Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1665/10.0TBVRL.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: TELES DE MENEZES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
Nº do Documento: RP201205101665/10.5TBVRL.P1
Data do Acordão: 05/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Nas acções fundadas em responsabilidade civil extracontratual, quando o lugar do facto e o lugar do dano não coincidam e ocorram em países diferentes da União Europeia, tanto são competentes os tribunais do Estado-Membro em cujo território se verificou o facto ilícito gerador da responsabilidade como os tribunais do Estado-Membro em cujo território se verificou o dano.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1665/10.0TBVRL.P1 (26.03.2012) – 3.ª
Teles de Menezes e Melo – n.º 1319
Des. Mário Fernandes
Des. Leonel Serôdio

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.
B…, Lda instaurou a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra o C…, domiciliada em Portugal na …, .. – .º, Escritório …, Porto, pedindo a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 90.000,00, a título de compensação pelos danos sofridos com a conduta dela, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação, até efectivo e integral pagamento.
Alega dedicar-se ao fabrico e montagem do mais variado tipo de portas e portões, bem como automatismos para os mesmos, sendo a Ré uma empresa de seguros especializada, grosso modo, em seguros de crédito. A actividade da Ré do ramo não-vida prende-se com gestão e cobrança de créditos de empresas comerciais, prestando ainda aos seus clientes importantes informações, constantes da sua base de dados, relativas à fiabilidade económica das empresas com quem os eles mantêm relações comerciais, exercendo essa actividade em Espanha e Portugal, onde tem escritório e está devidamente registada junto do Instituto de Seguros de Portugal. A Ré tem como uma das suas clientes a sociedade comercial D…, S.A., com sede em …, Espanha, a qual se dedica à actividade de construção industrial e fornecimento de portas, que por sua vez é associada da entidade E…, sita na …, … – .º Apartado, …. Esta associação possui um registo de morosos com normas de funcionamento reguladas e devidamente autorizadas pelo Tribunal de Defensa de la Competência espanhol. A A., no âmbito da sua actividade comercial negociou com a D…, S.A., a compra e venda de portas, tendo havido problemas de prazos e defeitos na concretização desse negócio e pagamentos parciais. A D…, S.A., em 2005, comunicou à Ré e à E… que a A. lhe devia a quantia e € 709,71 desde 30 de Setembro. A Ré, por sua vez, transmitiu tal informação aos seus clientes constantes da sua base de dados, tanto em Espanha como em Portugal, ficando a A. referenciada como devedora e em mora. A Ré, em 28 de Dezembro de 2005, enviou um fax à A. dando-lhe conta da informação prestada pela D…, S.A. e interpelando-a para liquidar a importância referida, ao que a A. respondeu, em 09/01/2006, enviando-lhe todos os documentos sobre o assunto, ao cuidado de F…, …, . – .º PLTA. ….. – MADRID – ESPANHA. Em 10/05/2006, a A. enviou à Ré, por intermédio da sociedade G…, S.A., sita na Rua …, nº. .., …, Porto, todos os documentos referentes ao processo D…, S.A., tendo-lhe dito que a confusão na entrega das portas lhe causou e aos seus clientes grandes prejuízos, solicitando que eliminasse a informação que estava a dar aos fornecedores da A., sob pena de agir em conformidade, alertando-a, ainda, para estar a ser afectada no seu bom-nome. A 16 de Junho de 2006, a A. recebeu uma carta da E… notificando-a para fornecer nova informação ou para regularizar a dívida, num prazo de 15 dias, o que evitaria a sua inclusão no Registo de Morosos que, actualizado, está à disposição de todas as empresas associadas. Perante isto, a A. acabou por liquidar à D…, S.A., em Julho/Agosto de 2006, a quantia que estava em dívida de € 709,71, reportada a 30 de Setembro de 2005. Por fax de 10 de Agosto de 2006, informou a E… que já havia pago à D…, S.A., explicando-lhe que o pagamento retardado a esta se deveu a cumprimento defeituoso do contrato celebrado entre ambas, e solicitando que a sua firma não fosse incluída no Registo de Morosos, sob pena de incorrerem a D…, S.A. e a E… em responsabilidade civil e criminal. Em 17/08/2006, a D…, S.A. comunicou à E… que a dívida da A. estava paga. Em 08/09/2009, a A. enviou para a Ré e para a G…, S.A. ao cuidado da Dr.ª H…, nova comunicação escrita referindo já ter pago tudo quanto devia à D…, S.A., interpelando, uma vez mais, a Ré para que a sua firma fosse retirada como devedora no Registo de morosos, sob pena de queixa às autoridades competentes para apuramento da responsabilidade criminal e pedido de indemnização civil contra a Ré por todos os danos causados.
Em Novembro de 2006 a A. encomendou à I…, S.L., com sede em … (Astúrias), sociedade espanhola segurada pela Ré, o fornecimento de diverso material para o exercício da sua actividade em Portugal, a qual a informou que o risco de crédito tinha sido reduzido a zero euros por parte da Ré, pelo que se via obrigada a exigir o pagamento adiantado do preço da encomenda. A A. insistiu junto da E… em 13/11/2006 e 14/11/2006, para que fosse retirada como devedora do Registo de morosos, solicitando-lhe o envio imediato e com carácter de urgência de toda a informação à Ré, de modo a que esta pudesse restabelecer a cobertura dos riscos para transacções comerciais das empresas suas seguradas, entre as quais a I…, S.L., com a A., para evitar consequências civis e criminais daí resultantes.
Em Maio de 2007, a A. encomendou à J…, S.A., da …, sociedade segurada da Ré, material galvanizado para o exercício da sua actividade, tendo esta informado a A. de que não havia nenhum plafond por parte da empresa de créditos, o que a obrigou a exigir o pagamento contra entrega.
A Ré mantinha, em Maio de 2007, a informação que transmitira às suas seguradas tanto em Portugal como em Espanha, segundo a qual a A. era devedora e não cumpria os seus pagamentos, quando a dívida que deu origem a este registo já se encontrava regularizada desde Julho/Agosto de 2006, como a Ré bem sabia.
Em Junho de 2008, a A. encomendou à K…, S.A., com sede em …, diverso material para o exercício da sua actividade, tendo nessa mesma data sido informada por esta empresa, que trabalha com a Ré, que esta havia retirado a cobertura de crédito que existia por referência à A., não lhe sendo possível efectuar o fornecimento a crédito à A. enquanto a situação se mantivesse.
Também a sociedade L…, S.A., com sede na …, sua fornecedora, em Agosto de 2008, confrontada com essa situação, recusou conceder-lhe crédito.
A Ré manteve e mantém em vigor e divulgou e divulga a informação de que a A. não é uma empresa credível e tem débitos em atraso a fornecedores, o que não corresponde à verdade. Perante isso, a A. ficou com dificuldades em encontrar um fornecedor que quisesse negociar com ela, e o seu negócio ressentiu-se, sobretudo com a perda de negócios e, consequentemente, a perda crescente de lucros. Ficou descredibilizada e desmoralizou a empresa e os seus trabalhadores.

A Ré contestou, defendendo-se por excepção e impugnação, suscitando naquela forma de defesa a incompetência absoluta do tribunal, alegando que a A. dirigiu a presente acção contra C…, S.A., com domicílio em Portugal na …, .. – .º, Escritório …, ….-… Porto, morada em que funciona a C…, S.A. (SUCURSAL EM PORTUGAL), com o número de identificação fiscal ………, sendo aquela uma sociedade de direito espanhol, com Cédula de Identificación Fiscal A-…….., inscrita no Registro Mercantil de Madrid sob a folha M-171144, com sede no …, nº. ., em Madrid, Espanha. Em conformidade com o disposto no art. 2º do Regulamento (CE) nº. 44/2001, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem, em princípio, ser demandadas perante o Tribunal desse Estado, independentemente da sua nacionalidade e, para as pessoas colectivas, o art. 60 daquele diploma legal estatui que as mesmas têm domicílio no lugar em que tiverem a sua sede, a sua administração central ou o seu estabelecimento principal. A Ré tem a sua sede, a sua administração e o seu estabelecimento principal em Madrid, pelo que, em princípio, deve ser sempre demandada naquele Estado. Em matéria extracontratual admite-se, contudo, desvios àquela regra, pois, nos termos do disposto no art. 5º daquele Regulamento, a pessoa pode ser demandada perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso, sendo que os factos relatados pela A. e que fundamentam o seu putativo direito indemnizatório dizem respeito a supostas comunicações feitas pela Ré em Espanha e perante o direito espanhol sediadas naquele País. Nessa conformidade e à luz do disposto no Regulamento (CE) 44/2001, os tribunais competentes serão sempre os do Reino de Espanha, não podendo ser apostas as regras internas dos Estados-membros sobre a competência internacional, no caso, as do art. 65º do Código de Processo Civil.
Conclui, pela incompetência absoluta deste tribunal e, consequente, absolvição da instância.

A A. replicou, pronunciando-se pela improcedência da excepção deduzida, com fundamento no disposto no art. 86º, nº 2, 2ª parte e 72º, nº 2, do C.P.C. e 774º, do C.C.

Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção e declarou absolutamente incompetente o Tribunal de Vila Real, por não ser internacionalmente competente, absolvendo a Ré da instância.

II.
Recorreu a A., concluindo:
1. Não assiste razão ao ilustre Juiz do Tribunal recorrido, porquanto se considera que ocorreu incorrecto julgamento da matéria de facto, assim como fez o Tribunal recorrido uma menos correcta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como adiante se vai demonstrar.
2. Dos autos resulta a seguinte factualidade: A C…, S.A. é uma sociedade de direito espanhol, com Cédula de Identificación Fiscal A-…….., inscrita no Registo Mercantil de Madrid sob a folha M-171144, com sede no …, n.º ., em Madrid Espanha; Esta entidade tem sucursal em Portugal denominada C…, S.A. (SUCURSAL EM PORTUGAL); A sucursal da R. tem morada em Portugal na …, .. - .° Escritório …, ….-… Porto; A A. dirigiu a presente acção contra a C…, S.A. com domicílio em Portugal na …, .. - .° Escritório …, ….-… Porto; A citação da Ré foi efectuada nesta morada; A R. apresentou a sua contestação na qual deduziu, entre outras, por excepção a incompetência absoluta do tribunal, nos termos constantes dos autos.
3. O artigo 4° do Regulamento, no seu n° 1, estabelece que: "Se o requerido não tiver domicílio no território de um Estado-Membro, a competência será regulada em cada Estado-Membro pela lei desse Estado-Membro, sem prejuízo da aplicação do disposto nos artigos 22° e 23°."
4. A lei interna portuguesa define o Domicílio nos artigos 82° e seguintes do Código Civil Português.
5. Na lei adjectiva interna portuguesa, a regra geral para as pessoas colectivas e sociedades está prevista no artigo 86°, n° 2 do C.P.C.
6. Aí se dispõe que: “Mas a acção contra pessoas colectivas ou sociedades estrangeiras que tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação em Portugal pode ser proposta no tribunal da sede destas, ainda que seja pedida a citação da administração principal. "
7. Ora, no caso dos autos, a acção é dirigida contra pessoa colectiva ou sociedade estrangeira, a qual tem sucursal em Portugal, pelo que a acção pode ser proposta no Tribunal da sede desta, em Portugal, ainda que tivesse sido pedida a citação da administração principal.
8. Desta maneira, verifica-se face às regras internas e comunitárias a competência absoluta, em razão da nacionalidade, para que os tribunais portugueses, designadamente o Tribunal Judicial de Vila Real, possa conhecer da acção instaurada pela A..
9. Acresce que a competência internacional dos tribunais portugueses, para além de tudo o mais, depende de ter o réu ou algum dos réus domicílio em território português - artigo 65°, n.º 1, a) do C.P.C..
10. E, para efeitos desta alínea a), refere ainda o artigo 65°, n° 2 do C.P.C. que considera-se domiciliada em Portugal a pessoa colectiva que aqui tenha sucursal, agência, filial ou delegação, o que é o caso da pessoa colectiva R. nesta acção judicial.
11. Por outro lado, constituiria para a A. dificuldade apreciável a propositura da acção no estrangeiro, sendo que entre o objecto do litígio e a ordem jurídica nacional existe elemento ponderoso de conexão, pessoal.
12. Pelo que o Tribunal português é o competente para o julgamento da presente acção judicial, à luz também do disposto no artigo 65°, n° 1, d) do CP.C..
13. O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 4°, n.º 1 do Regulamento, 82° e ss. do C.C., 65°, n° 1, d), n.º 2 e 86°, n° 2 do CP.C.
14. Por último, nesta parte, mais se dirá que a incompetência que poderia existir nos autos só poderia ser relativa, por referência à sede da sucursal da R. na …, .. - .° Escritório …, ….-… Porto.
15. Tal poderia determinar a incompetência relativa do Tribunal ao abrigo das disposições dos artigos 108° e ss. do C.P.C., a qual, como excepção dilatória, obrigaria a remessa do processo para outro Tribunal - artigo 493°, n.º 2 do C.P.C., no caso o Tribunal Judicial da Comarca do Porto.
16. Pelo que, também por esta via, nunca se verifica a incompetência absoluta do Tribunal como decretado na decisão recorrida, que assim viola também o disposto nos artigos 108° e ss. do C.P.C. e 493°, n.º 2 do C.P.C..
17. Porém, também esta hipótese de incompetência relativa do Tribunal Judicial de Vila Real não se verifica, sobretudo atendendo ao que infra se vai demonstrar.
18. A presente acção judicial funda-se na responsabilidade civil extracontratual, decorrente da conduta da R. de violação do bom nome, crédito e imagem da A. alegada na p.i. ter gerado para a A. prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
19. Os requisitos da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, plasmada nos artigos 483° e ss. do C.C. são os seguintes: o facto; a í1icitude; a imputação do facto ao agente; a culpa; o dano; o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
20. Neste quadro, como se refere no artigo 3°, n° 1 do Regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7.
21. Sendo que o artigo 5°, n° 2 do Regulamento, na secção 2 - Competências especiais do Regulamento, ficou estabelecido que uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado membro em matéria extracontratual perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
22. No caso dos autos, atenta a matéria de facto alegada pela A. na sua p.i., tem total aplicação o vertido no Ac. RL de 13.10.1981, CJ, 1981, 4° - 111, segundo o qual "Uma carta ou um telefonema feitos no Porto e considerados ofensivos, mas que foram dirigidos para e recebidos em Lisboa, determinam ser a comarca de Lisboa a competente nos termos do artigo 74°, n.º 2 do C.P.C. para a acção destinada a efectivar a responsabilidade civil".
23. Desta maneira, na presente acção judicial apesar das comunicações terem sido feitas a partir de Espanha, o certo é que foram dirigidas e recebidas em Portugal por diversos fornecedores portugueses da A..
24. Tendo estes fornecedores comunicado à A. o sucedido decorrente da conduta da R..
25. Do que a A. acabou por tomar conhecimento na sua sede em Vila Real.
26. Pelo que o facto danoso nos presentes autos ocorreu em Portugal e mais concretamente na cidade de Vila Real, onde está sediada a A..
27. Termos em que o Tribunal competente, em termos absolutos e relativos, é o Tribunal Judicial de Vila Real.
28. O Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 3°, n° 1 e 5°, n° 3 do Regulamento e artigo 74°, n° 2 do C.P.C..
29. A sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que acolhendo o supra alegado julgue o Tribunal Judicial de Vila Real competente para julgar a presente acção judicial e, caso assim não se entenda) considerar-se competente para julgar a acção o Tribunal Judicial da Comarca do Porto para onde o processo deverá ser remetido.
Nestes termos e nos melhores de direito, deve a decisão recorrida ser revogada, e substituída por outra que determine o Tribunal Judicial de Vila Real competente para julgar a presente acção judicial e, caso assim não se entenda, considerar-se competente para julgar a acção o Tribunal Judicial da Comarca do Porto para onde o processo deverá ser remetido, assim se fazendo-se a costumada e boa JUSTIÇA.

A Ré contra-alegou, pedindo a confirmação da decisão.

III.
A questão é a da competência do Tribunal recorrido para conhecer da acção, nomeadamente por estar em causa responsabilidade extracontratual, e o facto danoso se dever ter por praticado em Portugal, ou, quando muito, haver incompetência relativa, sendo competente o Tribunal do Porto, onde está sedeada a sucursal da Ré em Portugal.

IV.
Os factos são os que supra se deixam descritos.

V.
As linhas gerais da questão foram abordadas na decisão recorrida, mormente o enquadramento do Regulamento (CE) n.º 44/2001, mas há alguns aspectos com os quais não concordamos.
Para começar, afigura-se-nos desajustada a referência ao art. 9.º/1-a) do Regulamento.
Com efeito, embora a Ré seja uma seguradora, na acção não está em causa um contrato de seguro ou matéria de seguros, pelo que é de afastar a Secção 3 do Regulamento, epigrafada Competência em matéria de seguros.
Aquilo que se perfila, perante a causa de pedir e o pedido é uma acção de indemnização por responsabilidade civil extracontratual, por a Ré, segundo a A., ter disseminado a informação de que ela era relapsa nos pagamentos aos seus fornecedores de materiais, com isso lhe causando prejuízos, visto que estes se recusaram a vender-lhe a crédito.
Por isso, a norma que interessa é a do art. 5.º/3 do Regulamento, que dá início à Secção 2, epigrafada Competências especiais, segundo a qual Uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.
Precisamente o art. 3.º do Regulamento dispõe:
1. As pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante tribunais de um outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.
2. Contra elas não podem ser invocadas, nomeadamente, as regras de competência nacionais constantes do anexo I.
Assim, não há dúvida que ocorrendo aquele circunstancialismo, será de aplicar aquela regra do art. 5.º/3.
Como se diz no acórdão do STJ de 03.03.2005[1], que parece ter sido seguido na decisão recorrida, o art. 5.º/3 funda-se no princípio da proximidade ou forum conveniens.
Quanto à questão de saber qual o lugar onde ocorreu o facto danoso, o Tribunal das Comunidades decidiu que o réu pode ser demandado, por escolha do autor, perante o tribunal onde o dano emergiu, ou perante o tribunal do lugar do acontecimento causal que originou o dano[2].
Perante isto, Neves Ribeiro[3] questiona-se sobre qual é o local da produção do dano, do resultado ou do efeito danoso, dizendo que prevalece a ideia de o mesmo se apurar em cada caso, consoante o maior ou menor grau de conexão com o foro demandado. Mas considera que o facto danoso, para efeitos da norma do Regulamento, é a acção ou omissão, o resultado ou o efeito lesivo.
No acórdão que vimos seguindo, invoca-se o aresto do Tribunal das Comunidades Europeias de 10.06.2004, no qual se refere que “segundo jurisprudência assente, a regra enunciada no art. 5.º, ponto 3, da convenção (há uma correspondência quase total entre este preceito da CBrux. e o correspondente art. do Reg.) é fundada na existência de uma conexão particularmente estreita entre o litígio e tribunais diferentes dos do domicílio do requerido, que justifica uma atribuição de competência a esses tribunais por razões de boa administração da justiça e de organização útil do processo”. E ainda que o Tribunal de Justiça das Comunidades já declarou que “caso o lugar onde se situa o facto susceptível de implicar uma responsabilidade extracontratual não coincida com o lugar onde esse facto provocou o dano, a expressão «lugar onde ocorreu o facto danoso», que figura no art. 5.º, ponto 3, da convenção, deve ser entendida no sentido de que se refere simultaneamente ao lugar onde o dano se verificou e ao lugar onde ocorreu o evento causal na origem deste dano, de modo que o requerido pode ser demandado, consoante a opção do requerente, perante o tribunal de um ou outro desses dois lugares”.
O acórdão acentua que a este entendimento está subjacente um sistema de responsabilidade civil extracontratual assente em dois elementos constitutivos essenciais: o facto ilícito ou delito; e o dano. Pelo que a ratio do art. 5.º/3 (facilitar a produção da prova e a organização do processo) justifica plenamente considerar que na aferição da competência deve ser atribuída igual relevância a ambos os elementos essenciais constitutivos da responsabilidade.
Este é o entendimento de Miguel Teixeira de Sousa[4], que afirma que nas “acções relativas a matéria extracontratual, a parte pode ser demandada perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso (art. 5.º/3 CBrux.); se o lugar desse facto não coincidir com o do dano, a acção pode ser instaurada no tribunal deste último”.
E considera o acórdão do Supremo “na esteira da jurisprudência do TJCE, que no caso das acções fundadas em responsabilidade civil extracontratual, quando o lugar do facto e o lugar do dano, seus pressupostos, não coincidem, tanto são competentes os tribunais do Estado contratante em cujo território se verificou o facto ilícito gerador da responsabilidade, como os tribunais do Estado contratante em cujo território se verificou o dano”.

De posse destes considerandos, atentemos no que diz a A. na p.i.
Em Novembro de 2006 a A. encomendou à I…, S.L., com sede em … (Astúrias), sociedade espanhola segurada pela Ré, o fornecimento de diverso material para o exercício da sua actividade em Portugal, a qual a informou que o risco de crédito tinha sido reduzido a zero euros por parte da Ré, pelo que se via obrigada a exigir o pagamento adiantado do preço da encomenda. A A. insistiu junto da E…, em 13/11/2006 e 14/11/2006, que fosse retirada como devedora do Registo de Morosos, solicitando-lhe o envio imediato e com carácter de urgência de toda a informação à Ré, de modo a que esta pudesse restabelecer a cobertura dos riscos para transacções comerciais das empresas suas seguradas, entre as quais a I…, S.L., com a A., para evitar consequências civis e criminais daí resultantes.
Em Maio de 2007, a A. encomendou à J…, S.A., da …, sociedade segurada da R., material galvanizado para o exercício da sua actividade, tendo esta informado a A. que não havia nenhum plafond por parte da empresa de créditos, o que a obrigou a exigir o pagamento na forma de contra entrega.
A Ré mantinha, em Maio de 2007, a informação que transmitira às suas seguradas tanto em Portugal como em Espanha, segundo a qual a A. era devedora e não cumpria os seus pagamentos, quando a dívida que deu origem a este registo já se encontrava regularizada desde Julho/Agosto de 2006, como a Ré bem sabia.
Em Junho de 2008, a A. encomendou à K…, S.A., com sede em …, diverso material para o exercício da sua actividade, tendo nessa mesma data sido informada por esta empresa de que trabalha com a Ré, que havia retirado a cobertura de crédito que existia por referência à A., não lhe sendo possível efectuar o fornecimento a crédito à A. enquanto a situação se mantivesse.
Também a sociedade L…, S.A., com sede na …, sua fornecedora, em Agosto de 2008, confrontada com essa situação, recusou conceder-lhe crédito.
A Ré manteve e mantém em vigor e divulgou e divulga a informação de que a A. não é uma empresa credível e tem débitos em atraso a fornecedores, o que não corresponde à verdade. Perante isso, a A. ficou com dificuldades em encontrar um fornecedor que quisesse negociar com ela, e o seu negócio ressentiu-se, sobretudo com a perda de negócios e, consequentemente, a perda crescente de lucros, ficou descredibilizada e desmoralizou a empresa e os seus trabalhadores.

Relativamente às sociedades portuguesas a quem a A. encomendou produtos e que lhe exigiram ou o pagamento simultâneo ou lhe recusaram os fornecimentos, sempre o facto danoso terá sido cometido em Portugal, pois terá sido para a respectiva sede que a Ré enviou a informação questionada pela A., embora não necessariamente na área onde a A. tem a sua sede.
Mas em relação a todas as sociedades, quer portuguesas quer espanholas, não há dúvida que as consequências do facto danoso, isto é, o lugar onde o dano se verificou só pode ser o da sede da A.
E assim, é competente o Tribunal a quo, à luz do art. 5.º/3 do Regulamento.

Posto isto, revoga-se a decisão recorrida e declara-se a competência internacional do Tribunal Judicial de Vila Real.

Custas pela apelada.

Porto, 10 de Maio de 2012
Trajano A. Seabra Teles de Menezes e Melo
Mário Manuel Baptista Fernandes
Leonel Gentil Marado Serôdio
_________________
[1] Processo: 04A4283, www.dgsj.pt
[2] Acórdão C-21/76, de 30.11, citado no acórdão do Supremo atrás referenciado
[3] Processo Civil da União Europeia, citado no mesmo acórdão do Supremo
[4] A Competência Declarativa dos Tribunais Comuns, p. 72, citado no acórdão do Supremo