacho de reexame da prisão preventiva, decide manter a mesma sem ouvir o arguido.
II – As medidas de coação encontram-se sujeitas à condição rebus sic stantibus, só se mantendo a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos que determinaram a sua aplicação. Consequentemente, subsistindo inalterados os respetivos pressupostos e as exigências cautelares que a determinaram, a medida de coação não pode ser alterada.
III – Daqui decorre que o despacho proferido nos termos do art.º 213º do CPP destina-se unicamente a proceder à reapreciação dos pressupostos constantes do despacho que, anteriormente, determinou a aplicação da prisão preventiva e que a justificaram. Como tal, a sua fundamentação tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os e, por esta via, levando à sua substituição ou revogação.
IV – Daí que seja assinalado, de forma reiterada, pela jurisprudência dos tribunais superiores, que a fundamentação do despacho em que – procedendo ao reexame oficioso da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, em obediência ao disposto no artigo 213.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – se decide pela manutenção de tal medida de coação não tem que ser tão exaustiva e completa como a que a lei (nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade, exige para as sentenças finais.
V – Um tal despacho satisfaz a exigência de fundamentação, contida nos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição da República, e 97.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando nele, remetendo para os fundamentos de facto e de direito do despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva, se afirma que não ocorreram alterações relativamente àqueles fundamentos e se refere a inexistência de elementos que sugiram a necessidade de audição prévia do arguido, concluindo pela manutenção da medida, com a indicação das normas aplicáveis.

[Sumário da responsabilidade da relatora]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 871/23.2JAPRT-B.P1
Recurso Penal
(Paula Cristina Jorge Pires; Maria dos Prazeres Silva)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I - Relatório

Por acórdão datado de 24 de maio de 2023, proferido por este Tribunal da Relação do Porto nos autos de inquérito acima referenciados, pendentes no Juízo de Instrução Criminal do Porto, na sequência de recurso interposto pela arguida AA do despacho de aplicação de medidas de coação proferido pelo JIC no primeiro interrogatório judicial a que foi submetida, foi determinado que a arguida aguardasse os ulteriores termos do processo sujeita a prisão preventiva, por se ter concluído haver fortes indícios da prática pela mesma de um crime de homicídio, p. e p. pelo artigo 131.º do Código Penal, e estarem verificados os perigos de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
A medida foi revista e mantida, nos termos do artigo 213º do CPP, por despachos judiciais de 10 de maio e, posteriormente, de 18 de julho de 2023 (referência 450610502).
Não se conformando com esta última decisão, dela veio a referida arguida interpor recurso, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem:
«I — A recorrente não se conforma com o despacho que determinou a manutenção da medida de coação mais gravosa, por entender que não se encontram reunidos os pressupostos para a sua aplicação.
II — Ora, este reexame não é uma mera formalidade que impõe a lei, devem ser efetivamente ponderados, avaliados e fundamentados os pressupostos da prisão preventiva e, assim, que que se pondere da necessidade da manutenção da referida medida de coação, pelo menos pensamos que era essa a intenção do legislador penal.
III — A ponderação, avaliação e fundamentação é tão mais necessária se a conclusão do julgador for no sentido da manutenção da medida de coação (ainda por cima mais gravosa)
IV — No douto despacho a fls, de que agora se recorre, refere que é mantida à recorrente a medida de coação de prisão preventiva “Por se manterem na integra os pressupostos que determinaram a aplicação à arguida AA da medida de coação de Prisão Preventiva, na sequência, aliás, do referido no recente acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, determino que a arguida continue a tal medida coativa, cumulada com termo de identidade e residência, nos termos dos artigos 202.º e 196.º, ambos do Código de Processo Penal”,
V — Sem quaisquer diligências que sustentem tal afirmação, o Tribunal a quo, singelamente, apenas refere que “Por se manterem na íntegra os pressupostos que determinaram a aplicação à arguida AA da medida de coação de Prisão Preventiva (…)“,
VI — Não se compreende em que factos é que o Tríbunal a quo se baseia para considerar que nenhuma circunstância se alterou para quer permitisse poder alterar a medida de coação.
VII — Nem considerou o Tribunal de Instrução promover auscultação do MP e/ou da recorrente como decorre do n.° 3 do artigo 213.° do CPP.
VIII — A decisão de manter a prisão preventiva sem ter ouvido a recorrente sobre todos os factos que, em concreto, lhe são imputados, o douto despacho violou o disposto no n.º 5 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, desrespeitando o princípio do contraditório.
IX - Conforme bem decidiu o Tribunal da Relação do Porto (processo: 9910887, n.° convencional: JTRP199909299910887, de 29/09/99, in www.dgsi.pt/) “Constitui nulidade a não audição do recorrente antes da manutenção da medida de coação da prisão preventiva em função do reexame trimestral imposto pelo artigo 213.° do Código de Processo Penal sobre a subsistência dos respetivos pressupostos.”
X — No mesmo sentido do presente requerimento decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa por douto acórdão de 04/09/98 (processo: 0056445, n.° convencional: JTRL199809040056445, in www.dgsi.pt/): “Comete-se nulidade insanável (artigo ll9, b,) c) CPP) sempre que o Juiz ao reexaminar os pressupostos da prisão preventiva com vista à sua manutenção, substituição ou revogação, não ouça o Ministério Público e o recorrente (e/ou defensor), se o reexame for oficioso; não ouça o recorrente, se o ato for requerido pelo Ministério Público; e não ouça o Ministério Público, se o ato tiver sido requerido pelo recorrente, a não ser que fundamente, ou seja manifesta, a desnecessidade de tal audição”.
XI — Data venia, a tomada de novas declarações á recorrente afigurava-se não só necessária como, até, indispensável.
XII — Ao ter sido proferido o douto despacho a Fls. sem se ter confrontado a recorrente com toda a matéria de facto que fundamenta a convicção da existência de fortes indícios da prática dos crimes, cometeu-se uma nulidade insanável prevista no artigo 119.º alíneas b) e c) do Código de Processo Penal com a cominação prevista no artigo 122.° do mesmo diploma.
Além do mais,
XIII — A recorrente entende que não se encontram reunidos os pressupostos para a sua aplicação, visto que a prisão preventiva tem carácter residual ou subsidiário, medidas que apenas devem ser impostas ao recorrente com observância dos pressupostos nos artigos 204.º e 202.º, al. a) do CPP.
XIV — O artigo 28.º n.º 2 da Lei Fundamental estabelece que “a prisão preventiva tem natureza excecional, não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.”
XV -Decorre, entre outros, dos artigos 191.º a 193.º do CPP, que no âmbito das medidas de coação previstas na lei, que deverão ser adequadas e proporcionais à qualidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas, só sendo de optar pela prisão preventiva quando se revelarem inadequadas ou insuficientes outras medidas, mormente aquela também privativa da liberdade (menos gravosa) da obrigação de permanência na habitação (artigo 201.º do CPP).
XVI — O despacho recorrido, para fundamentar a medida de coação, remetendo para os pressupostos que determinaram a aplicação da medida de coação Prisão Preventiva, além do alarme social, entendeu existir perigo de continuação da atividade criminosa e perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova.
XVII — O alarme social, no nosso ordenamento jurídico-penal, não serve de fundamento para a aplicação de qualquer medida de coação.
XVIII — Quanto à existência do perigo de continuação da atividade criminosa, resulta do despacho recorrido que a recorrente não tem quaisquer antecedentes criminais ou processos pendentes em que seja visada em crimes contra as pessoas, pelo que não é crível que a recorrente voltasse a praticar os factos/crime de que vem acusada.
XIX - Decretar a medida de coação com o fundamento do perigo de perturbação para o decurso do inquérito, nomeadamente para a manutenção e veracidade da prova, como entendeu existir a Mma. Juiz de Instrução, e agora também assumido na manutenção de tal medida, é violadora do Estado de Direito, pois seria prender para investigar.
XX — Atentos os factos imputados â recorrente, não se vislumbram mais diligências de prova para a investigação do crime homicídio de que vem acusada.
XXI — A aplicação de qualquer outra medida é suficiente para obstar ao entendimento sufragado no douto despacho, como seria a outra medida de coação privativa da liberdade – obrigação de permanência na habitação.
XXII — Estabelece o n.º 1 do artigo 193.º. do CPP «As medidas de coação e de garantia patrimonial a aplicar em concreto devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.”
XXIII — A aplicação da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação estão, assim, pela negativa, condicionadas a inadequação e a insuficiência de qualquer outra medida cautelar, tendo como resultado o princípio da proporcionalidade, na vertente de proibição de excesso, contudo, optando-se entre uma e outra deve ser promovida a menos gravosa.
XXIV - As medidas de coação privativas da liberdade estão sujeitas, como se referiu, ao princípio da necessidade só podendo aplicar-se como medida de ultima ratio das medidas de coação quando todas as outras se mostrarem incapazes de satisfazer as exigências cautelares, nos termos do artigo 193.º do CPP.
XXV — Ainda que se fosse de aplicar uma medida de coação privativa da liberdade, o que não se concede, sempre podia e devia, em primeiro lugar, o JIC ter optado pela privativa da liberdade menos gravosa, a obrigação de permanência na habitação, nos termos do artigo 201.º do CPP e, pelo menos, agora, ter corrigido essa situação, medida de coação que, salvo o devido respeito por opinião diferente, cumpre integralmente os princípios que norteiam a aplicação das medidas coativas no sentido de promover a justiça.
XXVI — Assim, a decisão de que ora se recorre violou, entre outros, os artigos 193.º, 202.º, 204.º, 213.º, todos do CPP e 32.º da CRP.
NESTES TERMOS e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve o recurso ser julgado procedente, revogando-se o douto despacho do tribunal recorrido, restituindo à liberdade a recorrente, acompanhada de medida de coação não privativa da liberdade; em alternativa, a entender-se pela aplicação de medida de coação privativa da liberdade, deve ser aplicada a medida menos gravosa, a obrigação de permanência na habitação; assim se fazendo a habitual sã Justiça.»
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O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado e com efeito não suspensivo.
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O Ministério Público apresentou resposta no sentido da manutenção do despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso, considerando inexistir nulidade do despacho por falta de fundamentação ou necessidade de prévia audição da arguida/recorrente, impondo-se que esta continue a aguardar os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de coação judicialmente determinadas.
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A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta, neste Tribunal, emitiu parecer, no qual, aderindo aos fundamentos constantes da motivação da resposta do Ministério Público na 1ª instância, concluiu pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.
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Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não tendo a recorrente apresentado resposta ao parecer.
Procedeu-se a exame preliminar e, colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
Aquilo que importa apreciar e decidir é o seguinte:
- Saber se o despacho recorrido é nulo por falta de fundamentação e se o Tribunal estava obrigado a especificada e fundamentadamente analisar ex novo todos os pressupostos que serviram de base à primitiva decisão de aplicação da prisão preventiva;
- Saber se foi cometida uma nulidade pela circunstância de o despacho recorrido não ter sido precedido da audição da arguida/recorrente;
- Por fim, saber se a medida de coação concretamente aplicada se revela excessiva, impondo-se a sua substituição por outra menos gravosa.
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Na sequência de interrogatório judicial a que foi sujeita, foi aplicada à arguida AA a medida de coação de prisão preventiva, cumulada com o TIR por ela prestado, com os seguintes fundamentos (segue transcrição parcial):
«A detenção efetuada, fora de flagrante delito e por crimes públicos punidos com pena de prisão, obedeceu aos requisitos legais e como tal declaro-a válida - artigos 254.º, 257.º, todos do C. P. Penal.
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Dos autos resulta fortemente indiciados que:
· arguida AA e a vítima BB são ambos consumidores de estupefacientes, cocaína e haxixe, conhecendo-se há cerca de 3 anos por frequentarem os mesmos locais de consumo;
· no dia 09/02/23, pelas 21:15 horas, a AA deslocou-se para junto das piscinas ..., na Avenida ..., na zona ..., no Porto, local onde se juntam habitualmente vários consumidores de estupefacientes;
· no local já se encontrava o BB, sentado num lanço de escadas que dão para uma casa devoluta, acompanhado das testemunhas CC e DD, também consumidores;
· num outro lanço de escadas encontravam-se as testemunhas EE e FF;
· a AA sentou-se junto do FF e da EE;
· o BB começou a falar das mulheres ali presentes dizendo de algumas que “não prestavam”;
· depois, referindo-se à AA disse que ela “não valia nada” e, insultou-a dizendo-lhe que era “uma merda, uma porca e badalhoca” e disse-lhe “levanta-te ó puta, não te quero aqui”;
· nesse momento, a AA, que estava com uma navalha na mão e um “caneco” para preparar o seu consumo, respondeu-lhe “tá caladinho, ó preto”;
· o BB desferiu-lhe, então, vários pontapés nas pernas;
· a AA tentou defender-se e, a certa altura, pegou numa faca que traz sempre na carteira e tentou atingir o BB;
· testemunha DD tentou separá-los, mas apercebendo-se que a AA estava emocionalmente descontrolada, afastou-se com receio de ser atingida;
· dos vários golpes que desferiu com a faca para tentar atingir o BB, um atingiu-o no peito no hemotórax direito, tendo começado a jorrar sangue;
· o BB ajudado pela testemunha DD, dirigiram-se de imediato para junto de um carro que se encontrava na estacionado na rotunda próxima, pedindo ajuda, tendo o condutor de imediato chamado o INEM;
· enquanto esperava pela ambulância, o BB deslocou-se para um local mais reservado para defecar, tendo nessa altura caído para o lado;
· foi nesse local que os agentes da PSP que chegaram ao local, o encontraram;
· de seguida foi transportado pelo INEM para o Hospital ..., onde deu entrada com prognóstico reservado, correndo risco de vida;
· à entrada no Hospital o BB apresentava uma ferida incisa no 2.º espaço intercostal direito anterior, Fast com derrame pleural direito;
· o golpe desferido pela AA atingiu o BB no hemotórax direito causando-lhe uma hemorragia interna, em consequência da qual, o BB veio a falecer, pelas 12:33 horas do dia 10/02/23;
· a morte sobreveio como consequência directa e necessária da lesão provocada pelo golpe desferido pela arguida;
· a faca usada pela arguida encontra-se apreendida e fotografada a fls. 15;
· a arguida agiu livre, voluntaria e conscientemente, com a intenção de tirar a vida bem sabendo que a sua conduta era punida pela lei penal.
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Tais factos são suscetíveis de integrar, a prática pela arguida AA de um CRIME DE Homicídio Simples, previsto e punido pelos artigos 131º do Código Penal, com pena de prisão de 8 a 16 anos.
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Sustentam os factos, os seguintes elementos de prova:
Autos de inspeção judiciária, de fls. 2 a 4 e de fls. 12 a 13;
Auto de Notícia de fls. 5;
Autos de apreensão, a fls. 14 e 41;
Reportagem fotográfica de fls. 15;
Auto de revista e apreensão de fls. 19 a 20.
Ficha biográfica de fls. 22;
Certificado de Registo Criminal de fls. 24.
Auto de interrogatório de arguido de fls. 27 a 30.
Autos de inquirição, de fls. 33 a 40 e 42 a 45;
Boletim de informação clínica de fls. 59.
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Mais se refira que apesar das declarações da arguida, que nega o cometimento dos factos imputados afirmando que se limitou a afastar com um braço a vítima BB, tendo sido o mesmo que se espetou no tórax com uma navalha que tinha em seu poder, o certo é que essas declarações não se mostram conforme às regras da experiência e são as mesmas claramente afastadas pelo depoimento da testemunha DD (atente-se em particular al. 27 a 31 de fls. 33 verso).
Considerando o acervo probatório dos autos, dúvidas não temos em considerar como fortemente indiciado os crimes acima referidos.
Atenta a gravidade dos factos é necessária uma forte intervenção do tribunal no sentido de os reprimir, impondo-se a aplicação de uma medida que previna o perigo de perturbação do inquérito, bem como o perigo de fuga, uma vez que arguida tem uma vida poupo estruturada, fortemente dependente do consumo de estupefacientes, podendo com alguma facilidade eximir-se as autoridades judiciais.
O crime indiciado nos presentes autos é de extrema gravidade e gera na comunidade sentimentos de forte alarme social.
O bem jurídico protegido pelo tipo legal - Homicídio - é o bem mais precioso para a sociedade: a vida humana. Sendo a vida o mais valorizado dos bens justifica-se que seja tratado em termos criminais de forma especial.
Como decorre do disposto no artigo 204.º, do Código de Processo Penal, à exceção do Termo de Identidade e Residência (TIR), nenhuma medida de coação pode ser aplicada se, em concreto, não se verificar: (a) fuga ou perigo de fuga, (b) ou perigo de perturbação do inquérito, (c) ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.
A ponderação a fazer para a aplicação de qualquer medida de coação tem por base um juízo sobre os elementos que os autos forneçam e que indiciem de modo suficiente uma atuação do arguido que integre a prática de crime.
Naturalmente que não se trata de um juízo definitivo, mas antes de um juízo efetuado em função dos concretos elementos que existem no processo, que poderão ser confirmados ou infirmados por novos elementos que surjam no decurso do inquérito e que culminará com a acusação, caso dos mesmos resultem uma «possibilidade razoável» de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança (cf. artigo 283.º, do Código de Processo Penal).
Essa análise a efetuar quanto à prova indiciária de cometimento do crime, não poderá deixar de ser efetuada de acordo com as regras da experiência e de livre convicção (artigo 127.º, do Código de Processo Penal).
O artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do compêndio legal a que se vem aludindo, estabelece os casos em que pode ser imposta a medida de prisão preventiva ao arguido: haver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a cinco anos e serem inadequadas e insuficientes as demais medidas para garantir as necessidades cautelares.
A excecionalidade e subsidiariedade da prisão preventiva resultam da própria lei fundamental, constituindo a liberdade a regra, e a prisão preventiva a exceção (artigos 27.º e 28.º da Constituição).
Nesta conformidade, o artigo 193.º, do Código de Processo Penal consagra o princípio da necessidade, a par dos princípios da adequação e da proporcionalidade, assim como a preferência da obrigação de permanência na habitação, em relação à prisão, quando couber ao caso medida de coação privativa da liberdade (n.º 3).
Escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 2007, págs. 392-393), que “o princípio da proporcionalidade (também chamado princípio da proibição do excesso) desdobra-se em três subprincípios: (a) princípio da adequação (também designado por princípio da idoneidade), isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); (b) princípio da exigibilidade (também chamado princípio da necessidade ou da indispensabilidade), ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias (tornaram-se exigíveis), porque os fins visados pela lei não podiam ser obtidos por outros meios menos onerosos para os direitos, liberdades e garantias; (c) princípio da proporcionalidade em sentido restrito, que significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa «justa medida», impedindo-se a adoção de medidas legais restritivas, desproporcionadas, excessivas, em relação aos fins obtidos”.
Por sua vez, assinala Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, II, 4.ª Edição, Verbo, 2008, págs. 302-303), que “os princípios da adequação e proporcionalidade encontram consagração expressa no artigo 193.º, segundo os quais o juiz, quando considere necessário aplicar ao arguido uma medida de coação deve aplicar-lhe, de entre as legalmente admissíveis, a que julgue idónea para salvaguardar as exigências cautelares que o caso requerer, sempre que a medida escolhida seja proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas.
Os princípios em causa não respeitam apenas ao momento inicial da aplicação de uma medida, mas também à sua alteração, uma vez que depois de aplicadas as medidas podem ser revogadas ou alteradas em função das necessidades processuais. (…)
A adequação da medida há de sê-lo qualitativa e quantitativamente. As medidas hão-de ser qualitativamente adequadas para alcançar os fins previstos no caso concreto, isto é, aptas pela sua própria natureza para o caso concreto realizarem o fim pretendido.
Uma medida de coação há de ser também quantitativamente adequada, isto é, a sua duração ou intensidade hão de ser exigidas pela própria finalidade que se pretende alcançar”.
No caso, não restam dúvidas que se mostra verificado os perigos a que alude as alíneas a) e c), do artigo 204.º, do Código de Processo Penal, ou seja, perigo de fuga e perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Não existem, quaisquer dúvidas quanto à gravidade dos factos indiciados nos presentes autos e ao bem jurídico violado pela arguida.
São fortes os indícios, de a arguida ter cometido o crime de homicídio simples.
As exigências cautelares, no caso, não se mostram mitigadas pela ausência de antecedentes criminais, vista a gravidade objetiva do crime eme causa.
O perigo de perturbação da ordem e tranquilidade públicas, em razão das circunstâncias do crime, evidencia-se ainda atendendo ao alarme social e sentimento de insegurança na comunidade que pode provocar.
A verificação deste perigo leva-nos a arredar a aplicação à arguida da obrigação de permanência na habitação, porquanto a mesma não acalenta suficientemente as finalidades cautelares e os perigos evidenciados.
Em síntese, sem prejuízo do que possa ainda vir a resultar da investigação subsequente, entendemos que perante o ilícito criminal indiciado, que maior tutela merece na nossa ordem jurídica, deverá a arguida AA, aguarde os ulteriores termos do processo sujeita à medida de coação de prisão preventiva, para além do TIR, já prestado, nos termos dos art.ºs 191.º, 193.º, n.º 1, 196.º, 202.º n.º1, al. a) e b) e 204.º, al. c) do Cód. Proc. Penal.
Passe os competentes mandados de condução da arguida ao E.P. .... […]».

A descrita decisão foi confirmada por este Tribunal da Relação do Porto que, na sequência de recurso interposto pela arguida, confirmou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, por acórdão datado de 20 de maio de 2023, com os seguintes fundamentos (segue transcrição parcial):
«Conforme resulta da factualidade fortemente indiciada terá a arguida cometido um crime de homicídio simples.
Tal comportamento, face ao regime penal vigente, reveste extrema gravidade sendo qualquer ponderação relativa à aplicação de uma medida de coação acompanhada de fortes e robustas exigências cautelares, tudo de molde a obter a prossecução do processo sem qualquer tipo de entraves ou perturbações, salvaguardar o perigo de fuga e o perigo de continuação da atividade criminosa ou a perturbação da ordem e tranquilidade pública – cfr. artigo 204º do CPP.
No caso dos autos, entendeu a M. Juíza, que se verificavam em concreto os perigos de fuga e de perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Na verdade, e embora não se registando o perigo de manutenção da atividade criminosa, são identificáveis os restantes perigos que importa acautelar, não só o da fuga da arguida, pois perante a gravidade dos factos e a expetável recriminação criminal a fuga será sempre tentadora, como também as exigências de assegurar uma resposta eficaz e pública da justiça perante a sociedade, preenche o requisito da satisfação da ordem e tranquilidade pública.
Jamais seria compreensível para a comunidade e jamais seria um fator de tranquilidade o conhecimento de uma situação de homicídio, onde os factos relativos à sua autoria estivessem fortemente indiciados e o sistema de justiça deixasse de aplicar a medida de coação mais gravosa, a prisão preventiva, não sendo aplicável qualquer outra por falta da verificação dos seus pressupostos legais.
Dito isto, e dispensando-nos aqui de reproduzir todos os preceitos legais de suporte à medida de coação fixada, pois constam já do despacho recorrido, nenhuma censura nos merece tal decisão, encontrando-se a mesma suficientemente fundamentada quer de facto quer de direito, pelo que, e sem necessidade de maiores considerações o recurso não poderá obter provimento. […]»

Entretanto, a medida foi revista e mantida, nos termos do artigo 213º do CPP, designadamente por meio do despacho judicial datado de 18 de julho de 2023 (referência 450610502), tendo sido deste despacho que a arguida interpôs o recurso que agora importa apreciar.
O despacho recorrido é do seguinte teor (segue transcrição):
«Por se manterem na íntegra os pressupostos que determinaram a aplicação à arguida AA da medida de coação de Prisão Preventiva, na sequência, aliás, do referido no recente acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, determino que a arguida continue sujeita a tal medida coativa, cumulada com termo de identidade e residência, nos termos dos artigos 202º e 196.º, ambos do Código de Processo Penal.»
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Antes de se entrar na apreciação do recurso apresentado pela arguida, importa recordar o seguinte conjunto de princípios gerais a que a lei processual penal sujeita a aplicação das medidas de coação:
-- princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade: as medidas de coação devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer (a medida deve ser idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso concreto) e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art.º 193.º, n.º 1 do Código de Processo Penal), desdobrando-se o último num critério quantitativo: a medida de coação deve ser proporcionada à gravidade do crime, tomando-se em consideração a medida abstrata da pena e fazendo-se uma prognose da pena que em concreto virá a ser aplicada ao arguido; e num critério qualitativo: tem-se em conta o comportamento e personalidade do arguido;
-- princípio da subsidiariedade das medidas de coação privativas da liberdade (prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) – artigos 193.º, n.º 2, 201.º, n.º 1 e 202.º, nº 1, todos do Código de Processo Penal.
O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excecional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente [1].
Por outro lado, impõe-se que se verifiquem os denominados pericula libertatis (art.º 204º do Código de Processo Penal) – que devem configurar-se como um perigo real e não meramente hipotético ou virtual e resultar de todos os elementos factuais disponíveis no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da experiência comum:
a) fuga ou perigo de fuga (perigo concreto e não mera probabilidade, sendo certo que se tem que ter presente que estamos perante um perigo, não se confundindo com existência de atos preparatórios da fuga); ou
b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (perigo concreto a que não seja possível obstar com outros meios); ou
c) perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas (função cautelar com validade no próprio processo e não medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada).
Feitas estas considerações, apreciemos, então, os fundamentos do recurso interposto pela arguida – que, como vimos, considera que o despacho recorrido é nulo e que a medida de prisão preventiva aplicada revela-se inadequada, desnecessária e desproporcional, para além de entender que não se mostram verificados os concretos pericula libertatis invocados na decisão recorrida (ou, em todo o caso, que os mesmos poderiam ser obstados através da aplicação de medida de coação menos gravosa).
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Sob o título “prisão preventiva”, estabelece o n.º 1, do art.º 202.º, do Código do Processo Penal:
“1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:
a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;
b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;
c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;
f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.”.
Estabelece, por seu turno, o art.º 213.º do CPP que o juiz procede oficiosamente ao reexame dos pressupostos da prisão preventiva ou da obrigação de permanência na habitação, decidindo se elas são de manter ou devem ser substituídas ou revogadas, no prazo máximo de três meses, a contar da data da sua aplicação ou do último reexame, ouvindo, sempre que necessário, o Ministério Público e o arguido (cf. os n.ºs 1 e 3 do mencionado preceito legal).
Assim, o legislador, ao estatuir que o juiz no reexame dos pressupostos da prisão preventiva ouve o Ministério Público e o arguido sempre que necessário, deixou claro que a audição destes não é obrigatória em todos os casos.
Embora esse juízo de necessidade deva ser aferido caso a caso, pode afirmar-se, de um modo geral, que haverá necessidade de audição do MP e do arguido quando ocorrer uma alteração dos factos ou das circunstâncias que determinaram a aplicação daquela medida de coação.
Por isso, e como é assinalado no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/4/2004 [2], sendo os factos e as circunstâncias os mesmos que existiam aquando da aplicação da prisão preventiva - altura em que o arguido teve oportunidade de expor as razões pelas quais não se justificaria, na sua ótica, a aplicação daquela medida de coação - não é violado o princípio do contraditório quando o juiz, em despacho de reexame da prisão preventiva, decide manter a mesma sem ouvir o arguido.
Importa, ainda, salientar que as medidas de coação encontram-se sujeitas à condição rebus sic stantibus, só se mantendo a sua validade e eficácia enquanto permanecerem inalterados os pressupostos que determinaram a sua aplicação. Consequentemente, subsistindo inalterados os respetivos pressupostos e as exigências cautelares que a determinaram, a medida de coação não pode ser alterada.[3]
Daqui decorre que o despacho proferido nos termos do art.º 213º do CPP, como é o caso da decisão recorrida, destina-se unicamente a proceder à reapreciação dos pressupostos constantes do despacho que, anteriormente, determinou a aplicação da prisão preventiva e que a justificaram. Como tal, a sua fundamentação tem por objeto, apenas, a análise de circunstâncias supervenientes cuja ocorrência possa abalar a sustentabilidade dos pressupostos que conduziram à aplicação da medida de coação, alterando-os e, por esta via, levando à sua substituição ou revogação.
Daí que seja assinalado, de forma reiterada, pela jurisprudência dos tribunais superiores, que a fundamentação do despacho em que – procedendo ao reexame oficioso da subsistência dos pressupostos da prisão preventiva, em obediência ao disposto no artigo 213.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – se decide pela manutenção de tal medida de coação não tem que ser tão exaustiva e completa como a que a lei (nos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal), sob pena de nulidade, exige para as sentenças finais.
Um tal despacho satisfaz a exigência de fundamentação, contida nos artigos 205.º, n.º 1, da Constituição da República, e 97.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, quando nele, remetendo para os fundamentos de facto e de direito do despacho que determinou a aplicação da prisão preventiva, se afirma que não ocorreram alterações relativamente àqueles fundamentos e se refere a inexistência de elementos que sugiram a necessidade de audição prévia do arguido, concluindo pela manutenção da medida, com a indicação das normas aplicáveis.
Deste modo, e diversamente do que sustenta a arguida no recurso, não é exigível ao tribunal que, no despacho de reexame da subsistência dos pressupostos que determinaram a aplicação da medida de prisão preventiva, afira “ex novo” da sua verificação. E também seria inútil exigir que, nestes casos, o juiz reproduzisse o despacho para o qual remete, já que este é do conhecimento dos interessados. [4]
No presente caso, em obediência à cláusula rebus sic stantibus, o tribunal a quo limitou-se a afirmar a inexistência de alterações aos pressupostos que estiveram subjacentes à aplicação da medida de coação de prisão preventiva, mantendo-a inalterada, nos moldes permitidos pela lei. E a verdade é que a arguida/recorrente não invoca qualquer circunstancialismo suscetível de contrariar esta conclusão, limitando-se a reiterar a sua discordância relativamente aos pressupostos que estiveram subjacentes à decisão do tribunal de primeira instância, posteriormente confirmados pela decisão proferida por este Tribunal da Relação, na sequência do recurso interposto pela arguida, como justamente salienta a magistrada do Ministério Público na motivação da resposta ao recurso.
Concluindo, e sem perder de vista que a prisão preventiva é uma medida excecional, temos como seguro que é de manter a medida de prisão preventiva aplicada à recorrente, em detrimento de qualquer outra, pois que, no indiciado circunstancialismo global – que não sofreu alteração - continua a ser, nesta altura, a única adequada e suficiente para cumprir as exigências cautelares que a situação reclama, tanto mais que, a manter-se o indiciado quadro fáctico, é expectável a ulterior aplicação à recorrente de uma pena de prisão efetiva [5].
Improcede, assim, o presente recurso, não se descortinando qualquer nulidade no despacho recorrido, o qual não merece, de qualquer modo, censura.
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III - Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso, confirmando-se integralmente, em consequência, a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC (art.º 513º, nº 1 do Código de Processo Penal, art.º 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa a este).
Notifique.
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(Texto processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2, do CPP – e assinado digitalmente).
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Porto, 13 de setembro de 2023.
Liliana de Páris Dias
Paula Pires
Maria dos Prazeres Silva
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[1] Cf. o acórdão do TRL, de 19/6/2019, relatado pelo Desembargador João Lee Ferreira e disponível em www.dgsi.pt.
[2] Relatado pelo Desembargador Orlando Gonçalves e disponível em www.dgsi.pt.
[3] Com efeito, o art.º 212.º do CPP estabelece que as medidas de coação são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:
a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou
b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
Dispõe esta norma, ainda, no seu n.º 3, que, quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coação, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução.
Como se diz no acórdão deste TRP de 17/6/2020 (relatado pela Desembargadora Cláudia Rodrigues e disponível para consulta em www.dgsi.pt), as medidas de coação não são imutáveis, mas a sua alteração pressupõe variações do condicionalismo subjacente. Por isso, enquanto permanecerem as circunstâncias de facto e se mantiverem os fundamentos de direito que justificaram a respetiva imposição, também as medidas de coação se devem manter inalteradas.
[4] Cf., neste sentido, o acórdão do TRG de 19/10/2009 e do TRL de 25/5/2005, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[5] E, por isso, não existe desproporcionalidade na medida coativa aplicada.