Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1979/15.3PAVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: RP202002121979/15.3PAVNG.P1
Data do Acordão: 02/12/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: PROVIDO O RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Embora resulte do disposto o artigo 11º da Lei nº 37/2015, de 05/05 (Lei da Identificação Criminal) que o cancelamento dos registos decorre do decurso de determinados prazos, variáveis consoante a medida da pena cumprida, esta regra não é absoluta, pois que assim não acontecerá se entretanto tiver ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.
II – Qualquer reclamação sobre o conteúdo da informação constante do registo criminal deve ser decidida pelo Director-Geral da Administração da Justiça, a quem compete a respectiva apreciação, havendo recurso sobre a legalidade do conteúdo dos referidos certificados para o tribunal de execução de penas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 1979/15.3PAVNG.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 1

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
No âmbito do Processo Comum Colectivo n.º 1979/15.3PAVNG, a correr termos no Juízo Central Criminal de Vila Nova de Gaia, Juiz 1, por acórdão de 15-02-2019, foi decidido condenar o arguido B…, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 2, al. e), do CPenal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, solicitando a revogação da sentença e a sua substituição por decisão que determine a suspensão da execução da pena de prisão, tanto mais que os antecedentes criminais que foram tidos em consideração já não deviam constar do seu CRC.
Apresenta nesse sentido as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1. O presente recurso tem como objecto a matéria de direito do Acórdão proferido nos presentes autos, o qual condenou o arguido na pena de 3 (três) anos de prisão efectiva.
2. Entendemos que o Tribunal a quo não ponderou, na fixação da medida da pena todos os factores relevantes para o efeito que, por imposição legal, deveria ter considerado.
3. Nomeadamente, não considerou como circunstâncias atenuantes da culpa do agente, o comportamento que o recorrente tem mantido após a última condenação (2010) assim como o tempo já decorrido sobre aquela.
4. A pena a que o Tribunal a quo condenou o recorrente ultrapassa os limites da sua culpa, revela-se desproporcional às necessidades de prevenção geral e especial que o caso reclama, desadequada à concreta finalidade da ressocialização do agente.
5. Dos factos provados podemos constatar que existem factores favoráveis à opção pela suspensão.
6. A favor do agente depõe:
- a integração familiar e social;
- o facto de beneficiar de apoio de terceiros, nomeadamente os pais com quem reside;
- a motivação para infletir o modo de vida outrora assumido, apresentando-se hoje em dia como um indivíduo completamente afastado da criminalidade;
- a última condenação sofrida remonta a 2010.
7. Quanto à integração familiar e social, refira-se a sua integração no agregado composto pelos pais, com quem reside e que o apoiam e que são apoiados pelo recorrente.
8. Refira-se também que, apesar de auferir uma parca reforma de invalidez, no valor de 305,00€ (trezentos e cinco euros) mensais, contribui para as despesas do agregado familiar.
9. Ora, a suspensão da execução surge como um nítido factor de inclusão social, optando-se, ao fim e ao cabo, por manter o condenado em liberdade, ainda que limitada por certos deveres ou condições ou mesmo sujeito a regime de prova, possibilitando que se mantenham ou incrementem as condições de sociabilidade e evitando-se os riscos de fractura familiar, social ou laboral.
10. Paralelamente, e não menos importante, deverá ser ponderada a circunstância de a sua última condenação já remontar a 2010.
11. A este propósito diga-se que o recorrente considera que os antecedentes criminais não deveriam constar no seu certificado do registo criminal e, por conseguinte, não deveriam ter sido atendidos aquando da escolha da pena.
12. Os antecedentes criminais do arguido foram sopesados e valorados contra ele, ou seja, como circunstância agravante geral. E foram-no, apesar de já não deverem (poderem) constar do CRC.
13. A lei (n.º 57/1998 e, depois, a n.º 37/2015) é inequívoca ao determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos.
14. Finalmente, diga-se que, de acordo com a lei penal portuguesa, o julgador tem o poder-dever de, consideradas as exigências de cada caso concreto, preterir as penas privativas da liberdade face às não privativas da liberdade, o que não se verificou, sendo desproporcionada e desadequada a aplicação de uma pena de prisão efectiva, no caso concreto dos presentes autos.
15. Assim, e tendo em linha de conta todo o supra alegado considera-se ser de admitir a suspensão da pena de prisão.»
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O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela sua improcedência e pela manutenção da sentença recorrida.
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Já neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deviam ser considerados como inexistentes e de nenhum efeito os antecedentes criminais do arguido e devia ser dado provimento ao recurso, aplicando-se ao mesmo a pena de três anos de prisão mas suspensa na sua execução com a obrigação do pagamento da importância de € 1000 aos lesados a efectuar durante o período da suspensão da execução da pena, de forma a reparar minimamente o mal provocado pelo crime.
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Notificado deste parecer nos termos e para os efeitos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o recorrente nada disse.
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É do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados e fundamentação da escolha e medida da pena constantes da decisão recorrida (transcrição):
«FUNDAMENTAÇÃO
FACTOS PROVADOS
1º- No período compreendido entre as 12h00 do dia 27 de Outubro de 2015 e as 19h00 do dia 28 de Outubro de 2015, fazendo-se transportar no veículo de matrícula ..-..-ND, de marca “Opel”, modelo “…” a si pertencente, o arguido B… dirigiu-se à residência/moradia de C… e de D…, situada na Rua …, na união das freguesias …, nesta cidade de Vila Nova de Gaia, que estava desabitada, com o intuito de se apoderar de artigos com valor comercial que aí encontrasse.
2º- Lá chegado, depois de ter entrado penetrado por forma não concretamente apurada no logradouro de tal moradia que se encontra vedado por um muro e um portão, dirigiu-se à porta das traseiras que dá acesso à cozinha.
Aí rebentou a fechadura de tal porta, retirou a mesma e entrou no interior da casa.
3º- Aí apoderou-se de uma máquina de lavar louça, de marca “AEG”, de um fogão, do motor de um frigorífico, de uma mesa de jogo, de quatro cadeiras em madeira, da referida porta da cozinha em alumínio e dos faróis do veículo de marca “Volkswagen”, modelo “…”, que estava estacionado na garagem da moradia, artigos estes no valor total de euros 1.000,00, ausentando-se na posse dos mesmos.
4º- Ao actuar como se descreveu o arguido B… fê-lo com a intenção alcançada de se introduzir da forma supra descrita no interior da referida habitação e se apoderar dos mencionados artigos e deles fazer coisa sua, apesar de saber que não estava autorizado a aí entrar, que os mesmos lhe não pertenciam e que agia contra a vontade e sem o consentimento dos seus proprietários.
5º- Agiu livre, voluntária e conscientemente e embora soubesse que praticava factos ilícitos e criminalmente puníveis não se inibiu de os concretizar.
6º- À data dos factos em apreço o arguido já havia sido condenado em tribunal nos termos que constam do seu Crc de fls. 99 a 107 que aqui se reproduz para todos os efeitos legais destacando-se:
a) A pena de 7 meses de prisão integralmente perdoada pela prática, em 16-07-1993, de um crime de burla.
Decisão de 11-05-1995.
b) A pena única de 15 meses de prisão suspensa na sua execução por dois anos pela prática, em 25-06-1995, de crimes de burla e falsificação.
Decisão de 10-05-1999, transitada em julgado a 25-05-1999.
c) A pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por três anos pela prática, em 28-06-1993, de um crime de furto qualificado.
Decisão de 9-11-1999, transitada em julgado a 24-11-1999.
d) A pena de 7 meses de prisão suspensa na sua execução por três anos pela prática, em 15-11-1998, de um crime de furto.
Decisão de 05-02-01.
e) A pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por três anos pela prática, em 24-04-2002, de um crime de furto qualificado.
Decisão de 7-02-2003, transitada em julgado em 24-02-2003.
f) A pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e 6 meses pela prática, em 18-09-2000, de um crime de furto simples.
Decisão de 24-04-2003, transitada em julgado a 9-05-2003.
g) A pena de 2 anos e 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 2 anos e 3 meses pela prática, em 11-07-1999, de um crime de furto qualificado.
Decisão de 14-07-2003, transitada em julgado a 29-09-2003.
h) A pena de 100 dias de multa pela prática, em 15-08-2001, de um crime de desobediência.
Decisão de 24-10-2003, transitada em julgado a 13-11-2003
i) A pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução por igual período pela prática, em 20-02-2002, de um crime de furto qualificado.
Decisão de 27-01-2004, transitada em julgado a 12-02-2004.
j) A pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução por três anos pela prática, em 2001, de um crime de furto qualificado.
Decisão de 17-02-2004, transitada em julgado a 03-03-2004.
l) A pena de 130 dias de multa pela prática, em 12-09-2001, de um crime de desobediência.
Decisão de 28-04-2004, transitada em julgado a 28-04-2004.
m) A pena de 3 anos de prisão pela prática de um crime de furto qualificado em 31-07- 2001.
Decisão de 25-02-2004, transitada em julgado a 31-01-2005.
n) A pena de 2 anos e 4 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado em 26-05-2001.
Decisão de 03-11-2005, transitada em julgado a 18-11-2005.
o) A pena de 3 anos de prisão suspensa na sua execução por igual período pela prática de um crime de furto simples em 28-10-2001.
Decisão de 26-03-2008, transitada em julgado a 15-04-2008.
p) A pena de 2 anos e 8 meses de prisão pela prática de um crime de furto qualificado em 07-02-2002.
Decisão de 17-12-2009, transitada em julgado a 03-03-2010.
7º- Por decisão de 17-11-2008, em cúmulo jurídico de algumas das penas supra referida foi-lhe aplicada a pena única de 6 aos e 6 meses de prisão que cumpriu até 19-10-2010, tendo estado em liberdade condicional desde 07-07-2009. À data dos factos o arguido já havia sido condenado em tribunal pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 250 dias de multa.
8º- O arguido é portador do vírus HIV.
O arguido é solteiro e reside com os seus pais.
Completou o 9º ano de escolaridade.
Aufere uma pensão de euros 305 mensais.

FACTOS NÃO PROVADOS
Nada mais se provou, designadamente, que o arguido para aceder ao logradouro da moradia em causa tenha saltado o respectivo muro e que fosse superior a euros 1.000,00 o valor dos objectos referidos em 3º dos factos provados.
(…)
DA MEDIDA DA PENA
Dispõe o artº 71 do C.Penal que a determinação concreta da medida da pena se faz, dentro da moldura penal abstracta, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção de futuros crimes, atendendo-se às circunstâncias que deponham a favor e contra o agente e que não façam parte do tipo de crime.

Inexistem circunstâncias atenuantes.
Como circunstâncias agravantes importa considerar:
1º- A elevada intensidade do dolo (directo).
2º- Os antecedentes criminais do arguido sendo que à data dos factos já havia sido condenado em tribunal pela prática de cerca de 11 crimes de furto, dois crimes de burla e dois crimes de desobediência.
As circunstâncias de prevenção especial apresentam elevado relevo.
As circunstâncias de prevenção geral presentes neste caso são de mediano relevo.
Atentas as circunstâncias supra-enunciadas a pena concreta deverá ser superior ao limite mínimo legal previsto decidindo-se fixar a mesma em 3 anos de prisão.

Da (não) suspensão da pena de prisão
Nos termos do disposto no art. 50º, nº 1 do Código Penal “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Ponderadas os inúmeros antecedentes criminais do arguido e a inexistência de qualquer acto ou conduta da parte nesse sentido entende-se que no caso concreto não se encontram reunidas quaisquer condições que permitam ao tribunal fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido B….
De facto o Tribunal não vislumbra, com a segurança e certezas necessárias, que o arguido não venha, no futuro a repetir, o cometimento de novos factos ilícitos típicos.
Nestes termos, resta concluir, só o cumprimento de uma pena efectiva de prisão se mostra suficiente para afastar o arguido da prática de factos ilícitos semelhantes aos cometidos nos autos.
Assim sendo, a pena de prisão a impor ao arguido não será suspensa na sua execução.»
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
Nas conclusões que o recorrente formulou a única questão que é colocada à apreciação deste Tribunal de recurso é a de saber se a pena de 3 (três) anos de prisão efectiva foi incorrectamente aplicada e se deve tal decisão ser substituída por outra que determine a suspensão da execução da pena de prisão, tanto mais que o CRC do recorrente não devia registar antecedentes criminais.
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Vejamos.
Começando por esta última parcela da argumentação do recorrente, a questão do teor do seu CRC, importa salientar que os Tribunais de recurso não podem apreciar “questões novas” que não hajam sido suscitadas junto da 1.ª Instância e perante as quais não foi dada oportunidade ao Tribunal a quo de emitir pronúncia[2].
Está em causa o teor do documento em que o Tribunal a quo fundamentou a fixação dos factos provados quando aos antecedentes criminais do arguido.
A validade da prova subjacente à fixação da matéria de facto não é questão de conhecimento oficioso pelos Tribunais de recurso, razão pela qual, não sendo invocada, não é apreciada pela 2.ª Instância.
Do exposto resulta que, não sendo a validade dos meios de prova subjacentes à fixação dos factos provados e não provados questão de conhecimento oficioso pelos Tribunais de recurso, e não decorrendo dos autos que a validade ou correcção da concreta prova que fundamentou a fixação dos antecedentes criminais do arguido tivesse sido, em momento algum, suscitada no decurso do julgamento, designadamente com algum requerimento para averiguação da validade do seu teor, nem tão-pouco o Tribunal a quo a analisou – não imputando o recorrente à decisão recorrida o vício da omissão de pronúncia quanto à apreciação de questão que haja sido colocada a este propósito –, a respectiva apreciação por este Tribunal de recurso constituiria apreciação de “questão nova” que lhe está vedada por lei.
Importa realçar em complemento que, embora resulte do disposto no art. 11.º da Lei da Identificação Criminal (Lei 37/2015, de 05-05) que o cancelamento dos registos decorre do decurso de determinados prazos, variáveis consoante a medida da pena cumprida, esta regra não é absoluta, pois assim não acontecerá se, entretanto, tiver ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.
Por outro lado, qualquer reclamação sobre o conteúdo da informação sobre registo criminal deve ser decidida pelo diretor-geral da Administração da Justiça, a quem compete a respectiva apreciação, havendo recurso sobre a legalidade do conteúdo dos certificados do registo criminal para o tribunal de execução das penas (art. 42.º da Lei da Identificação Criminal).
Significa isto que a questão da correcção do teor do certificado de registo criminal não resulta de uma aplicação automática da lei, impondo a necessidade de averiguações, que no caso não foram suscitadas no processo, não reflectindo o processo, até à fase de recurso, qualquer dúvida sobre o teor do CRC que consta dos autos.
Nenhuma alteração se impõe, assim, determinar neste âmbito relativamente à decisão recorrida.
Resta apreciar se a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, à luz dos critérios previstos no art. 50.º do CPenal, é a solução que melhor salvaguarda as finalidades da punição, posto que a medida concreta da pena não foi questionada, nem a mesma revela violação das regras da experiência comum ou manifesta desproporção.
Nos termos do apontado preceito, o tribunal deve suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos quando, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição, conforme resulta do disposto no art. 40.º do CPenal, são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
O que os factos provados nestes autos demonstram é que as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir no caso concreto são bastante elevadas tendo em conta todo o passado criminal do arguido, iniciado em 1993, especialmente focado no cometimento de crimes de furto, simples e qualificados, a que se alia um quadro económico deficitário, pois o mesmo aufere apenas uma pensão de € 305 mensais e vive com os pais, apesar de ter mais de 50 anos, não estando autonomizado.
No entanto, é também verdade que nos últimos dez anos apenas se conhece ao arguido o cometimento do crime que aqui se aprecia, tendo já decorrido quase quatro anos e meio desde a ocorrência dos factos respectivos, sem que se conheça ao arguido a prática de novos ilícitos criminais.
Parece assim ter-se tratado de uma recaída isolada no seu percurso de afastamento da delinquência dos últimos dez anos, não havendo qualquer demonstração de um retrocesso total à actividade que desenvolveu na década de 90 e na seguinte.
A decisão recorrida apreciou com correcção a situação do arguido mas não ponderou este último factor, que não é irrelevante na avaliação das necessidades de prevenção especial e das expectativas de comportamento futuro do arguido.
E se pouco mais milita a favor do arguido, é também certo, considerando o seu enquadramento familiar e a gravidade moderada do crime, que não reclama uma punição demasiado firme, que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão, aliada ao cumprimento dos deveres impostos pelo regime de prova e à reparação pecuniária do prejuízo causado aos ofendidos (€ 1000, a pagar no prazo máximo de dois anos, devendo depositar à ordem dos autos metade do valor no primeiro ano de suspensão e a outra metade do segundo), se afigura o suficiente para que o arguido não volte a delinquir, solução que também se apresenta como a que melhor permitirá, em definitivo, a reinserção social do arguido, que, atendendo à sua idade, ou, de facto, se regenerou verdadeiramente e teve apenas um deslize, continuando agora um percurso de rectidão e cumprimento do direito, ou voltará em breve a perder a liberdade.
De acordo com o disposto no art. 50.º, n.º 1, do CPenal, o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos.
Considerando os antecedentes criminais do arguido e a necessidade de garantir que a sua conduta não passou, de facto, de uma recaída isolada, o prazo de cinco anos de suspensão seria o adequado à perfeita salvaguarda das finalidades da punição.
Contudo, à data dos factos o regime vigente (redacção do art. 50.º, n.º 5, do CPenal introduzida pela Lei 59/2007, de 04-09) determinava que o período de suspensão tinha duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca seria inferior a um ano.
Este regime mostra-se em concreto mais favorável ao arguido, já que o período de suspensão decorrente do mesmo deve ser fixado em três anos, sendo, por isso, de aplicar nos termos do art. 2.º, n.º 4, do CPenal.
Entende-se, pois, que o recurso merece provimento nos termos e condições mencionados.
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III. Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido B… e, em consequência, determinar a suspensão da execução da pena de 3 (três) anos de prisão que lhe foi aplicada por igual período de 3 (três) anos, com sujeição a regime de prova e à obrigação de pagar aos ofendidos, no prazo máximo de dois anos, a quantia de € 1000, devendo depositar à ordem dos autos metade do valor no primeiro ano de suspensão e a outra metade do segundo.
Sem tributação (art. 513.º, n.º 1, do CPPenal).

Porto, 12 de Fevereiro de 2020
(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora)
Maria Joana Grácio
Paulo Costa
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[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Neste sentido, que é pacífico, veja-se, entre muitos outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-11-2018, Proc. n.º 1079/15.6JAPRT.P1.S1 - 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos), segundo o qual: «De acordo com o art. 608.º, n.º 2, ex vi arts. 663.º, n.º 2, e 679.º do CPC, ex vi art. 4.º do CPP, ao tribunal de recurso não compete conhecer de “questões novas”, mas antes reapreciar a decisão sob recurso nas vertentes que lhe foram colocadas, a não ser que se trate de questões cujo conhecimento se mostre oficioso.»