Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
462/10.8TBVFR-L.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MANUEL DOMINGOS FERNANDES
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
PRESSUPOSTOS
ÓNUS DA PROVA
JUNÇÃO DE DOCUMENTOS
PARECER
SIMULAÇÃO ABSOLUTA
Nº do Documento: RP20140709462/10.8TBVFR-L.P1
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ex novo a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar.
II - Os pareceres juntos nos termos do artigo 525.º do C. P. Civil não se confundem com a prova pericial pois esta, para além da exigência de conhecimentos especiais pelo perito, é a produzida por quem reúna as condições legais para tal, pela forma legalmente estabelecida e a coberto de um estatuto também legalmente atribuído.
III - As respostas aos pontos da base instrutória, vulgo quesitos, podem ser restritivas ou explicativas, todavia, têm de manter-se dentro da matéria que neles estava vertida.
IV - Se o tribunal fazendo uso de um documento existente num processo apenso dá como assente determinado facto, tal situação acaba por se enquadrar no âmbito do artigo 514.,º nº 2 do C.P.Civil.
V - A declaração de resolução em benefício da massa insolvente deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo.
VI - Todavia, não pode exigir-se à administradora de insolvência que emita cartas resolutivas com fundamentação como se de decisões judiciais se tratasse.
VII - O ónus da prova dos mencionados requisitos legais necessários àquele nascimento compete à massa insolvente, pois é esta entidade que invoca o direito potestativo extintivo a seu favor e que o pretende fazer valer em face da contraparte no negócio resolvido.
VIII - E isso não se altera pela circunstância da resolução ser declarada por via extrajudicial e de ser atacada por via de impugnação judicial.
IX - Apesar da volatilidade do dinheiro, daí não se pode concluir, sem mais, a prejudicialidade constante do artigo 120.º, nº 2 do CIRE num negócio oneroso celebrado pela insolvente cuja contrapartida foi o recebimento monetário do respectivo valor.
X - A entender-se dessa forma estar-se-ia a criar, além da já prevista no artigo 120.º, nº 3 do CIRE, uma outra presunção, qual seja, sempre que o acto resolúvel seja oneroso e a contrapartida para o insolvente seja o recebimento de dinheiro, presume-se prejudicial para a massa.
X I- Para efeitos do artigo 49.º, nº 2 al. a) do CIRE, cuja indicação é taxativa, sócios, associados ou membros abrangidos, são apenas aqueles cuja responsabilidade, sendo pessoal e ilimitada, respeite à generalidade das dívidas da pessoa colectiva insolvente e tenha por fonte a própria lei.
XII - Um negócio obrigacional não pode sobrepor-se a um negócio real e, portanto, seria irregular e ilegítimo que a propriedade de um bem pudesse ser afastada por um acto obrigacional, ainda que anteriormente realizado.
XII - Daí que a resolução da cessão da posição contratual, partindo do pressuposto de que é legítima, jamais pode fazer operar efeitos de cariz real, ou melhor colocar o primitivo promitente-adquirente (actualmente, a massa insolvente) numa situação jurídico-real de que não era titular ao tempo da referida cessão.
XIV - A simulação absoluta prevista no artigo 240.º do CCivil exige a verificação de três requisitos: a) divergência entre a vontade real e a vontade declarada; b) -intuito de enganar terceiros e c) acordo simulatório.
XV - O conluio ou mancomunação referente ao acordo simulatório têm de anteceder a declaração ou ser contemporâneos dela.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 462/10.8TBVFR-L.P1-Apelação
Origem-Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria da Feira-4º Juízo Cível
Relator: Manuel Fernandes
1º Adjunto Des. Caimoto Jácome
2º Adjunto Des. Macedo Domingues
5ª Secção
Sumário:
I- A junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ex novo a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar.
II- Os pareceres juntos nos termos do artigo 525.º do C. P. Civil não se confundem com a prova pericial pois esta, para além da exigência de conhecimentos especiais pelo perito, é a produzida por quem reúna as condições legais para tal, pela forma legalmente estabelecida e a coberto de um estatuto também legalmente atribuído.
III- As respostas aos pontos da base instrutória, vulgo quesitos, podem ser restritivas ou explicativas, todavia, têm de manter-se dentro da matéria que neles estava vertida.
IV- Se o tribunal fazendo uso de um documento existente num processo apenso dá como assente determinado facto, tal situação acaba por se enquadrar no âmbito do artigo 514.,º nº 2 do C.P.Civil.
V- A declaração de resolução em benefício da massa insolvente deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo.
VI- Todavia, não pode exigir-se à administradora de insolvência que emita cartas resolutivas com fundamentação como se de decisões judiciais se tratasse.
VII- O ónus da prova dos mencionados requisitos legais necessários àquele nascimento compete à massa insolvente, pois é esta entidade que invoca o direito potestativo extintivo a seu favor e que o pretende fazer valer em face da contraparte no negócio resolvido.
VIII- E isso não se altera pela circunstância da resolução ser declarada por via extrajudicial e de ser atacada por via de impugnação judicial.
IX- Apesar da volatilidade do dinheiro, daí não se pode concluir, sem mais, a prejudicialidade constante do artigo 120.º, nº 2 do CIRE num negócio oneroso celebrado pela insolvente cuja contrapartida foi o recebimento monetário do respectivo valor.
X- A entender-se dessa forma estar-se-ia a criar, além da já prevista no artigo 120.º, nº 3 do CIRE, uma outra presunção, qual seja, sempre que o acto resolúvel seja oneroso e a contrapartida para o insolvente seja o recebimento de dinheiro, presume-se prejudicial para a massa.
XI- Para efeitos do artigo 49.º, nº 2 al. a) do CIRE, cuja indicação é taxativa, sócios, associados ou membros abrangidos, são apenas aqueles cuja responsabilidade, sendo pessoal e ilimitada, respeite à generalidade das dívidas da pessoa colectiva insolvente e tenha por fonte a própria lei.
XII- Um negócio obrigacional não pode sobrepor-se a um negócio real e, portanto, seria irregular e ilegítimo que a propriedade de um bem pudesse ser afastada por um acto obrigacional, ainda que anteriormente realizado.
XII- Daí que a resolução da cessão da posição contratual, partindo do pressuposto de que é legítima, jamais pode fazer operar efeitos de cariz real, ou melhor colocar o primitivo promitente-adquirente (actualmente, a massa insolvente) numa situação jurídico-real de que não era titular ao tempo da referida cessão.
XIV- A simulação absoluta prevista no artigo 240.º do CCivil exige a verificação de três requisitos: a) divergência entre a vontade real e a vontade declarada; b) -intuito de enganar terceiros e c) acordo simulatório.
XV- O conluio ou mancomunação referente ao acordo simulatório têm de anteceder a declaração ou ser contemporâneos dela.
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I-RELATÓRIO

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
B…, S.A., com sede no …, …, Santa Maria da Feira, veio deduzir, por apenso à acção de insolvência relativa a C…, S.A., a presente acção de impugnação de resolução de acto jurídico praticada em benefício da massa insolvente daquela.
Para tal alega que a resolução em causa carece de fundamento legal.
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Regularmente citada veio a Massa Insolvente contestar e reconvir, a fls. 39 e seguintes, pronunciando-se pela improcedência da acção e pedindo, em reconvenção, e para o caso de procedência da mesma, a declaração de nulidade do contrato de compra e venda objecto da acção, por simulação ou, também subsidiariamente, a condenação da requerente no pagamento da quantia de 45.0000,00 €.
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Na réplica a Autora manteve todo o alegado na petição inicial e pugnou pela improcedência da reconvenção.
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Foi proferido despacho saneador, com dispensa de selecção da matéria de fato, após o qual não ocorreram nem foram suscitadas outras questões prévias ou incidentais, susceptíveis de obstar ao conhecimento do mérito da causa, de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido decidida a matéria de facto pela forma documentada nos autos e de que não houve qualquer reclamação.
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Afinal foi proferida sentença que julgando a acção totalmente improcedente e, em consequência, manteve a resolução em benefício da massa insolvente do contrato de cessão de posição contratual identificado no quesito 2º assumindo, em consequência, a massa insolvente a posição de compradora no que se refere ao contrato de compra e venda descrito em B) dos factos assentes.
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Não se conformando com o despacho assim proferido veio o opoente interpor o presente recurso concluindo as suas alegações nos seguintes termos:
A. Nos presentes autos veio a ora Recorrente impugnar a resolução em benefício da massa insolvente efectuada pela Sr.ª Administradora da Insolvência da C…, Lda. (“C…” ou “devedora”) de: a) um contrato de cessão de posição contratual celebrado entre a Impugnante, ora Recorrente, e a C…, Lda., celebrado em 15 de Abril de 2008, e por isso nos dois anos anteriores ao início da processo de insolvência daquela, requerida em 26 de Janeiro de 2010, cessão de posição essa relativa a um contrato-promessa de compra e venda de imóvel sito em …, …, Coruche, inicialmente celebrado em 5 de Março de 2001 pela C…, Lda., enquanto promitente compradora e D…, enquanto promitente vendedor; b) bem como da resolução em benefício da massa da escritura de compra e venda relativa ao imóvel objecto daquela cessão, celebrada em 9 de Junho de 2009, entre o referido promitente vendedor e a ora Recorrente.
B. Ora, em caso algum podia a resolução afectar esta escritura – como de resto o Tribunal a quo acaba por reconhecer–uma vez que não só a ora insolvente jamais foi proprietária do mesmo como não teve qualquer intervenção nessa escritura.
C. Não podia por isso o Tribunal a quo, por mais rebuscado que seja o argumento jurídico, encontrar uma forma de chegar ao mesmo resultado, fazendo passar pela janela o que não deixa entrar pela porta, indo a sentença ao ponto de afirmar que “parece-nos claro que o que a Massa Insolvente pretende não é a resolução, em seu favor, do contrato de compra e venda em causa (o que já vimos não ser possível) mas sim o de assumir a posição de comprador no âmbito de tal negócio”, pois tal, segundo se lê da sentença, “é a consequência de ter sido resolvida a cessão da posição contratual”!
D. O Tribunal deu assim um salto bem maior do que o que lhe era permitido pela lei, tornando proprietário quem nunca o foi, ao arrepio dos vendedores e dos actuais proprietários – nenhum deles partes no processo–e aproveitando um acto efectuado por terceiros, com impostos pagos por terceiros!
E. A ter havido qualquer eficaz resolução da cessão da posição contratual–o que não se aceita, como a seguir se demonstrará–a única consequência jurídica autorizada pelo regime da resolução em benefício da massa seria a manutenção do contrato promessa inicial, pelo que qualquer questão resultante da sua validade ou incumprimento, incluindo uma eventual execução específica, apenas poderá ser dirimido pelo Tribunal do foro do imóvel, Coruche, com intervenção dos promitentes vendedores e dos transmissários posteriores!
F. Tal decisão é tanto mais grave quando o Tribunal, embora de forma ilegítima, aditou à matéria assente que o prédio ora em causa está actualmente registado em nome da E…, S.A., que nem sequer é parte na presente acção. Nunca podia, por isso, a decisão, de uma penada, e numa acção entre cedente e cessionário de um contrato promessa, passar por cima de dois proprietários, sem sequer os mesmos serem parte na acção!
G. Não obstante o devido respeito pelo Exmo. Sr. Juiz a quo, que é muito, considera a Recorrente que a decisão e respectiva fundamentação assentam em factualidade não provada, alguma nem sequer alegada, bem como em diversos equívocos, lapsos de escrita incompreensíveis e falhas graves na análise da ampla prova disponível, em particular os milhares de documentos juntos ou dados por vertidos nos autos.
H. Mais ainda, sem prescindir, e novamente com o devido respeito, considera a Recorrente que a decisão e respectiva fundamentação denotam uma concepção errónea sobre o regime da resolução em benefício da massa insolvente, em particular no que se refere à natureza e aos pressupostos e consequências da resolução condicional e incondicional, bem como a repartição do ónus da prova entre Massa Insolvente e Impugnante, ao arrepio da lei, da doutrina e da jurisprudência actuais e dominantes sobre esta matéria.
I. No que se refere à matéria provada e não provada, a resposta dada pelo Tribunal a quo não podia ter desconsiderado o depoimento coerente, lógico e em conformidade à prova documental carreada nos autos, prestado pelo Dr. F…, não sendo aceitável que afaste a credibilidade da testemunha por ter sido trabalhador da C… e administrador da Autora e depois dê total crédito à testemunha Dr. G…, porquanto não só esta testemunha é o representante do credor requerente da Insolvência, e por isso tem interesse directo no desfecho do processo, como o seu depoimento não se coaduna com a demais prova produzida, em particular a documental. Do mesmo modo, não podia o Tribunal ter dado como provado (facto 3 da sentença) que a propriedade do prédio em causa se encontra inscrita a favor da E…, SA, por compra à aqui Autora conforme apresentação …./2011/06/27.
J. No que se refere à matéria de facto, a prova testemunhal e documental impunha que o quesito 3.º tivesse sido dado como provado, que o quesito 4.º fosse dado como provado unicamente nos termos formulados no saneador, que os quesitos11.º e 12.º fossem dados como não provados e que a resposta dada ao quesito 15.º fosse alterada, no que se refere ao incumprimento perante várias instituições financeiras, que apenas pode ser considerado a partir de meados de 2009 e não “pelo menos desde inícios de 2009”
K. Ainda sem prescindir, relativamente à resolução da cessão da posição contratual no contrato promessa de compra e venda cabia à Massa Insolvente alegar e provar os respectivos pressupostos, de acordo com as regras legais.
L. Neste sentido, tendo a acção de impugnação a natureza de acção de contra-ataque –ou de simples apreciação negativa–não pode deixar de caber à Massa Insolvente o ónus dessa alegação e prova: “A impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou (…). Na acção de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contra-prova (artigo 346º) do Código Civil), alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução. (…) Ora, a alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má-fé da contraparte do negócio objecto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente”, conforme Acórdão da Relação do Porto de 26/11/2012 (disponível em www.dgsi.pt) que de forma clarividente caracteriza este tipo de acções e a repartição do ónus da prova nos mesmos, de acordo com o critério de jurisprudência dominante. No mesmo sentido veja-se ainda os Acórdãos da Relação do Porto de 12.04.2010 (Processo 2975/08.2TJVNF, de 26.12.2012 (Processo 1056/09) e de 20.11.2012 (Processo 132/09.0TBBAO) bem como o Acórdão da Relação de Coimbra de 24 de Maio de 2011 proferido no processo 1791/08.6TBLRA-KC1 disponíveis em www.dgsi.pt.
M. Ora, a resolução em benefício da massa cuja impugnação se efectuou é desde logo nula por falta de fundamentação, por inexistência de alegação dos respectivos pressupostos na carta resolutiva, quer no que se refere à resolução condicional quer no que se refere à resolução incondicional.
Sem prescindir,
N. Tendo a Senhora Administradora da Insolvência invocado, na declaração remetida à Autora, a resolução incondicional do negócio com base no artigo 121.º, n.º 1, al. h) do CIRE, caber-lhe-ia provar unicamente i) a existência de um negócio oneroso celebrado menos de um ano antes do início do processo de insolvência e ii) que as obrigações da insolvente excederiam manifestamente as da contraparte.
O. Note-se que expressamente foi afastada nos presentes autos qualquer prejudicialidade relacionada com o valor de mercado do próprio bem em causa: como refere a sentença no seu ponto d): “Com efeito cabia à aqui Ré, a prova de que o preço pelo qual foi cedida a posição contratual na promessa de compra e venda descrita em A) era manifestamente inferior ao seu valor de mercado, prova essa que não foi feita. (sublinhado nosso).
P. Ficou assim afastada a hipótese de resolução incondicional.
Q. Paradoxalmente, em manifesta contradição com a constatação da falta de verificação do pressuposto da alínea h) do artigo 121º do CIRE para a resolução incondicional, veio o Tribunal a quo deixar logo de seguida entrar pela janela o que não deixou entrar pela porta: “apesar de se tratar de um negócio oneroso o que é certo é que sendo a contrapartida recebida pela insolvente dinheiro, estamos, á partida, perante um negócio prejudicial para a satisfação do direito dos credores tendo em conta o facto de ter sido cedido um imóvel tendo recebido, como contrapartida, dinheiro que, como se sabe é volátil.”.
R. Refere-se ainda que “a autora não demonstrou que o dinheiro por si pago tenha contribuído, por qualquer forma, para aumentar os activos da insolvente. Sendo certo que demonstrou que a insolvente tinha em dia os pagamentos a fornecedores. Simplesmente ficou também demonstrado que em 2009 foram distribuídos dividendos pelos sócios da insolvente num montante elevadíssimo–cerca de 1.300.000,00€-quantia largamente superior àquela paga pela autora.
S. Ora, a alegação de que a prejudicialidade resulta de forma automática pelo facto de a contrapartida do negócio ser dinheiro não tem qualquer suporte na lei para sustentar uma resolução condicional e esgotaria a utilidade do disposto na alínea h) do artigo 121.º do CIRE, pois deixaria de ser relevante o melhor ou pior preço da venda efectuada pelo devedor e passaria a prevalecer o argumento da contrapartida ser em dinheiro, por melhor que fosse o preço, tal como sucede com o disposto na alínea a) do artigo 121º do CIRE para as partilhas.
T. Se fosse esse caso, então o legislador, à semelhança do que fez com as partilhas, teria expressamente aditado tal hipótese ao elenco do art.º 121.º, o que manifestamente não fez, atenta a total insegurança que passaria a ter o tráfego jurídico, pelo que não pode o Tribunal fazê-lo agora para tentar salvar a resolução que a Ré tentou operar sem argumentos nem prova!
U. Acontece que quanto ao requisito da prejudicialidade, cabia à Ré alegar e provar: ou que a resolvida cessão se integrava num dos actos previstos no artigo 121.º do CIRE (em especial a alínea h), caso em que a prejudicialidade se presumia sem admissão de prova em contrário ainda que praticado o acto para além de um ano anterior ao início do processo de insolvência (cfr. Artigo 120.º, nº 3 do CIRE; o que manifestamente o Tribunal afastou e bem; ou então que o acto tenha diminuído, dificultado, frustrado, posto em perigo ou retardado a satisfação dos credores da insolvência (120.º, n.º 2 do CIRE)
V. Ora, não só a Impugnante/Recorrente demonstrou ter pago o preço da compra e venda para a conta de depósitos à ordem usada pela devedora, como a Ré veio juntar aos autos, a pedido daquela, os extractos bancários da devedora e comprovativos dos pagamentos efectuados com salários, fornecedores, Estado e banca, além dos dividendos, após a data do pagamento do preço da cessão, sendo por isso inadmissível o argumento usado pelo Tribunal a quo.
W. A contrapartida da saída dos imóveis foi assim a comprovada entrada na conta bancária da C… do justo valor dos mesmos, conta bancária essa de onde no mesmo período comprovadamente saíram os pagamentos de dívidas da C…, incluindo salários e pagamentos a fornecedores, Estado e Segurança Social; Ainda que pudessem ter sido pagos dividendos a sócios, no mesmo período – que sempre seriam dívidas da mesma C… - tal nunca poderia servir de fundamento à resolução operada, pois nestes autos não se discute a conduta dos gerentes e a Recorrente é alheia ao destino do dinheiro após a sua entrada nas contas da devedora, não lhe sendo obviamente exigível que faça o percurso de cada euro que pagou.
X. Quanto à má-fé, e assumindo que a Massa pretendia usar da presunção do n.º 3 do artigo 120.º do CIRE, cabia ainda à Massa alegar e provar duas coisas distintas: primeira: que o terceiro era pessoa especialmente relacionada; segundo: que à data do acto resolvido, o devedor se encontrava em situação de insolvência iminente e que o acto era prejudicial.
Y. Com efeito, a presunção de conhecimento prevista nos números 4 e 5 do artigo 120.º do CIRE–a elidir pelo adquirente, no caso de se tratar de pessoa especialmente relacionada–não se estende, obviamente, à própria existência do “carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência iminente”, conforme alínea b) do n.º5 do art.º 120.º do CIRE.
Z. Dito de outro modo, tendo os actos em causa sido praticados antes da declaração de insolvência e do próprio início do processo de insolvência–aliás a cessão ocorreu quase dois anos a antes do início do processo–para que funcione a presunção de má-fé cabia primeiro à Massa Insolvente alegar e provar o seguinte:
i) Os factos constitutivos da existência de relações especiais entre a devedora e a Impugnante;
ii) Os factos constitutivos da existência de uma insolvência iminente da devedora em Abril de 2008 e em Junho 2009 (datas da cessão da posição e da escritura de compra e venda, respectivamente) e;
iii) Os factos constitutivos do carácter prejudicial dos referidos actos.
AA. Ora, da simples análise da carta resolutiva e da matéria dada como provada, mesmo que não se altere a mesma conforme igualmente se requer no presente recurso sobre a matéria de facto, é absolutamente manifesto que os necessários requisitos não foram provados pela Ré Massa Insolvente, sendo obviamente insuficiente que a cessão da posição operada em Abril de 2008 tenha sido efectuada entre sociedades com os mesmos sócios (veja-se a resposta restritiva ao quesito 7.º).
BB. Com efeito, a Autora provou que pagou o preço da cessão e que o mesmo deu entrada na conta de depósitos à ordem da devedora C… em 17 de Junho de 2009.
CC. Resulta ainda da resposta ao quesito 15.º que em “Abril de 2008 e Junho de 2009, a devedora tinha os salários dos seus trabalhadores em dia, cumpria com as suas obrigações perante fornecedores, assim como com as suas obrigações fiscais, estando contudo em incumprimento com as suas obrigações perante várias instituições bancárias, o que sucedia pelo menos desde inícios de 2009”.
DD. É inquestionável que nenhuma prova foi efectuada nem quanto à prejudicialidade como se viu, nem quanto à iminência da insolvência, pelo que tanto deveria bastar para afastar desde logo o requisito da má-fé, pois este exige a prova da situação da iminência da insolvência, mesmo nos casos de presunção de má-fé pois esta presunção diz respeito unicamente ao conhecimento da situação de insolvência e da prejudicialidade, mas obviamente não abrange a própria existência dessa situação de insolvência ou de prejudicialidade.
EE. Sem prescindir, resulta clarividente que não foi feita prova de matéria suficiente relacionada com a verificação de qualquer um dos requisitos resolução condicional ou sequer incondicional, conforme resulta do doutro Parecer emitido pelo Exmo. Sr. Prof. Doutor Gravato Morais que aqui se juntou, pelo que tal deveria ter bastado para impossibilitar uma decisão como a que acabou por ser proferida nos presentes autos.
FF. Acresce finalmente que a decisão ora tomada nos apensos K, L e T dos autos de insolvência da C…, Lda.–cujo julgamento decorreu em simultâneo–choca frontalmente com as outras decisões já proferidas nesses autos, em particular noutros apensos relativos à impugnação de resoluções em benefício da massa, com as mesmas partes e testemunhas (embora com a Sr.ª Juiz titular do processo de insolvência e não com o Sr. Juiz de Circulo) em particular com a decisão do apenso J, proferida em 18-02-2013 e já transitada em julgado em 12-03-2013, conforme documento um que se junta, onde a tese da Massa Insolvente, ora Recorrida, foi improcedente, incluindo no que se refere à não iminência de insolvência no período em que a cessão e a venda à Recorrente tiveram lugar.
GG. Foram assim violadas as disposições constantes nos artigos 120.º, nos seus diversos números, em especial o nº 4 e a alínea b) do n.º 5, e o art.º 121.º, n.º, al. h), ambos do CIRE, sendo ainda a sentença nula nos termos do art.º 668.º n.º 1, d) e 668.º,1.º No âmbito do Julgado de Paz, é aquele tribunal incompetente para conhecer de acção destinadas a efectivar o cumprimento de obrigações pecuniárias desde que o credor originário seja pessoa colectiva.
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Notificada a massa insolvente contra-alegou concluindo pelo não provimento do recurso.
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Foram dispensados os vistos.
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II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso-cfr. arts. 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1 e 2, do C.P.Civil.
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No seguimento desta orientação são as seguintes as questões de fundo a decidir no presente recurso:
a)- saber se o tribunal cometeu erro na apreciação da matéria de facto;
b)- saber se estavam verificados ou não os pressupostos para a resolução da cessão da posição contratual em benefício da massa insolvente, embora depois existem outras questões laterais a necessitar de ser equacionadas e decididas.
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A)-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Pelo tribunal recorrido foram considerados assentes os seguintes factos:
1º)- Por documento particular que as partes intitularam de “Contrato Promessa de Compra de Compra e Venda”, datado de 05/03/2001, D… prometeu vender à C…, Lda., pelo preço de Esc. 9.000.000$00, um terreno sito em …, freguesia …, Concelho de Coruche, inscrito na matriz sob o artigo 52-DD (Cfr. documento de fls. 10/11 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); (facto A)
2º)- Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Coruche no dia 9/06/2009 a aqui A. comprou a D…, pelo valor de € 22.500,00, o prédio rústico, sito em …, freguesia …, concelho de Coruche, composto por horta, inscrito na matriz rústica sob o artigo 69, da Secção DD (que proveio do artigo 52, e este por sua vez do artigo 4, ambos da mesma secção)–Cfr. certidão de fls. 15/19 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (facto B)
3º)- A propriedade de tal prédio encontra-se inscrita em favor de “E…, S.A”, por compra à aqui autora conforme apresentação …./2011/06/27; (documento de fls. 429 e 430 do apenso K)
4º)- Em 26 de Janeiro de 2010 foi requerida a declaração de insolvência da sociedade “C…, Lda.”, a qual veio a ser decretada por sentença proferida a 8 de Julho de 2010; (facto C)
5º)- Por carta registada com a.r. datada de 8/09/2010, enviada à A. a 10/09/2010, a Sr.ª Administradora da Insolvência remeteu à aqui A. declaração de “resolução em benefício da massa insolvente do contrato de cessão de posição contratual outorgado em 15/04/2008, entre a devedora e a sociedade B…, S.A. e ainda a resolução da compra e venda outorgada em 09/06/2009 no cartório notarial de Coruche, por D… e a sociedade B…, relativos à compra e venda do prédio rústico sito em …, freguesia …, Concelho de Coruche e composto por horta, inscrito na matriz rústica sob o artigo 69, da secção DD (que proveio do artigo 52, e este por sua vez do artigo 4, ambos da mesma secção) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o nº 932”–Cfr. documento de fls. 21/26 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido; (facto D)
6º)- A carta registada id. em D) foi recebida no dia 17/09/2010; (quesito 1º)
7º)- No dia 15 de Abril de 2008, através do documento de fls. 12/14, a Insolvente declarou ceder a sua posição contratual de promitente compradora do prédio id. em B) à aqui A., pelo valor de € 100.000,00; (quesito 2º)
8º)- O preço em causa foi pago através de transferência bancária ocorrida em 17-06-2009, com recurso a dinheiro entregue pelos sócios da requerente; (quesito 4º)
9º)- Tal montante deu entrada em conta de depósitos à ordem titulada pela insolvente; (quesito 5º)
10º)- Em Fevereiro de 2009, em assembleia-geral da insolvente ficou deliberada a alienação de diverso património não afecto à exploração da actividade, no sentido de fortalecer financeiramente a empresa; (quesito 6º)
11º)- Os sócios da requerente (pelo menos até 8 de Junho de 2008) eram comuns e/ou familiares em relação àqueles da insolvente; (quesito 7º)
12º)- Cedente/insolvente e a requerente conheciam a situação financeira em que se encontrava aquela, na data referida em B), e que era aquela descrita quesito 15º; (quesitos 8º e 9º)
13º)- F…, que interveio na escritura referida em B), na qualidade de legal representante da A. era, à data, trabalhador de insolvente/devedora; (quesito 10º)
14º)- Com a celebração do contrato de compra e venda descrito em B) pretenderam as partes manter a posse do imóvel para os sócios e accionistas das duas sociedades; (quesito 11º)
15º)- Tiveram as partes do contrato o intuito de enganar terceiros, designadamente os credores da massa insolvente da C…, Lda; (quesito 12º)
16º)- Entre 3 de Junho e 1 de Julho de 2009 foram pagos dividendos aos sócios da insolvente, e relativos aos anos de 2007 e 2008, no valor global de cerca de 1.000.000,00 €; (quesito 13º)
17º)- No momento referido em A) a insolvente já tinha pago integralmente o preço aí referido, no montante de € 200.000,00; (quesito 14º)
18º)- Em Abril de 2008 e Junho de 2009, a devedora tinha os salários dos seus trabalhadores em dia, cumpria com as suas obrigações perante fornecedores, assim como com as suas obrigações fiscais estando, contudo, em incumprimento com as suas obrigações perante várias instituições bancárias, o que sucedia pelo menos desde inícios de 2009; (quesito 15º).
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III- O DIREITO

Nas sua alegações recursórias a Massa Insolvente veio suscitar duas questões prévias:
a) uma relativa ao valor do recurso;
b) e outra relativa à junção de documentos.
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Analisemos, então, cada uma delas.
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Valor do recurso
No despacho saneador o Sr. Juiz do processo fixou a acção o valor de € 90.000,00 por entender, e bem, que ao valor indicado para a acção se somava o valor do pedido reconvencional (cfr. artigo 308.º, nº 2 do C.PCivil).
Acontece que, na decisão recorrida, por se considerar prejudicado, não se conheceu do pedido reconvencional.
Ora, como se vê das alegações recursórias o âmbito do recurso interposto pela Autora, circunscreve-se apenas a acção e não já também ao pedido reconvencional, razão pela qual o valor do recurso ficou limitado apenas ao valor da acção, ou seja, ao valor de € 45.000,00 (cfr. artigo 1º nº 2 do Regulamento das Custas Processuais).
Carece, assim, de razão a apelada relativamente à questão prévia colocada.
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Junção de documentos.

A junção de documentos nos Tribunais Superiores, juntamente com as alegações de recurso, assume carácter excepcional, só sendo legalmente admissível verificado que esteja o condicionalismo a que aludem os artigos 693.º-B e 524.º do Código de Processo Civil, a saber:
a) quando a apresentação do documento não tenha sido possível até ao encerramento da discussão em 1ª instância (nº 1 do art. 524.º) ;
b) quando os documentos se destinam a provar factos posteriores aos articulados, ou cuja apresentação se tenha tornado necessária por virtude de ocorrência posterior (nº 2 do art. 524.º);
c) quando a junção se torne necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (2ª parte, do nº 1, do artigo 693.º-B).[1]
Efectivamente, não estando em causa uma situação enquadrável na parte final do artigo 693º-B, preceito que se refere precisamente à junção de documentos com a alegação de recurso de apelação, esta só é possível nas situações excepcionais a que se refere o artigo 524.º e no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da 1ª instância.
Por isso e não se tratando de documentos destinados a fazer prova de factos posteriores aos articulados, só se a necessidade da sua junção resultasse duma ocorrência posterior ao encerramento da discussão da causa é que estaria legitimada a sua apresentação com as alegações, conforme estabelece o nº 2 do artigo 524.º.
Ora, nada disso ocorre na situação sub júdice, aliás, nem a recorrente aduz qualquer fundamento para a sua junção dentro dos condicionalismos atrás referidos, pois que, como resulta das respectivas alegações a sua junção vem na sequência da questão referente à resolução condicional do negócio jurídico, mais propriamente, à questão da prova dos factos consubstanciadores da prejudicialidade dos actos e da má fé do adquirente.
Não há dúvida que, o documento, porque alegadamente elaborado após o encerramento da discussão em 1ª Instância, é superveniente e, como tal, estava preenchido um dos requisitos de admissibilidade.
Todavia, a montante, coloca-se uma questão de admissibilidade a assentar na alegação e, com base nela, a correspondente formulação de um juízo negativo de não impertinência ou desnecessidade, tudo com referência e a aferir pela vocação e aptidão do documento apresentado para fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa (artigo 523.º, nº 1 do CPCivil).[2]
Com efeito, a função dos documentos (prova documental) é, como claramente inculca a norma do n.º 1 do citado artigo 523.º, servir de meios de prova de factos que, de entre os alegados, possam suportar o direito exercitado na acção ou os fundamentos invocados na defesa.
Assim, a junção de documentos na fase de recurso só colhe justificação-só não é impertinente e desnecessária–quando os mesmos visem a modificação da fundamentação de facto da decisão recorrida ou quando o objecto da decisão coloque ex novo a necessidade de fazer a prova de factos com cuja utilização pelo julgador a parte não podia anteriormente contar.
No caso, e como atrás se referiu o documento não foi oferecido para prova de qualquer facto determinado ou para modificação de qualquer facto integrador da fundamentação de facto da decisão recorrida.
Não obstante, o supra referido, sempre a parte pode fundamentar a sua posição com referência a tal Acórdão, não pode é pretender a sua junção.
Em consequência, recusa-se a sua junção e ordena-se o seu desentranhamento, condenando-se a recorrentes em multa que se fixa em 1 (uma) UC nos termos do art. 543.º, nº 2 do CPC e do art. 27.º, nº 1 e 3 do Regulamento das Custas Processuais.
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Junção de Parecer

Começaremos por sublinhar que, dada a data em que a presente acção foi instaurada, e à data da respectiva decisão, o presente recurso foi processado e será julgado já à luz da nova reforma introduzida pelo DL nº 303/07 de 24/8 (cfr. artºs 11, nº 1, e 12º, nº 1).
Como afirma Abrantes Geraldes[3] “constata-se que não foi transposta para o artº 693-B.º a referência à junção de pareceres que expressamente constava do nº 3 do artº 706.º (da anterior reforma de 95, enfatizando nós, que foi na sua totalidade revogado pelo artº 9.º al. a) do citado DL nº 303/07). Apesar disso, foi mantida a redacção da al. d) do nº 1 do artº 700.º que atribui ao relator a função de autorizar a sua junção.
Desconhecem-se os motivos que presidiram a esta opção, confrontando-nos agora com a problemática da admissibilidade de apresentação de pareceres que anteriormente não suscitava qualquer dúvida.
No que respeita ao recurso de apelação a questão está, em parte, resolvida pelo disposto no artº 525.º. Uma vez que, segundo este preceito, a junção de pareceres pode ser feita na 1ª instância, em qualquer altura, basta que acompanhem as alegações que necessariamente são apresentados no tribunal a quo”.
In casu a recorrida insurge-se contra a sua junção por a considerar extemporânea porquanto, impugnando a recorrente a matéria de facto, o debruça-se mesmo sobre questões que ainda se não encontram definitivamente fixados no processo e assim um novo documento de prova, ilegal.
Ora, não cremos, que assim seja.
Vejamos.
Antes demais cumpre esclarecer que ao juiz não cumpre limitar, para além de casos manifestos, os meios de prova apresentados pelas partes para ponderação pelo julgador, designadamente qualificando o que seja como tal apresentado pelas partes, atento o facto de não haver definição legal de parecer.[4]
Por outro lado, não deve ser confundido parecer com prova pericial, pois essa, para além da exigência de conhecimentos especiais, é a produzida por quem reúna as condições legais para tal, pela forma legalmente estabelecida e a coberto de um estatuto também legalmente atribuído.
Portanto, não se adopta aqui (para os pareceres) a orientação segundo a qual os relatórios técnicos a que se refere a lei processual civil visam apreciar o sentido de factos provados cuja interpretação exija conhecimentos especiais, a fim de elucidar o juiz sobre o seu significado e alcance pois, a ser assim, não se justificaria o disposto no artigo 525.º do CPCivil enquanto dispõe que podem ser juntos, nos tribunais de 1ª instância, em qualquer estado do processo, por isso antes de se conhecerem os factos provados.
Quanto ao mais vertido pela recorrida sobre o conteúdo do parecer, não tem este tribunal que se emiscuir quanto a tal matéria, pois que, trata-se apenas, como o nome indica, de um parecer, sem qualquer efeito vinculativo a valorar por este tribunal dentro dos seus poderes de livre apreciação.
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Nestes termos e sem outros considerandos e atendo o disposto no artigo 700.º, nº 1 al. e) do C.P.Civil autoriza-se a junção do referido parecer.
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Erros de escrita:
Nas suas alegações a recorrente refere que no ponto 7º) da fundamentação de facto da sentença recorrida, existe um erro na identificação do valor acordado no contrato de cessão da posição contratual sub judice, o qual corresponde a 22.500,00 € e não 100.000,00 €, como é o caso do apenso K.
O mesmo se diga quanto ao ponto 17º) da fundamentação de facto da sentença recorrida, onde se faz referência ao montante de € 200.000,00 em vez de 45.000,00€, em conformidade com a formulação do quesito em apreço (em virtude de confusão com o apenso K).
Nas contra-alegações a apelada concorda, efectivamente, com tais erros de escrita, pelo que, e tendo em conta que de facto existiu simples lapso de escrita como ressalta dos documentos relativos a tais actos, procede-se à sua correcção nos termos impetrados pela apelante, devendo portanto, no facto descrito 2º) ficar a constar € 22.500,00 em vez do € 100.000,00 aí referidos e no facto descrito em 17º 45.000,00 em vez dos 200.000,00 (artigo 667.º nºs 1 e 2 do C.P.Cvil).
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b)-Impugnação da decisão da matéria de facto.

Nos termos do disposto no número 1º do artigo 712.º do C.P.Civil, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação:
a)-Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 685º-B, a decisão com base neles proferida;
b)-Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas.
c)-Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.
Isto dito, entende a recorrente que os factos referentes aos quesitos 3.º, 4.º, 8.º, 9.º, 11.º, 12.º e 15.º foram incorrectamente julgados, na medida em que o Tribunal a quo não levou em linha de conta outros elementos de prova fundamentais constantes dos autos, sem prejuízo de a matéria dos quesitos 11.º e 12.º ser absolutamente conclusiva e sem qualquer suporte na prova produzida.
Não sem que antes se diga que neste tipo de casos, que quem faz o julgamento tem acesso a elementos e dados a que nenhum outro julgador mais terá, sendo que a imediação é aqui fundamental (senão seria tudo uma questão de maiorias e quem tivesse, por exemplo, mais testemunhas a afirmar um facto é que lograria prová-lo, não sendo assim, como é sabido).
Isto não significa que as decisões sobre a matéria de facto não possam, assim, vir a ser alteradas na 2ª instância-que o podem e devem mesmo, em certos casos–mas apenas e só para deixar assinalada a importância da imediação em matérias relacionadas com a apreciação da prova testemunhal (verdadeira prova de fogo do juiz, como se por vezes se propala).
Mas também na Relação, enquanto Tribunal de instância, não deixará de vigorar o princípio da livre apreciação das provas produzidas, “decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, nos termos do n.º 1 do artigo 655.º do Código de Processo Civil-naturalmente, com os cuidados e cautelas que isso implica.
A este propósito deixamos ainda assinalado o que se escreveu no
Acórdão da Relação do Porto, de 10 de Julho de 2006, tirado no processo nº 0653629, publicado pelo ITIJ, “a apreciação da prova na Relação envolve riscos de valoração de grau mais elevado que os que se correm em 1.ª Instância, onde são observados os princípios da imediação, da concentração e da oralidade, (…) já que a transcrição dos depoimentos e até a sua audição quando gravados, não permite colher, por intuição, tudo aquilo que o julgador alcança quando tem a testemunha ou o depoente diante de si. Quando o Juiz tem diante de si a testemunha ou o depoente de parte, pode apreciar as suas reacções, apercebe-se da sua convicção e da espontaneidade ou não do depoimento, do perfil psicológico de quem depõe; em suma, daqueles factores que são decisivos para a convicção de quem julga, que afinal é fundada no juízo que faz acerca da credibilidade dos depoimentos”. E diz o Prof. Antunes Varela, ali também citado, quanto a tal princípio da imediação: “Esse contacto directo, imediato, principalmente entre o juiz e a testemunha, permite ao responsável pelo julgamento captar uma série valiosa de elementos (através do que pode perguntar, observar e depreender do depoimento, da pessoa e das reacções do inquirido) sobre a realidade dos factos que a mera leitura do relato escrito do depoimento não pode facultar”. E também o douto acórdão da Relação do Porto, de 29 de Maio de 2006, no processo n.º 0650899 e publicado pelo ITIJ: “Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencie e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por qualquer outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores”. Por isso que acaba por concluir que “a admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará, assim, apenas, nos casos para os quais não existe qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação”.
Voltando ao caso concreto, cumpre então averiguar se, como diz o apelante, a matéria factual deveria, nos pontos indicados, ter sido objecto de diferente decisão.
Vejamos.
Os quesitos em causa eram do seguinte teor:
Quesito: 3º
Tal valor representava o valor real de mercado do referido prédio naquela data?
Resposta- Não provado;
Quesito: 4º
E foi pago através de transferência bancária ocorrida em 17-06-2009?
Resposta- Provado que o preço em causa foi pago através de transferência bancária ocorrida em 17-06-2009, com recurso a dinheiro entregue pelos sócios da requerente;
Quesito: 8º
Bem conhecendo a cedente/insolvente o estado em que se encontrava?
Quesito: 9º
Assim como conhecia a A. a situação financeira débil da então cedente, C…, Lda., e que estaria a prejudicar os credores da mesma?
Resposta- Quesitos: 8º e 9º: Provado que cedente/insolvente e a requerente conheciam a situação financeira em que se encontrava aquela, na data referida em B), e que era aquela descrita no quesito 15º.
Quesito: 11º
Através do documento referido em 2º fingiram os aí outorgantes a celebração de um negócio já que o que se pretendeu foi manter a posse e a propriedade do imóvel, como ainda hoje acontece?
Reposta- Provado apenas que com a celebração do contrato de compra e venda descrito em B) pretenderam as partes manter a posse do imóvel para os sócios e accionistas das duas sociedades;
Quesito: 12
Com o simples intuito de enganar terceiros, designadamente os credores da massa insolvente da C…, Lda.?
Resposta- Provado que tiveram as partes do contrato o intuito de enganar terceiros, designadamente os credores da massa insolvente da C…, Lda.
Quesito: 15
Em Abril de 2008 e Junho de 2009, a devedora tinha os salários dos seus trabalhadores em dia, cumpria com as suas obrigações perante fornecedores, assim como com as suas obrigações fiscais?
Resposta- Provado que em Abril de 2008 e Junho de 2009, a devedora tinha os salários dos seus trabalhadores em dia, cumpria com as suas obrigações perante fornecedores, assim como com as suas obrigações fiscais estando, contudo, em incumprimento com as suas obrigações perante várias instituições bancárias, o que sucedia pelo menos desde inícios de 2009
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Quanto ao facto descrito no quesito 3º o tribunal na sua fundamentação discorreu do seguinte modo:
“Relativamente aos factos dados como não provados cumpre dizer que, nomeadamente no que se refere ao quesito 3º, para além de a autora não ter apresentado prova sobre tal facto, cumpre fazer referência à avaliação junta pela ré, a fls. 423 e 424 do apenso K), único meio de prova que, concretamente, faz referência à matéria do preceito em causa”.
Não concorda a recorrente com tal resposta devendo, pois, a mesma ser positiva, uma vez que o Tribunal ignorou em absoluto a avaliação do imóvel efectuada pelo Arquitecto H…, em 10 de Abril de 2008, documento junto aos autos sob documento n.º 7 da petição inicial, no qual se baseou a fixação do valor dos imóveis em causa nos apensos K e L, e que confirma a correcção do preço acordado, tendo ainda ignorado a certidão emitida pela Câmara Municipal …, em 24 de Fevereiro de 2012, comprovativa de que os prédios rústicos inscritos na respectiva matriz sob os artigos 68º e 69º da Secção DD, da freguesia … se encontram inseridos em área de Reserva Ecológica Nacional, conforme extractos juntos com a referida certidão, cujo documento foi junto aos autos pela Autora através do requerimento de 23.04.2012, para efeitos de verificação da situação jurídica dos imóveis em causa nos autos e prova do artigo 3.º da base instrutória (valor real de mercado do imóvel).
Quanto à avaliação junta pela ré, refere que tendo sido efectuada em 5 de Dezembro de 2012, não será idónea para efeitos de prova de que o preço em causa correspondia ao valor de mercado do imóvel à data da celebração da cessão da posição contratual em apreço.
Não cremos, salvo o devido respeito, que o tribunal recorrido tenha ajuizado mal na resposta ao citado quesito.
Na verdade, sendo embora certo que a apelante junto aos como documento 7º uma avaliação do imóvel em causa, todavia, o documento em causa revela-se despedido, quando desacompanhado de outros elementos, de qualquer valor probatório para a prova do quesito em causa.
Com efeito, aí se fala de um método comparativo que se não identifica nem descrimina. Que comparações é que foram realizadas? Entre que imóveis? Com que preços? E bem assim, qual o rigor de ciência do valor encontrado para o preço metro quadrado?
Acresce que também da certidão junta pela Câmara Municipal … relativa à localização dos prédios rústicos (inseridos na Reserva Ecológica Nacional) não se retira qualquer elemento coadjuvante sobre o valor real de mercado do imóvel, pois que, só por si, a referida localização, não é determinante para aquilatar daquele valor.
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No que tange ao quesito 4º o tribunal recorrido formou a sua convicção nos documentos de fls. 31 e 87 do apenso K e declarações da testemunha F…, tendo quanto a esta vertido o seguinte:
“Apenas as testemunhas supra identificadas prestaram depoimentos relevantes por terem conhecimentos directos sobre factos, devidamente suportados por prova documental, também supra descrita. Os depoimentos não contiveram contradições entre si acabando por serem compatíveis. Apenas no que se refere à situação económica da sociedade insolvente, à data descrita no facto assente B), não existiu coincidência de depoimentos entre F…, por um lado, e G…, por outro.
Assim o F…, funcionário da insolvente que viria a ser administrador único da requerente, explicou que foram sempre os sócios (e depois accionistas no que à requerente diz respeito) das duas sociedades quem tomaram as decisões relativamente à actividade da sociedade. Explicou que o prédio em causa nos autos foi avaliado, mas pela insolvente, sendo que foram os sócios da requerente quem, de facto, efectuaram o pagamento do preço em causa. Relativamente ao prédio objecto da acção, pelo menos até à sua saída como administrador da requerente, o mesmo nunca foi utilizado, por qualquer forma pela requerente. Confirmou a existência da deliberação a que se faz referência no quesito 6º. Relativamente à situação económica sociedade insolvente a testemunha referiu que a mesma mantinha uma óptima situação financeira até meados de 2009 (Junho) altura em que a sua principal cliente se apresentou à insolvência, o que constituiu uma surpresa para os responsáveis daquela. Simplesmente esta posição foi posta em causa pelas declarações da testemunha G…, do I…, o qual afirmou que desde inícios de 2009 existiam negociações entre o Banco e a insolvente devido a um recorrente incumprimento, por parte desta, da satisfação das suas obrigações, situação que nunca fi resolvida. Atenta a maior imparcialidade desta testemunha (até porque a testemunha F… manteve sempre uma relação próxima para com os sócios da insolvente e os accionistas da requerente).
Defende a apelante que os documentos de fls. 31 e 87 do apenso K não são aptos à produção de prova nestes autos e muito menos no que tange à matéria respeitante ao pagamento efectivo do preço acordado entre as partes, dado que o documento de fls. 31 corresponde a uma planta topográfica da Câmara Municipal … referente a …, e o documento de fls. 87 corresponde a um requerimento apresentado pela Autora, aqui Recorrente, em 07.09.2011.
O documento idóneo à produção de prova do pagamento do preço em causa corresponde, assim, ao documento de fls. 88 do referido Apenso K, referente ao comprovativo de transferência bancária da conta da Autora na J… da quantia de 122.500,00€, em 17.06.2009, junto com o requerimento acima identificado,
Assim como a factura emitida pela C… junta aos presentes autos com a petição inicial como documento 8.
Como assim, refere, a matéria em causa deverá resumir-se à prova documental reunida nos autos, devendo a resposta ao quesito ser unicamente: Provado que o preço em causa foi pago pela Autora através de transferência bancária ocorrida em 17 de Junho de 2009.
Como se sabe as respostas aos pontos da base instrutória, vulgo quesitos, podem ser restritivas ou explicativas, todavia, têm de manter-se dentro da matéria que os mesmos abrangem.[5]
Ora, no caso em apreço, o quesito 4º tinha uma redacção simples e enxuta, acontece que a resposta ao mencionado quesito extravasou a matéria nele contida, quando nele se fez referência à proveniência do valor transferido, pois que, tal proveniência é matéria factual distinta da que nele estava vertida.
Destarte, e porque desiderato pretendido pela apelante quanto a este ponto factual não pode também proceder pelas mesmas razões, altera-se a resposta ao mencionado quesito nos termos seguintes:
Provado.
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E as mesmas considerações, alterando a ordem que estávamos a seguir, valem mutatis mutandis em relação à resposta dada ao quesito 15º, uma vez que também aqui se extravasou a matéria contida no indicado quesito, razão pela qual se altera a sua resposta pela forma seguinte:
Provado.
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Relativamente às respostas dadas aos quesitos 11º e 12º o tribunal recorrido fundamentou do seguinte modo:
Quesito 11º (declarações das testemunha G… e depoimento de parte do administrador da ré)
Quesito 12º (presunção do facto constante do quesito 11º e depoimento de parte do administrador da ré).
Insurge-se a apelante no que concerne a tais respostas e fundamentação, dizendo em suma que o tribunal não deveria ter valorado o depoimento do legal representante da Autora, K…, nos termos em que o fez, pois que, para além de em nada ter contribuído para a produção de prova daqueles quesitos por desconhecimento dos factos relativamente aos quais fora questionado, também não foi confessório.
Relativamente ao depoimento da testemunha G…, tratou-se de um depoimento indirecto e genérico do qual não se pode retirar qualquer facto que permita dar como provado qualquer intenção das partes na manutenção da posse do imóvel para os sócios e accionistas.
Ora, a resposta a tais quesitos tem de se considerar como não escritas.
Na selecção da matéria de facto, seja assente, seja controvertida, o tribunal deve ater-se a factos, não devendo aí incluir conceitos de direito ou juízos de valor sobre a matéria de facto (art.º 511.º, nº 1 do Código de Processo Civil).
A instrução terá por objecto apenas factos (art.º 513.º do C.P.Civil) e, de acordo com o disposto no art.º 646.º, n.º 4 do mesmo diploma, no julgamento da matéria de facto ter-se-ão por não escritas as respostas do tribunal sobre questões de direito. Solução esta a aplicar às respostas que incidam sobre conclusões de facto, ou melhor, que constituam conclusões de facto, maxime quando tais conclusões têm a virtualidade de por si resolverem questões de direito a que se dirigem.[6]
Não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum.[7]
Evidentemente que nesta matéria haverá que ter presente, como pondera o Prof. Anselmo de Castro[8] que “a linha divisória entre facto e direito não tem carácter fixo, dependendo em considerável medida não só da estrutura da norma, como dos termos da causa: o que é facto ou juízo de facto num caso, poderá ser direito ou juízo de direito noutro. Os limites entre um e outro são, assim, flutuantes.”
Voltando à questão concreta, o que se contém nos quesitos em causa é matéria integrada no thema decidendum do presente pleito, pois que, está ali contida a verificação dos requisitos estatuídos no artigo 240.º, nº 1 do C.Civil relativa à simulação absoluta, fundamento do pedido reconvencional.
Efectivamente, os referidos quesitos, acabam por coincidir, embora por palavras não exactamente iguais, à previsão normativa do citado nº 1 do artigo 240.º do C.Civil.
Ou seja, encerram uma conclusão correspondente à verificação dos apontados requisitos à qual, o tribunal, na respectiva subsunção jurídica, apenas deveria chegar através da valoração de um outro quadro factual que dos autos tivesse resultado provado.
Destarte e nos termos ao artigo 646.º nº 4 do C.PCivil têm-se por não escritas as respostas aos mencionados quesitos.
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Vem ainda a recorrente defender que não podia o Tribunal a quo depois de produzida a prova e dada resposta à matéria de facto incluir na sentença um novo facto, como é o caso do ponto 3 da referida fundamentação, relativo à inscrição do prédio sub judice da sociedade “E…, S.A.”, por compra à aqui Autora, conforme apresentação 3432/2011/06/27 (documentos de fls. 429 e 430).
Este facto, diz, extravasa manifestamente a delimitação da matéria controvertida fixada em sede de saneador, porquanto consiste em documento junto aos autos em 17.12.2012, depois de produzida toda a prova em sede de audiência de discussão e julgamento, e para provar novos factos cujo conhecimento o Tribunal indeferiu por despacho de 19.12.2012.
Cremos que, neste âmbito, não assiste razão à apelante.
É, hoje em dia, pacificamente aceite na nossa jurisprudência[9] e maioritariamente defendida na doutrina[10] a ideia segundo a qual a selecção dos factos assentes, atenta a sua natureza instrumental, enquanto “mera organização dum elenco de factos para boa disciplina das fases ulteriores do processo (…)”[11] não forma caso julgado formal.
Tal selecção não determina que os factos nela incluídos venham a ser considerados como assentes aquando da elaboração da sentença-cfr. art. 659.º, nº 3 do C.P.Civil.
Ou seja, a incorrecta inclusão de determinado facto na matéria “assente” não forma caso julgado formal positivo, podendo esse mesmo facto ser posto em causa e vir a ser objecto de julgamento em sentido diverso.
De igual modo, a indevida falta de inserção de certo facto na matéria “assente” não forma caso julgado negativo–no sentido de ficar definitivamente excluído como facto provado, facto que então já o estivesse – visto o citado art. 659º, nº 3 impor ao juiz a consideração, aquando da elaboração da sentença, dos factos admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito e dos que o tribunal colectivo tenha dado como provados.
Ora, nos termos do artigo 514.º nº 2 do C.P.Civil não carecem de alegação e prova os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.
Como assim e constando do apenso “K” a certidão do registo, podia o Sr. Juiz ter dado, como, aliás, o fez, assente tal facto e, constando o mencionado documento de um apenso destes autos, cumprido também está a parte final do citado artigo 514.º, nº 2 do CPCivil.
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É pois, a seguinte, a matéria factual devidamente renumerada a que há que atender para apreciar as restantes questões colocadas no recurso:
1º)- Por documento particular que as partes intitularam de “Contrato Promessa de Compra de Compra e Venda”, datado de 05/03/2001, D… prometeu vender à C…, Lda., pelo preço de Esc. 9.000.000$00, um terreno sito em …, freguesia …, Concelho de Coruche, inscrito na matriz sob o artigo 52-DD (cfr. documento de fls. 10/11 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
2º)- Por escritura pública de compra e venda outorgada no Cartório Notarial de Coruche no dia 9/06/2009 a aqui A. comprou a D…, pelo valor de € 22.500,00, o prédio rústico, sito em …, freguesia …, concelho de Coruche, composto por horta, inscrito na matriz rústica sob o artigo 69, da Secção DD (que proveio do artigo 52, e este por sua vez do artigo 4, ambos da mesma secção)–cfr. certidão de fls. 15/19 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida.
3º)- A propriedade de tal prédio encontra-se inscrita em favor de “E…, S.A”, por compra à aqui autora conforme apresentação 3432/2011/06/27; (documento de fls. 429 e 430 do apenso K)
4º)- Em 26 de Janeiro de 2010 foi requerida a declaração de insolvência da sociedade “C…, Lda.”, a qual veio a ser decretada por sentença proferida a 8 de Julho de 2010.
5º)- Por carta registada com a.r. datada de 8/09/2010, enviada à A. a 10/09/2010, a Sr.ª Administradora da Insolvência remeteu à aqui A. declaração de “resolução em benefício da massa insolvente do contrato de cessão de posição contratual outorgado em 15/04/2008, entre a devedora e a sociedade B…, S.A. e ainda a resolução da compra e venda outorgada em 09/06/2009 no cartório notarial de Coruche, por D… e a sociedade B…, relativos à compra e venda do prédio rústico sito em …, freguesia …, Concelho de Coruche e composto por horta, inscrito na matriz rústica sob o artigo 69, da secção DD (que proveio do artigo 52, e este por sua vez do artigo 4, ambos da mesma secção) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o nº 932–Cfr. documento de fls. 21/26 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6º)- A carta registada id. em D) foi recebida no dia 17/09/2010.
7º)- No dia 15 de Abril de 2008, através do documento de fls. 12/14, a Insolvente declarou ceder a sua posição contratual de promitente compradora do prédio id. em B) à aqui A., pelo valor de € 22.500,00.
8º)- E foi pago através de transferência bancária ocorrida em 17-06-2009.
9º)- Tal montante deu entrada em conta de depósitos à ordem titulada pela insolvente.
10º)- Em Fevereiro de 2009, em assembleia-geral da insolvente ficou deliberada a alienação de diverso património não afecto à exploração da actividade, no sentido de fortalecer financeiramente a empresa.
11º)- Os sócios da requerente (pelo menos até 8 de Junho de 2008) eram comuns e/ou familiares em relação àqueles da insolvente.
12º)- Cedente/insolvente e a requerente conheciam a situação financeira em que se encontrava aquela, na data referida em 2º), e que era aquela descrita quesito 15º.
13º)- F…, que interveio na escritura referida em 2º), na qualidade de legal representante da A. era, à data, trabalhador de insolvente/devedora.
14º)- Entre 3 de Junho e 1 de Julho de 2009 foram pagos dividendos aos sócios da insolvente, e relativos aos anos de 2007 e 2008, no valor global de cerca de 1.000.000,00 €.
15º)- No momento referido em A) a insolvente já tinha pago integralmente o preço aí referido, no montante de € 45.000,00.
16º)- Em Abril de 2008 e Junho de 2009, a devedora tinha os salários dos seus trabalhadores em dia, cumpria com as suas obrigações perante fornecedores, assim como com as suas obrigações fiscais.
17º)- É do seguinte teor a carta enviada pela Srª Administradora da Insolvência à apelante:
“1.No dia 26 de Janeiro de 2010, foi requerida, por parte do Credor I…, S.A, no Tribunal Judicial de Santa Maria da Feira a declaração de insolvência de ”C…, Lda”;
2. A qual foi proferida em 8 de Julho de 2010, pelas 14h, por Douta Sentença (cfr. Doc. 1 que adiante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos);
3. Sendo que, aí foi nomeada Administradora da Insolvência a abaixo signatária;
4. Ora, em 05 de Março de 2001, foi celebrado um contrato promessa de compra e venda referente a um terreno sito em …, Freguesia …, Concelho de Coruche composto por horta, inscrito na matriz rústica sob o artigo 69, da secção DD (que proveio do artigo 52, e este, por sua vez do artigo 4, ambos da mesma secção), e descrito na Conservatória do Registo Predial de Coruche sob o número 932), pelo montante de 9.000.000$00, em moeda actual cerca de € 45.000,00 (cfr. Doc. 2, que adiante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);
5. Em 15 de Abril de 2008 foi celebrado o contrato de cessão de posição contratual entre a insolvente e a Sociedade B…, Lda - (cfr. Doc. 3, que adiante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);
6. Contrato este que, expressamente, para todos os devidos e legais efeitos que declara, desde já, resolvido com efeitos retroactivos.
Ora,
7. Conforme consta do mesmo, já se encontrava o preço integralmente pago pela devedora–€ 45.000,00;
8. E pelo alegado contrato, de cedência de posição contratual, a Cessionária paga, apenas, o montante de € 22.500,00 a liquidar no acto da alegada escritura pública de compra e venda a realizar até 30 de Junho de 2009;
9. Assim, a ter sido pago qualquer montante, que não foi, verifica-se um prejuízo de pelo menos € 22.500,00;
10. Note-se que o contrato de cessão de posição contratual, não se encontra nem selado, nem muito menos reconhecido;
11. Impugnando-se a data aposta no mesmo;
12. Tendo em resultado do supra exposto, a sociedade C…, SA adquirido por escritura pública de compra e venda, outorgada em 09 de Junho de 2009, o imóvel pelo montante de apenas € 22.500,00-(cfr. Doc. 4, que adiante se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos);
13. Não demonstrando, pese embora solicitado, o pagamento a quem quer que seja;
14. Acresce que, se venha a provar qualquer pagamento (mais de € 45.000,00 face ao justo valor em causa) sempre a cedência e posterior venda seriam prejudiciais à massa insolvente pois o numerário ou produto da venda é sempre de fácil sonegação ao contrario do bem imóvel se existisse ainda no acervo patrimonial da devora;
15. Em consequência, expressamente, declara a resolução, para todos os devidos e legais efeitos da escritura de compra e venda do imóvel em questão outorgada em 9 de Junho de 2009.
Por outro lado,
16. Aquando da alegada outorga dos resolvidos contractos já se encontrava a sociedade “C…, Lda.” no limiar da sua insolvência;
17. Sendo a celebração destes um acto prejudicial à Massa Insolvente, por diminuir a satisfação dos Credores da Insolvência, que, desta forma, se viram desapossados de um assinalável valor patrimonial;
18. Acresce que, bem conheciam todos outorgantes o estado em que a sociedade C…, Lda. se encontrava;,
19. Pois, quanto à sociedade B…, SA, até ao dia 08/06/2009 os sócios eram comuns e familiares – Irmãos;
20. Sendo que, o segundo Outorgante da escritura de compra e venda resolvida era e é, trabalhador da devedora (economista);
21. Ao que acresce, o facto do vendedor bem saber quem, na realidade, lhe pagou o preço pela alegada compra e venda do prédio rústico – a devedora C…, LDA;
22. Face à data da outorga da escritura, única que efectivamente se aceita como verdadeira, são os actos resolvidos incondicionalmente a favor da massa, nos termos do disposto na al. h) do n.º 1 do artigo 121.º e ainda 124.º ambos do C.I.R.E.
SEM PRESCINDIR, SE ASSIM SE NÃO ENTENDER, POR MERA CAUTELA,
23. Consideram-se prejudiciais à massa todos os actos que diminuam ou frustrem a satisfação dos credores da insolvência, e portanto tratam-se sempre de actos resolúveis;
24. Sendo que pressupõe a má-fé do terceiro, a qual sempre se presume quanto a actos cuja prática tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao inicio do processo de insolvência.
25. Assim, sem sempre prescindir quanto ao supra alegado (artigo 22.º), declara-se, em alternativa, a resolução condicional dos supra referidos actos, nos termos do disposto no artigo 120º do CIRE”.
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- Resolução incondicional do negócio jurídico
Põe a apelante em causa a verificação dos requisitos de tal resolução, não obstante na sentença se ter afirmado que a Srª Administradora fez referência aos fundamentos da opção que tomou, sendo que, apesar de genéricos, cumpriam os requisitos legais.
Quid iuris?
A resolução em benefício da massa insolvente é um instituto especial do processo de insolvência que se destina à tutela da generalidade dos credores do insolvente na medida em que permite ao Administrador da Insolvência que a eficácia[12] de toda uma panóplia de actos seja destruída, verificados que sejam certos requisitos de ordem temporal, subjectiva e objectiva.
É um instituto cujos antecedentes se encontram nos artigos 1168.º, 1170.º e 1171.º, do Código de Processo Civil de 1939, nos artigos 1200.º, 1202.º e 1203.º, do Código de Processo Civil de 1961 e nos artigos 156.º, 158.º e 159.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
A resolução em benefício da massa insolvente efectiva-se por carta registada com aviso de recepção, dentro dos seis meses subsequentes ao conhecimento do acto objecto de resolução e nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência (artigo 123.º, nº 1, do CIRE).
Porém, sempre que o negócio não esteja cumprido, a resolução pode ser declarada, sem dependência de prazo, por via de excepção (artigo 123.º, nº 3, do CIRE).[13]
A declaração de resolução deve indicar os concretos fundamentos invocados para legitimar o exercício desse direito potestativo[14], não podendo a deficiência de fundamentação da declaração de resolução ser suprida na contestação à acção de impugnação da resolução.[15] Admitir esse suprimento traduzir-se-ia na introdução de factualidade nova em momento ulterior ao exercício do direito potestativo e que, por isso, necessariamente, não fundamentou aquela declaração de resolução.
No caso em apreço e como resulta da comunicação resolutiva atrás transcrita, a mesma foi efectuada através de uma invocação alternativa das duas formas legalmente previstas no CIRE que permitem a resolução de negócios jurídicos em benefício da massa insolvente, isto é, resolução condicional e incondicional.
Ora, cremos, salvo outro e melhor entendimento, que na referida comunicação foram observados os parâmetros essenciais.
Diga-se desde logo que a lei não especifica o grau de fundamentação ou até mesmo se ela deve existir (cf. citado art. 123.º, do CIRE).[16]
Ainda assim na referida comunicação que, diga-se, antes demais foi tempestiva (artigo 123.º, nº 1 do CIRE), alude-se a que o negócio se situa no período suspeito, à sua prejudicialidade para a Insolvente, ao contexto em que a cessão da posição contratual ocorreu, fazendo-se ainda referência a má fé no tocante à primeira das modalidades resolutivas mencionadas.
Portanto, respigando a comunicação enviada, dela resulta, sem margem para dúvidas, os motivos dessa tomada de posição resolutiva do acto em causa.
Para além disso como se diz no Acórdão desta Relação de 29/09/2009[17] citando a decisão da primeira instância, “não pode exigir-se à administradora de insolvência que emita cartas resolutivas com fundamentação como se de decisões judiciais se tratasse. São os tribunais que estão vinculados, por virtude de exigência constitucional, a fundamentar devidamente as suas decisões (fundamentação de facto e fundamentação de direito) e não os administradores de insolvência”.
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Todavia, a questão atrás referida pode dizer-se ser lateral, pois que, a questão essencial que importa delucidar é saber se se verificam ou não os pressupostos de qualquer uma das formas resolutivas supra referidas.
Comecemos pela resolução incondicional, primeira que a Srª Administradora invocou na sua comunicação resolutiva.
Os actos prejudiciais à massa são os que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência (artigo 120.º, nº 2, do CIRE).
Além disso, presumem-se juris et de jure prejudiciais à massa os actos tipificados no artigo 121.º, do CIRE, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí previstos (artigo 120.º, nº 3, do CIRE).
Os actos em que para efeitos de resolução em benefício da massa falida a lei presume de forma inilidível a prejudicialidade à massa insolvente são:
a) a partilha celebrada antes da data do início do processo de insolvência em que o quinhão do insolvente haja sido essencialmente preenchido com bens de fácil sonegação, cabendo aos co-interessados a generalidade dos imóveis e dos valores nominativos;
b) os actos celebrados pelo devedor a título gratuito, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;
c) a constituição pelo devedor de garantias reais relativas a obrigações preexistentes ou de outras que as substituam;
d) a fiança, subfiança, aval e mandatos de crédito, em que o insolvente haja outorgado e que não respeitem a operações negociais com real interesse para ele;
e) a constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas;
f) o pagamento ou outros actos de extinção de obrigações ocorridos antes do seu vencimento e cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência;
g) o pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
h) os actos a título oneroso realizados pelo insolvente em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte;
i) o reembolso de suprimentos.
Nos casos que se acabam de enumerar, a resolubilidade do acto prejudicial à massa insolvente não carece da demonstração da má fé do terceiro interveniente no acto objecto de resolução (artigo 120.º, nº 4, 1ª parte, do CIRE).
Fora destes casos, além da prejudicialidade à massa insolvente demonstrada (artigo 120.º, nº 2, do CIRE) ou presumida juris et de jure (artigo 120.º, nº 3, do CIRE), a resolubilidade dos actos prejudiciais à massa insolvente pressupõe a má fé do terceiro, sendo essa má fé presumida juris tantum quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente[18], ainda que a relação especial não existisse a essa data (artigo 120.º, nº 4, do CIRE).
Conforme resulta da citada comunicação, o fundamento resolutivo incondicional invocado pela Srª Administradora foi o constante da alínea h), isto é, os actos a título oneroso realizados pelo insolvente em que as obrigações por ele assumidas excedam manifestamente as da contraparte.
No regime legal vigente, em primeiro lugar, a resolubilidade de actos prejudiciais à massa insolvente apenas é viável relativamente a actos praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência (artigo 120.º, nº 1, do CIRE).
Significa isto que no caso em apreço, atenta a instauração do processo de insolvência contra o insolvente a 26/01/2010 [veja-se o ponto 4º) dos fundamentos de facto], que apenas podem ser resolvidos em benefício da massa actos praticados ou omitidos a partir de 26 de Janeiro de 2006, inclusive.
Na hipótese dos autos, o acto cuja resolução foi declarada pela Sra. Administradora da Insolvência foi praticado a 15 de Agosto de 2008, ou seja, dentro dos quatro anos anteriores ao processo de insolvência.
Todavia, o fundamento constante da alínea h) do nº 1 do artigo 121.º do CIRE exige como pressuposto temporal o prazo de um ano anterior à data do início do processo de insolvência.[19]
Ora, tendo o contrato de cessão da posição contratual sido celebrado em 15 de Abril de 2008, (facto descrito em 7º da fundamentação de facto da sentença recorrida) e o início do processo de insolvência ocorrido em 26 de Janeiro de 2010 (facto descrito em 4º) o pressuposto temporal legalmente previsto para que a resolução incondicional possa operar não está obviamente preenchido in casu.
Aliás, diga-se, que neste particular nem sequer foi alegado e muito menos provado o “excesso manifesto” a que faz referência a alínea h) do artigo 121.º nº 1 do CIRE, sendo que, como adianta se dirá tal alegação e prova incumbia a apelada.
*
Isto dito, quanto à resolução incondicional vejamos, agora, a resolução nos termos gerais.
Como se sabe a resolução de actos prejudiciais à massa insolvente pode ser impugnada pela contraparte no negócio resolvido mediante acção a propor contra a massa insolvente, no prazo de seis meses, sob pena de caducidade, acção que correrá seus termos por apenso ao processo de insolvência (artigo 125.º, do CIRE).
No nosso direito positivo, em termos gerais, compete àquele que invoca um direito, a alegação e prova dos factos constitutivos desse direito (artigo 342.º, nº 1, do Código Civil), competindo a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos àquele contra quem é invocado o direito (artigo 342.º, nº 2, do Código Civil), sendo que em caso de dúvida, os factos devem ser considerados como constitutivos do direito (artigo 342.º, nº 3, do Código Civil).
Porém, o nosso direito civil, além de algumas previsões avulsas sobre a repartição do ónus da prova (vejam-se por exemplo os artigos 487.º, nº 1 e 799.º, nº 1, ambos do Código Civil), tem também algumas regras especiais, nomeadamente no que respeita as acções de simples apreciação ou declaração negativa, caso em que compete ao réu a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga (artigo 343.º, nº 1, do Código Civil).
O direito de resolução é um direito potestativo de natureza extintiva e, tratando-se de resolução em benefício da massa insolvente, o seu nascimento depende do preenchimento dos requisitos legais.
No que concerne à resolução condicional ao abrigo do artigo 120.º do CIRE, são requisitos gerais da resolução em benefício da massa insolvente os seguintes:
a) Realização pelo devedor de actos ou omissões;
b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;
c) Verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência;
d) Existência de má fé do terceiro.[20]
Se o nascimento do direito potestativo de resolução do acto em benefício da massa insolvente depende dos referidos pressupostos legais, dir-se-á, que o ónus da prova dos mencionados requisitos legais necessários àquele nascimento compete à massa insolvente[21], pois é esta entidade que invoca o direito potestativo extintivo a seu favor e que o pretende fazer valer em face da contraparte no negócio resolvido.
Todavia, a questão que se pode colocar é a de saber se, a circunstância da resolução ser declarada por via extrajudicial e de ser atacada por via de impugnação judicial, altera os dados da questão.
No seu configuração geral, a impugnação, como até o próprio nome indica, visará a negação dos factos invocados pelo Administrador da Insolvência para fundamentar a resolução que extrajudicialmente declarou.
Neste circunstancialismo, parece que a qualificação mais acertada para esta acção é a de mera apreciação negativa, na medida em que no referido figurino geral visará tão-só a demonstração da inexistência ou inverificação dos pressupostos legais da resolução declarada pelo administrador da insolvência (artigo 4º, nº 2, alínea a), do Código de Processo Civil).
Na acção de impugnação, o impugnante está apenas, de modo antecipado, a exercer o seu direito à contraprova (artigo 346.º do Código Civil), alegando factos que constituem negação dos factos invocados como fundamento do direito de resolução exercido pelo administrador da insolvência ou, noutra vertente, articulando factos extintivos do mesmo direito de resolução.
Alguma jurisprudência[22] e alguma doutrina[23], sustenta que cabe aos impugnantes a demonstração da inexistência de prejuízo para a massa insolvente e de má fé da sua parte, olvidando-se quer a natureza da acção de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, quer ainda a natureza de simples contraprova das alegações de inexistência de prejudicialidade no acto resolvido[24] ou da má fé por parte do terceiro interveniente no acto objecto de resolução, neste último caso sempre que o autor da resolução não beneficie de uma presunção legal juris tantum de má fé.[25]
Acontece que, a alegação de inexistência de prejuízo para a massa insolvente ou a inexistência de má fé da contraparte no negócio objecto de resolução não constituem factos extintivos do direito de resolução, mas antes a impugnação dos factos invocados para fundamentar o exercício do direito de resolução pelo administrador da massa insolvente.
Só se pode falar de um facto extintivo de um direito quando previamente existem um ou vários factos constitutivos que originaram esse direito.
É manifesto que a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má fé não constituem factos extintivos do direito de resolução, sendo antes a negação dos factos necessários ao nascimento do direito de resolução que, por via extrajudicial, foi exercido pelo administrador da insolvência.
A inexistência de prejudicialidade ou de má fé alegadas pelo impugnante, a provarem-se, não determinam a extinção de um direito potestativo, antes contendem com o nascimento desse direito, pois integram a negação dos factos constitutivos daquele direito.
Se o nascimento desse direito potestativo depende da prejudicialidade do acto e da má fé do terceiro, a alegação da inexistência de prejudicialidade ou de má fé não constitui qualquer facto impeditivo do nascimento do direito em apreço. É que em tal caso não se trata de defesa por excepção peremptória, mas antes e simplesmente de uma defesa por impugnação antecipada que pode ou não ser motivada.
Na verdade, tais alegações, ainda que envolvam a alegação de factos novos, o que sucede em regra na impugnação motivada, caso se provem, não obstam à produção ab initio dos efeitos jurídicos próprios do direito de resolução, antes contendem com o próprio nascimento do direito em apreço. [26]
Isto dito, apreciemos agora a factualidade provada em ordem a determinar se estão demonstrados os factos necessários à constituição ou nascimento do direito de resolução que nestes autos se impugna.
O acto cuja resolução extrajudicial foi declarada pela Sra. Administradora da Insolvência foi praticado a 15 de Abril de 2008, ou seja, (em 26 de Janeiro de 201027 de Março de 2008) dentro dos quatro anos anteriores ao mesmo processo.
O acto é, assim, abstractamente resolúvel.
Vejamos, agora, se verifica a existência da prejudicialidade do acto em relação à massa insolvente.
Como atrás se referiu não estando verificado o acto do tipo estatuído no artigo 121.º, nº 1 al. h) do CIRE não se pode lançar mão da presunção jure et de jure consignada no artigo 120.º, nº 3 do mesmo diploma legal, cabendo, pois, a apelada alegar e demonstrar a prejudicialidade do acto.
Como assim, dissentimos em absoluto da posição assumida na decisão recorrida quanto à repartição do ónus da prova, quando nela se afirma que deveria a impugnante ter demonstrado a ausência de prejuízo, uma vez que, como já sustentamos, compete ao administrador da insolvência a alegação e prova dos factos constitutivos do direito de resolução que exerceu, sem prejuízo do que decorre do princípio da aquisição processual (artigo 515.º do Código de Processo Civil).
Sobre este requisito o tribunal na sentença recorrida discorreu do seguinte modo:
“Estamos perante um contrato de cessação de posição contratual, negócio jurídico a que se aplicam as regras dos artigos 577º e seguintes, por força do disposto no artigo 588º, ambos do C. Civil. Apesar de se tratar de um negócio oneroso o que é certo é que sendo a contrapartida recebida pela insolvente dinheiro estamos, à partida, perante um negócio prejudicial para a satisfação do direito dos credores tendo em conta o facto de ter sido cedido um direito de aquisição de um imóvel, por parte da insolvente recebendo esta, dinheiro que, como se sabe, é volátil. Ora a autora não demonstrou que o dinheiro por si pago tenha contribuído, por qualquer forma, para aumentar os activos da insolvente. É certo que demonstrou que a insolvente tinha em dia os pagamentos de fornecedores.
Simplesmente ficou também demonstrado que em 2009 foram distribuídos dividendos pelos sócios da insolvente num montante elevadíssimo–cerca de € 1.300.000,00 -quantia largamente superior àquela paga pela autor.
c) Mesmo que assim não fosse o facto de a insolvente ter recebido da autora a quantia de 100.000,00 €, quando havia pago ao promitente vendedor o montante de 200.000,00 €, no âmbito do contrato promessa em causa leva-nos a concluir pela prejudicialidade do negócio em causa”.
Portanto, o tribunal parte da premissa, indemonstrada, de que sendo volátil a recepção do dinheiro, contrapartida no acto em causa, se presume a prejudicialidade deste.[27]
Analisando.
Dúvidas não existem de que o preço da cessão contratual foi pago (factos descritos em 8º e 9º) e representou, portanto, um crédito na conta da insolvente.
Também ninguém dúvida de que o dinheiro é mais facilmente dissipável do que a posição contratual (sentido esse a atribuir ao termo volátil utilizado na decisão).
Mas como concluir dessa evidência da prejudicialidade do acto sem mais?
A entender-se dessa forma estar-se-ia a criar, além da já prevista no artigo 120.º nº 3 do CIRE, uma outra presunção, qual seja, sempre que o acto resolúvel seja oneroso e a contrapartida para o insolvente seja o recebimento de dinheiro, presume-se prejudicial para a massa.
Como é evidente, tal presunção é inadmissível.
Significa, portanto, que casuisticamente é preciso alegar factualidade que conforte a conclusão de que a contrapartida recebida e decorrente do acto, não representou qualquer mais-valia para a massa insolvente, prova essa que, face ao supra exposto, incumbe sempre a esta e não ao impugnante, como se afirma na sentença recorrida.
Ora, no caso concreto tal prova não foi feita.
Efectivamente, neste âmbito o que ficou demonstrado foi apenas que “Entre 3 de Junho e 1 de Julho de 2009 foram pagos dividendos aos sócios da insolvente, e relativos aos anos de 2007 e 2008, no valor global de cerca de 1.000.000,00 €” (facto descrito em 14º).
De notar, porém, que em Abril de 2008 e Junho de 2009, a devedora tinha os salários dos seus trabalhadores em dia, cumpria com as suas obrigações perante fornecedores, assim como com as suas obrigações fiscais (facto descrito em 16º).
O acto em causa (cessão da posição contratual) foi outorgado em Abril de 2008 e o pagamento do seu valor ocorreu me 17/06/2009, sendo de enfatizar que o pagamento ocorreu por transferência bancária (factos descritos em 8º e 9º).
Perante esta realidade factual, como concluir sem mais pela propalada prejudicialidade?
Como dizer que o valor recebido pela apelada se destinou ao pagamento dos dividendos?
Então porque não dizer que se destinou ao pagamento de salários, de obrigações fiscais ou de fornecedores?
Repare-se que o quesito 13º da base instrutória correspondente ao facto descrito em 18º tinham formulação diferente da resposta dada, aquando da decisão da matéria de facto, pois que, o que aí se perguntava era: Os valores que deram contabilisticamente entrada na insolvente voltaram imediatamente a sair, sobe a forma de dividendos pagos aos próprios (Irmãos e Mãe L…) ou favor da sociedade controladas pelos mesmos (onde se integra a sociedade M…)?
É que, segundo se depreende da decisão recorrida para existir prejudicialidade o dinheiro recebido teria de ser investido em bens corpóreos (imóveis) ou incorpóreos (acções, obrigações ou outros produtos financeiros).
Refere depois a sentença que “mesmo que assim não fosse o facto de a insolvente ter recebido da autora a quantia de 100.000,00 €, quando havia pago ao promitente vendedor o montante de 200.000,00 €, no âmbito do contrato promessa em causa leva-nos a concluir pela prejudicialidade do negócio em causa” (os valores não eram estes, mas sim € 22.500,00 e € 45.000,00 respectivamente, face à correcção que foi feita).
Não se pode questionar que tenha havido uma equivalência objectiva entre o valor pago pela insolvente aquando da celebração do contrato promessa e o recebido no momento da celebração da cessão contratual.
Repare-se, porém, que entre os dois actos distam 7 anos.
E, perante isso, como dizer que à data da cessão o valor de mercado do imóvel em questão não era aquele que foi pago pela apelante?
Dos autos não resulta qual era esse valor, sendo certo que, como já se referiu era à apelada que competia tal alegação e prova.
Diga-se, aliás, que, neste circunspecto, embora a decisão recorrida o afirme [cfr. pág. 21 al. d)] acaba depois por se contradizer ao afirmar a prejudicialidade do acto por referência à discrepância de valores.
Importa, por outro lado referir que entre a data da cessão da posição contratual e o início do processo de insolvência existe um lapso temporal de 19 meses e, entre a data da celebração do contrato promessa e aquele outro acto distam, como já se referiu, 7 anos, o que permite concluir que os actos em causa, não estão numa relação directa entre a situação de insolvência, que se veio a verificar, e o possível prejuízo na satisfação dos interesses dos credores.
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Destarte, concluímos, assim, que não se verifica in casu o requisito da prejudicialidade.
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Mas ainda que assim não se entenda, cremos que também não se verifica o requisito da ma-fé exigido no artigo 120.º nº 4 do CIRE.
Na sentença a esse respeito exarou-se o seguinte:
“No que se refere ao requisito de má-fé, tendo em conta o factos de os sócios da autora serem os mesmos da aqui insolvente, entendemos que a ré beneficia da presunção prevista no n.º 4 do artigo 120º do CIRE, por força do disposto no artigo 49º, n.º 2, a), tendo em conta o facto de, apesar de estar em causa uma sociedade comercial, os sócios desta e da insolvente serem comuns.
f) Mas ainda que assim não se entenda sempre concluímos que a ré logrou demonstrar a má-fé da aqui autora, no que ao contrato resolvido diz respeito, tendo em conta o teor dos quesitos 8º, 9º e 15º e o disposto no artigo 120º, n.º 5, a) do CIRE.”
Portanto, o tribunal considerou, neste âmbito, que a apelada beneficiava da presunção de má fé do terceiro (B…, SA) estatuída no artigo 120.º nº 4 do CIRE.
O citado normativo estabelece, de facto, uma presunção de má fé do terceiro, fazendo-a depender da verificação de um conjunto de requisitos cumulativos a demonstrar pelo administrador da insolvência, a saber:
- a prática de actos (ou a sua omissão) nos 2 anos anteriores ao início do processo de insolvência;
- a participação ou o aproveitamento do terceiro no acto em causa;
- a existência de um pessoa especialmente relacionada com o insolvente (mesmo que a relação especial não existisse a essa data, embora possa ter vindo posteriormente a concretizar-se).[28]
Ora, nos termos da decisão recorrida, a actuação da presunção de má fé do terceiro B…, SA é indiciado pela identidade de sócios (também familiares) daquela e da insolvente [art. 49°. n° 2, ai. a)].
A invocada alínea qualifica, como especialmente relacionados com o devedor, os seguintes sujeitos:
“os sócios, associados ou membros que respondam legalmente pelas suas dívidas e as pessoas que tenham tido esse estatuto nos dois anos anteriores ao inicio do processo de insolvência.”
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda[29] “os sócios, associados ou membros abrangidos são apenas aqueles cuja responsabilidade, sendo pessoal e ilimitada, respeite à generalidade das dívidas da pessoa colectiva insolvente e tenha por fonte a própria lei”.
Acontece que, os sócios da insolvente não respondem legalmente pelas dívidas da mesma, o mesmo acontecendo com os sócios da apelante.
Se bem entendemos a decisão recorrida, o que estaria em causa é que terceiros (aqueles sócios com ou sem responsabilidade legal) tenham participado ou se tenham aproveitado do negócio.
Todavia, mesmo numa interpretação extensiva da norma, isto é, abarcando todo o tipo de sócios, não permite a mesma concluir pela verificação do requisito em causa, pois que, o acto foi realizado entre sociedades e não entre uma sociedade e um dos sócios.
Nem esta situação é idêntica aquela que foi tratada no Acórdão deste Relação de 29/09/2009 citado na decisão recorrida, aliás, diga-se que é, no mínimo, original a forma como a sentença tratou as questões, pois que, limitou-se a citar dois acórdãos e de seguida, pela rama, diz estarem verificados os requisitos da resolução, mas dizíamos que a situação não é idêntica, pois que, naquele caso a recorrente era irmã da insolvente, considerando-a a lei uma pessoa especialmente relacionada com a insolvente [cf. art. 49.°, n° 1. al. b) do CIRE].
Evidentemente que, sempre se poderia dizer que a indicação constante do artigo 49.º do CIRE não é taxativa e que, portanto, nele caberiam outro tipo de situações.
Todavia, entendemos que, como defendem Carvalho Fernandes e João Labareda[30], que essa indicação assume carácter taxativo.[31]
Como assim, salvo outro e melhor entendimento, cremos que, no caso em apreço, não se verifica a situação de presunção de má fé que o tribunal acolheu.
Acontece que, o tribunal entendeu também estar verificada a situação de má fé.
Para esse efeito convocou “o teor dos quesitos 8º, 9º e 15º e o disposto no artigo 120º, n.º 5, a) do CIRE”, isto é, a identidade de sócios da B…. SA e da insolvente [art. 49.°, n° 2, al. a) do CIRE], o conhecimento pelos sócios da situação financeira da insolvente o cumprimento generalizado das obrigações da insolvente em Abril de 2008 e Junho de 2009-só o cumprimento, pois que, como supra se decidiu a resposta ao quesito 15º foi alterada para apenas provado.
A ma fé do terceiro é aferida “à data do acto (cessão da posição contratual)” (art. 120.°, n° 5, do CIRE).
Todavia a esse tempo-15 de abril de 2008-nem a apelada se encontrava em situação de insolvência, nem em situação de insolvência iminente, nem, naturalmente, podia conhecer o início do processo de insolvência.
Como assim, não se entende como na decisão se concluiu pela demonstração pela massa insolvente da má fé do terceiro.
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Em face do exposto e não estando verificados os requisitos estatuídos no artigo 120.º, nºs 2, 4 e 5º do CIRE ou seja, a prejudicialidade do acto e a ma fé da apelada, não existia fundamento para a resolução levada a cabo pela Srª Administradora da Massa Insolvente ora apelada.
Conclui-se, desta forma a presente acção de impugnação procede porquanto a massa insolvente não logrou demonstrar os factos constitutivos do direito de resolução que exerceu extrajudicialmente e, em consequência, fica sem efeito a resolução operada pela Srª Admistradora, que diga-se nunca seria referente ao contrato de compra mas sim à cessão da posição contratual, mantendo-se pois esta.
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Para concluir importa ainda por o enfoque na parte dispositiva da sentença.
Ora, sobre isso antecedentemente discorreu-se da seguinte forma:
“Uma última palavra no que se refere à resolução, em benefício da massa insolvente, do contrato de compra e venda descrito no facto assente B): a mesma não pode produzir efeito uma vez que a insolvente não foi interveniente do mesmo.
Com efeito só podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os negócios jurídicos em que aquela tenha sido parte.
Mas também nos parece claro que o que a Massa Insolvente pretende não é a resolução, em seu favor, do contrato de compra e venda em causa (o que já vimos não ser possível) mas sim o de assumir a posição de comprador no âmbito de tal negócio.
Ora sempre diremos que, nos termos do artigo 126º, n.º 1 do CIRE “a resolução tem efeitos retroactivos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso.”
Assim sendo tudo se passa como se não tivesse existido qualquer cessão da posição contratual pelo que deverá a ré assumir a posição de compradora no referido contrato de compra e venda o qual apenas foi celebrado com a autora por causa, precisamente, da cessão da posição contratual.
Tal circunstância em nada prejudica a posição dos vendedores uma vez que estes tinham já aceite a celebração de tal contrato de compra e venda com a C… ou a quem esta tivesse cedido a sua posição pelo que nunca seria necessário que os vendedores em causa fossem notificados pela Sra. Administradora da Massa Insolvente.
Reitera-se, contudo, que não estamos perante uma situação de resolução do contrato de compra e venda mas sim de assumir a consequência de ter sido resolvida a cessão da posição contratual descrita no quesito 2º.
Por último cumpre referir que o facto de a propriedade do prédio objecto do contrato resolvido estar inscrita em favor de terceiro em nada interfere na presente decisão podendo ser de aplicação o disposto no artigo 124º do CIRE”.
Como resulta da factualidade supra descrita em 9 de Junho de 2009, foi outorgada entre, D…, na qualidade de alienante, e a B…, SA, na qualidade de adquirente, um contrato de compra e venda do prédio rústico em apreço (facto descrito em 2º).
Esse negócio tinha na sua base um contrato-promessa outorgado pelo mesmo Promitente-vendedor, D… e pela B…, que não tinha intervindo em tal promessa, mas cuja legitimidade para a celebração da compra e venda resultou da cessão da posição contratual do promitente-comprador por parte de C…, Lda.
Portanto, as partes no contrato de compra e venda não eram assim inteiramente coincidentes com as que celebraram originariamente o contrato-promessa, quer do lado activo, quer do lado passivo, o que não torna, ainda assim, o acto inválido ou ineficaz.
Acontece que o contrato de compra e venda outorgado produziu todos os seus efeitos (reais e obrigacionais), a transferência da propriedade, a obrigação de entregar a coisa e a obrigação de pagar o preço.[32]
A questão que agora se coloca é se, não sendo admissível a resolução do contrato de compra e venda é possível, mesmo assim, colocar a massa insolvente apelada, que pretende a resolução da cessão da posição contratual, na posição de adquirente, ou seja, numa posição jurídica de que nunca foi titular?
E a resposta não pode deixar de ser negativa.
Analisando.
A cessão da posição de promitente-comprador tem efeitos meramente obrigacionais, assim como a promessa que antecedeu essa posição jurídica.[33]
Por sua vez a compra e venda produz efeitos reais, para além de obrigacionais.
Como assim um negócio obrigacional não pode sobrepor-se a um negócio real.
Efectivamente, seria irregular e ilegítimo que a propriedade de um bem pudesse ser afastada por um acto obrigacional, ainda que anteriormente realizado.[34]
Portanto, a resolução da cessão da posição contratual, partindo do pressuposto de que é legítima, jamais pode fazer operar efeitos de cariz real, ou melhor colocar o primitivo promitente-adquirente (actualmente, a massa insolvente) numa situação jurídico-real de que não era titular ao tempo da referida cessão.
A admitir-se este tipo de construção jurídica verificar-se-ia a ampliação dos efeitos de um negócio obrigacional (neste caso a cessão da posição de promitente-comprador) sem qualquer sustentação legal.
Diante do exposto, a resolução em beneficio da massa de uma cessão de posição contratual, com eficácia relativa, apenas pode produzir efeitos meramente relativos, sem que se possa atribuir-lhe poderes absolutos, erga omnes e de oponibilidade em relação a terceiros.
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Destarte, ainda que se entendesse que a resolução operada pela Srª Administradora era válida e legitima, nunca como acima se referiu, poderia, operar efeitos de cariz real, ou melhor colocar o primitivo promitente-adquirente (actualmente, a massa insolvente) numa situação jurídico-real de que não era titular ao tempo da referida cessão, razão pela qual também por este aspecto nunca a sentença poderia subsistir.
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Procedem, assim, em parte, as conclusões formuladas pela apelante e, com elas, o respectivo recurso, ficando prejudicada a análise de todas as demais.
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Como resulta da decisão recorrida nela não se conheceu do pedido reconvencional por ter sido julgado improcedente o pedido de impugnação, e por via disso, aquele conhecimento ter ficado prejudicado.
Ora, tendo em conta que, como resulta do supra exposto, este tribunal não acolheu a decisão proferia pela primeira instância julgando, pois, procedente o pedido de impugnação, nos termos do artigo 715.º, nº 2 do CPCivil cumpre, então, conhecer do citado pedido reconvencional, por já ter sido dada as partes a possibilidade de exercer o respectivo contraditório (cfr. despacho de fols. 1325) o qual foi apenas exercido pela apelante (cfr. fols. 1329 e segs.).
Como resulta dos autos, em reconvenção-caso a acção procedesse-a Massa Insolvente requereu a declaração de nulidade do contrato de compra e venda objecto do litígio, por simulação ou, subsidiariamente, a condenação da Requerente no pagamento da quantia de € 45.000,00, referente ao valor pago inicialmente pela Insolvente, aquando da outorga do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 05/03/2001.[35]
Isto dito, a matéria factual a que há que atender para a apreciação do pedido reconvencional, é aquela que este tribunal fixou e que atrás se enunciou devidamente renumerada.
Vejamos, pois, se tal matéria factual, integra a facti species do normativo legal que acolhe a figura da simulação, sendo que, tal qual a alegação da Ré (cfr. artigos 19.º a 25.º da contestação reconvenção) ela se situa no âmbito da simulação absoluta estatuída no artigo 240.º do C.Civil.
O nº 1 do citado normativo enunciando o conceito de simulação dispõe que “se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.
Segundo a doutrina corrente, este preceito exige, para que haja simulação:
-Divergência entre a vontade real e a vontade declarada;
-Intuito de enganar terceiros; e
-O acordo simulatório.
Se, em determinado caso concreto não ocorrer circunstancialismo fáctico integrador dos três requisitos acabados de enunciar, poderá verificar-se qualquer falta ou vício da vontade, mas não seguramente o da simulação.
- A intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração.
Como diz Manuel Andrade[36] “esta intencionalidade traduz-se logo na consciência, por parte do declarante, de que emite uma declaração que não corresponde à sua vontade real. Acresce, porém, que o declarante não só sabe que a declaração emitida é diversa da sua vontade real, mas quer ainda emiti-la nestes termos. Trata-se, portanto, duma divergência livre-querida e propositadamente realizada (CARIOTA-FERRARA)”.
- Intuito de enganar terceiros.
Enganar quer dizer iludir. Como escreveu Beleza dos Santos[37] “O intuito de enganar terceiros, que torna a simulação inconfudível com as declarações não sérias consiste em pretender que pareça real o que no intuito das partes não é, criando para terceiros uma aparência”.
Portanto, se a simulação é a criação artificiosa do que não se quer ou a ocultação do que se quer, tem em si imanente o fim de enganar; quando se simula, isto é, se finge ou oculta, tende-se a enganar terceiros.
- Acordo simulatório.
Por acordo simulatório, entende-se o pactum simulationis, isto é, o conluio[38] a mancomunação[39] consistente em as partes declararem intencional e concertadamente, ter realizado um acto que afinal não quiseram realizar.[40]
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Postas estas considerações pergunta-se: face à matéria factual que nos autos resultou assente pode dizer-se que a escritura de compra e venda e da cessão da posição contratual padecem da referida simulação absoluta nos termos sobreditos?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Efectivamente, na matéria factual não tem assento qualquer dos requisitos atrás enunciados.
Desde logo, não resulta que dessa matéria exista divergência entre a vontade das partes e a declaração.
Aliás, mesmo que a resposta ao quesito 11.º (nele perguntava-se: Através do documento referido em 2º fingiram os aí outorgantes a celebração de um negócio já que o que se pretendeu foi manter a posse e a propriedade do imóvel, como ainda hoje acontece) não tivesse sido considerada como não escrita, como se decidiu (a resposta dada pelo tribunal foi: Provado apenas que com a celebração do contrato de compra e venda descrito em B) pretenderam as partes manter a posse do imóvel para os sócios e accionistas das duas sociedades) nem assim se poderia julgar verificada a divergência entre a vontade das partes e a declaração.
Com efeito, desse facto não se pode tirar, sem mais, a ilação de que o negócio não tivesse sido querido pelas partes, pois que, se alguém compra um imóvel é, naturalmente, para o possuir e usufruir independentemente de tal posse e fruição não ser, em dado momento, exclusiva do respectivo proprietário.
Diferente seria, por exemplo se o preço da compra e venda não tivesse sido pago, como o foi (cfr. facto descrito em 8º-resposta ao quesito 4º) tendo tal montante dado entrada em conta de depósitos à ordem titulada pela insolvente (factos descrito em 9º).
Ou mesmo que esse valor tivesse apenas dado entrada contabilisticamente voltando logo a sair imediatamente sob a forma de dividendos para os próprios (irmãos e mãe L…) ou favor das sociedades controladas pelos mesmos, como se perguntava no quesito 13 e cuja resposta foi apenas: “Entre 3 de Junho e 1 de Julho de 2009 foram pagos dividendos aos sócios da insolvente, e relativos aos anos de 2007 e 2008, no valor global de cerca de 1.000.000,00 €”.
Por outro lado, também não resultou provado qualquer facticidade donde se pudesse extrair que tal negócio foi celebrado com o intuito de enganar terceiros, pois que, o quesito 12º, cuja resposta foi considerada não escrita, encerrava uma mera conclusão.
Acresce que, no que tange ao acordo simulatório nem sequer foram alegados pela apelante os respectivos factos.
Importa, desde salientar que uma coisa é a divergência intencional entre a vontade e a declaração, outra coisa é o acordo simulatório.
É que, o conluio ou mancomunação a que atrás se fez referência, têm de anteceder a declaração ou ser contemporâneos dela[41].
Ora, nenhuma matéria factual se encontra assente nos autos, para que se possa dar como verificado esse acordo existente entre as partes, com vista àquela divergência intencional entre a vontade e a declaração.
Aliás, respigando a contestação reconvenção o que dela se retira é que existe um défice de alegação factual quanto ao fundamento aí invocado da existência de negócio simulado, tendo a Ré reconvinte limitado a sua alegação a pouco mais que simples conclusões (cfr. artigos 19º a 25º daquela peça).
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No que concerne ao pedido subsidiário formulado também em via reconvencional (condenação da apelada no pagamento da quantia de € 45.000,00, referente ao valor pago inicialmente pela Insolvente, aquando da outorga do contrato de promessa de compra e venda celebrado em 05/03/2001) não se vislumbra qual o fundamento legal em que se ancora.
Com efeito, o único fundamento que poderia ser alegado para o pagamento do valor de € 45.000,00 seria apenas o facto de ter sido esse o valor acordado para a cedência da posição contratual e a apelante ter apenas pago o valor € 22.500,00, ou então não ter pago nenhum valor (cfr. artigos 51º e 52º da contestação reconvenção) a traduzir, portanto, incumprimento contratual com o direito de a Massa Insolvente exigir judicialmente o seu cumprimento (artigo 817.º do C.Civil).
Ora, nada disto se encontra provado nos autos, pois que, o valor acordado foi de € 22.500,00 e não de € 45.000,00, tendo aquele valor, sido efectivamente pago pelo que, não vê com que fundamento legal, face ao principio da liberdade contratual estatuído no artigo 405.º se possa pedir o pagamento de um valor que não foi acordado entre as partes.
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Nestes termos e sem necessidade de outros considerandos julga-se improcedente por não provado o pedido reconvencional quer formulado em via principal quer em via subsidária.
*
IV-DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, consequentemente em revogar a sentença sob censura que se substitui por outra que julga provada a impugnação da resolução da cessão da posição contratual realizada em 15/08/2008 em benefício da Massa Insolvente e decretada extrajudicialmente por carta datada de 8 de Setembro de 2010, ficando assim sem efeito a referida resolução.
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Da mesma forma que acordam em julgar improcedente por não provado o pedido reconvencional deduzido pela Massa Insolvente absolvendo, assim, a Autora reconvinda dos pedidos contra ela formulados.
*
Custas da acção, da reconvenção e do recurso a cargo da Massa Insolvente (artigo 304.º do CIRE).
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Porto, 9 de Julho de 2014.
Manuel Domingos Fernandes
Caimoto Jácome (dispensei o visto)
Macedo Domingues (dispensei o visto)
_______________
[1] Os casos em que a sua junção se torna necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância são apenas aqueles em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ter sido proferida.
[2] Cfr. neste sentido Antunes Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora pág. 515.
[3] Recursos em Processo Civil, Novo Regime, Almedina, pág. 217.
[4] Cfr. neste sentido o ac. do STJ de 28/11/1996 proferido no procº nº 083494, www.dgsi.pt.
[5] Cfr. neste sentido Ac. do STJ de 03-12-1974 in BMJ nº 242, pág. 212.
[6] Cfr. Conselheiro Abel Simões Freire, “Matéria de Facto-Matéria de Direito”, Col. de Jur., Acs.do STJ, ano XI, tomo III, pág. 5 e seguintes.
[7] Cfr. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil anotado, vol. 2º, citado, pág. 637 e 638 e acórdão do S.T.J. de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt..
[8] Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, Almedina, 1982, página 270.
[9] Cfr., a título de exemplo, os acórdãos do STJ de 25.03.2004, www.dgsi.pt proc. 02B4702 e de 2.12. 2004 acessível no mesmo local, Proc. 04B3822 e da Relação do Porto 30.05.05, mesmo local, proc.0511078; cfr. ainda o Assento nº 14/94, hoje com valor de acórdão uniformizador, D. R. 1ª –A série, nº 230, de 4.10.94, pág. 6072.
[10] Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto em “Código de Processo Civil”, Anotado, 2ª edição, vol. 2º, pág. 412-413 e posições doutrinárias aí referenciadas.
[11] Autores e obra citados, pág. 413.
[12] A resolução contende com a eficácia do acto e não com a sua validade, embora a resolução negocial seja equiparada nos seus efeitos à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigo 433º do Código Civil), do que se trata é da cessação, em regra retroactiva, dos efeitos do negócio resolvido e não da invalidação do mesmo negócio por força da verificação de factos impeditivos da produção dos efeitos do negócio objecto de resolução. Como ensinava Manuel de Andrade in Teoria Geral da Relação Jurídica, Volume II, 4ª reimpressão, Almedina 1974, página 411, na terminologia do Código Civil de Seabra “a nulidade é apenas a ineficácia que procede da falta ou irregularidade de qualquer dos elementos internos ou essenciais do negócio.”
[13] Críticos quanto à solução legal da restrição à invocação por via de excepção da resolução do acto prejudicial à massa insolvente, quando se trate de negócio ainda não cumprido, veja-se, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris 2008, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, páginas 438 e 439, anotação 5.
[14] Sobre a necessária aferição do direito de resolução exercido em função dos concretos fundamentos invocados e seu relevo para a delimitação da causa de pedir e dos limites objectivos do caso julgado, na doutrina, veja-se, Pressupostos da Resolução por Incumprimento, João Baptista Machado, in Estudos em Homenagem ao Prof. J.L. Teixeira Ribeiro, II Iuridica, Coimbra 1979, página 351 e nota 10; na jurisprudência vejam-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 2009, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Mário Cruz, no processo nº 307/09.1YFLSB e o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12 de Junho de 2012, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador António Beça Pereira, no processo nº 4541/08.3TBLRA.C1, ambos acessíveis no site da DGSI.
[15] Neste sentido, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça citado na nota antecedente.
[16] Gravato Morais «Resolução em beneficio da Massa insolvente, Almedina, 2008, p. 164 defende a necessidade de uma específica motivação sendo necessário invocar os factos que a originam.
[17] In www.degsi.pt.
[18] O CIRE define o que são pessoas especialmente relacionadas com o devedor no artigo 49º, do CIRE. Assim, são “havidos como especialmente relacionados com o devedor pessoas singular: a) O seu cônjuge e as pessoas de quem se tenha divorciado nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência; b) Os ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor ou de qualquer das pessoas referidas na alínea anterior; c) Os cônjuges dos ascendentes, descendentes ou irmãos do devedor; d) As pessoas que tenham vivido habitualmente com o devedor em economia comum em período situado dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência” (artigo 49º, nº 1, do CIRE).
[19] De notar que, ao contrário do que afirma a apelada, o estatuído no artigo 120.º nº 3 do CIRE refere-se à presunção de prejudicialidade dos actos referidos no artigo 121.º mesmo que tenham sido praticados fora dos prazos aí referidos, todavia, para efeitos daquele normativo (resolução incondicional) esses actos estão sujeitos ao limite temporal aí referido nas sua várias alíneas.
[20] Cfr. neste sentido Luís Meses de Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, pág. 218.
[21] Neste sentido, quanto à prejudicialidade e à má fé do terceiro veja-se, Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina 2008, Fernando de Gravato Morais, páginas 54 e 69.
[22] Vejam-se os acórdãos da Relação de Lisboa de 24 de Setembro de 2009, relatado pelo Sr. Desembargador António Valente, no processo nº 725/06.7TBTVD-I.L1-8 e de 09 de Março de 2010, relatado pelo Sr. Desembargador Pires Robalo, no processo nº 520/06.3TBLNH-F.L1-7, ambos acessíveis no site da DGSI.
[23] Veja-se, Fernando de Gravato Morais, obra citada página 167, que começa por referir, de forma correcta, a nosso ver, que cabe ao impugnante o encargo de provar todos os factos extintivos do direito de resolução invocado, para depois afirmar, inexplicavelmente e em contradição com o que anteriormente afirmara na página 54, que compete ao impugnante a demonstração de que o acto não foi prejudicial à massa insolvente.
[24] Esta qualificação pressupõe obviamente que a resolução impugnada não beneficia da presunção juris et de jure de prejudicialidade prevista no artigo 120º, nº 3, do CIRE.
[25] Nesta última hipótese, o impugnante não se poderá cingir a uma simples contraprova (artigo 346º do Código Civil), estando obrigado a produzir prova do contrário, em ordem a ilidir a presunção legal juris tantum de má fé (artigos 120º, nº 4, do CIRE e 350º, nº 2, do Código Civil).
[26] Neste sentido Acórdão da Relação de Coimbra de 24/05/2011 in www.dgsi.pt e que aqui seguimos de perto.
[27] Aliás, tal entendimento foi também o seguido pelo Acórdão desta Relação de 29/09/2009 in www.dgsi.pt.
[28] Trata-se, como nos parece, evidente juris tantum, portanto, ilidível mediante prova em contrário.
[29] Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Lisboa, Quid Júris, 2009, pág. 233.
[30] Obra citada pág. 232.
[31] Em sentido contrário vai Meneses Leitão, obra citada pág. 105 e Ac. da Relação de Coimbra de 25/01/2011 in www.dgsi.pt.
[32] É preciso não esquecer que a propriedade se transfere por mero efeito de contrato nos termos do artigo 408.º do C.Civil.
[33] Por via da promessa obrigacional de compra, o promitente-adquirente vincula-se a emitir uma declaração negocial conducente à conclusão do contrato prometidos decorrendo para o respectivo promitente a obrigação de realizar uma prestação de facto de outorgar do contrato prometido como comprador. Foi justamente isso-e apenas isso-que o cessionário da posição contratual adquiriu.
[34] Cfr. a este propósito o caso de alguma forma semelhante com o presentes, Ac. Uniformizador de Jurisprudência, de 5.11.1998 em www.dgsi.pt.
[35] Diga-se, aliás, que o pedido reconvencional nem devia ter sido admitido nos termos em que foi formulado. Com efeito, como se refere no Ac. do STJ de 17/0972009 in www.dgsi “O Administrador da Massa insolvente não pode pois, na contestação à impugnação, apresentar uma nova versão, contrária à primeira, ainda que subsidiariamente ou em alternativa. A invocação posterior de outras versões de factos ou vícios não invocados antes, maxime quando contrários aos indicados na resolução, ficam fora da alçada do campo que o Administrador primeiramente definiu e que não podem conviver com a primeira versão dos factos por ele apresentados. Por outro lado, tendo o pedido reconvencional de emergir de facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa (art. 274.º-1-a) do CPC), e sendo a própria acção de impugnação o meio processual adequado para atacar um acto do Administrador da Massa Insolvente (ou seja, já uma defesa por sua própria natureza), não pode a contestação-reconvenção servir para se alterar a causa de pedir da resolução - e consequentemente da acção -, que assentou na simulação absoluta do acto impugnado. A reconvenção, se admitida, como foi o caso, apenas podia visar a declaração de reconhecimento da validade do acto resolutivo tal como apresentado na carta registada enviada ao A., com as respectivas consequências condenatórias.”
[36] In Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 169 e seguintes.
[37] In Simulação em Direito Civil, 1955, Vol. I, pág. 63
[38] Manuel de Andrade obra citada pág. 170.
[39] Cfr. G. Telles, Dos Contratos em Geral, 2ª Ed. 149.
[40] Cfr. P. de Lima e A. Varela Noções Fundamentais de Direito Civil vol I. 4ª ed. 321.
[41] Cfr. Manuel de Andrade obra citada, pag. 169.