Acórdão do Tribunal da Relação do Porto | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRP000 | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | PROVIDÊNCIA CAUTELAR TRANSACÇÃO CADUCIDADE DA PROVIDÊNCIA ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PAGAS | ||
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Nº do Documento: | RP201303052754/12.2TBVCD-C.P1 | ||
Data do Acordão: | 03/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO. | ||
Decisão: | REVOGADA EM PARTE. | ||
Indicações Eventuais: | 2ª SECÇÃO. | ||
Área Temática: | . | ||
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Sumário: | I- Extinguindo-se a providência cautelar na sequência de transacção celebrada entre as partes, e movendo-se esta dentro do objecto da providência cautelar, as partes não se encontram dispensadas da propositura da acção principal. II- Em tal caso, a providência "decretada", encontrar-se-á igualmente sujeita aos casos de caducidade previstos no nº 1 do art. 389º do CPC. III- No caso de caducidade da providência de arbitramento de reparação provisória por falta de propositura da acção principal no prazo de 30 dias, a devolução das prestações pagas ao abrigo de tal providência não pode ser decretada, de forma automática, no despacho que reconheceu a caducidade de tal providência. IV- O requerido terá que instaurar uma acção para o efeito, seja com base em responsabilidade civil, nos termos do art. 390º CPC, seja com base no enriquecimento sem causa, nos termos do n°1 do art. 405º CPC. | ||
Reclamações: | |||
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Decisão Texto Integral: | Processo nº 2754/12.2TBVCD-C.P1 – Apelação Relator: Maria João Areias 1º Adjunto: Maria de Jesus Pereira 2º Adjunto: José Igreja Matos Acordam no Tribunal da Relação do Porto (2ª Secção): I – RELATÓRIO B… instaurou o presente Procedimento Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória contra C…. S.A., Peticionando, até liquidação final da indemnização na acção principal a propor contra a Ré por responsabilidade civil emergente de acidente de viação, a condenação da Ré a pagar mensalmente à A. a quantia de 1.070,00 € na sua residência, até ao dia 30 de cada mês, como reparação provisória dos danos que lhe foram causados, nos termos dos arts. 403º e ss., do CPC. Aberta a audiência de julgamento, a 28 de Setembro de 2011, declararam as partes pretenderem pôr termo à acção, por transacção, nos seguintes termos: “I A requerente reduz o pedido à quantia mensal de 550,00 €, que a requerida se obriga a pagar, por transferência bancária, para a conta nº (…). II A prestação será paga no dia 3 de cada mês, com início no mês de Outubro. III As custas em dívida a juízo, serão suportadas pela requerida, sem prejuízo do disposto no art. 22º do RCP.” Transacção que no acto foi devidamente homologada por sentença, declarando extinta a instância. Por requerimento de 18 de Outubro de 2012, veio a requerida, alegando não ter sido até então notificada de qualquer acção contra si intentada pela requerente, invocar a caducidade da providência cautelar, ocorrida a 30 de Outubro de 2011. Conclui, pedindo que seja decretada a extinção do procedimento cautelar a caducidade da respectiva providência e serem restituídas todas as prestações pagas desde o dia 1 de Novembro até à presente data. Notificada, a requerente veio-se opor à requerida declaração de caducidade, alegando que não chegou a haver decretamento da providência requerida, uma vez que as partes chegaram a transacção pela qual as partes acordaram em que a requerida se obrigou a pagar mensalmente à requerente a quantia de 550,00 € por mês através de transferência bancária para uma dada conta, prestação a ser paga ao dia 3 de cada mês, não tendo aquela obrigação sido sujeita a qualquer limite temporal; o regime adjectivo da caducidade apenas se aplicaria a providências “decretadas”; no caso em apreço encontramo-nos perante uma transacção que embora celebrada no âmbito de uma providência cautelar, mas que não deixa de ser um acordo entre as partes, sujeito às condições entre as partes estipuladas. Foi proferido despacho a reconhecer a caducidade da providência decretada nos autos, ordenando o seu levantamento, com a consequente entrega à requerida dos montantes recebidos pela requerente ao abrigo de tal providência. Inconformado com tal decisão, o credor D…, S.A., dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. Não tendo sido proferida nos autos sentença a decretar uma providência cautelar, por um lado, e tendo a sentença de homologação da transacção, por outro, extinto a instância, não se lhe aplica o nº 1 do artigo 389º do CPC. 2. O poder jurisdicional do julgador, uma vez extinta a instância, nos termos da sentença de 28/09/11 que homologou por sentença a transacção, esgotou-se com a prolação dessa decisão, não podendo o Juiz «a quo» se pronunciar novamente sobre a mesma, sob pena de nulidade, nos termos da al. d) do nº 1 do artigo 668º do CPC. 3. O despacho ora em crise, ao decretar o levantamento de uma providência que nunca foi ordenada e declarar a extinção da instância de uma instância que já tinha sido extinta pela sentença de 28/09/2011, padece de manifesta nulidade, pois o seu objecto é impossível. O que se invoca nos termos do mesmo normativo. 4. O constante da acta de 28/09/2011 é um negócio jurídico que se enquadra plenamente na previsão do artigo 1248º do Código Civil – transacção – pois através dele as partes puseram termo àquele concreto litígio, tendo a requerida aceite pagar o que não queria e a requerente aceite receber menos do que queria, ou seja, terminam-no mediante recíprocas concessões. 5. Com a indicada transacção, as partes substituíram-se ao tribunal, prescindiram que o Julgador tomasse uma medida cautelar (a medida requerida ou outra) e que a impusesse a ambas as partes, sendo evidente que não foi decretada qualquer providência. 6. Considerada como contrato, a transacção está sujeita à disciplina dos contratos e ao regime geral dos negócios jurídicos e não ao regime próprio das sentenças (que decretam providências, in casu). 7. Como decorre do disposto no artigo 389º nº 1 do C.P.C., e atentos os elementos hermenêuticos literal, teleológico e sistémico, nos termos referidos supra, para que se remete, o regime da caducidade apenas se aplica a providências decretadas. 8. Tendo as partes celebrado uma transacção, em que mediante recíprocas concessões, puseram termo ao litígio que então as opunha, a mesma é válida nos seus precisos termos e não está sujeito ao prazo de caducidade previsto no nº 1 al a) do 389ºdo CPC, específico das providências decretadas. 9. O disposto no nº 389º nº 1 do CPC não se aplica às transacções que puseram termo a providências cautelares, homologadas por sentença que se limita a fazer cessar a causa nos termos acordados, extinguindo a instância. 10. Do facto da companhia seguradora ora apelada, após o dia 01 de Novembro 2011 ter continuado, por tão longo período de tempo, a pagar a prestação mensal à apelante decorre uma causa impeditiva da caducidade, nos termos do citado nº 2 do artigo 332º do Código Civil. 11. O pagamento, reiterado, pela apelada, em datas posteriores ao do termo do prazo de caducidade constitui reconhecimento (tácito ou manifesto) do direito da apelante a obter o pagamento mensal até à decisão da acção. 12. Quanto mais não seja, a invocação da caducidade, neste momento, pela apelada, decorrido todo este tempo, configura uma situação de abuso de direito, sendo ilegítimo, nos termos do art. 334º do C. Civil, enquanto manifesto «venire contra factum proprium», na modalidade de “verwirkung” (Vide Baptista Machado, Obra Dispersa, I, 421), pois que se verificam os respectivos requisitos. Conclui pela revogação do despacho recorrido e pela sua substituição por outro que indefira a requerida caducidade. Foram apresentadas contra-alegações, no sentido da manutenção do decidido. Cumpridos os vistos legais, há que decidir. II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. arts. 684º, nº3 e 685º-A, do Código de Processo Civil, as questões a decidir são as seguintes: 1. Se tendo o procedimento cautelar terminado por transacção transitada em julgado, se encontra sujeito aos casos de caducidade previstos no art. 398º do C.P.C. 2. Se o poder jurisdicional do juiz se encontrava esgotado. 3. Causa impeditiva da caducidade e abuso de direito. 4. Consequências da caducidade – restituição das quantias adiantadas. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Independentemente dos inúmeros fundamentos em que a Apelante faz assentar a sua discordância com o decidido, a apreciação da presente Apelação, passa pela resposta a dar às duas seguintes questões: 1. Se, tendo as partes posto fim ao procedimento cautelar, mediante a celebração de transacção devidamente homologada por sentença, se encontram obrigadas à propositura da acção principal, sob pena de caducidade. 2. A encontrar-se sujeita a tal prazo de caducidade, se o reconhecimento da mesma importava a devolução das prestações pagas entretanto pela requerida. 1. Se, tendo o procedimento cautelar terminado por transacção transitada em julgado, se encontra sujeito aos casos de caducidade previstos no art. 398º do C.C. A função exercida pelos procedimentos cautelares e a consequente relação de interdependência existente entre as providências cautelares e as respectivas acções principais, determinam a sua caracterização como medidas provisórias, estando, por princípio, destinadas a perdurar por tempo limitado, até que seja proferida uma decisão final no âmbito da acção principal[1]. O seu carácter provisório e instrumental determina a sujeição da providência de arbitramento de reparação provisória ao regime de caducidade previsto no art. 398º do CPC para o procedimento cautelar comum e aos casos de caducidade aí previstos (para além da causa de cessação especificamente prevista no nº2 do art. 401º, do CPC, e aplicável ao procedimento em causa por força do nº1 do art. 404º do mesmo Código). Através do decretamento da providência cautelar de arbitramento de reparação provisória o requerente obtém uma tutela provisória do direito de que se arroga titular, consistente na atribuição de uma quantia mensal destinada a reparar os danos sofridos, quantia esta que tem um cariz precário, constituindo um mero adiantamento por conta da indemnização que se vier a apurar ser a devida na acção declarativa da qual a providência é instrumental (arts. 403º, nº1 e 405º, nº3 do CPC). “Atento o cariz provisório das providências cautelares, esta renda é temporária, vigorando apenas enquanto permanecer a situação de necessidade e não caducar a respectiva providência cautelar, tendo como limite máximo o momento do pagamento da indemnização definitivamente fixada[2]”. Ora, será que a natureza da quantia fixada no âmbito de tal providência se altera pelo simples facto de a mesma resultar de uma transacção, em vez de ser imposta pelo tribunal? A transacção é o contrato pelo qual as partes previnem ou terminam um litígio mediante recíprocas concessões, podendo envolver a constituição, modificação ou extinção de direitos diversos do direito controvertido – art. 1248º do CC. Considerada como contrato, a transacção está sujeita à disciplina dos contratos (arts. 405º e ss. do CC), e ao regime geral dos negócios jurídicos (arts. 217º e ss.), nomeadamente quanto às regras de interpretação do negócio jurídico[3]. A transacção enquanto negócio de auto-composição de um litígio pode ser judicial ou extrajudicial. E, tratando-se de transacção judicial, haverá que distinguir entre os efeitos substantivos do negócio de auto-composição do litígio e os efeitos processuais da sentença que o homologa. Tratando-se de transacção judicial, ao juiz compete verificar a validade do acto (indagando se o objecto está na disponibilidade das partes, da idoneidade negocial das mesmas, e indagação quanto às pessoas, capacidade e legitimidade), proferindo sentença homologatória que, “embora não aplicando o direito objectivo aos factos provados na causa, constituiu uma sentença de mérito, como tal condenando o réu no pedido ou dele o absolvendo, consoante o negócio jurídico celebrado[4]”. Reconhece-se, ou aceita-se, que a transacção pode ter como objecto um conteúdo diferente do objecto em litígio, e que, caso a transacção importe um reconhecimento definitivo do direito em causa, acarretará a dispensa da propositura da acção principal[5]. E, enquanto negócio de cariz substantivo, encontrar-se-á sujeito às normas que regulam a interpretação da declaração negocial – arts. 236º e ss., do Código Civil. Ora, no caso em apreço, embora as partes pudessem ter celebrado uma transacção que contivesse uma composição definitiva dos interesses em causa, acordando na fixação de uma indemnização a título definitivo, o que dispensaria a propositura da posterior acção principal, o certo é que, no caso em apreço, a transacção celebrada entre as partes se conteve dentro dos estritos limites do pedido formulado pela requerente na presente providência cautelar de arbitramento de reparação provisória, limitando-se a “reduzir o pedido à quantia mensal de 550,00 €, a pagar no dia 3 de cada mês, com início em Outubro”. Ou seja, movendo-se as partes dentro do objecto da providência instaurada e do pedido através dela formulado, apenas se substituíram ao tribunal, acordando no montante da indemnização aqui peticionado pela requerente, a título de reparação provisória dos danos em causa. E, a recorrente nem sequer põe em causa que tal valor terá sido acordado provisoriamente e que se manteria a obrigação de instaurar a acção principal para fixação do montante global da indemnização pela totalidade dos danos decorrentes do sinistro em causa, acção que, aliás, já teria até instaurada aquando da decisão decorrida (a 18.10.2012), conforme dela consta. Como tal, a circunstância de o montante mensal da reparação provisória ter resultado de acordo celebrado entre as partes e devidamente homologado por sentença, em vez de ter sido determinado pelo tribunal, é irrelevante para a sua sujeição, ou não, ao regime da caducidade da providência. A partir do momento em que tal transacção foi objecto de homologação por sentença, e contendo-se o acordo aí plasmado dentro do objecto da providência, mantém a natureza de providência “decretada”, constituindo caso julgado material (arts. 301º, nº2 e 671º, nº1, CPC), e tendo natureza condenatória, formando título executivo[6]. Tal providência encontrar-se-á, assim, sujeita ao prazo geral de caducidade previsto no art. 389º, nº1, al. a), do CPC – ou seja, encontrava-se a requerente obrigada a instaurar a respectiva acção principal no prazo de 30 dias, sob pena de caducidade da providência. 2. Se o poder jurisdicional do juiz se encontrava esgotado, impedindo-o de conhecer a questão da caducidade. Se é verdade que ao proferir a sentença esgotado fica ao poder jurisdicional do juiz (nº1 do art. 666º do CPC), tal significa tão só a impossibilidade de o juiz alterar a sua própria decisão[7] e não que o mesmo se encontre impossibilitado de conhecer qualquer outra questão no processo (ex. invocação de nulidades, apreciação de algum acto superveniente que importe a inutilidade da lide, etc.). Como já referia Alberto dos Reis, o alcance e a justificação de tal princípio consiste unicamente em que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão nem os fundamentos em que ela se apoia, e que constituem com ela um todo incindível: relativamente à questão ou questões sobre que incidiu a sentença ou despacho, o poder jurisdicional do seu signatário extinguiu-se[8]. “Mas isto não obsta, é claro, a que o juiz continue a exercer no processo o seu poder jurisdicional para tudo o que não tenda a alterar ou modificar a decisão proferida. O juiz pode e deve resolver as questões e incidentes que surjam posteriormente e não exerçam influência na sentença ou despacho que emitiu[9]”. Como tal, é obvio que o facto de o juiz proferir decisão a decretar a providência ou homologando por sentença a transacção a que as partes chegaram não o impede de apreciar qualquer outra questão “nova”, como o é necessariamente a da caducidade da providência decretada. 3. Causa Impeditiva da caducidade e abuso de direito. A requerente opõe-se à decretada caducidade, alegando ainda que, embora decorrido o prazo de 30 dias, a apelada continuou a pagar, conforme se obrigara na transacção, as prestações vencidas até Outubro de 2012, o que constituiria uma causa impeditiva da caducidade, nos termos do nº2 do art. 331º do C.C. Ou seja, em seu entender, “o pagamento reiterado, pela apelada, em datas posteriores ao do termo do prazo de caducidade constitui reconhecimento (tácito ou manifesto) do direito da apelante a obter o pagamento mensal até à decisão da acção”, o que configuraria um abuso de direito por parte da requerida. Ora, antes de mais, da análise dos autos, constata-se que nos encontramos perante duas questões novas, só agora levantadas pela Apelante em sede de alegações de recurso. Como é entendimento unânime na doutrina e na jurisprudência, o tribunal de recurso não pode conhecer questões novas, a não ser que se trate de questões de conhecimento oficioso – o recurso não serve para rejulgar o litígio (não se trata de reexaminar), mas apenas para apreciar se a decisão recorrida está ou não correcta em face dos elementos de que o tribunal a quo dispunha para o julgamento da causa oficioso[10]. Segundo Elisabeth Fernandez, o princípio do dispositivo vigente no processo cognitivo da primeira instância tem igual aplicação no âmbito das instâncias impugnatórias, desde logo quanto ao seu objecto – o objecto originário do processo configura uma espécie de limite máximo para o funcionamento do efeito devolutivo do processo: “Quer isto significar que, de um modo geral, o tribunal de recurso não pode aceitar novos contributos das partes, no que concerne a pretensões, actos ou provas, pois o tribunal de recurso não leva a cabo o reexame da controvérsia, mas antes e tão só a reponderação da decisão recorrida. Na verdade, porque o objecto do recurso, segundo este modelo não é a questão controvertida, mas a decisão impugnada, é óbvio que a sindicância desta decisão só pode lograr-se mantendo incólumes os elementos fácticos e probatórios do processo, pelo que o ponto de partida dos poderes cognitivos do tribunal da relação não podem, por via de regra, extravasar aqueles que o tribunal a quo detinha quando julgou a causa e emitiu a decisão impugnada[11]”. Como tal, encontrar-se-á este tribunal impedido de apreciar a questão respeitante à alegada interrupção da caducidade. Quanto à questão do abuso do direito, por se tratar de questão de conhecimento oficioso, nada obstava ao seu conhecimento em primeira-mão em sede de recurso. Constata-se, contudo, que a invocação do abuso de direito por parte da Apelante contende, não propriamente com o reconhecimento da caducidade da providência, mas com a consequência que o juiz lhe associou – restituição das quantias já pagas pela requerida no âmbito de tal providência. Com efeito, para além de reconhecer a caducidade da providência, ordenando o seu levantamento, o tribunal, a pedido da requerida, ordenou ainda “a entrega à requerida dos montantes recebidos pela requerente ao abrigo de tal providência”. E se, não haverá dúvidas de que, a invocação da caducidade da providência, na sequência da demora da requerente em instaurar a acção principal – importando a cessação da obrigação de pagamento das prestações mensais acordadas –, não importará qualquer comportamento contraditório por parte da requerida, maiores considerações nos merecerá a sua pretensão à devolução das quantias já por si pagas, pretensão esta que acabou por ser acolhida pela decisão recorrida. Vejamos, então, se o juiz poderia, ter ordenado, sem mais, a restituição de tais quantias. 4. Consequências da caducidade da providência – restituição das quantias peticionadas. Desde logo se constata que o juiz a quo é completamente omisso quanto à fundamentação de facto e de direito que o levou a determinar a devolução à requerida das quantias por si pagas em cumprimento da obrigação decorrente do decretamento da providência em causa. Ora, quais são as consequências previstas por lei para a caducidade de tal providência? Como já referimos, a providência de arbitramento de reparação provisória encontra-se sujeita às causas de caducidade previstas no nº1 do art. 389º, relativamente às quais o nº1 do art. 390º, prevê que “se a providência for considerada injustificada ou vier a caducar por facto imputável ao requerente, responde este pelos danos culposamente causados ao requerido, quando não tenha agido com a prudência normal”. Decorre de tal norma que a caducidade da providência decretada, por causa imputável ao requerente, pode também constituir este em responsabilidade civil para com o requerido. A inércia do requerente em propor a acção (art. 389º, 1-b), a desistência injustificada do pedido (art. 389º, 1-c) ou a não propositura (possível) de nova acção, de modo a aproveitar os efeitos da proposição da anterior, pelo menos quando a absolvição da instância ocorra por facto imputável ao requerente (art. 389º-1-d), podem fundar o direito à indemnização pelos danos que para o requerido tenham decorrido da realização da providência cautelar. O fundamento de tal responsabilidade compreende-se pelas mesmas razões ligadas à natureza instrumental do procedimento cautelar, o que impede o requerente de se fiar na natureza cautelar abandonar a clarificação da questão no âmbito de um processo que confira maiores garantias de um processo justo[12]. Contudo, como vem entendendo a doutrina, o apuramento da responsabilidade do requerente não pode ter lugar no meio de oposição à providência, somente podendo o requerido fazer valer tal direito em acção própria[13]. Ou, como refere António Abrantes Geraldes, o procedimento cautelar ou mesmo a acção principal que esteja pendente ou seja interposta depois de deferida a providência não servem para apurar os requisitos de que depende a concessão do direito de indemnização previsto na norma: “Nesta parte, estamos perante uma norma de direito substantivo, que cria uma especial fonte de responsabilização do requerente por danos que a sua conduta determine na esfera da parte contrária, mas que apenas serve de fundamento a que, numa outra acção, o lesado alegue e prove os factos de que depende a concessão deste direito[14]”. Ou seja, nunca o tribunal a quo poderia ter ordenado tal devolução ao abrigo do disposto no art. 390º do CPC, como mero efeito automático do reconhecimento da caducidade da providência. Vejamos, então, se tal devolução se justificaria ao abrigo do disposto no art. 405º, do CPC, que contém uma norma específica, respeitante à caducidade da providência de arbitramento de reparação provisória, sob a epígrafe: “Caducidade da providência e repetição das quantias pagas” 1. Se a providência decretada vier a caducar, deve o requerente restituir todas as prestações recebidas, nos termos previstos para o enriquecimento sem causa. 2. A decisão final, proferida na acção de indemnização, quando não arbitrar qualquer reparação ou atribuir reparação inferior à provisoriamente estabelecida, condenará sempre o lesado a restituir o que for devido. Esta obrigação de restituição encontra-se igualmente prevista para os casos de caducidade previstos no art. 389º, sendo aqui determinada segundo as regras do enriquecimento sem causa (obrigando-se o restituir tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido, nos termos do art. 479º do CC). Contudo, segundo a doutrina, também esta restituição não poderá ser conseguida na própria sentença que julga a acção principal, devendo ser objecto de acção específica proposta quando estiver verificada definitivamente a situação de caducidade ou comprovada a não justificação da providência[15]. Ou seja, apenas nos casos de caducidade por improcedência da acção principal será o lesado condenado a restituir oficiosamente as prestações recebidas e ainda não consumidas. Nas restantes situações de caducidade previstas no art. 389º, nº1 do CPC, o requerido terá, sempre e necessariamente, de propor uma acção autónoma para a obtenção da restituição das prestações pagas, seja com base em responsabilidade civil nos termos do art. 390º do CPC, seja com base no enriquecimento sem causa nos termos do nº1 do art. 405º do CPC, acção na qual terá de demonstrar a verificação dos pressupostos da obrigação de restituir[16]. Aliás, não faria qualquer sentido que o reconhecimento da caducidade da providência implicasse automaticamente a devolução das quantias pagas no âmbito da providência, sobretudo, quando a acção principal já foi instaurada (a 18.10.2012), encontrando-se apensa à providência cautelar, tendo tais quantias, como bem realça a apelante, a natureza de meros adiantamentos por conta da indemnização a fixar em tal acção, indemnização que o tribunal poderá vir a considerar ser devida. A apelação será, assim, de proceder parcialmente, revogando-se a decisão recorrida, tão só, na parte em que determinou a requerida dos montantes recebidos pela requerente ao abrigo de tal providência. IV – DECISÃO Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a decisão recorrida apenas na parte em que determinou a requerida dos montantes recebidos pela requerente ao abrigo de tal providência. As custas da Apelação serão suportadas pela Apelante e pela Apelada, a meias e em partes iguais. Porto, 05 de Março de 2013 Maria João Fontinha Areias Cardoso Maria de Jesus Pereira José Manuel Igreja Martins Matos ___________________ [1] Cfr., neste sentido, Célia Sousa Pereira, “Arbitramento de Reparação Provisória”, Almedina 2003, págs. 53 e 55. [2] João Cura Mariano, “A Providência Cautelar de Arbitramento e Reparação Provisória”, Almedina 2003, pág. 89. [3] Cfr., neste sentido, “A Confissão, Desistência e Transacção, em Processo Civil e do Trabalho”, [4] José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 1º, 2ª ed., pág. 577. [5] Cfr., quanto a tal questão, Ac. TRE de 13.012.2001, relatado por Ana Geraldes, e em especial o voto de vencido de Pereira Baptista nela inserto, CJ Ano XXVI, TV, págs. 267 a 269. [6] Cfr., neste sentido, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, obra citada, pág. 577. [7] Princípio que sofre as limitações previstas nos arts. 667º a 670º, do CPC. [8] “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, Reimpressão, Coimbra Editora – 1984, pag. 126. [9] Cfr., Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. V, pag. 127. [10] Cfr., entre outros, Fernando Amâncio Ferreira, “Manual de Recursos em Processo Civil”, 9ª ed., Almedina, pág. 156 e 157, Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex Lisboa 1997, pág. 395, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, T1, 2ª ed., Coimbra Editora, pág. 8, e Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, 3ª ed., Almedina, 2009, págs. 103 e 104. [11] “Princípio do Dispositivo e Objecto de Decisão de Recurso”, in “As Recentes Reformas na Acção Executiva e nos Recursos”, Coimbra Editora, 2010, págs. 334, 336 e 337. [12] Cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, III Vol. Almedina 1998, pág. 265. [13] Cfr., neste sentido, entre outros, José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2, 2ª ed., pág. 63, e ainda Rui Pinto, “A questão de Mérito na Tutela Cautelar”, Coimbra Editora, pág. 259. [14] Obra citada, pág. 267, onde aquele autor adianta ainda que a determinação de tal responsabilidade dependerá ainda da prova dos seguintes factos geradores da responsabilidade civil: injustificação ou caducidade da providência; imputação ao requerente; actuação dolosa do requerente ou fora das regras da prudência normal; danos determinados pela providência requerida; nexo de causalidade entre a conduta do requerente e tais danos. [15] Cfr., neste sentido, António Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma de Processo Civil”, IV Vol., Almedina, 2ª ed., pág. 165. [16] Cfr., neste sentido, Célia Sousa Pereira, “Arbitramento de Reparação Provisória”, Almedina, pág. 191 e 192, e João Cura Mariano, “A Providência Cautelar de Arbitramento de Reparação Provisória”, Almedina, pág. 118. __________________ IV – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC. 1. Extinguindo-se a providência cautelar na sequência de transacção celebrada entre as partes, e movendo-se esta dentro do objecto da providência cautelar, as partes não se encontram dispensadas da propositura da acção principal. 2. Em tal caso, a providência “decretada”, encontrar-se-á igualmente sujeita aos casos de caducidade previstos no nº1 do art. 389º do CPC. 3. No caso de caducidade da providência de arbitramento de reparação provisória por falta de propositura da acção principal no prazo de 30 dias, a devolução das prestações pagas ao abrigo de tal providência não pode ser decretada, de forma automática, no despacho que reconheceu a caducidade de tal providência. 4. O requerido terá que instaurar uma acção para o efeito, seja com base em responsabilidade civil, nos termos do art. 390º CPC, seja com base no enriquecimento sem causa, nos termos do nº1 do art. 405º CPC. |