Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
0733779
Nº Convencional: JTRP00040763
Relator: AMARAL FERREIRA
Descritores: ACÇÃO
EXCLUSÃO DE SÓCIO
CAUSA DE PEDIR
LITISPENDÊNCIA
Nº do Documento: RP20071010733779
Data do Acordão: 10/15/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: PROVIDO.
Indicações Eventuais: LIVRO 734 - FLS 133.
Área Temática: .
Sumário: I – Muito embora seja requisito, pressuposto ou condição de procedência da acção de exclusão de sócio que a sociedade delibere – validamente – a propositura da acção, a causa de pedir da mesma não é, própria ou essencialmente, constituída por tal deliberação, mas sim pelos factos especificados nessa deliberação, em que ela se funda, e em que deve fundar-se a acção de que foi deliberada a propositura, ou seja, em último termo, pelos factos (concretos) que servem de fundamento da exclusão pretendida.
II – A pendência simultânea de acção que visa a exclusão de sócio e de acção em que é pedida a anulação da deliberação social de propositura daquela primeira acção não configura litispendência.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO.

1. “B………., Ldª”, com sede na Rua ………., …, ………., Porto, instaurou em 11/7/2006, no Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, contra “C………., Ldª”, com sede na ………., …, Porto, acção de anulação de deliberações sociais, a que foi atribuído o nº ….06.6TYVNG, pedindo se declare anulada a deliberação social, tomada na assembleia geral da R., realizada em 13/06/2006, que deliberou a sua exclusão de sócia.
Alega para tanto, em resumo, que é detentora de 25% do capital social da R., e que a deliberação em causa - a que esteve presente e na qual usou da palavra pronunciando-se contra ela -, baseando-se em propositura de acções judiciais sem fundamento, tentativa de negociação da sua quota, por valores faraónicos e atrasos no projecto de loteamento …/93, derivados de acções judiciais por ela propostas, é totalmente arbitrária e abusiva.

2. Citada em 20/7/2006, contestou a R. que, além de impugnar parcialmente a factualidade alegada pela A., invocou a excepção dilatória da litispendência, com o fundamento de que a deliberação cuja anulação é peticionada constitui pressuposto necessário da acção de exclusão de sócio, acção essa que instaurou contra a ora A. e que, com o registo nº …/06.9TYVNG, foi distribuída ao mesmo Juízo do Tribunal recorrido - .º Juízo -, a qual deu entrada em juízo em 19/6/2006 e já foi contestada pela aqui A..

3. Replicou a A. no sentido da improcedência da excepção de litispendência, por inexistência de identidade de causa de pedir e de pedido.

4. Ordenada a junção aos autos dos articulados da acção nº …/06.9TYVNG - fls. 147 e seguintes -, foi proferido despacho saneador que, julgando procedente a excepção invocada pela R., a absolveu da instância.

5. Dele interpôs recurso a A., que foi admitido como de apelação e efeito devolutivo, apresentando alegações em que formulou as seguintes conclusões:
1ª: A sentença recorrida não pode manter-se sendo que não se verifica litispendência entre a presente causa e a acção de exclusão de sócio, pendendo mesmo neste mesmo Tribunal, sob o nº …/06.9, cujo objecto se encontra certificado a fls. 147 e seguintes.
2ª: Na verdade, a excepção de litispendência pressupõe a repetição de uma causa, sendo necessário que exista entre ambas as causas uma tríplice identidade: de sujeitos, de pedidos e de causa de pedir.
3ª: Entre a presente acção e a acção de exclusão de sócio, apenas se verifica a identidade de sujeitos a que se refere o nº 2 do artigo 498º do Código de Processo Civil, não existindo identidade de causas de pedir e de pedidos, a que se referem os nºs 3 e 4 dessa disposição legal.
4ª: Por outro lado, entre a presente causa e a acção de exclusão de sócio identificada existe tão só uma relação de dependência e de prejudicialidade, integrando esta acção causa prejudicial da acção de exclusão de sócio, uma vez que visa anular a deliberação de exclusão de sócio, que constitui um pressuposto da procedência daquela acção.
5ª: Existe, assim, uma relação de dependência entre as duas causas que se apresentam distintas, quer do ponto de vista dos pedidos, quer das causas de pedir.
6ª: Contrariamente ao decidido, a presente acção não repete a anterior, desde logo porque visa anular a deliberação de exclusão de sócio e não contestar os fundamentos invocados para a deliberação de exclusão, em virtude da deliberação em causa ter sido tomada com abuso do direito, nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CSC.
7ª: Isto posto, o certo é que por despacho proferido em momento anterior à sentença recorrida, o Tribunal decidira suspender a acção de exclusão de sócio pendente no mesmo juízo até haver decisão nesta causa, tendo concluído que existia entre ambas as duas acções a relação de prejudicialidade a que se refere o nº 1 do artigo 279º do CPC.
8ª: Face a esse despacho, não existe qualquer risco do tribunal se contradizer ou reproduzir uma decisão anterior, verdadeiro fundamento da excepção de litispendência, nos termos do nº 2 do artigo 497º do Código de Processo Civil, pelo que a decisão recorrida carece de fundamento.
9ª: Aliás, não pode aceitar-se que o tribunal recorrido, num primeiro momento tenha decidido que existia entre as duas causas uma relação de prejudicialidade e, num segundo momento, sem anular aquela decisão anterior, venha concluir que afinal esta causa repete a outra.
10ª: Em suma, a presente acção – porque aprecia a validade de uma deliberação que se revela necessária à propositura da acção de exclusão de sócio – integra causa prejudicial daquela e não causa idêntica àquela.
11ª: Não se aceita ainda como válida a argumentação da sentença recorrida na parte em que analisa os “intuitos” da presente acção, considerando as datas de propositura das acções, uma vez que para apreciação da existência de uma relação de prejudicialidade entre duas causas, apenas importa que esteja pendente, para além de que é inegável o direito da Autora obter a anulação da deliberação tomada, direito este que foi exercido.
12ª: Por outro lado, a decisão recorrida não adoptou a definição de causa de pedir que tem vindo a ser acolhida pela jurisprudência nacional, para efeito de apreciação da excepção de litispendência.
13ª: Com efeito, para apreciação da excepção de litispendência, deve analisar-se a causa de pedir de forma restritiva, ou seja, esta deve estar intimamente relacionada com a previsão normativa.
14ª: Ora, enquanto na presente acção a causa de pedir visa preencher a previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 58º do CSC; na acção de exclusão de sócio, a causa de pedir é integrada pelo conjunto de factos que visam satisfazer a norma do artigo 242º, nº 1, do CSC.
15ª: Pelo que, também por esta via, se conclui pelo desacerto da decisão recorrida, certo que as causas de pedir, analisadas sob este ponto de vista, não são idênticas.
16ª: Finalmente, não existe identidade de pedidos entre as duas acções, os quais se revelam distintos, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material.
17ª: Com efeito, enquanto na presente acção se pede a anulação de uma deliberação social com fundamento em abuso do direito; na acção de exclusão de sócio pede-se a exclusão do sócio da sociedade.
18ª: pelo que não se verifica a identidade de pedidos a que se refere o nº 3 do artigo 498º do Código de Processo Civil, sendo certo que os efeitos jurídicos pretendidos nas duas causas são formal e materialmente distintos.
19ª: Em suma, não restam dúvidas que entre a presente acção e a acção de exclusão de sócio se verifica a relação de prejudicialidade a que se refere o nº 1 do artº 279º do Código de Processo Civil, que justifica – e efectivamente justificou – a suspensão da acção subordinada (acção de exclusão de sócio) enquanto a acção prejudicial (acção de anulação da deliberação de exclusão de sócio) não estiver definitivamente julgada.
20ª: Pelo que o Tribunal a quo, quando proferiu a decisão recorrida, interpretou de forma deficiente o disposto nos artigos 279º, nº 1, 497º, nº 1 e 2, e 498º, nºs 1, 3 e 4, do Código de Processo Civil, normas essas que foram violadas.
Termos, em que deve o presente recurso merecer provimento, anulando-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.

6. A R. contra alegou, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

7. Admitido o recurso como de agravo, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO.

1. Os factos a considerar para a decisão do agravo são, para além dos que constam do presente relatório, que aqui se dão por reproduzidos, os seguintes, resultantes da certidão dos articulados da acção nº …/06.9TYVNG, junta a fls. 147 e seguintes:
a) Nessa acção, a aí R. e ora A., foi citada em 28/6/2006.
b) Nela a A., aqui R., pede que seja determinada a exclusão da R. como sua sócia, tendo em conta o disposto no artº 242º do Código das Sociedades Comerciais e o seu comportamento desleal e gravemente perturbador do seu funcionamento e os prejuízos relevantíssimos que lhe tem causado, consubstanciado em diversas acções que a ora A. lhe moveu e que identifica, as quais têm perturbado o seu normal funcionamento, causando-lhe prejuízos, na medida em que o sucessivo registo das acções tem impedido o recurso ao crédito bancário, para além de impedir o aumento do seu capital social, de forma a prover aos encargos necessários à concretização de projectos de licenciamento, com o único objectivo de, em actuação contrária aos interesses sociais da aqui R., vender a sua participação social por “valores exorbitantes e absolutamente inaceitáveis”, ao mesmo tempo que recusa adquirir as participações sociais dos restantes sócios por valores bastante inferiores.
c) Na contestação deduzida, a ora A., depois de pugnar pela suspensão da instância por existência de causa prejudicial – a presente acção – e de invocar a excepção peremptória da prescrição, impugna os factos que a aqui R. lhe imputa, mais aduzindo que os factos constantes das propostas da sua exclusão de sócia são falsos, que a acção apenas visa satisfazer os interesses dos seus gerentes, e que a proposta de exclusão foi planeada com espírito vingativo pelo sócio-gerente D………., concluindo pela sua absolvição do pedido.
d) Na acção nº …/06 foi proferido despacho a suspender a instância por se ter considerado que a presente acção era prejudicial em relação a ela.

2. Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (arts. 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do CPCivil), que neles se apreciam questões e não razões e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido, a questão suscitada é a de saber se estamos perante a repetição de uma causa, integrante da excepção dilatória da litispendência, por ocorrência da tríplice identidade a que se refere o artº 498º, nº 1, do Código de Processo Civil (identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir), entre a presente acção e a acção nº …/06.9TYVNG, questão a que o Tribunal recorrido respondeu afirmativamente.

A excepção da litispendência, feita valer quando duas acções estão pendentes, assim como a excepção do caso julgado, feita valer quando uma delas foi já definitivamente julgada, por decisão transitada em julgado, têm na sua base a ideia de repetição - artºs 497º, nº 1, e 498º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (diploma a que pertencerão os demais preceitos legais a citar, sem outra indicação de origem) -, que surge quando os elementos definidores das duas acções são os mesmos.
A primeira das referidas excepções, que é a que interessa agora apreciar, é feita valer na acção que, por via da litispendência, não deva prosseguir, ou seja, naquela para a qual o réu tenha sido citado posteriormente (artº 499º, nº 1) ou, excepcionalmente, naquela que primeiro tenha sido proposta (artº 499º, nº 2).
Além dum objectivo manifesto de economia processual, a excepção da litispendência visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, isto é, que a causa seja julgada mais do que uma vez, o que brigaria com a força do caso julgado.

Face ao estipulado no artº 498º, nº 1, repete-se uma causa quando, entre as mesmas partes, há uma nova acção com o mesmo objecto, isto é, com o mesmo pedido fundado na mesma causa de pedir.
Ao conceito de repetição é indiferente que seja ou não a mesma a posição das partes no segundo processo, podendo ser autor na segunda acção o réu da primeira e vice-versa - cfr. Ac. RC de 9/12/1981, CJ, Tomo V, pág. 76, e artº 481º, al. c), nos termos do qual a citação, entre outros efeitos, inibe o réu de propor contra o autor acção destinada à apreciação da mesma situação jurídica; assim, é irrelevante que, na segunda acção, se peça o mesmo que na primeira ou o inverso do que nela se pediu (v.g., numa acção é pedida a declaração de validade de um contrato e noutra a da sua nulidade), pelo que, basta a identidade de sujeitos e a identidade do pedido, independentemente de quem é autor e réu e de quem afirma a situação jurídica ou a situação de facto e requer a consequente providência judicial.
Na definição de identidade das partes há que atender, como resulta no nº 2 do citado artº 498º, à qualidade jurídica em que autor e réu actuem, e daí que, transmitida a terceiro a situação substantiva da parte, depois de transitada a sentença de mérito, se deva considerar que o adquirente tem a mesma qualidade jurídica do transmitente.
Igualmente há que atender à extensão subjectiva do caso julgado, pois a identidade de sujeitos estende-se àqueles que, não sendo partes, são - hão de ser - abrangidos pela força do caso julgado na primeira acção, não sendo repetível perante o substituído o objecto da acção pendente ou já definitivamente julgada perante o substituto processual.
Quanto à identidade do pedido, há que atender ao objecto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem.
Assim, em primeiro lugar, a liberdade de, em nova acção pedir aquilo que não se pediu na primeira, não se verifica quando o tipo de acção proposta tem uma função de carácter limitativo, quando o pedido se reporta a uma parte não individualizada do objecto do direito e a sentença é absolutória ou condena em quantidade menor do que o pedido e quando, não tendo a acção função limitativa, o autor haja pedido uma parte individualizada daquilo a que teria direito ou, tendo pedido uma parte não individualizada do objecto do direito, haja tido inteiro vencimento.
Em segundo lugar, a decisão exclui as situações contraditórias com a que por ela é definida, ou seja, pela decisão em si, não pelos fundamentos.
Em terceiro lugar, embora o caso julgado não se estenda aos fundamentos da decisão, com ele precludem, em caso de condenação no pedido, as excepções invocadas ou invocáveis contra o pedido deduzido, e o caso julgado há-de poder ser invocado quando a sua não extensão aos fundamentos possa gerar contradição entre os fundamentos de duas decisões que seja susceptível de inutilizar praticamente o direito que a primeira decisão haja salvaguardado, de impor praticamente um duplo dever, onde apenas um existe.
Através da identidade de causa de pedir, como conjunto dos factos que integram o núcleo essencial de previsão da norma ou normas do sistema que estatuem o efeito de direito material pretendido, é excluída a admissibilidade de acção posterior em que o mesmo pedido se baseie em causa de pedir concorrente não cumulável com a invocada na primeira acção, ou com ela cumulável, mas nada acrescentando ao seu efeito, quando na primeira acção o autor tenha obtido vencimento, mas tal já é possível se o réu tiver sido, na primeira acção, absolvido do pedido.

No que se refere à identidade das partes, dúvidas não se suscitam, e é também aceite pela agravante, que, quer na presente acção, quer na acção instaurada pela aqui R. contra a aqui A. - acção nº …/06.9TYVNG, distribuída ao mesmo Juízo do Tribunal recorrido -, ela se verifica, pois, como se referiu, é indiferente a posição das partes em ambas, podendo ser autor na segunda acção o réu da primeira e vice-versa, e as partes intervêm nelas com a mesma qualidade jurídica - a aqui R. é A. na acção nº …/06 e a aqui A., ali R., intervém em ambas as acções na qualidade de sócia da aqui R..
Já quanto aos demais requisitos da listispendência - identidade de causas de pedir e de pedidos -, entendemos que eles se não verificam nas duas acções a que se tem vindo a aludir, independentemente de na acção nº …/06 ter sido proferido despacho a suspender a instância com o fundamento de que a presente acção constitui causa prejudicial, já que não é nesta acção que se pode questionar a bondade, ou não, da decisão proferida naquela outra, embora nela se possa reflectir.
Senão vejamos.

Na presente acção a agravante sustenta que os sócios que votaram a deliberação, ao deliberarem excluí-la de sócia apenas visaram satisfazer os interesses dos seus gerentes em prejuízo da sociedade e dela própria, tendo a proposta de exclusão sido planeada com espírito vingativo pelo sócio gerente D………., aduzindo que os factos constantes da proposta da sua exclusão de sócia são falsos, invocando, em defesa da sua tese, o artigo 58º, nº 1, al. b), do Código das Sociedades Comerciais (doravante designado CSC), que estipula que são anuláveis as deliberações que “sejam apropriadas para satisfazer o propósito de um dos sócios conseguir, através do exercício do voto, vantagens especiais para si ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios, ou simplesmente de prejudicar aquela ou estes, a menos que se prove que as deliberações teriam sido tomadas mesmo sem os votos abusivos”.
Como tal, a deliberação é abusiva, ao preencher o tipo legal previsto por aquela disposição, sendo esse o núcleo da questão a conhecer.
Segundo o Professor Ferrer Correia, ao explicar o preceito do artigo 78º, b), do Projecto do CSC, cuja redacção veio a ser adoptada pelo citado artº 58º, nº 1, al. b) do CSC, a deliberação social é anulável «quando os sócios da maioria procuram com o voto servir interesses extra-sociais, seus ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou em detrimento de sócios minoritários» (Direito Comercial Vol. II, pág. 362, 1968).
As deliberações sociais, tomadas regularmente, constituem a forma de manifestação normal da vontade social, reveladora do interesse da soberania colectiva, e não do interesse particular de um ou alguns dos sócios.
Mas também pode suceder que a mesma forma de manifestação de vontade colectiva possa ser utilizada como instrumento de obtenção de vantagens e (ou) meio de causar danos à sociedade ou terceiros - cfr. neste sentido, Taveira da Fonseca, Deliberações Sociais: suspensão e anulação, separata da revista Textos, do Centro de Estudos Judiciários, 1994, página 70/71 -, ou a outros sócios, a benefício de outro ou outros, divergindo do fim social para que aponta a soberania colectiva.
A recorrente não põe em causa que a recorrida tenha seguido o procedimento normal para a tomada da deliberação em crise e à sua exclusão social da R., mas tão só os factos que sustentaram a proposta de deliberação.
Segundo Lobo Xavier, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 118º, especialmente a páginas 202/203, num estudo relativo à invalidade e ineficácia das deliberações sociais, no projecto do Código das Sociedade Comerciais, são dois os pressupostos legais da deliberação social abusiva, ainda que regularmente tomada: um de ordem objectiva, que consiste na adequação da deliberação ao propósito ilegítimo dos sócios; outro de ordem subjectiva, que revela o propósito de conseguir uma vantagem especial para os sócios que votaram favoravelmente a deliberação, ou para terceiros, com prejuízo para a sociedade.
Entre as deliberações anuláveis figura a prevista na alínea b), do n. 1, do artigo 58º (correspondente ao artigo 78º, 1, b, do Projecto), quando as deliberações são tomadas para satisfazer através do exercício do direito de voto, vantagens especiais para os sócios ou terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios.
São deliberações formalmente regulares, não contrariando a lei ou os estatutos da sociedade, mas são lesivas do interesse social ou de algum ou alguns dos sócios. Por isso são consideradas deliberações abusivas e, como tal, anuláveis, através de acção própria.
Trata-se de situações em que o direito de voto traduz um exercício social ilegítimo, porque a razão dos votantes visa satisfazer interesses extra-sociais, ao arrepio dos interesses da sociedade ou de outros sócios.
Feito este enquadramento, o passo seguinte é avaliar normativamente se os factos alegados, ou alguns deles, caso venham a provar-se consubstanciam um exercício abusivo, ainda que formalmente regular, do direito de voto dos demais sócios da ré.
Portanto, a causa de pedir na presente acção, é integrada pelo alegado comportamento abusivo do sócio D………., e demais sócios gerentes da R., nos termos que se deixaram expostos, constituindo o pedido na declaração de anulação da deliberação

Por sua vez, a acção nº 447/06.9, é uma acção de exclusão judicial de sócio, intentada ao abrigo do artº 242º, nº 1, CSC, cuja epígrafe é “Exclusão judicial de sócio” e nos termos do qual “Pode ser excluído por decisão judicial o sócio que, com o seu comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade, lhe tenha causado ou possa vir a causar-lhe prejuízos relevantes”, fundada, no caso em apreço, na prática de actos, descritos, em que se consubstancia actuação do sócio contrária aos interesses da aqui R., na medida em que o sucessivo registo das acções tem impedido o recurso ao crédito bancário, para além de impedir o aumento do seu capital social, de forma a prover aos encargos necessários à concretização de projectos de licenciamento, com o único objectivo de vender a sua participação social por “valores exorbitantes e absolutamente inaceitáveis”, ao mesmo tempo que recusa adquirir as participações sociais dos restantes sócios por valores bastante inferiores, e destinada a obter a condenação da demandada a ser excluído de sócio da sociedade nela autora.
Tendo ainda presente o disposto no artº 498º, nº 4º, entende-se por causa de pedir os factos concretos, susceptíveis de produzir efeitos jurídicos, que servem de fundamento à pretensão trazida a juízo.
Como, em comentário ao artº 242º do CSC, elucida Raul Ventura (Sociedades por Quotas, II, pág. 62), a deliberação a que alude o seu nº 2 (“A proposição de acção de exclusão de sócio deve ser deliberada pelos sócios, que poderão nomear representantes especiais para o efeito”), tem por objecto a proposição da acção, e há-de basear-se em factos enquadrados no seu nº 1.
Ainda segundo o mesmo Professor, «Não basta alegar, como fundamento da deliberação, de modo genérico "comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade", devendo ser especificados os factos que podem receber tal qualificação. Isto é tanto mais importante quando tais factos limitam a causa de pedir da acção de exclusão, pois o representante da sociedade deve propor a acção com os fundamentos da deliberação e não outros sobre os quais não tenha recaído a apreciação dos sócios."».
Daqui resulta que, em acção de exclusão de sócio, a causa de pedir não é propriamente constituída pela deliberação que o nº 2 do artº 242º CSC refere, mas sim pelos fundamentos dessa deliberação, isto é, concretamente, pelos factos, sobre que recaiu a atenção dos sócios, nela especificados como seu fundamento, susceptíveis de serem qualificados como o «comportamento desleal ou gravemente perturbador do funcionamento da sociedade» referido no nº 1 daquele mesmo artigo.
Por conseguinte: muito embora seja requisito, pressuposto, ou condição de procedência da acção de exclusão de sócio, que a sociedade delibere - validamente - a proposição dessa acção, a causa de pedir da mesma não é própria ou essencialmente constituída pela deliberação da sua proposição, mas sim pelos factos especificados nessa deliberação, em que ela se funda, e em que deve fundar-se a acção de que foi deliberada a proposição, ou seja, em último termo, pelos factos (concretos) que servem de fundamento da exclusão pretendida.

Decorre do que acaba de se expor que, sendo certo que, em face do artº 242º, nº2º, do CSC, a questão da prejudicialidade pode surgir na acção nº …/06 com esta acção, certo é também que nem as causas de pedir nem os pedidos coincidem em ambas as acções, pois, naquela (acção de exclusão de sócio) o que se pretende determinar não é, própria ou essencialmente, a validade, ou não, da (formação da) deliberação, mas sim, em último termo, verificar se, na realidade, se verificaram os motivos invocados para justificar a (deliberação de proposição da acção) exclusão judicial do sócio.
Nesta acção, pretende-se determinar a validade da deliberação de exclusão de sócio, cuja anulação é peticionada, com fundamento no disposto no artº 58º, nº 1, al. b), do CSC, ou seja, pretende-se saber se os sócios da maioria procuraram, com o voto, servir interesses extra sociais, seus ou de terceiros, em prejuízo da sociedade ou em detrimento de sócios minoritários.
São, portanto, distintos quer as causas de pedir quer os pedidos da acção nº 447/06 e da presente acção.
Aliás, se a excepção de litispendência, além de um objectivo manifesto de economia processual, visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior, isto é, que a causa seja julgada mais do que uma vez, o que brigaria com a força do caso julgado, essa contradição não se verifica, quer a acção nº …/06 seja julgada procedente, quer improcedente.
E se, nesta última hipótese é evidente a inexistência de qualquer contradição entre as decisões, pois a improcedência pode ser apenas consequência de não se terem provado os factos invocados para justificar a deliberação de exclusão, ela também não ocorre na hipótese de procedência, porquanto pode suceder que, apesar de a conduta da agravante justificar a sua exclusão de sócia, o que integraria a previsão do artº 242º, nº 1, do CSC, a deliberação seja também apropriada para, através do exercício do direito de voto, satisfazer o propósito de um dos sócios de conseguir vantagens especiais para si, ou para terceiros, em prejuízo da sociedade ou de outros sócios ou, simplesmente da prejudicar aquela ou estes, como prevê o artº 58º, nº 1, al. b) do citado diploma legal.
Esta situação pode configurar uma situação de prejudicialidade ou de dependência, mas não integrar a excepção a que se tem vindo a fazer alusão, não sendo este o lugar próprio, como se faz na decisão recorrida, para questionar a decisão de suspensão da instância proferida naqueloutra acção - de exclusão de sócio - , por se ter entendido que esta acção era prejudicial em relação a ela.

III. DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto em julgar improcedente a excepção de litispendência e, consequentemente, conceder provimento ao agravo, revogando-se o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro a determinar o prosseguimento dos autos, se por outro fundamento não dever a acção improceder.
*
Custas pela agravada.
*

Porto, 15 de Outubro de 2007
António do Amaral Ferreira
Manuel José Pires Capelo
Ana Paula Fonseca Lobo