Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3575/17.1T8LOU-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
MEIO
REQUERIMENTO
EXECUÇÃO
CONVERSÃO EM EMBARGOS DE EXECUTADO
Nº do Documento: RP201910103575/17.1T8LOU-A.P1
Data do Acordão: 10/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (TRP-CV-10116-11-10-2019)
Área Temática: .
Sumário: I - O meio próprio de oposição do executado na execução é o processo de embargos de executado e os seus fundamentos, quando o título executivo seja uma sentença condenatória, são os que estão taxativamente previstos no art.º 729º do Código de Processo Civil.
II - Não obstante, é de admitir por simples requerimento no próprio processo de execução uma oposição pela qual apenas se invoque um vício cuja demonstração não carece de factos novos nem de prova, de que são exemplo o erro na forma do processo, a não indicação do valor da ação no requerimento executivo ou a falta de um requisito legal da petição. Tal não acontece com a exceção perentória do pagamento, sempre invocável apenas por meio de embargos.
III - Nos termos do art.º 193º, nº 3, do Código de Processo Civil (erro na qualificação do meio processual utilizado) é de admitir a conversão de um simples requerimento, que foi indevidamente junto à execução, em embargos de executado por oposição superveniente, onde se pede a extinção da execução por pagamento da quantia exequenda ao exequente e se junta um documento quitação por este supostamente assinado, ainda que por via de aperfeiçoamento, a processar nos embargos, aja de ser facultada ao embargante a alegação do momento em que efetuou o pagamento, tendo desde logo em vista a apreciação da tempestividade da oposição.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 3575/17.1T8LOU-A.P1 – 3ª Secção (apelação em separado)
Comarca do Porto Este – Juízo de Execução de Lousada – J2

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida
Adj. Desemb. Francisca Mota Vieira
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I.
B…, residente na Rua …, nº …., …, …, instaurou execução de sentença condenatória para pagamento de quantia certa contra C…, residente na Av. …, …, …, L. .., Paços de Ferreira, pela quantia de €16.967,62, acrescida dos respetivos juros moratórios de custas de parte.
Efetuadas penhoras de saldo de contas bancárias de que o executado é titular, foi este notificado por carta registada com A/R de 30.1.2018, rececionada a 6.2.2018, nos termos e para os efeito dos art.ºs 626º e 856º do Código de Processo Civil, designadamente para deduzir oposição à execução através de embargos e executado e/ou oposição à penhora.
O executado não deduziu qualquer oposição à execução ou à penhora, pelo que a execução prosseguiu a sua normal tramitação.
Por requerimento de 21 de março de 2019, o executado comunicou aos autos que pagou a quantia exequenda ao exequente “conforme quitação que junta” e requereu a extinção da execução. Juntou fotocópia de documento-quitação.
No exercício do contraditório, o exequente veio referir o seguinte:
«1) Impugna o Exequente o teor do documento junto ao requerimento - ref.ª 5347043 - sob a epígrafe “QUITAÇÃO” e o valor probatório que se lhe pretende atribuir em juízo.
2) Impugna, igualmente, o Exequente a veracidade da assinatura aposta no respetivo documento.
3) A assinatura que consta do documento junto sob a epígrafe “QUITAÇÃO” não é do punho do Exequente.
4) O Exequente não subscreveu documento algum a dar quitação do que quer que seja ao Executado.
5) Nem tão-pouco, quantia alguma recebeu o Exequente do Executado.»
Concluiu o exequente pelo indeferimento da requerida extinção da execução e solicitou a emissão de certidão daquele requerimento do executado com vista a participação criminal.
O tribunal proferiu o seguinte despacho:
«Atenta a posição assumida pelo exequente, antes de mais, notifique o executado para juntar aos autos o original do documento “quitação” junto com o req.º de 21.03.2019.»
Por requerimento de 8 de abril seguinte, o executado, face à posição assumida pelo exequente, requereu:
- A produção de prova pericial tendo por objeto o “exame de reconhecimento da letra/assinatura constante do aludido documento, por forma a esclarecer da sua genuinidade/veracidade; e
- Pra prova de que o mesmo documento foi assinado pelo exequente, que sejam inquiridas duas testemunhas que identificou.
No dia seguinte, em novo requerimento, o executado juntou o original do documento-quitação.
Notificado o original ao exequente, este impugnou o seu valor probatório e a veracidade da assinatura nele aposta, negando que seja do seu punho e que alguma vez tivesse subscrito qualquer documento a dar quitação ao executado.
Concluiu como no seu requerimento anterior.
Por despacho de 14 de maio de 2019, o tribunal decidiu o seguinte, ipsis verbis:
«Uma vez que não foram deduzidos embargos de executado e o exequente impugna o documento junto pelo executado de “quitação”, determino a prossecução de execução.
N. e comunique ao Agente de Execução.
***
Passe e entregue ao exequente certidão como solicitado no seu reqº refª 31954105 para participação criminal.»
*
Inconformado, recorreu o executado por apelação, alegando e concluindo o recurso nos seguintes termos:
«I - Por despacho de 14-05-2019, referência citius 79706199, foi determinado a prossecução da execução, com fundamento no facto de não terem sido deduzidos embargos de executado e o exequente ter impugnado o documento de “quitação” junto pelo executado ora Recorrente.
II - O Recorrente não pode conformar-se com o aludido despacho por entender que o mesmo não fez uma correta aplicação da lei do processo civil.
III - O Recorrente entende que a arguição de falsidade da assinatura feita pelo exequente ao documento intitulado “quitação” constitui um incidente inominado da própria execução que deve ser resolvido nos próprios autos e não através da figura dos embargos supervenientes.
IV - O Tribunal Recorrido, a entender de modo diverso devia, ter proferido um despacho a remeter o executado para o meio processual de embargos supervenientes, onde se iria discutir a autenticidade da assinatura aposta no documento intitulado quitação.
V - Mais, apesar de não haver despacho a admitir a posição que cada parte tomou relativamente ao documento e da autenticidade da assinatura dele constante certo é que exequente e executado pugnaram respetivamente pela falsidade e autenticidade da aludida assinatura.
VI - No fundo, pelos requerimentos apresentados as partes como que fizeram uma petição de embargos supervenientes e respetiva contestação.
VII - Assim na hipótese de se vir a entender que era obrigação do executado a dedução de embargos supervenientes, então, o Tribunal no âmbito desse entendimento devia com fundamento no princípio da adequação formal ordenar o desentranhamento desses requerimentos e que os mesmos fossem havidos como P.I. de embargos supervenientes e respetiva contestação dando as partes a possibilidade do seu aperfeiçoamento.
VIII - O aludido processamento está alicerçado no princípio da gestão processual e adequação formal, plasmados nos artigos 6°, 547° e n° 3 do artigo 193° do C.P.Civil.
IX - Efetivamente, nos termos do n.° 3 do artigo 193.° do Código de Processo Civil (preceito que deve ser visto numa perspetiva ampla, conjugando-se, designadamente, com o disposto nos artigos 6.°, 146.°, n.° 2 e 547.° do Código de Processo Civil), o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados.
X - O aludido n° 3 trata, já não do erro na forma do processo (global), mas do erro no meio processual utilizado pela parte no âmbito dum processo. Autor e réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de atuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos). O n.° 3 cuida do erro da parte no acto de utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo – subentende-se – se adeque ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último.” – Lebre de Freitas e Isabel Alexandra, Código de Processo Civil Anotado, vol. l, 3.ª edição, pág. 379.
XI - Deve, assim, ser revogado o despacho em causa e substituído por outro que, ao abrigo do disposto no artigo 193.º n.° 3 do Código de Processo Civil, corrija o erro processual eventualmente cometido pelo executado ora recorrente, considerando os seus requerimentos como articulado de embargo superveniente (neste sentido o acórdão da Relação de Guimarães de 08-06-2017 proferido no processo n° 165/16.0T8CHV-A.G1).
XII - Ao assim não decidir despacho recorrido violou por erro de interpretação os artigos 551°, 6°, 547°, 193° n° 3 e 146° n° 2 todos do C.P.Civil.» (sic)
Pretende, assim, que o despacho recorrido:
1. Seja substituído “por outro que entenda a arguição de falsidade da assinatura na quitação como incidente inominado”; ou, caso assim não se entenda,
2. Por outro que remeta o executado para os embargos supervenientes; ou, caso ainda assim não entenda, que
3. Seja proferido despacho que adeque a posição do executado e exequente respetivamente como P.I. e Contestação de embargos supervenientes dando a estas ainda a possibilidade de aperfeiçoar os respetivos requerimentos.
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Não foram oferecidas contra - alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
II.
As questões a decidir - exceção feita para o que for do conhecimento oficioso - estão delimitadas pelas conclusões da apelação do executado, acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 634º e 6399 do Código de Processo Civil.

Atentando no teor das referidas conclusões, o recorrente aponta três caminhos subsidiários para ver revogada a decisão recorrida:
a) A apreciação da arguida falsidade do documento-quitação como incidente inominado na execução;
b) A admissão do incidente como embargos de executado supervenientes, com ou sem despacho de aperfeiçoamento.
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III.
Relevam os factos processuais referidos no relatório que antecede.
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IV.
Conhecimento das questões do recurso
a) A apreciação da arguida falsidade do documento-quitação como incidente inominado na execução
Movemo-nos no âmbito de uma execução fundada em sentença de condenação do réu, agora executado.
O art.º 729º do Código de Processo Civil prevê, nas suas várias alíneas (a) a i)) os únicos fundamentos de oposição à execução admissíveis quando esta se baseie em sentença. Entre eles, sob a al. g), consta “qualquer facto extintivo ou modificativo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento; (…)”.
O pagamento é um facto extintivo da obrigação e, enquanto tal, é uma exceção perentória cuja consequência é a extinção do efeito jurídico dos factos articulados pelo autor (art.º 576º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil).
Com a junção do documento-quitação, o executado pretende demonstrar que já pagou ao exequente a dívida exequenda e, assim, obter a extinção da execução. O pagamento é o facto que o executado agora alega e pretende demonstrar, enquanto o documento de quitação e as testemunhas que indicou são os meios probatórios pelos quais a mesma parte visa demonstrar aquela suposta realidade extintiva do direito do credor exequente.
O processo é constituído por um conjunto de regras tendentes a atingir a justa composição do litígio.
O meio próprio de oposição à execução são os embargos de executado, sendo que estes devem ser deduzidos no prazo de 20 dias a contar da citação (notificação, quando não haja lugar a citação) do executado (art.ºs 626º, nº 2, 728º, nº 1 e 856º do Código de Processo Civil).
Enquanto o prazo dilatório se destina a estabelecer uma certa pausa, um certo compasso de espera; o prazo perentório marca o período, de tempo dentro do qual se há de realizar um determinado ato do processo. Assim, o art.º 139º define aquele prazo como sendo o que “difere para certo momento a possibilidade de realização de um ato ou o início da contagem de um outro prazo” (nº 2); e define o prazo perentório como aquele que, uma vez decorrido, “extingue o direito de praticar o ato” (nº 3), sem prejuízo da invocação de uma situação de justo impedimento ou, independentemente deste, da prática do ato fora de prazo, nas condições previstas nos nºs 4 e 5 do mesmo normativo legal e do subsequente art.º 140º.
É de um prazo perentório que tratamos; do seu decurso resulta a preclusão do direito de praticar o ato (art.º 139º, nºs 1 e 3, do mesmo código).
Quando o executado, em 21 de março de 2019, invocou o pagamento da quantia exequenda, já há mais de um ano que havia decorrido o referido prazo perentório de 20 dias (fora notificado para deduzir oposição à execução e também à penhora no dia 6.2.2018).
O recorrente defende, em primeira linha, que a arguição da falsidade da assinatura feita pelo exequente ao documento-quitação é um incidente inominado da própria execução que deve ser resolvido nos próprios autos e não através da figura dos embargos.
Acompanhando J. Lebre de Freitas[1], tendemos a admitir a utilização de um simples requerimento do executado no próprio processo executivo, porém apenas quando se trate da invocação de um vício cuja demonstração não carece de factos novos nem de prova, de que são exemplo o erro na forma do processo, a não indicação do valor da ação no requerimento executivo ou a falta de um requisito legal da petição. São casos em que o meio de oposição à execução seria demasiado pesado e em que o contraditório será seguramente assegurado por simples requerimento, com a vantagem da maior simplicidade do meio (princípio da economia processual) e da não violação do texto legal do art.º 729º do Código de Processo Civil, por serem enquadráveis no art.º 723º, nº 1, al. d), do mesmo código.
Tal não ocorre, seguramente, com o fundamento pagamento, invocado pelo executado que, por ser uma exceção perentória apta à extinção da execução e carecer de prova, como, aliás, acontece nestes autos (onde até se suscita a produção e prova pericial por falsidade), tem absoluto e exclusivo cabimento por oposição à execução, ou seja, não podia constituir um simples incidente a correr termos no processado da execução.
Improcede a primeira questão do recurso.
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b) A admissão do incidente como embargos de executado supervenientes, com ou sem despacho de aperfeiçoamento
Poderia o executado vir ainda alegar o pagamento da quantia exequenda? Na afirmativa, em que condições?
Diz-nos o recorrente que, caso se venha a entender que era obrigação do exequente deduzir embargos supervenientes, impunha-se ao tribunal que proferisse um despacho que remetesse o interessado para aquele meio processual, por força do art.º art.º 193º, nº 3, visto numa perspetiva ampla, conjugando-se, designadamente com os art.ºs 6º e 547º.
Em tese, o nº 2 do art.º 728º responde a esta questão: “Quando a matéria da oposição seja superveniente[2], o prazo conta-se a partir do dia em que ocorra o respetivo facto ou dele tenha conhecimento o executado.
Compreende-se o sentido desta norma em conjugação com a norma da al. g) do art.º 729º: se o facto extintivo ou modificativo da obrigação exequenda é anterior ao encerramento da discussão no processo declarativo é ali que deve ser alegado se dele se teve conhecimento, ainda que em articulado superveniente deva sê-lo, por força do que determinam os art.ºs 588º e 611º, nº 1, dissolvendo-se no efeito geral do caso julgado a consequência preclusiva das exceções alegáveis na ação declarativa. Se é posterior ao encerramento da discussão da causa na ação declarativa, pode ser invocado nos embargos de executado; se é posterior ao prazo que o nº 1 do art.º 728º prevê para o efeito, o facto pode ainda ser invocado na execução, em 20 dias, a contar do dia em que o facto ocorra ou dele tenha conhecimento o executado[3] (nº 2).
De acordo com o art.º 551º, nº 1, “são subsidiariamente aplicáveis ao processo de execução, com as necessárias adaptações, as disposições reguladoras do processo de declaração que se mostrem compatíveis com a natureza da ação executiva”.
O art.º 547º dispõe que “o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma dos atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo”.
O nº 1 do art.º 6º que prevê o dever de gestão processual, estipula que “cumpre ao juiz, sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes, dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório e, ouvidas as partes, adotando mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável”.
Quanto ao erro na forma do processo ou no meio processual empregue, o art.º 193º estipula no nº 1 que “o erro na forma do processo importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei” e o nº 3, que “o erro na qualificação do meio processual utilizado pela parte é corrigido oficiosamente pelo juiz, determinando que se sigam os termos processuais adequados”.
A direção formal do processo está estreitamente ligada ao cumprimento de deveres de cooperação do juiz para com as partes e destas para com ele.
No essencial, o recorrente defende que existe um erro na qualificação do meio processual utilizado que justificava que o tribunal tivesse mandado seguir a forma adequada: a convolação de um requerimento avulso introduzido na execução em requerimento de oposição superveniente, passando a correr por apenso à execução (art.ºs 728º, nº 2 e corpo do nº 1 do art.º 732º).
O documento de quitação reza assim:
«Eu, abaixo assinado, B…, NIF ………, declaro que recebi de B1…, advogado, a totalidade da quantia a que me assistia no âmbito do processo nº 3573/17.1T8LOU do tribunal judicial da comarca de Porto Este, Lousada, Juízo de execução, Juiz 2, pelo que daquela nada mais tenho a receber seja a que título for.»
Segue-se uma assinatura:

Extrai-se, com propriedade, do acórdão da Relação de Guimarães de 10.11.2016[4]:
«(…)
Autor e réu têm ao seu alcance, ao longo do processo, meios de actuação que a lei processual lhes disponibiliza para veicularem e fazerem vingar as suas pretensões ou oposições, quer no plano do mérito, quer no das questões processuais (articulados, requerimentos, respostas, reclamações, recursos, embargos). O n.º 3 cuida do erro da parte no acto de utilização de um desses meios, determinando o aproveitamento daquele que a parte haja inadequadamente qualificado, mas cujo conteúdo - subentende-se - se adeque ao meio que devia ter sido utilizado; o juiz, oficiosamente, observado o princípio do contraditório, corrige o erro e manda proceder à tramitação própria deste último." (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª Edição, pág. 379. Sobre esta matéria veja-se o Ac. STJ de 10-2-2015 no Proc.572/14.2TYVNG-B.P1 e a doutrina do Ac. STJ 2/2010 de Fixação Jurisprudência, www.gde.mj.pt).»
É um caso de qualificação do erro na forma do processo que se discute.
O Código de Processo Civil prevê meios próprios ou típicos para a apresentação de pretensões incidentais, derivadas ou sucedâneas, como acontece com os embargos, oposições, incidentes da instância ou meios de impugnação.
O erro na opção feita, no tocante ao meio impugnatório adequado, é suscetível de correção oficiosa ou convolação para o meio impugnatório adequado, não se vendo motivo para que o não seja pelo tribunal ad quem.[5]
A impropriedade do meio processual utilizado deve ser detetada pelo confronto entre a pretensão formulada e o meio processual adotado.[6]
Sem prejuízo do ónus de impulso especialmente imposto pela lei às partes (princípio do dispositivo, incumbe ao juiz dirigir ativamente o processo e providenciar pelo seu andamento célere, promovendo oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da ação, recusando o que for impertinente ou meramente dilatório, e, ouvidas as partes, adotar mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável, conforme (art.º 6º, nº 1, do Código Processo Civil).
O tribunal não pode desprezar o princípio da cooperação intersubjetiva, enquanto princípio instrumental que procura otimizar os resultados do processo. Tem o dever de coordenar, gerir a instância e o rito processual. Neste contexto, a atuação do tribunal manifesta-se, não na discricionariedade do juiz em deferir ou indeferir determinada pretensão jurídica, sem fundamentação, mas em contribuir para o esclarecimento dos factos e prossecução da descoberta verdade material segundo um critério de eficiência processual.
Os institutos da gestão processual e da adequação formal no atual Código de Processo Civil permitem densificar suficientemente um princípio de eficiência processual que traduz a ideia de realização da justiça material com um menor custo de tempo e de meios, humanos e físicos.
Na atividade gestionária, o apego à forma legal, isto é, à regra estrita preexistente deve ser substituído pela procura de soluções formais afeiçoadas ao caso concreto, sempre no respeito pelos princípios do processo civil.
O que não pode ser admitido são práticas gestionárias potenciadoras de uma relevante incerteza processual, atitudes prepotentes ou, muito menos, excessivas intervenções que coloquem em causa a garantia da imparcialidade do tribunal ou os princípios do contraditório e do dispositivo.[7]
Nada o executado fez constar quanto à data de pagamento, pelo que, a existir, pode ter ocorrido a todo o tempo, nomeadamente antes do encerramento da discussão da causa ou, depois dela, até ao termo final do prazo de 20 dias de que o executado dispunha para deduzir os embargos de executado nos termos do art.º 728º, nº 1, do Código de Processo Civil, casos em que seria extemporânea a alegação de pagamento; ou ainda depois dele, caso em que poderia estar em tempo.
Como vimos já, a forma adequada para o requerimento do executado, face ao respetivo pedido - extinção da instância em razão do pagamento da quantia exequenda - é o requerimento de oposição superveniente (art.º 728º, nº 2).
Constitui um ónus do executado alegar a verificação da superveniência do facto novo de modo a justificar a sua admissão processual. É um facto correlativo a um direito dele, que o favorece. No caso, cumpria ao executado alegar que o pagamento (facto pessoal de que não podia deixar de ter conhecimento no momento da sua prática) ocorreu há não mais de 20 dias antes do requerimento em que o invocou no processo (citado art.º 728º, nº 2). Sema a alegação da superveniência, o executado não a poderá provar, já que é um facto indispensável à admissão da oposição, por esta dever ser rejeitada quando é deduzida fora de prazo (art.º 732º, nº 1, al. a)). Sem ela também não poderá fazer prova do pagamento, cujo ónus também lhe pertence (art.º 342º, nº 1, do Código Civil).
Em todo o caso, o convite ao aperfeiçoamento está amplamente consignado no Código de Processo Civil (art.ºs 590º, nº 4), nada obstando - antes se impondo - que se conceda ao executado a faculdade de alegar a data ou datas em que efetuou o pagamento ao exequente e deu quitação, nada mais se tendo omitido que possa obstar a que o meio processual utilizado siga a forma processual adequada, na certeza de que o executado pretende provar o pagamento da quantia exequenda ao exequente e requereu já, por essa razão, a extinção da execução.
O exequente pronunciou-se já sobre o invocado pagamento e teve a possibilidade de se pronunciar, no presente recurso, sobre o erro na forma do processo invocado pelo executado e demais fundamentos da apelação, estando, nessa medida, cumprido o contraditório.
Por conseguinte, atendendo às disposições legais citadas, com especial enfoque no art.º 193º, nº 3, deverão os requerimentos com as referências nº 31917137, de 21.3.2019, nº 31954105, de 25.3.2019, nº 32108532, de 8.4.2019, nº 32185462, de 16.4.2019, o alegado original de quitação de 9.4.2019 e os despachos de 3.4.2019 e de 15.4.2019 ser desentranhados do processo de execução e passar a constituir apenso de oposição superveniente, pela ordem sequencial da sua introdução em Juízo, onde serão satisfeitas as obrigações tributárias próprias dos embargos e se determinará a notificação do embargante para que, em prazo certo, complete o requerimento inicial de embargos, nomeadamente com alegação da data ou datas do pagamento e quitação, cumprindo-se posteriormente o contraditório quanto aos novos factos que forem invocados e com possível indicação, quanto a estes, de novos meios de prova.
É neste processo de embargos que as provas requeridas poderão ser o não ser admitidas.
A esta solução não obsta o facto de não haver formação de caso julgado na extinção do processo executivo e de, por isso, não ficar o executado impedido de propor uma ação de restituição do indevido se não forem admitidos e apreciados os embargos e a dívida lhe for coercivamente cobrada. Evita-se, assim, uma nova ação, viabilizando-se já o conhecimento e a decisão relativa a um fundamento de oposição, com respeito pelo contraditório, com economia de meios e maior celeridade processual.
A apelação procede.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)[8]:
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação do executado procedente e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando-se o desentranhamento dos requerimentos com as referências nº 31917137, de 21.3.2019, nº 31954105, de 25.3.2019, nº 32108532, de 8.4.2019, nº 32185462, de 16.4.2019, o alegado original de quitação de 9.4.2019 e os despachos de 3.4.2019 e de 15.4.2019 do processo de execução e a sua autuação, em apenso, como oposição à execução superveniente, pela ordem sequencial da sua introdução em Juízo, onde serão satisfeitas as obrigações tributárias próprias dos embargos e se determinará a notificação do embargante para que, em prazo certo, complete o requerimento inicial de embargos, nomeadamente com alegação da data ou datas do pagamento e quitação da quantia exequenda, seguindo-se o despacho de (in)admissibilidade dos embargos e, sendo admitidos, cumprindo-se posteriormente o contraditório quanto aos novos factos que forem invocados, com possível indicação, quanto a estes, de novos meios de prova, seguindo depois os autos a sua normal tramitação.
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Custas pela parte vencida a final.
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Porto, 10 de outubro de 2019
Filipe Caroço
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
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[1] A Acção Executiva…, Coimbra Editora, 5ª edição, pág.s 187 e 188.
[2] Relativamente ao prazo de oposição previsto no nº 1.
[3] Superveniência subjetiva.
[4] Proc. 3711/14.0T8VNF-A.G1, in www.dgsi.pt.
[5] Citado acórdão da Relação de Guimarães de 10.11.2016.
[6] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Código de Processo Civil, Almedina 2014, 2ª edição, pág. 204.
[7] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, ob. cit., pág. 59.
[8] O sumário é da responsabilidade do relator.