Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13738/15.9T9PRT-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO COSTA
Descritores: ARRESTO PREVENTIVO
PERDA ALARGADA
PERDA DE VANTAGENS
Nº do Documento: RP2024022113738/15.9T9PRT-G.P1
Data do Acordão: 02/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL / CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Na perda alargada a possibilidade do arresto pode ser requerida a todo o tempo pelo MP, o que significa que o arresto pode ser decretado sem a competente liquidação demonstradora da referida incongruência.
II- A nova redação do art. 2.º do art. 10.º da lei 5/2002, permite que o arresto preventivo possa ser decretado sem a efetiva liquidação, mas sustentada, cumulativamente, na existência de fortes indícios de um dos crimes do catálogo, fumus boni iuris e o periculum in mora, ao contrário do arresto requerido após a liquidação que já não exige o periculum in mora.
III- Na perda clássica do art. 228º do CPP é sempre exigível o fumus boni iuris e o periculum in mora.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n º 13738/15.9T9PRT-G.P1
*
1). Relatório.
A..., Ldª, B..., Ldª e C..., Unipessoal, Ldª, todos com os sinais nos autos, interpuseram o presente recurso relativamente ao despacho proferido em 03/11/2023 pelo J4 do Juízo de Instrução Criminal do Porto que decretou o arresto preventivo de bens e direitos pertencentes ao mesmo arguido nos termos dos artigos 10.º, n.º 3 e 4, da Lei n.º 5/2002, de 11/01 e 228.º, do C. P. P..
Em síntese, os arguidos pugnam que:
“CONCLUSÕES:

1. O douto despacho impugnado decretou o arresto dos bens das Recorrentes A..., Lda, B..., Lda, para garantia da perda das vantagens por elas auferidas com a suposta prática dos crimes por que estão acusadas,

2. quantificando essas vantagens nos valores constantes do quadro n° 2 do requerimento formulado para o efeito pelo Requerente MINISTÉRIO PÚBLICO.

3. Nem nesse nem em outro dos quadros que suportam o pedido da providência consta sequer o nome dessas Recorrentes nem, muito menos, o valor que quantifique a alegada vantagem por elas obtido.

4. Falta, por isso, quanto a elas, um requisito essencial da providência do arresto - qual seja a determinação do valor da vantagem cuja restituição se promove.

5. Ao ordenar o arresto dos bens dessas Requerentes, o douto despacho violou o disposto, entre outros, no artº 228°, 1, CPP, pelo que deve ser revogado.

6. O valor da vantagem supostamente auferida pelos Recorrentes com a alegada prática dos crimes sub judice foi fixada pelo douto despacho com base na acusação e no requerimento da providência de arresto formulado pelo MINISTÉRIO PÚBLICO - no valor bruto do preço auferido pelas Recorrentes sociedades como contrapartida dos serviços que prestaram, bens que forneceram e obras que executaram ao Município ....

7. Nesse cálculo da suposta vantagem, o douto despacho, na peugada da acusação e do requerimento de arresto, desconsiderou em termos absolutos o custo suportado pelos Arguidos para a obtenção dos bens e execução dos serviços, obras e empreitadas que forneceram ao Município ....

8. A quantificação do valor da vantagem cuja restituição se pretende garantir é, por isso, arbitrária, porquanto apenas pode ser declarada perdida a vantagem do crime que represente a valorização líquida do património do Arguido, a diferença entre o que tem e o que teria se não tivesse cometido o ilícito.

9. Ao ordenar o arresto dos bens dos Recorrentes para garantia daquele valor bruto, o douto despacho ofendeu o disposto nos artºs 110°, 1, b), CP, e 227°, 1, b), e 228°, 1, CPP, pelo que deve ser revogado.

10. O conjunto normativo integrado pelos artºs 110°, 1, b), CP, å 227°, 1, b), å 228°, 1, CPP, interpretado no sentido de que, na perda
clássica, a vantagem do facto ilícito a declarar perdida (e o arresto dos bens do arguido destinado a acautelar a satisfação dessa perda) devem medir-se pelo seu valor bruto, sem considerar os valores despendidos pelo Arguido para a respetiva obtenção, é inconstitucional, por violar os princípios da adequação e justa medida ou proporcionalidade consagrado, ia., na segunda parte do n° 2 do art° 18°, CRP.

11. O douto despacho em mérito, repercutindo o requerimento e promoção do MINISTÉRIO PÚBLICO que deferiu, não enuncia concretamente quaisquer factos que justifiquem o justo receio de perda da garantia patrimonial que visa acautelar.

12. Essa omissão que consubstancia uma efetiva falta de fundamentação verifica-se tanto no concernente ao arresto para acautelar a perda clássica, quanto no que se destina a acautelar a perda alargada (artº 7º da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro).

13. No caso vertente, não foi fixada aos Recorrentes nenhuma medida de caução, pelo que, quanto à perda clássica, o Requerente MINISTÉRIO PÚBLICO estava vinculado a
alegar factos que permitissem sustentar o periculum in mora - artº 228°, 1, CPP.

14. Factos que o douto despacho também não elenca admitindo, mas firmemente sem conceder, que o Juiz pudesse suprir ex officio tal deficiência.

15. Sobre a perda alargada, dispõe claríssimo o nº 2 do artº 10º, da Lei nº 5/2002, de 11 de janeiro, que o arresto apenas pode ser decretado ºquando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios de prática do crimeº.

16. O douto despacho recorrido violou, portanto, o disposto nos artºs 228°, 1, CPP, e 10°, 2, da Lei nº 5/2022, de 11 de janeiro, pelo que deve ser revogado.

TERMOS EM QUE,
revogando o douto despacho recorrido e ordenando o levantamento do arresto dos bens dos Recorrentes, farão Vossas Excelências a habitual justiça!º
*
Respondeu o M.º P.º junto do tribunal recorrido pugnando pela improcedência do recurso por, em resumo:

“1.Por decisão judicial de 3/11/2023 foi determinado o arresto preventivo dos bens e direitos das sociedades B..., Lda., A... e C..., Unipessoal, Lda.
2.É desta decisão que vêm as sociedades arguidas B..., A... e C... apresentar recurso, alegando em síntese: 1) não terem sido liquidadas quaisquer vantagens quanto àquelas sociedades arguidas, 2) o critério do cálculo das vantagens é ilegal porque diz respeito ao valor das adjudicações e não considera o custo de aquisição e execução dessas obras, 3) inexistir a alegação de factos concretos que fundamentem o justo receio da perda de garantia patrimonial.
3.Ora, nos autos principais, em 26/11/2023, foi proferida acusação contra, entre outros, os arguidos AA, BB e CC e as sociedades arguidas recorrentes B..., Lda. e C..., Unipessoal, Lda., sendo que aqueles dois primeiros agiram em nome próprio e em nome, em representação e no interesse destas sociedades arguidas, pela prática dos seguintes crimes:
94) DD, EE, AA, BB e FF, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 14.% n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 255º', al. a), e 256.º, n.° 1, al. a) e d), 4, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. I), 5.° da Lei n.° 34/87, de 16 de Julho, sendo a sociedade B... penalmente responsável por este crime, nos termos da mesma norma e dos artigos 11.°, n.º 1 e 2, al. a), 90.°-A e 90.°-G a 90.°-M, do Código Penal.
(...)
112) AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de recebimento ou oferta Indevidos de vantagem p. e p. pelos artigos 14º, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.º 1, 372.°, n.° 2, e 374. °-A, n.° 4, do Código Penal, sendo a sociedade B... penalmente responsável por estes crimes, nos termos das mesmas normas e dos artigos 11ºn.° 1 e 2, al. a), 90.°-A e 90.°-G a 90.°-M, do Código Penal.
118) GG, HH, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 2.° e 36.°, n.°s 1, als. a) e c), 2, 5, al. a), e 8, do DL n.° 28/84, de 20 de janeiro.
119) A sociedade B... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 3.°, 7.°, 8.°, 9." e 36.°, n.°s 1, als. a) e c), 2, 5, al. a), e 8, do DL n.° 28/84, de 20 de Janeiro.
120) A sociedade C... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 3.°, 7.°, 8.°, 9.° e 36.°, n.°s 1, als. a) e c), 2, 5, al. a), e 8, do DL n.° 28/84, de 20 de Janeiro.
121) GG, HH, AA e BB, de 1 crime de branqueamento, p. e p. à data da prática dos factos pelo artigo 368.°-A, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal, e atualmente pelo artigo 368.°-A, n.° 1, al. k), n.°s 3 e 4, do mesmo Código.
122) A sociedade B... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de branqueamento, p. e p. pelos artigos 11ºn. 1 e 2, al. a), e 368.°-A, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal à data da prática dos factos e, atualmente, pelo artigo 368.°-A, n.° 1, al. k), n.ºs 3 e 4, do mesmo Código.
123) A sociedade C... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de branqueamento, p. e p. pelos artigos 11ºn.s 1 e 2, al. a), e 36S.°-A, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal à data da prática dos factos e, atualmente, pelo artigo 368.°-A, n.° 1, al. k), n.ºs 3 e 4, do mesmo Código.

4. Conforme resulta também da acusação, os arguidos AA, BB e CC foram ainda acusados pela prática dos crimes de prevaricação e participação económica em negócio a seguir referidos, relativos à celebração de contratos entre as sociedades B..., A..., Lda. e C..., Unipessoal, Lda., que aqueles representavam, com o Município ..., em violação das regras de contratação pública, tendo sido no património destas sociedades que se refletiram os lucros obtidos com a celebração dos contratos referidos na acusação e que, assim, foram as beneficiárias da prática dos crimes imputados aos seus legais representantes:
(…)
2)GG, DD, EE, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 8 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.«, n.° 1, do Código Penal e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11." da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
3)GG, DD, EE, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 8 crimes de participação económica em negócio, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1 30 ° n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho. '
4)GG, DD, EE, AA, BB, CC, II, JJ e KK, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
5)GG, DD, EE, AA, BB, CC, II, JJ e KK, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30 ° n ° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho. '
6)GG, DD, EE, AA, BB, LL e MM, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°,' n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
7)GG, DD, EE, AA, BB, LL e MM, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n 1,26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87,' de 16 de julho.
8)GG, AA, BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
9)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
10)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
11)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
12)GG, DD, EE, AA e CC, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
13)GG, DD, EE, AA e CC, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
14)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 4 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
15)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 4 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
16)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
17)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
H
18)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
19)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
20)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.» 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.» da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
O
21)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
5. O Ministério Público requereu na acusação a aplicação, entre outros, às sociedades B..., A... e C... da providência sancionatória (perda de produtos e vantagens) prevista no artigo 110.°, n.° 1, al. b), e n.°s 2 e 4 do CP, indicando, em forma de tabela, as vantagens patrimoniais obtidas e identificando os responsáveis pelo seu pagamento, no Ponto III.PERDA DE INSTRUMENTOS, PRODUTOS E VANTAGENS/artigo 2.°.
6.Tendo sido, em síntese, quanto às sociedades arguidas recorrentes, calculado a totalidade das quantias que constituem a vantagem da atividade criminosa obtida pelos arguidos com a prática dos crimes enunciados na acusação, isto é, que traduzem a vantagem económica direta ou indiretamente resultante desse facto, para si e para terceiros, e que deveria ser declarado perdido a favor do estado (artigo 3.° do mencionado Ponto III.).
7.O Ministério Público com o pedido de condenação de todos os arguidos e sociedades identificados na referida tabela na coluna sociedades/arguidos (responsabilidade solidária), solidariamente no caso e na medida da comparticipação nos factos, a pagar ao Estado o valor expresso também no quadro supra na coluna "valor", que corresponde à vantagem da atividade criminosa por estes obtida, que se resumiu da seguinte forma:
Sociedades/ ArguidosValor
C...169.417,93€
B...1.934.440,276
A...379.675,55€
8.Para além disso, o Ministério Público apresentou a liquidação do património incongruente com o rendimento lícito, entre outros, da sociedade C..., UNIPESSOAL LDA., e requereu o confisco do respetivo valor, ao abrigo da Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro, num total de 3.899.045.11€. porquanto constitui vantagem de atividade criminosa.
9.Igualmente o Ministério Público, e em consequência, requereu arresto preventivo dos bens dos arguidos para garantia de perda daquela vantagem com a prática do crime, nos termos dos artigos 228.° do CPP e 10.°, n.° 1, da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, o que foi secundado pela decisão judicial agora em crise.
10.Efetivamente, a decisão judicial em análise acolheu e reproduziu os factos constantes na acusação, na liquidação das vantagens e do património incongruente, fundados nas provas indicadas, e determinou- que: "Tudo visto, na procedência da presente providência, determino o arresto preventivo dos bens e direitos identificados pelo Ministério Público no requerimento em apreço, a efectivar pelo Gabinete de Recuperação de Activos nos moldes infra explicitados."
11.E, conforme ficou demonstrado supra, foram liquidadas vantagens quanto às sociedades recorrentes, devidamente descritas na acusação e sintetizadas nos respetivos quadros da perda de vantagens, acima reproduzidos, e que foram igualmente integralmente reproduzidas pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, sendo que, se evidenciou (agora a negrito) a referência já efetuada às sociedades recorrentes, com indicação da sua responsabilidade solidária quanto aos demais arguidos identificados e o respetivo valor, por referência aos factos descritos na acusação.
12.Nestes termos, dúvidas não podem subsistir sobre a devida liquidação e quantificação das vantagens da responsabilidade das sociedades recorrentes, pelo que o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, ao concluir pela forte indiciação da existência dessas vantagens, fundamentando essas vantagens na prova indicada na acusação, que igualmente reproduziu, decidiu de forma correta e fundamentada.
13.Quanto à segunda questão trazida pelas recorrentes, dispõe o artigo 110.° n.°S 1 e 4, al. b), do CP que: "1- São declarados perdidos a favor do Estado: (...) b) As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem." e "4 - Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetivo valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executiva, com os limites previstos no artigo 112. °-A. (...)"
14.Nos termos ainda do disposto no artigo 111.°, n.° 2, al. a), do CP "Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando: a) o seu titular tiver concorrido, de forma censurável para a sua utilização ou produção ou do facto tiver retirado benefícios".
15.E de acordo com o disposto nos artigos 483.°, 490.° e 497.° do CC a responsabilidade pela prática de factos ilícitos é solidária, podendo existir direito de regresso.
16.Assim, conforme resulta dos factos descritos na acusação, reproduzidos pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, a vantagem patrimonial apurada decorrente da prática dos crimes corresponde ao valor dos contratos celebrados entre o Município ... e as sociedades privilegiadas, de acordo com o plano traçado e executado pelos arguidos, com violação flagrante das regras da contratação pública. Foi este valor que foi obtido pelas sociedades recorrentes com a violação daquelas regras. Se as regras da contratação pública não tivessem sido violadas não
teria sido possível celebrar os contratos em causa e, consequentemente, não teria sido pago o seu valor integral (sendo que o valor dos contratos indicados é sem aplicação do IVA).
17.Para além disso, foram apuradas vantagens relativas a obras cujo valor contratado não foi executado, constituindo a vantagem o respetivo valor não executado, sendo ainda que, no caso das obras não executadas o valor da vantagem não poderia sofrer qualquer desconto, uma vez que os respetivos trabalhos não foram sequer efetuados.
18.Assim, é essa vantagem que tem que ser liquidada e declarada perdida a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de defesa dos arguidos ou terceiros beneficiários, que têm a faculdade de alegar e provar outros factos (e até direito de regresso previsto no n.° 2 do artigo 497.° do CC), o que, no caso, não ocorreu em concreto.
19.É, assim, irrelevante a alegação de qualquer desconto de índole subjetivo e não concretizado.
20.Efetivamente, a teoria sufragada pelas recorrentes, segundo a qual teria que ser efetuado um "desconto" da vantagem obtida pelo agente do montante que despendeu para obter essa vantagem, no limite implicaria 0 desconto do valor, por exemplo, dos instrumentos que o agente do crime adquiriu para cometer o crime ou o desconto do valor do serviço efetivamente prestado, sendo que só foi prestado porque permitido com a prática de crimes.
21.Tal não foi seguramente o que o legislador pretendeu, pois que o crime não pode compensar.
22Efetivamente, o núcleo primordial da recuperação de ativos, que sustenta a máxima "o crime não pode compensar", assenta na efetivação do restabelecimento da ordem patrimonial conforme ao direito, conforme sufragado pelo acórdão do TRG de 25-03-2019, in www.dgsi.pt.
23.Assim,obtidos indícios fortes da prática de crime e quantificada a vantagem direta desse crime, ou o seu valor, terá que ser este valor objeto de arresto, de modo a garantir o confisco de bens suficientes para o pagamento dessa vantagem, pois que o crime não é título legítimo de aquisição.
24.Nestes termos, a decisão judicial agora em crise encontra fundamento nas referidas disposições penais (e ali invocadas), uma vez que fortemente indiciados os crimes, as vantagens obtidas foram apuradas e liquidadas, sendo sustentadas pelos elementos de prova indicados.
25.Para além disso, e quanto ao património incongruente liquidado quanto à sociedade C..., face ainda aos crimes de fraude na obtenção de subsídio e branqueamento fortemente indiciados na acusação, importa atender ao disposto no artigo 7.°, n.° 1, da Lei 5/2002, de 11/01, que dispõe que "presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito".
26.Apurada e liquidada essa diferença, entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito, presume-se que a mesma provém de atividade criminosa.
27.E dispõe o artigo 10.°, n.° 1, da referida Lei n° 5/2002 que "Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n° 1 do artigo 7.°, é decretado o arresto de bens do arguido". O arresto, que pode ser requerido a todo o tempo pelo Ministério Público, deve ser decretado sobre bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa (n° 2 do referido preceito legal), sendo decretado pelo juiz independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n° 1 do artigo 227.° do CPP, se existirem, como existem, fortes indícios do cometimento do crime (n° 3 do referido preceito legal).
28.Assim,verificados os requisitos legais da aplicação do mecanismo de perda alargada de bens, previsto na Lei n° 5/2002, de 11-01, em concreto indiciação da prática de um crime do catálogo (art. 10 da Lei n° 5/2002, de 11-01) e a existência de património do arguido incongruente com o seu rendimento lícito, é acertada a decisão judicial de arresto de bens no valor incongruente apurado e liquidado, não havendo lugar a qualquer desconto.
29.Finalmente, quanto à terceira questão suscitada pelas recorrentes, resulta da decisão judicial que foram alegados factos que demonstram à saciedade a probabilidade séria da existência do direito (de crédito), conforme a seguir se transcreve: "Extrai-se dos presentes autos e dos autos principais a que estes autos se encontram apensos, nomeadamente da prova mencionada pelo Ministério Público no requerimento agora em análise (que coincide com a prova indicada na acusação deduzida nos autos principais), a forte indiciação da prática pelos Arguidos requeridos de factos que, abstratamente perspetiváveis, serão suscetíveis de os fazer incorrer na prática de crimes de associação criminosa, prevaricação, participação económica em negócio, branqueamento e falsificação de documento, tudo nos moldes melhor descritos na acusação pública, para onde se remete." E que "Acresce que, da prova recolhida pelo Ministério Público, com especial relevo para a investigação financeira/patrimonial desenvolvida pelo Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, constante do Anexo dos autos principais, resulta fortemente indiciado o alegado pelo Ministério Público no requerimento em apreço, nomeadamente que os Arguidos requeridos obtiveram as vantagens identificadas no quadro constante do artigo 2." do requerimento em apreço, resultantes da actividade criminosa relacionada com a prática dos crimes imputados, bem como que apresentam o património incongruente identificado no quadro constante do artigo 3.0 do requerimento em apreço."
30. E, ao contrário do propugnado pelos recorrentes, a decisão judicial em crise, de forma correta, com exímia aplicação da lei e de forma fundamentada, enuncia os requisitos legais do arresto e o seu preenchimento, nomeadamente no que toca ao justo receio, conforme a seguir se transcreve: "De acordo com as normas do processo civil reguladoras do procedimento referente à providência cautelar em apreço constata-se a exigência de que «o requerente deduza os factos que tornam provável a existência do crédito e justifiquem o receio invocado (...)» c/r. artigo 392. n.° 1, do Novo Código de Processo Civil. Exige-se, pois, a verificação de uma probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente, a quem cabe alegar e provar ainda que indiciariamente a factualidade consubstanciadora dessa mesma probabilidade e daquele receio Do supra exposto conclui-se pela existência dos referidos acréscimos patrimoniais, que não encontram justificação ou explicação nas actividades lícitas conhecidas aos Arguidos e, por via disso e do disposto no n.° 1 do artigo 7da aludida Lei n.° 5/2002 presumem-se constituir vantagem de actividade criminosa, cujo pagamento importa assegurar. Mostra-se, pois e em consequência, preenchido o primeiro pressuposto supra referido para que o presente arresto possa ser decretado. * Por outro lado, impõe a lei processual civil que exista um fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora). Para a verificação e preenchimento deste pressuposto tem de existir um perigo concreto de lesão grave e dificilmente reparável pelo que não é qualquer consequência que possa vir a ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento de uma providência cautelar. No âmbito do decretamento do arresto preventivo o periculum in mora será concretizado por referência ao receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento do apurado valor das vantagens. No presente caso verifica-se uma aparente superioridade das vantagens ilicitamente obtidas em relação àquilo que se afigura ser o património lícito, declarado e conhecido dos Arguidos. Por outro lado, e conforme se extrai dos autos, os Arguidos, ou pelo menos alguns deles, tudo têm feito para dificultar a percepção pelas autoridades policiais da actividade criminosa que vem desenvolvendo, sendo, por isso mesmo, licito concluir que existe uma séria probabilidade de dissiparem o seu património quando tiverem conhecimento da acusação deduzida e da intenção do Ministério Público em recorrer ao mecanismo legal da perda alargada de bens e arresto. Esta conclusão é ainda mais reforçada com aquilo que foi possível perceber quanto à personalidade dos Arguidos, que certamente não terão pruridos em esconder património, nomeadamente aquele que é mencionado pelo Ministério Público no requerimento em apreço, constituído por depósitos bancários de fácil movimentação e dissipação, ou veículos automóveis, de fácil transacção para terceiros. A conjugação de tudo isto, não esquecendo que estamos perante prova meramente indiciária, tendo em vista a aplicação de uma medida de natureza cautelar, é susceptível de fundamentar um juízo de receio de perda da garantia patrimonial, promovida pelo Ministério Público na acusação pública que deduziu. Não obstante o que se acabou de dizer, ou seja, que in casu se mostra demonstrado o receio de perda da garantia patrimonial, o certo é que, de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 10. da Lei n.0 5/2002, o arresto pode ser decretado independentemente da verificação dos pressupostos referidos non.° 1 do artigo 227.0 do Código de Processo Penal, o que é dizer que o decretamento do arresto não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente, se existirem fortes indícios da prática do crime que vem imputado aos Arguidos/requeridos, como sucede no caso em apreço.* Diremos, por último, que a providência requerida e ora em apreço se afigura adequada à situação de lesão iminente acabada de identificar. Tendo em consideração que não é sequer certo que o arresto requerido tenha alguma consequência prática no imediato, desde logo por se desconhecer quais os montantes actualmente depositados ou a depositar nas contas bancárias identificadas no requerimento em apreço, bem como se os bens individualizados se encontram ou não actualmente onerados7, dúvidas não permanecem acerca da adequação entre a providência requerida e o direito invocado."
31.Assim, a decisão judicial em análise acolheu os fundamentos que o Ministério Público aduziu ainda no seu requerimento de arresto, nomeadamente que, atenta a natureza e o perfil da atividade criminosa indiciada, a sua intensidade, a sua permanência no tempo, a sua dedicação à obtenção de elevadas vantagens patrimoniais e a sua transmissão entre os vários intervenientes, com a constituição de sociedades para absorção dessas vantagens para cada específico negócio, atentos ainda os valores em causa, ocorre justificado receio de que se percam os bens que haverão de responder pela perda, sobretudo quando conhecida a acusação.
32.Com efeito, é previsível, com fundamento no descrito na acusação, que os arguidos rapidamente diligenciem por movimentar o seu património, dissipando-o ou ocultando-o, a fim de evitarem dele se verem privados.
33.0 tempo que, previsivelmente, mediará entre hoje e o trânsito em julgado da decisão final, dotará os arguidos de ampla oportunidade de, com sucesso, colocar o seu património fora do alcance do Estado, seu credor.
34.Por sua vez, o Senhor Juiz de Instrução Criminal, secundou a sua decisão na análise da factualidade indiciariamente demonstrada a qual, entendeu, acarreta a possibilidade de facilmente movimentar os saldos de contas bancárias e aplicações associadas.
35.Concluiu então que, no caso concreto, é lícito acompanhar o Ministério Público na dedução lógica de que os arguidos estão em condições de dissipar o património necessário e imprescindível à garantia de satisfação dos ofendidos.
36.Pelo que, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, fez uma análise casuística da presente factualidade, fundamentando quais as razões concretas que in casu, impõe a verificação do justo receio da perda da garantia patrimonial, decidindo impedir a dissipação do património para asseverar a existência de meios e a não frustração da recuperação da vantagem patrimonial obtida com a prática do crime.
37.Em suma, a estrutura factual indiciada e descrita no despacho acusatório, reproduzida no requerimento de procedimento cautelar de arresto, revela uma atuação conjugada e concertada das sociedades recorrentes, suscetível de fundamentar a existência provável do direito e o perigo da sua dissipação, pelo que, a decisão sub judice interpretou corretamente o mecanismo do arresto preventivo tendente a assegurar a efetividade do confisco, não merecendo, desta feita, qualquer reparo.
38.Posto isto, e como supra se deixou exaustivamente enunciado, as finalidades do arresto requerido pelo Ministério Público e determinado pelo Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, visaram tornar efetivo o ius puniendi do Estado, impedindo que os arguidos lograssem frustrar o pagamento ao Estado da vantagem obtida com a prática do crime, garantindo necessariamente a sua remoção da esfera destes e asseverando o seu pagamento ao seu credor (Estado).
39.Pelo que, também neste segmento a decisão judicial ad quo é irrepreensível.
Em síntese, a decisão em crise encontra-se devidamente fundamentada e não violou qualquer disposição legal, nomeadamente o disposto nos artigos 110.°, n.° 1, al. b), do CP, 227.°, n.° 1, al. b), 228.°, n.° 1, do CPP e 10.°, n.° 2, da Lei 5/2002, de 11/01.Termos em que o recurso deverá ser julgado improcedente e, consequentemente, a decisão recorrida deverá ser mantida nos exatos termos em que foi proferida, só assim se fazendo a esperada e costumada JUSTIÇA!”
*
O M.º P.º junto deste tribunal pugna pela improcedência do recurso juntando parecer no sentido do despacho estar fundamentado não existindo a restrição de bens a arrestar como mencionado pelos recorrentes.
No mais, menciona que dá como reproduzida a resposta do M. P.º acima referida.
*
Os recorrentes pronunciaram-se sobre este parecer do M.º P.º junto do tribunal da Relação, reforçando a argumentação do recurso.
*
2). Fundamentação.
2.1). De facto.
No despacho de 03/11/2023, ora sob recurso, no que aos aqui recorrentes importa, foi referido que:
“Do arresto de bens em relação aos Arguidos identificados no requerimento inicial.
Ao abrigo do disposto nos artigos 1.º, alíneas i) e j), 7.º, ns.º 1 e 2, alíneas a) e c), 3, 8, 10.º, ns. 1, 23, e 4, da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, 110.º, ns. 1, alínea b), 2, 3, 4 e 111, n. 2 e 3, do Código Penal, 391.º, 392º e 393.º (sem audição da parte contrária), do Código de Processo Civil, e 227. e 228º do Código de Processo Penal, veio o Ministério Público requerer o arresto dos bens e valores que identifica, tendo em vista garantir o pagamento dos valores liquidados, a declarar perdidos a favor do Estado.
Alega, para tanto, que, os factos descritos na acusação pública deduzida nos autos principais indiciam fortemente a prática de crimes de associação criminosa, prevaricação, participação económica em negócio, branqueamento e falsificação de documento.
Mais refere que, em relação a crimes de associação criminosa e branqueamento, o Legislador admite que sejam acionados mecanismos de garantia antecipada de suporte à efectividade de uma condenação que declare perdido a favor do Estado a vantagem obtida com o produto do crime, nos termos do disposto na Lei n.º 5/2002, de 10 de Janeiro.
Refere, ainda, que foi possível apurar a existência das vantagens resultantes da prática de crimes para os Arguidos nos valores que discrimina, bem como identifica o património incongruente de cada um dos Arguidos requeridos.
Mais alega que, os Arguidos requeridos são responsáveis pelo pagamento das quantias que identifica em caso de condenação.
De entre as medidas cautelares admissíveis no presente caso afigura-se que apenas o arresto será adequado a satisfazer as necessidades cautelares que se verificam.
Não é aconselhável o prévio cumprimento do contraditório dos visados. Termina, concluindo pela procedência do promovido.

Cumpre apreciar e decidir.

Sob a epigrafe «Arresto», dispõe o artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, que:

«1-Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 72, decretado o arresto de bens de arguido.
2- A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receia de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa.
3- O arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n. 1 do artigo 227. do Código de Processo Penal, se existirem fortes indicios da prática do crime.
4- Em tudo o que não contrariar o disposto na presente lei é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.».
Antecedentemente, dispõe o artigo 7.º da citada Lei, sob a epigrafe «Perda de bens, que:
«1- Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1., e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o
valor do património de arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento licito.
2- Para efeitos desta lei, entende-se por «património dos arguidos o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade de arguido, ou em relação aos quais ele tenha a domínio e o beneficio, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3. Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros beneficias obtidos came bens que estejam nas condições previstas no artigo 111, do Código Pena.»

O legislador nacional, em coerência com as propostas internacionais e os modelos disponíveis no direito comparado, estabeleceu também um conjunto de garantias processuais de efetivação do confisco: a apreensão (artigos 178.º e ss. do Código de Processo Penal), a caução económica (artigo 227º. do Código de Processo Penal), o arresto preventivo (artigo 228. do Código de Processo Penal) e o arresto para efeitos de perda alargada (artigo 10.º da Lei n.º 5/2002). Se assim não fosse, quando finalmente chegasse o momento derradeiro de executar a decisão, já nada haveria para confiscar. A sentença arriscar-se-ia, então, a ser uma decisão platónica.
E aliás, por isso, que em sistemas mais musculados (inglês, holandês) está prevista a possibilidade extrema do cumprimento subsidiário de um número corresponde de dias de prisão, designadamente nos casos em que o condenado se coloca, voluntariamente, na impossibilidade de pagar.
A perda alargada é uma non conviction based confiscation, porquanto não significa uma condenação pela prática de um determinado crime, mas apenas a perda de um património incongruente, que tem como pressuposto uma condenação, mas não se confunde com ela.
Conforme refere o Tribunal Constitucional, «embora enxertado naquele processo penal, o que está em causa neste procedimento não é já apurar qualquer responsabilidade penal do arguido, mas sim verificar a existência de ganhos patrimoniais resultantes de uma atividade criminosa. Daí que, quer a determinação do valor dessa incongruência, quer a eventual perda de bens dai decorrente, não se funde num concreto juízo de censura ou de culpabilidade em termos ético-jurídicos, em num juízo de concreto perigo daqueles ganhos servirem para a prática de futuros crimes, mas numa constatação de uma situação em que o valor do património do condenado, em comparação com o valor dos rendimentos lícitos auferidos por este faz presumir a sua proveniência ilícita, importando impedir a manutenção consolidação dos ganhos ilegítimos2».
Trata-se de um mecanismo processual cautelar, reverso adjectivo de mecanismo substantivo previsto no artigo 111.º, n.º 4, do Código Penal, revelando uma área de tutela específica, mais reduzida do que a da apreensão tradicional.
Com efeito, neste caso está apenas em causa a apropriação provisória ou a mera criação judicial de um vínculo de indisponibilidade sobre coisas localizadas no património lícito do visado, cuja posse não pode ser, em princípio, censurada. Já não há nenhuma ligação reprovável, ainda que atenuada (sucedâneo, vantagem indireta) entre uma coisa e um crime qualquer.
Enquanto que a apreensão garante o confisco da própria coisa que consubstancia a vantagem, aqui acautela-se a perda do seu valor. Garante-se o confisco do património incongruente. Sendo impossível demonstrar uma relação entre esse patrimônio e um qualquer crime concreto, a lei autoriza apenas o arresto.
Quando estão em causa os proventos, direta ou indiretamente, resultantes da prática do crime ou o seu sucedâneo, o legislador utiliza a apreensão; quando apenas está em causa o valor daqueles proventos ou do património incongruente o legislador utiliza o arresto.
Como referimos supra, no arresto para perda alargada já não está em causa garantir o confisco do valor da vantagem decorrente da prática de um crime, mas apenas assegura a perda do valor do património incongruente do arguido, nomeadamente daquele património que não é compatível com os seus rendimentos lícitos. Para além das vantagens associadas à prática do crime sub judicio, emerge aqui um património inexplicável, que importa confiscar.
Neste caso não há sequer uma relação entre o valor da incongruência e um qualquer crime passado. O grau de ligação entre o quantum da incongruência e o crime é uma mera presunção: o valor do património incongruente presume-se proveniente de actividade criminosa, não sendo necessário proceder, sequer, à sua identificação e demonstração. O que está em causa é uma situação patrimonial inexplicável presumivelmente proveniente de atividade criminosa, que, todavia, o Ministério Público não consegue imputar a um qualquer crime concreto.

Conforme dissemos atrás, como forma de garantir a não dissipação dos bens presumidos ilícitos, a Lei n.º 5/2002 estabelece um regime de arresto desses mesmos bens, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, o qual tem lugar durante o processo penal relativo 30 crime pressuposto, ou seja, antes da prova do mesmo.
O arresto funciona como garantia da eficácia do confisco alargado, de forma a evitar a possibilidade de o arguido dissipar ou ocultar o património que foi liquidado.
Esta garantia da execução do confisco pode ser accionada pelo Ministério Público a todo o tempo, nos termos do n.º 2 do artigo 10.°.
O n.° 3 deste artigo 10.° estabelece um único requisito para que o arresto possa ser decretado, dispensando todos os pressupostos do artigo 227.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, o qual consiste na existência de fortes indícios da prática do crime.
Mas este não pode nunca ser o único requisito para a existência de arresto, isto porque há sempre um outro requisito essencial para que seja necessário recorrer a uma garantia de execução, o qual não foi referido pelo legislador talvez pela sua simplicidade, nomeadamente o perigo para a efectivação do confisco. Sempre que o Ministério Público considere haver possibilidade de dissipação de bens e ainda uma forte probabilidade da prática do ilícito pelo arguido, pode requerer o arresto.

De acordo com o n.º 4 do referido artigo 10.°, é aplicável ao arresto o regime do arresto preventivo previsto no Código de Processo Penal.
Nos termos do disposto no artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, «[Para garantia das quantias referidas no artigo anterior, a requerimento do Ministério Público ou do lesado, pode o juiz decretar o arresto, nos termos da lei do processo civil; se tiver sido previamente fixada e não prestada canção económica, fica o requerente dispensado da prova do fundado receio de perda da
garantia patrimonial.»

Extrai-se dos presentes autos e dos autos principais a que estes autos encontram apensos, nomeadamente da prova mencionada pelo Ministério Público ne requerimento agora em análise (que coincide com a prova indicada na acusação deduzida nos autos principais), a forte indiciação da prática pelos Arguidos requeridos de facto que, abstratamente perspetiváveis, serão suscetíveis de os fazer incorrer na prática de crimes de associação criminosa, prevaricação, participação económica em negócio branqueamento e falsificação de documento, tudo nos moldes melhor descritos n acusação pública, para onde se remete.

Acresce que, da prova recolhida pelo Ministério Público, com especial releva para a investigação financeira/patrimonial desenvolvida pelo Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Policia Judiciária, constante do Anexo dos autos principais, resulta fortemente indiciado o alegado pelo Ministério Público no requerimento em apreço nomeadamente que os Arguidos requeridos obtiveram as vantagens identificadas ne quadro constante do artigo 2.º do requerimento em apreço, resultantes da actividade criminosa relacionada com a prática dos crimes imputados, bem como que apresentam património incongruente identificado no quadro constante do artigo 3.º do requerimento em apreço.

Importa referir, tendo presente o disposto no artigo 228.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que nos presentes autos não foi fixada caução económica.

Não olvidando tudo quanto deixamos dito até este momento, socorrendo-nos dos considerandos supra vertido e dos normativos constantes do Novo Código de Processo Civil em matéria de providências cautelares, nomeadamente dos respeitantes à providência cautelar de arresto, diremos que esta providência é legalmente admissível quando o «credor tiver receio de perder a garantia patrimonial do seu créditos» - cfr. artigo 301º, nº 1, do Novo Código de Processo Civil.

De acordo com as normas do processo civil reguladoras do procedimento referente à providência cautelar em apreço constata-se a exigência de que o «o requerente deduza os factos que tornam provável a existência do crédito e justifiquem o receio invocado (...) - cfr. artº 392º, nº. 1, do Novo Código de Processo Civil.

Exige-se, pois, a verificação de uma probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente, a quem cabe alegar e provar ainda que indiciariamente factualidade consubstanciadora dessa mesma probabilidade e daquele receio.
Do supra exposto conclui-se pela existência dos referidos acréscimos patrimoniais, que não encontram justificação ou explicação nas actividades licitas conhecidas aos Arguidos e, por via disso e do disposto no n.º 1 do artigo 7.°, da aludida Lei n.º 5/2002, presumem-se constituir vantagem de actividade criminosa, cujo pagamento importa assegurar.
Mostra-se, pois e em consequência, preenchido o primeiro pressuposto supra referido para que o presente arresto possa ser decretado.

Por outro lado, impõe a lei processual civil que exista um fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora).
Para a verificação e preenchimento deste pressuposto tem de existir um perigo concreto de lesão grave e dificilmente reparável, pelo que não é qualquer consequência que possa vir a ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento de uma providência cautelar.
No âmbito do decretamento do arresto preventivo o periculum in mora será concretizado por referência ao receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento do apurado valor das vantagens.
No presente caso verifica-se uma aparente superioridade das vantagem ilicitamente obtidas em relação aquilo que se afigura ser o património lícito, declarado e conhecido dos Arguidos.
Por outro lado, e conforme se extrai dos autos, os Arguidos, ou pelo menos alguns deles, tudo têm feito para dificultar a percepção pelas autoridades policiais da actividade criminosa que vem desenvolvendo, sendo, por isso mesmo, lícito concluir que existe uma séria probabilidade de dissiparem o seu património quando tiverem conhecimento da acusação deduzida e da intenção do Ministério Público em recorrer ao mecanismo legal da perda alargada de bens e arresto.
Esta conclusão é ainda mais reforçada com aquilo que foi possível perceber quanto à personalidade dos Arguidos, que certamente não terão pruridos em esconder património, nomeadamente aquele que é mencionado pelo Ministério Público no requerimento em apreço, constituído por depósitos bancários de fácil movimentação e dissipação, ou veículos automóveis, de fácil transacção para terceiros.
A conjugação de rudo isto, não esquecendo que estamos perante prova meramente indiciária, tendo em vista a aplicação de uma medida de natureza cautelar, é susceptível de fundamentar um juízo de receio de perda da garantia patrimonial, promovida pelo Ministério Público na acusação pública que deduziu.
Não obstante o que se acabou de dizer, ou seja, que in casu se mostra demonstrado o receio de perda da garantia patrimonial, o certo é que, de acordo com o disposto no nº. 3 do artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002, o arresto pode ser decretado independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227º. do Código de Processo Penal, o que é dizer que o decretamento do arresto não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente, se existirem fortes indícios da prática do crime que vem imputado aos Arguidos/requeridos, como sucede no caso em apreço.

Diremos, por último, que a providência requerida e ora em apreço se afigura adequada à situação de lesão iminente acabada de identificar.
Tendo em consideração que não é sequer certo que o arresto requerido tenha alguma consequência prática no imediato, desde logo por se desconhecer quais os montantes actualmente depositados ou a depositar nas contas bancárias identificadas no requerimento em apreço, bem como se os bens individualizados se encontram ou não actualmente onerados, dúvidas não permanecem acerca da adequação entre a providência requerida e o direito invocado.
Importa ainda referir que, apesar de o Ministério Público não ter alegado e, por isso mesmo não ter provado, qual o valor dos bens cujo arresto pretende, nada impede o deferimento do promovido e, posteriormente, se for caso disso, a adequação da providência ao valor dos bens arrestados, reduzindo-se ou ampliando-se o arresto.

> Decisão.

Tudo visto, na procedência da presente providência, determino o arresto preventivo dos bens e direitos identificados pelo Ministério Público no requerimento em apreço, a efectivar pelo Gabinete de Recuperação de Activos nos moldes infra explicitados.
*
Cfr. artigo 11.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002.

Deixa-se consignado que, em relação ao arresto de contas bancárias devem ser cativados saldos e posições em instrumentos financeiros, não ficando impedido lançamento a crédito de novas verbas em tais contas, verbas que ficarão contempladas pelo arresto.

Tal como referido pelo Ministério Público e facilmente se extrai do alegado no requerimento em apreço, sustentado na prova supra referida, o prévio contraditório dos Arguidos requeridos colocaria em sério risco a efectividade do peticionado, essencialmente em relação ao arresto de contas bancárias.
Assim sendo, determina este Tribunal que o supra decidido seja efectivado sem prévia audição dos Arguidos requeridos.
As pessoas colectivas abrangidas pelo presente arresto devem ser oportunamente notificadas nas pessoas dos seus representantes legais.
Na sequência do supra determinado, transmita o teor do presente despacho, acompanhado do requerimento de arresto, à Chefia do Gabinete de Recuperação de Activos do Norte, tendo em vista:
- Inscrições nos registos públicos, quanto aos factos sujeitos a registo;

-Transmissão às instituições bancárias para arresto dos saldos bancários.

> Responsabilidade tributária.
Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público.

Anote na pasta própria e notifique, sendo os Arguidos/requeridos nos ma supra determinados e via Gabinete de Recuperação de Activos do Norte.

Porto, data acima.”

Nos autos principais, em 26/11/2023, foi proferida acusação contra, entre outros, os arguidos AA, BB e CC e as sociedades arguidas recorrentes B..., Lda. E C..., Unipessoal, Lda., sendo que aqueles dois primeiros agiram em nome próprio e em nome, em representação e no interesse destas sociedades arguidas, pela prática dos seguintes crimes:
“(...)
94) DD, EE, AA, BB e FF, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de falsificação de documento p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1 do Código Penal, e artigos 255.°, al. a), e 256.°, n.° 1, al. a) e d), 4, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.', n.° 1, ai', i), 5.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho, sendo a sociedade B... penalmente responsável por este crime, nos termos da mesma norma e dos artigos 11.°, n.° 1 e 2, al. a), 90.°-A e 90.°-G a 90.°-M, do Código Penal.(…)
112) AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de recebimento ou oferta indevidos de vantagem p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, 372.°, n.° 2, e 374.°-A, n.° 4, do Código Penal, sendo a sociedade B... penalmente responsável por estes crimes, nos termos das mesmas normas e dos artigos 11.°, n.° 1 e 2, al. a), 90.°-A e 90.°-G a 90.°-M, do Código Penal.(…)
118)GG, HH, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 2.° e 36.°, n.°s 1, ais. a) e c), 2, 5, al. a), e 8, do DL n.° 28/84, de 20 de janeiro.
119)A sociedade B... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 3.°, 7.°, 8.°, 9." e 36.°, n.°s 1, ais. a) e c), 2, 5, al. a), e 8, do DL n.° 28/84, de 20 de janeiro.
120)A sociedade C... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção, p. e p. pelos artigos 3.°, 7.°, 8.°, 9." e 36.°, n.°s 1, ais. a) e c), 2, 5, al. a), e 8, do DL n.° 28/84, de 20 de janeiro.
121)GG, HH, AA e BB, de 1 crime de branqueamento, p. e p. à data da prática dos factos pelo artigo 368.°-A, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal, e atualmente pelo artigo 368.°-A, n.° 1, al. k), n.°s 3 e 4, do mesmo Código.
122)A sociedade B... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de branqueamento, p. e p. pelos artigos 11.°, n. 1 e 2, al. a), e 368.°-A, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal à data da prática dos factos e, atualmente pelo artigo 368.°-A, n.° 1, al. k), n.s 3 e 4, do mesmo Código.
123) A sociedade C... é criminalmente responsável pela prática de 1 crime de branqueamento, p. e p. pelos artigos 11.", n.s 1 e 2, al. a), e 368.°-A, n.°s 1, 2 e 3, do Código Penal à data da prática dos factos e,' atualmente, pelo artigo 368.°-A, n.° 1, al. k), n.s 3 e 4, do mesmo Código.
Conforme resulta também da acusação, os arguidos AA, BB e CC foram ainda acusados pela prática dos crimes de prevaricação a participação económica em negócio a seguir referidos, relativos à celebração de contratos entre as sociedades B..., A..., Lda. e C..., Unipessoal, Lda., que aqueles representavam, com o Município ..., em violação das regras de contratação pública, tendo sido no património destas sociedades que se refletiram os lucros obtidos com a celebração dos contratos referidos na acusação e que, assim, foram as beneficiárias da prática dos crimes imputados aos seus legais representantes:(…)
2)GG, DD, EE, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 8 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.«, n.° 1, do Código Penal e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11." da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
3)GG, DD, EE, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 8 crimes de participação económica em negócio, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1 30 ° n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho. '
4)GG, DD, EE, AA, BB, CC, II, JJ e KK, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
5)GG, DD, EE, AA, BB, CC, II, JJ e KK, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30 ° n ° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
6)GG, DD, EE, AA, BB, LL e MM, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°,' n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
7)GG, DD, EE, AA, BB, LL e MM, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n 1,26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87,' de 16 de julho.
8)GG, AA, BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
9)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
10)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
11)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
12)GG, DD, EE, AA e CC, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
13)GG, DD, EE, AA e CC, em co-autoria e na forma consumada, 1 crime de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
14)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 4 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
15)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 4 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
16)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
17)GG, DD, EE, AA, BB e CC, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 12.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
18)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.° da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
19)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 2 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
i
20)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de prevaricação, p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.» 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 11.» da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.
21)GG, AA e BB, em co-autoria e na forma consumada, 7 crimes de participação económica em negócio p. e p. pelos artigos 14.°, n.° 1, 26.°, 28.°, n.° 1, 30.°, n.° 1, do Código Penal, e artigos 1.°, 2.°, 3.°, n.° 1, al. i), e 23.°, n.° 1, da Lei n.° 34/87, de 16 de julho.”
O Ministério Público requereu na acusação a aplicação, entre outros, às sociedades B..., A... e C... da providência sancionatória (perda de produtos e vantagens) prevista no artigo 110.°, n.° 1, al. b), e n.°s 2 e 4 do CP, indicando, em forma de tabela, as vantagens patrimoniais obtidas e identificando os responsáveis pelo seu pagamento, conforme se reproduz a seguir (Ponto iii.perda de instrumentos, produtos e vantagens/aniso 2.°y.




Tendo sido, em síntese, quanto às sociedades arguidas recorrentes, calculado a totalidade das quantias que constituem a vantagem da atividade criminosa obtida pelos arguidos com a prática dos crimes enunciados na acusação, isto é, que traduzem a vantagem económica direta ou indiretamente resultante desse facto, para si e para terceiros, e que deveria ser declarado perdido a favor do estado (artigo3.»), que a seguir se reproduzem:
Sociedades/ ArguidosValor
C...169.417,93€
B...1.934.440,27€
A...379.675,55€
O Ministério Público concluiu com o pedido de condenação de todos os arguidos e sociedades identificados no quadro supra na coluna sociedades/arquive (responsabilidade solidária), solidariamente no caso e na medida da comparticipação nos factos, a pagar ao Estado o valor expresso também no quadro supra na coluna "valor", que corresponde à vantagem da atividade criminosa por estes obtida.
Para além disso, o Ministério Público apresentou a liquidação do património incongruente com o rendimento licito, entre outros, da sociedade C..., UNIPESSOAL LDA., e requereu o confisco do respetivo valor, ao abrigo da Lei n.° 5/2002, de 11 de Janeiro, nos termos que a seguir se reproduz:
“ I) Do crime de catálogo e da constituição de arçuido
1o
Pela prática dos factos descritos na acusação que antecede, e respetiva qualificação jurídica, a sociedade C..., representada pelos arguidos AA e BB, foi constituída arguida a 8/07/2020.
II) Do rendimento lícito Durante os cinco anos que antecederam a constituição como arguido, Isto é desde 8/07/2015 e até 31/12/2022, a arguida C... obteve rendimentos e, consequentemente, apresentou perante 3 AT os seguintes rendimentos para efeitos de IRC, no montante global de 516 621,26€, conforme a seguir enunciado:
AnoRendimento disponível ATRendimento disponível Perda Alargada
2015
r 1
12 604,19 €6 112,17 €,
2016105 730,61 €:105 730,61 €
2017 j93 458,04 €93 458,04 €
201894 865,34 €94 865,34 €
201980 665,49 €80 665,49 €
202049 529,75 €49 529,75 €
202144 962,41 €44 962,41 €
202241 297,45 €41 297,45 €
Total523 113,28 €516 621,26 €

4o
Tal valor global inclui todos os rendimentos declarados pelo arguido em sede de IRS e as respetivas contribuições obrigatórias, bem como os rendimentos que não tenham sido declarados ou não sejam de declarar e que se encontram comunicados na base de dados de obrigações acessórias da AT pelas respetivas entidades pagadoras.
5o
A arguida C... não obteve durante o referido período outros rendimentos lícitos.
Ill) Do Património (artigo 7." da Lei 5/2002. de 11/01).
6o
No mesmo período temporal, isto é entre 8/07/2015 e até 31 /12/2022, a arguida C... possuiu um património composto por depósitos bancários e produtos financeiros.
7o
Ainda no mesmo período, a arguida C... foi titular das contas bancárias nos Bancos a seguir referidos, onde foram verificados os seguintes movimentos/entradas a crédito no valor total de 4 415 666,37€ resultantes dos movimentos a crédito nas contas a seguir referidas(…)”
IV- Do património incongruente.

No período referido o património relevante da arguida C..., tal como considerado pelo artigo 7.° da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, e supra descrito, é constituído por ativos no valor global de 4.415.666,37€.

No período referido, arguida C... auferiu rendimentos lícitos no valor global de 516.621,26€.
10°
A arguida C... possui, deste modo, um património, tal como considerado no artigo 70 n • 1 da Lei 5/2002, no valor de 3.899.045,11€ que não é compatível com os seus rendimentos lícitos e fiscalmente comprovados, obtido mediante a dedução do seu rendimento lícito à totalidade do seu património, tal como considerado no referido preceito legal, que a seguir se sintetiza:


(…)E nestes termos, liquidou-se ao abrigo do disposto no ártico 7.° n.° 1 da Lei n.° 5/2002. de 11 de janeiro, o seguinte valor:

(…)- quanto à arguida C... 3.899.045.11€. montante que deverá ser declarado perdido a favor do Estado, porquanto constitui vantagem de atividade criminosa."
*
2.2). Dos fundamentos do recurso/objeto.
2.2.1).
-Não liquidação de vantagens relativamente às sociedades arguidas.
-Ilegalidade do cálculo das vantagens.
-Ausência de factualidade do justo receio de perda de garantia patrimonial.
*
2.2.2).

Não liquidação de vantagens relativamente às sociedades arguidas.

Importa antes de todo o mais esclarecer que o arresto em causa visa assegurar o pagamento dos seguintes valores:
- as vantagens que não foi possível apropriar em espécie = perda clássica (artigo 110º do CP);
- o valor do património incongruente = perda alargada (artigos 7º e 10º da Lei 5/2002, de 11.01.

O arresto preventivo (art. 228.º CPP), a par da caução económica, é uma medida de garantia patrimonial que tem como fim permitir o arresto de certos bens com vista a assegurar o cumprimento de obrigações pecuniárias oriundas do processo penal.
O arresto com vista à perda alargada de bens a favor do Estado constante dos arts. 7.º e 10.º da Lei 5/200, de 11 janeiro é uma medida criada no combate à criminalidade organizada, o qual tem por fim a: “restituição do arguido ao status patrimonial anterior à prática do crime”
Segundo Conde Correia os objetos que tiverem servido ou que estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico são os instrumentos do crime; os que forem por estes produzidos são os produtos do crime; as vantagens são as recompensas dadas ou prometidas ao autor ou a terceiro, as coisas, os direitos ou vantagens adquiridos através do facto ilícito típico por aquele ou por outrem podendo consistir num aumento do ativo ou diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisas ou de direitos alheios ou na mera poupança ou supressão de despesas. Abrangendo-se assim as vantagens direta ou indiretamente adquiridas, podendo caber aqui também os bens em que se transforma as vantagens ou a recompensa. Diferente é o cálculo da vantagem confiscável onde caberá às autoridade judiciárias demonstrar a sua realização mas que segundo o autor poderão assentar em estimativas do julgador que não podem ser totalmente abstratas: “(…) A operação não pode consistir numa mera suposição, alheia à realidade.” CORREIA, JOÃO CONDE, Da proibição do confisco à perda alargada. Lisboa: Imprensa Nacional da Casa da Moeda, 2012, p. 43,.
Por sua vez, resulta do art. 10.º da Lei 5/2002, de 11 de janeiro, a possibilidade de se proceder ao arresto dos bens do arguido, com vista à sua perda alargada a favor do Estado, por se presumir que a sua titularidade é oriunda da prática de um dos crimes do catálogo. Terá de ser o arguido a demonstrar a sua proveniência lícita. Na esteira de Damião da Cunha consideramos que tal presunção abrange o património total do arguido: “O que acontece é que quem beneficia da presunção fica desonerado de provar o facto presumido. Assim, na realidade, é todo o património do arguido que é tido como proveniente de fonte ilícita e adquirido dentro dos cinco anos anteriores à constituição de arguido, pois só desta forma fará sentido que o arguido tenha de ilidir a presunção”. O legislador determina um critério geral que permite ilidir a referida presunção, ou seja, se os bens, ou património, se encontrarem na esfera jurídica do arguido há mais de cinco antes da sua constituição como tal, a presunção é ilidida.
Os termos da sua determinação são mais próximos de uma consequência de natureza administrativa sancionatória do que propriamente de uma pena, pois o cômputo dessa perda é realizado com base em apuramentos patrimoniais e não com base no grau de culpa do agente. “No fundo, uma medida de correção e de confirmação da validade e de vigência do ordenamento jurídico que, apenas pode retirar o património incongruente do condenado, devendo deixar o restante incólume “CORREIA, JOÃO CONDE, Da proibição … p. 116.
No que concerne ao arresto, nem sequer há juízo de culpa formado, pois aqui, normalmente, encontramo-nos na fase de investigação por natureza, logo no início do processo penal, onde a presunção da inocência deve ter uma maior incidência e é aqui, neste momento tão precoce do processo penal, que o ónus da prova carece de ser cumprido pelo arguido se quiser evitar o arresto do seu património. Ou seja, com base nesta lei e regime em (26) idem, 115. (27) DIAS, AUGUSTO SILVA, Criminalidade Organizada…, p.39. (28) idem, p. 43. 26 ANA RAQUEL CONCEIÇÃO análise, logo no inquérito poderá o MP requerer ao JIC a realização do arresto de todo o património do arguido, cabendo a este impugnar tal decisão com o ónus de demonstrar o que é de proveniência lícita ou demonstrar que já passaram os já referidos cinco anos à data da sua constituição como arguido, tentando afastar a presunção.
Decretado o arresto, fica impedido de movimentar saldos bancários, alinear património, ou qualquer outra operação para fazer face às despesas (29) SILVA, GERMANO MARQUES, Meios processuais expeditos no combate ao crime organizado (a Democracia em perigo?). In Lusíada. Direito, Vol. n.º 3, Fundação Minerva, 2005, p. 75. O ARRESTO PREVENTIVO que tem com o seu processo, ou de ter meios para subsistir. Cabe-lhe, ainda, ter de provar a origem do seu património, sob pena de o arresto se manter até à decisão final que até pode vir a ser absolutória.
Cumpre-se ainda salientar que o TC foi chamado a pronunciar-se sobre o regime da perda alargada prevista no art. 7.º e 9.º, da referida lei, tendo determinado não ser inconstitucional tal regime com base na existência de um processo autónomo oriundo do processo penal, onde o contraditório é exercido de forma plena. Conforme é referido: “(…) o montante apurado como devendo ser declarado perdido em favor do Estado deve constar de um ato de liquidação, integrante da acusação ou de ato posterior, onde se indicará em que se traduz a desconformidade entre o património do arguido e o que seria congruente com o seu rendimento lícito. Este ato de liquidação é notificado ao arguido e ao seu defensor, podendo o arguido apresentar a sua defesa, nos termos já referidos, assegurando-se, assim, um adequado exercício do contraditório, sendo que, conforme se referiu, para ilidir a presunção, o arguido pode utilizar qualquer meio de prova válido em processo penal, não estando sujeito às limitações probatórias que existem, por exemplo, no processo civil ou administrativo, além de que o próprio tribunal deverá ter em atenção toda a prova existente no processo, donde possa resultar ilidida a presunção. (…) Acresce ainda que, no plano processual, o regime de perda de bens previsto na Lei n.º 5/2002, embora assente numa condenação pela prática de determinado ilícito criminal (integrante do catálogo previsto no art. 1.º da Lei n.º 5/2002), está sujeito a um procedimento próprio, enxertado no procedimento criminal pela prática de algum dos aludidos crimes, no qual o legislador não deixou de ter em atenção diversas garantias processuais”.
O valor do património confiscável deverá ser avaliado (recorrendo a perícias, documentos, índices de preços) ou, quando isso não for possível estimado. O cálculo deverá ser, em ambos os casos, o mais rigoroso possível. Não podemos correr o risco de subavaliações, que impedem ou diminuem o justo alcance da presunção, beneficiando o condenado, nem, ao invés, de sobre avaliações, capazes de fazer funcionar injustamente a presunção e, logo, de prejudicar o visado. A justa avaliação do seu património é imprescindível ao bom funcionamento dessa medida” CORREIA, JOÃO CONDE, Da proibição do confisco... p. 111. (37) idem, p. 106., sem prejuízo do exercício do contraditório por parte do visado que poderá ver corrigido o património incongruente.
No que diz respeito à perda alargada, património do arguido abrange não só os bens de que ele seja formalmente titular (do direito de propriedade ou de outro direito real), mas também aqueles de que ele tenha o domínio de facto e de que seja beneficiário, à data da constituição como arguido ou posteriormente.
A amplitude com que a lei define o património do arguido tem por objetivo minimizar a possibilidade de ocorrência de fraude, de ocultação do seu verdadeiro titular. Com esta formulação ampla, o legislador consagrou uma noção de património de natureza económica. «Para este efeito, o património não é constituído apenas pelo conjunto dos direitos e obrigações civis com caráter pecuniário de um determinado sujeito, abrangendo todas as posições ou situações economicamente valiosas tituladas pelo condenado, mesmo que desprotegidas, não tuteladas ou até contrárias ao direito civil: inclui tudo aquilo que materialmente ainda possa ser imputado ao condenado, mesmo que, do ponto de vista formal, não lhe pertença.».

O património do condenado tem ainda de ser incongruente com o seu rendimento lícito, ou seja, é necessário que exista uma desproporção entre ele e os seus rendimentos lícitos.
A lei não define o que é rendimento lícito, sendo «legítimo considerar como tal aquele que resulta da sua manifestação e registo público e declaração fiscal nos termos dos regimes legais respetivamente aplicáveis»

Uma vez verificados os pressupostos atrás referidos (condenação por crime de catálogo, património e que este seja incongruente com o rendimento lícito), o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa – art.7.º, n.º1, da Lei n.º5/2002.
O arguido pode ilidir esta presunção legal, demonstrando que o património não é incongruente. Dispõe o art.9.º, n.º3, da Lei n.º 5/2002, que a presunção pode ser ilidida se o arguido provar que os bens resultam de rendimentos lícitos [alínea a)], de que estavam na sua titularidade há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido [alínea b)] ou, provando ainda que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido [alínea c)]. A este respeito vide Ac. RP, de 12.07.17, relatora Luísa Arantes de in wwwdgsi.pt.

Entendeu o Mmo. Juiz de Instrução Criminal que: "Extrai-se dos presentes autos e dos autos principais a que estes autos se encontram apensos, nomeadamente da prova mencionada pelo Ministério Público no requerimento agora em análise (que coincide com a prova indicada na acusação deduzida nos autos principais), a forte indiciação da prática pelos Arguidos requeridos de factos que, abstratamente perspetiváveis, serão suscetíveis de os fazer incorrer na prática de crimes de associação criminosa, prevaricação. participação económica em negócio, branqueamento e falsificação de documento, tudo nos moldes melhor descritos na acusação pública, para onde se remete." E que "Acresce que, da prova recolhida pelo Ministério Público, com especial relevo para a investigação financeira/patrimonial desenvolvida pelo Sector de Perícia Financeira e Contabilística da Polícia Judiciária, constante do Anexo dos autos principais, resulta fortemente indiciado o alegado pelo Ministério Público no requerimento em apreço, nomeadamente que os Arguidos requeridos obtiveram as vantagens identificadas no quadro constante do artigo 2º do requerimento em apreço, resultantes da actividade criminosa relacionada com a prática dos crimes imputados, bem como que apresentam o património incongruente identificado no quadro constante do artigo 3.° do requerimento em apreço."
Efetivamente, e conforme demonstrado supra foram liquidadas vantagens e apurado património incongruente quanto às sociedades recorrentes, devidamente descritas na acusação e sintetizadas nos respetivos quadros da perda de vantagens, acima reproduzidos, e que foram igualmente integralmente reproduzidas pelo Mmo. Juiz de Instrução Criminal, sendo evidenciadas a referência já efetuada às sociedades recorrentes, com indicação da sua responsabilidade solidária quanto aos demais arguidos identificados e o respetivo valor, por referência aos factos descritos na acusação.
Nestes termos, dúvidas não podem subsistir sobre a devida liquidação e quantificação das vantagens da responsabilidade das sociedades recorrentes, pelo que o Mmo. Juiz de Instrução Criminal, ao concluir pela forte indiciação da existência dessas vantagens e incongruências, fundamentando na prova indicada na acusação, que igualmente reproduziu, decidiu de forma correta e fundamentada.

Ilegalidade do cálculo das vantagens.
Alegam os recorrentes que o critério do cálculo das vantagens é ilegal porque diz respeito ao valor das adjudicações e não considera o custo de aquisição e execução dessas obras (ganho líquido).
Dispõe o artigo 110.° do CP:
"1- São declarados perdidos a favor do Estado:
a)Os produtos de facto ilícito típico, considerando-se como tal todos os objetos que tiverem sido produzidos pela sua prática; e
b)As vantagens de facto ilícito típico, considerando-se como tal todas as coisas, direitos ou vantagens que constituam vantagem económica, direta ou indiretamente resultante desse facto, para o agente ou para outrem.
2- 0 disposto na alínea b) do número anterior abrange a recompensa dada ou prometida aos agentes de um facto ilícito típico, já cometido ou a cometer, para eles ou para outrem.
3- A perda dos produtos e das vantagens referidos nos números anteriores tem lugar ainda que os mesmos tenham sido objeto de eventual transformação ou reinvestimento posterior, abrangendo igualmente quaisquer ganhos quantificáveis que daí tenham resultado.
4-Se os produtos ou vantagens referidos nos números anteriores não puderem ser apropriados em espécie, a perda é substituída pelo pagamento ao Estado do respetiva valor, podendo essa substituição operar a todo o tempo, mesmo em fase executivo t mm os limites previstos no artigo 112.°-A. (...)"
Nos termos do disposto no artigo 111.°, n.° 2, al. a), do CP "Ainda que os instrumentos, produtos ou vantagens pertençam a terceiro, é decretada a perda quando: a) o seu titular tiver concorrido, de forma censurável para a sua utilização ou produção ou do facto tiver retirado benefícios".
E de acordo com o disposto nos artigos 483.°, 490.° e 497.° do CC a responsabilidade pela prática de factos ilícitos é solidária.
Um dos objetivos subjacentes ao confisco é o de privar o condenado da vantagem auferida com a prática do crime, colocando-o na situação patrimonial em que estaria se o crime não tivesse sido cometido.
O valor da vantagem afere-se pela diferença entre o que o arguido tem e aquilo que teria se não fosse cometido o crime. Trata-se, como refere João Conde Correia (Da Proibição do Confisco à Perda Alargada, INCM, p. 91), da valorização líquida do património. Essa valorização líquida só se consegue colocando o arguido no status quo patrimonial anterior à prática do crime.
Ora, conforme resulta dos factos descritos na acusação a vantagem patrimonial apurada decorrente da prática dos crimes corresponde ao valor dos contratos celebrados entre o Município ... e as sociedades privilegiadas, de acordo com o plano traçado e executado pelos arguidos, com violação indiciada das regras da contratação pública. Foi este valor que foi obtido pelas sociedades recorrentes com a violação daquelas regras. Se as regras da contratação pública não tivessem sido violadas não teria sido possível celebrar os contratos em causa e, consequentemente, não teria sido pago o seu valor integral (sendo que o valor dos contratos indicados é sem aplicação do IVA).
Se não tivessem sido cometidos os crimes acima indicados que geram as vantagens liquidadas, os arguidos não teriam auferido aqueles valores, sendo que não existe nenhum "custo" associado ao cometimento do crime. Ou seja, no cometimento do facto que gera a vantagem, os arguidos recorrentes não despenderam qualquer montante. O crime foi cometido, sem qualquer gasto ou custo para os arguidos, e esse crime gerou a vantagem, tendo esta se repercutido na esfera patrimonial dos arguidos. A utilização da vantagem (valor dos contratos), em investimentos ou em aquisição de bens e serviços não deve ser deduzido na vantagem auferida.
Para além disso, foram apuradas vantagens relativas a obras cujo valor contratado não foi executado, constituindo a vantagem o respetivo valor não executado.
Assim, é essa vantagem que tem que ser liquidada e declarada perdida a favor do Estado, sem prejuízo dos direitos de defesa dos arguidos ou terceiros beneficiários, que têm a faculdade de alegar e provar outros factos (e até direito de regresso previsto no n.° 2 do artigo 497.° do CC).
É, assim, irrelevante a alegação de qualquer desconto de índole subjetivo e não concretizado.
Efetivamente, a teoria sufragada pelas recorrentes, segundo a qual teria que ser efetuado um "desconto" da vantagem obtida pelo agente do montante que despendeu para obter essa vantagem, no limite implicaria o desconto do valor, por exemplo, dos instrumentos que o agente do crime adquiriu para cometer o crime.
Tal não foi seguramente o que o legislador pretendeu, pois que o crime não pode compensar.
Sendo ainda que, no caso das obras não executadas o valor da vantagem não poderia sofrer qualquer desconto, uma vez que os respetivos trabalhos não foram sequer efetuados.
Acresce que os referidos custos terão um cariz inócuo na medida em que o seu pagamento ou suporte terá sido coberto com as vantagens auferidas com a prática dos ilícitos, ou seja os valores recebidos suportaram/pagaram esses alegados custos, pelo que na prática os arguidos não arcaram com eles, pelo contrário, ou não tivessem os negócios e causa sido realizados com intuitos lucrativos por parte dos acusados.
Acresce que a eventual discussão sobre tais custos e tendo presente a lei suprarreferidas, sempre podem ser discutidos noutra sede. Ou seja o local apropriado para tal discussão seria em sede de oposição ao arresto ou mais à frente em sede de contraditório na fase de julgamento. Para efeitos de decretamento de arresto a lei basta-se com a confrontação dos valores dos negócios ilícitos, que refletem as vantagens da prática dos ilícitos em causa, pelo que em nosso entender não ocorre qualquer violação de normas constitucionais, face às possibilidades de defesa asseguradas aos arguidos a respeito.
Efetivamente, o núcleo primordial da recuperação de ativos, que sustenta a máxima "o crime não pode compensar", assenta na efetivação do restabelecimento da ordem patrimonial conforme ao direito.
Conforme ensina o acórdão do TRG de 25-03-2019, in www.dssi.pt. "É incontroverso que o objetivo do legislador ao decretar a perda de vantagens decorrentes da prática de um crime, é dizer à comunidade e ao concreto indivíduo visado que "o crime não compensa". Não compensa porque acarreta uma punição e não compensa, porque são perdidas as vantagens com o crime adquiridas. Esta dupla afirmação exige, portanto, coerência. E exige coerência, porque é incoerente punir alguém pela prática de um crime e permitir-lhe ficar com as vantagens adquiridas com a prática desse crime. E também é incoerente o Estado sofrer uma perda patrimonial e não procurar reconstituir a situação patrimonial que existia antes da prática do crime.
Também é hoje incontroverso que a lei não deixa que a perda de vantagens de um crime, fique à mercê de interpretações ou de juízos de oportunidade. A lei impõe hoje necessariamente a perda (art. 110º n° 1 b) do CP), sem dar a possibilidade ao julgador de equacionar a sua aplicação ou não aplicação, perda esta que se não em espécie, terá de ser em valor.
Existem, é certo, limites a respeitar, no que diz respeito à salvaguarda dos direitos de terceiro, mas também para estes já contém atualmente o processo penal mecanismos de tramitação adequados (art. 347º- A do CPP na redação introduzida pela lei 30/2017 de 30.05)
Ao tempo da prática dos factos em apreciação, dispunha o n° 2 do artigo 111º do CP que são também perdidas a favor do Estado (...) as coisas, os direitos ou vantagens que, através do facto ilícito típico, tiverem sido diretamente adquiridos, para si ou para outrem, pelos agentes e representem uma vantagem patrimonial de qualquer espécie.
Interessa-nos o conceito de vantagem. Define-o F. Dias (in Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do crime, Coimbra Editora, 2013, 632): "todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado".
A declaração de perda das vantagens de um crime, concretizada através do valor correspondente, decorre diretamente do artigo 4º, n° 1 da Diretiva 2014/42/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, que impõe aos Estados Membros a adoção de regras mínimas em matéria de confisco e a adequação do direito interno às exigências europeias.

E que o Estado não pode pactuar com a situação antijurídica criada, limitando- se a aplicar uma pena e desinteressando-se das consequências patrimoniais da prática do crime, no caso de não ter sido deduzido pedido de indemnização civil. Está longe o tempo em que a questão patrimonial se limitava à reparação dos prejuízos sofridos por lesados. A política criminal mudou significativamente nos últimos anos. - (Veja-se por exemplo a lei 5/2002 de 11.01) - e mais do que na aplicação da pena é na privação dos benefícios patrimoniais obtidos com a prática de crimes, que o legislador vem respondendo às renovadas exigências de prevenção criminal. Daí que em caso de condenação, a perda das vantagens obtidas com a prática do crime decorra diretamente da lei."

Assim, obtidos indícios fortes da prática de crime e quantificada a vantagem direta desse crime, ou o seu valor, terá que ser este valor objeto de arresto, de modo a garantir o confisco de bens suficientes para o pagamento dessa vantagem, pois que o crime não é título legítimo de aquisição.
Nestes termos, a decisão judicial agora em crise encontra fundamento nas referidas disposições penais (e ali invocadas), uma vez que fortemente indiciados os crimes, as vantagens obtidas foram apuradas e liquidadas, sendo sustentadas pelos elementos de prova indicados.

Para além disso, e quanto ao património incongruente liquidado quanto à sociedade C..., face ainda aos crimes de fraude na obtenção de subsídio e branqueamento fortemente indiciados na acusação, importa atender ao disposto no artigo 7.°, n.° 1, da Lei 5/2002, de 11 /01, que dispõe que "presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito".
Apurada e liquidada essa diferença, entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o seu rendimento lícito, presume-se que a mesma provém de atividade criminosa.
E dispõe o artigo 10.°, n.° 1, da referida Lei n° 5/2002 que "Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n° 1 do artigo 7.°, é decretado o arresto de bens do arguido". O arresto, que pode ser requerido a todo o tempo pelo Ministério Público, deve ser decretado sobre bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa (n° 2 do referido preceito legal), sendo decretado pelo juiz independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n° 1 do artigo 227.° do CPP, se existirem fortes indícios do cometimento do crime (n° 3 do referido preceito legal).
Este arresto visa garantir o (eventual) futuro confisco de um dado património que, porque incongruente com os rendimentos lícitos, se «presume», na aceção da citada Lei n.° 5/2002, de 11 de janeiro e na falta de prova bastante em contrário, constituir vantagem de atividade criminosa.
Assim, verificados os requisitos legais da aplicação do mecanismo de perda alargada de bens, previsto na Lei n° 5/2002, de 11-01, em concreto indiciação da prática de um crime do catálogo (art. 1º da Lei n° 5/2002, de 11-01) e a existência de património do arguido incongruente com o seu rendimento lícito, é acertada a decisão judicial de arresto de bens no valor incongruente apurado e liquidado, importando não esquecer que a lei permite, ainda assim, o decreto do arresto em situação de liquidações provisórias (artigo 8º da lei 5/2002).
Em face do exposto, quanto à perda das vantagens (perda clássica) foram apurados valores quanto às sociedades recorrentes.
Quanto à perda alargada foi apurado o património da sociedade recorrente C... (entre outros arguidos).

Ausência de factualidade do justo receio de perda de garantia patrimonial.

No domínio das vantagens do crime são requisitos legais para recorrer ao arresto da perda clássica, a existência de um crédito e o alegado perigo de se perder a respetiva garantia patrimonial.
Como se refere na decisão judicial em crise "O legislador nacional, em coerência com as propostas internacionais e os modelos disponíveis no direito comparado, estabeleceu também um conjunto de garantias processuais de efetivação do confisco: a apreensão (artigos 178º e ss. do Código de Processo Penal), a caução económica (artigo 227º do Código de Processo Penal), o arresto preventivo (artigo 228º do Código de Processo Penal) e o arresto para efeitos de perda alargada (artigo 10.° da Lei n.° 5/2002). Se assim não fosse, quando finalmente chegasse o momento derradeiro de executar a decisão, já nada haveria para confiscar. A sentença arriscar-se-ia, então, a ser uma decisão platónica."
Como requisitos substanciais para a respetiva procedência, impõe o artigo 368.° do CPC, não a prova cabal da existência do direito, mas apenas a probabilidade séria dessa existência, alcançada através duma análise sumária (summario cognitio) da situação de facto.
À existência provável daquele direito (fumus boni juris) acresce, pois, o receio de que tal direito seja seriamente afetado ou inutilizado senão for decretada uma determinada medida cautelar (periculum in mora).
Quanto à existência do direito, ou seja, à sua aparência, supõe o exercício de um juízo positivo por parte do juiz de que o resultado do processo principal será provavelmente favorável ao autor.
A propósito da exigência do "justificado receio", escreve Hélio Rigor Rodrigues ("A acusação e a vertente patrimonial do crime: da perda clássica à perda ampliada e arrestos correspondentes - Uma proposta de solução", in Revista do Ministério Público, n.° 152, página 200), que "O que se exige como pressuposto da aplicação do arresto nestes casos são os indícios da prática do facto ilícito e do valor por este gerado, não os perigos de dissipação. O crime não é título aquisitivo de propriedade, e o arguido não pode dispor (ainda que temporariamente) desse incremento patrimonial, ainda que não tenha intenção de o dissipar. Isto significa que o arguido pode até ter vontade de não alienar um cêntimo do valor que obteve com a prática do crime, e pode até nunca ter praticado ou se prepare para praticar qualquer acto que indicie que pretende dissipar esse património, mesmo nestes casos, deverão as vantagens do crime ou o seu valor ser arrestados, impedindo-se de imediato o arguido de a gozar. É apenas condição para tal que se demonstre a existência de fortes indícios do crime e de que esse crime gerou vantagens (presumidas ou demonstrada). Não é necessário aguardar que o arguido pratique o crime de branqueamento para que as vantagens do crime sejam confiscadas."
Efetivamente, o confisco de bens tem subjacente a garantia da remoção do benefício gerado pela prática do facto ilícito típico, ou seja, pretende-se colocar o arguido na situação em que estaria se não tivesse praticado o crime.
Na verdade, pese embora a intrincada profusão e variedade de modalidades adjetivas no ordenamento jurídico nacional de mecanismos de confisco que por vezes geram confusão, o certo é que temos que olhar para tais mecanismos conhecendo e entendendo a ratio da sua criação e, deste modo, os fins que os mesmos pretendem atingir, na esteira da legislação internacional (maxime a Decisão Quadro 2003/577/JAI e Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho).
Atente-se, nesta sequência, ao teor do artigo 7º da Diretiva 2014/42/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, que aqui se transcreve e que, em momento algum, exige outro requisito para o arresto do valor das vantagens, que não seja, a urgência da medida para preservar os bens:
"Artigo 7.
Congelamento
Os Estados-Membros tomam as medidas necessárias para permitir o congelamento de bens, tendo em vista uma eventual decisão de perda subsequente. Tais medidas, que devem ser impostas pela autoridade competente, incluem uma atuação urgente quando necessário para preservar os bens.
Os bens na posse de terceiros, conforme referido no artigo 6., podem ser sujeitos a medidas de congelamento para efeitos de uma eventual decisão de perda subsequente."
Assim, foquemo-nos na intenção do Arresto Preventivo, perda clássica, previsto no artigo 228° do CPP, quando requerido com vista à garantia do pagamento da vantagem patrimonial obtida com a prática do crime.
É tal intenção, inequívoca e categoricamente, a de impedir que o agente do crime beneficie com a prática deste, ou seja, que o crime não lhe compense!
Desta feita, pretende-se cautelar e provisoriamente, retirar da fruição do agente do crime as vantagens que dele retirou e, restitui-las a quem de Direito, in casu, o Estado Português.
Assim, o objetivo primordial é que "o crime não compense", procurando-se dessa forma retirar as vantagens aos criminosos, evitar o reinvestimento das vantagens na prática de novos factos ilícitos típico e impedir que haja uma concorrência desleal na economia legal através das vantagens ilícitas.
Concretizando estes princípios a decisão judicial em crise, de forma correta e de forma fundamentada, enuncia os requisitos legais do arresto quer da perda clássica quer da perda alargada e o seu preenchimento, conforme a seguir se transcreve:
"De acordo com as normas do processo civil reguladoras do procedimento referente à providência cautelar em apreço constata-se a exigência de que «o requerente deduza os factos que tornam provável a existência do crédito e justifiquem o receio invocado (...)» cfr. artigo 392.n.º 1, do Novo Código de Processo Civil.
Exige-se, pois, a verificação de uma probabilidade séria da existência do direito invocado pelo requerente, a quem cabe alegar e provar ainda que indiciariamente a factualidade consubstanciadora dessa mesma probabilidade e daquele receio.
Do supra exposto conclui-se pela existência dos referidos acréscimos patrimoniais, que não encontram justificação ou explicação nas actividades lícitas conhecidas aos Arguidos e, por via disso e do disposto no n.°1 do artigo 7º da aludida Lei nº 5/2002, presumem-se constituir vantagem de actividade criminosa, cujo pagamento importa assegurar.
Mostra-se, pois e em consequência, preenchido o primeiro pressuposto supra referido para que o presente arresto possa ser decretado.
Por outro lado, impõe a lei processual civil que exista um fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora).
Para a verificação e preenchimento deste pressuposto tem de existir um perigo concreto de lesão grave e dificilmente reparável, pelo que não é qualquer consequência que possa vir a ocorrer antes da decisão definitiva que justifica o decretamento de uma providência cautelar.
No âmbito do decretamento do arresto preventivo o periculum in mora será concretizado por referência ao receio de que faltem ou diminuam substancialmente as garantias de pagamento do apurado valor das vantagens. No presente caso verifica-se uma aparente superioridade das vantagens ilicitamente obtidas em relação àquilo que se afigura ser o património lícito, declarado e conhecido dos Arguidos.
Por outro lado, e conforme se extrai dos autos, os Arguidos, ou pelo menos alguns deles, tudo têm feito para dificultar a percepção pelas autoridades policiais da actividade criminosa que vem desenvolvendo, sendo, por isso mesmo, lícito concluir que existe uma séria probabilidade de dissiparem o seu património quando tiverem conhecimento da acusação deduzida e da intenção do Ministério Público em recorrer ao mecanismo legal da perda alargada de bens e arresto.
Esta conclusão é ainda mais reforçada com aquilo que foi possível perceber quanto à personalidade dos Arguidos, que certamente não terão pruridos em esconder património, nomeadamente aquele que é mencionado pelo Ministério Público no requerimento em apreço, constituído por depósitos bancários de fácil movimentação e dissipação, ou veículos automóveis, de fácil transacção para terceiros.
A conjugação de tudo isto, não esquecendo que estamos perante prova meramente indiciária, tendo em vista a aplicação de uma medida de natureza cautelar, é susceptível de fundamentar um juízo de receio de perda da garantia patrimonial, promovida pelo Ministério Público na acusação pública que deduziu.
Não obstante o que se acabou de dizer, ou seja, que in casu se mostra demonstrado o receio de perda da garantia patrimonial, o certo é que, de acordo com o disposto no n.° 3 do artigo 10º da Lei nº 5/2002, o arresto pode ser decretado independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.° 1 do artigo 227º do Código de Processo Penal, o que é dizer que o decretamento do arresto não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente, se existirem fortes indícios da prática do crime que vem imputado aos Arguidos/requeridos6, como sucede no caso em apreço.
*
Diremos, por último, que a providência requerida e ora em apreço se afigura adequada à situação de lesão iminente acabada de identificar.
Tendo em consideração que não é sequer certo que o arresto requerido tenha alguma consequência prática no imediato, desde logo por se desconhecer quais os montantes actualmente depositados ou a depositar nas contas bancárias identificadas no requerimento em apreço, bem como se os bens individualizados se encontram ou não actualmente onerados7, dúvidas não permanecem acerca da adequação entre a providência requerida e o direito invocado."

Ainda e no que diz respeito à perda alargada, os requisitos do arresto estão previstos no artigo 10º, n.º 2 da Lei 5/2002 – que se cinge à existência de fortes indícios da prática do um crime de catálogo.
Neste caso, havendo liquidação não se exige o perigo da diminuição das garantias patrimoniais.

De facto, o artigo 10.º, da Lei n.º 5/2002, de 11/01, redação originária, com a epígrafe «Arresto» determina que:
. n.º 1 - Para garantia do pagamento do valor determinado nos termos do n.º 1 do artigo 7.º, é decretado o arresto de bens do arguido.
. n.º 2 - a todo o tempo, o Ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa.
n.º 3 - o arresto é decretado pelo juiz, independentemente da verificação dos pressupostos referidos no n.º 1 do artigo 227.º do Código de Processo Penal, se existirem fortes indícios da prática do crime (redação original).

A atual redação, introduzida pela Lei 30/17, de 30/05, tem o seguinte teor quanto ao n.º 2, mantendo-se os nºs. 1 e 3 com igual redação:
. n.º 2 - A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o Ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa – nosso sublinhado -, alteração com início de vigência em 01/06/2017 (artigo 24.º, da referida Lei 30/17).
O n.º 1, do citado artigo 7.º, da mesma Lei n.º 5/2002, estipula que «em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.».
Ou seja, praticando o agente um crime que se integre naqueles que estão incluídos no artigo 1.º, do diploma legal em causa, para que se consiga na maior plenitude possível que o mesmo agente não obtenha qualquer tipo de benefício com a sua atuação criminalmente ilícita, calcula-se o valor que se considera «vantagem de atividade criminosa» e em relação a esse valor pode ser decretado o arresto de bens do agente do crime.
Tal valor da indicada vantagem ilícita obtém-se realizando a diferença entre o valor de todo o património do arguido e o valor daquele que seja congruente com o seu rendimento lícito, tendo o património do arguido o âmbito definido no n.º 2, do artigo 7.º daquela mesma Lei, diploma a que se entende que é aquele que nos referimos sempre que não se fizer menção específica).
Assim, na liquidação que o artigo 8.º, n.º 1 determina («o Ministério Público liquida, na acusação, o montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado), o M.º P.º tem de calcular o valor que deve ser declarado perdido a favor do Estado, assim se delimitando a amplitude que pode assumir a declaração de perda alargada não podendo o «tribunal declarar perdido a favor do Estado montante superior àquele que resulta do confronto entre o rendimento lícito e o património global descritos na liquidação…» - Hélio Rodrigues, perda de bens no crime de tráfico de estupefacientes, Revista do Ministério Público, páginas 241 e 242 -.
E, nessa liquidação, como ali se refere, página 242, assume-se o «importante papel de identificar os concretos bens que integram o património incongruente e, consequentemente, cuja origem lícita o arguido terá que demonstrar, nos termos do artigo 9.º, da referida Lei.».

Assim, ao contrário do propugnado pelos recorrentes, foram alegados factos que demonstram à saciedade a probabilidade séria da existência do direito (de crédito) e o perigo de dissipação, este último exigível na perda clássica, mas já não na perda alargada.
A decisão judicial acolheu os fundamentos que o Ministério Público aduziu ainda no seu requerimento de arresto, nomeadamente que, atenta a natureza e o perfil da atividade criminosa indiciada, a sua intensidade, a sua permanência no tempo, a sua dedicação à obtenção de elevadas vantagens patrimoniais e a sua transmissão entre os vários intervenientes, com a constituição de sociedades para absorção dessas vantagens para cada específico negócio, atentos ainda os valores em causa, ocorre justificado receio de que se percam os bens que haverão de responder pela perda, sobretudo quando conhecida a acusação.
Com efeito, é previsível, com fundamento no descrito na acusação, que os arguidos rapidamente diligenciem por movimentar o seu património, dissipando-o ou ocultando-o, a fim de evitarem dele se verem privados.
Um arguido acusado da prática daqueles crimes, graves, com valores tão elevados em causa, que tenha património faz sempre recear que em relação a este o possa querer dissipar.
Se há bens em que tal receio já não existe (quando estão apreendidos à ordem do processo), há outros (os arrestados) sobre os quais tal receio existe pelo facto de se estar indiciado da prática de tal tipo de crimes e que visavam o enriquecimento ilícito do património dos mesmos arguidos, pelo que estes, indiciariamente, demonstram que têm apetência para querer fazer aumentar o seu pecúlio patrimonial, podendo, agora numa fase em que poderão ser julgado pela prática desses crimes, querer atuar em sentido inverso, protegendo os bens que ainda detêm.
Não está em causa saber se os arguidos colaboram com a investigação ou se oferecem bens para garantir quer as suas liberdades quer a perda de bens futura pois ainda assim o receio de se poder fazer desaparecer bens existe face à possível pena que lhes possa ser aplicada.
No caso concreto, mesmo não sendo necessária a prova do periculum in mora na perda alargada não só ele existe como o arresto foi decretado de modo adequado e proporcional.
Não havendo tal desproporção, não há que concluir positivamente que o arresto foi decretado em violação do disposto no artigo 62.º, da Constituição da República Portuguesas (C. R. P.) que protege a propriedade privada e que, no caso, é comprimida por força do imperativo de realização de justiça no sentido de um agente de um crime não obter benefícios com essa atividade ilícita, tendo sido tal compressão efetivada de modo adequado.
Havendo indícios suficientes para os arguidos terem sido acusados da prática, como autores dos crimes acima referidos.
O tribunal a quo secundou a sua decisão na análise da factualidade indiciariamente demonstrada a qual, entendeu, acarreta a possibilidade de facilmente movimentar os saldos de contas bancárias e aplicações associadas.
Concluiu então que, no caso concreto, é lícito acompanhar o Ministério Público na dedução lógica de que os arguidos estão em condições de dissipar o património necessário e imprescindível à garantia de satisfação dos ofendidos.
Pelo que, o Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, fez uma análise casuística da presente factualidade, fundamentando quais as razões concretas que in casu, impõe a verificação do justo receio da perda da garantia patrimonial, exigível para a perda clássica mas já não para a perda alargada efetuada a liquidação, decidindo impedir a dissipação do património para asseverar a existência de meios e a não frustração da recuperação da vantagem patrimonial obtida com a prática do crime.
É que o confisco de bens tem subjacente a garantia da remoção do benefício gerado pela prática do facto ilícito típico, ou seja pretende-se colocar o arguido na situação em que estaria se não tivesse praticado o crime.
O incremento patrimonial resultante do crime, pertence à sociedade e não ao criminoso.
Os factos que são profundamente relatados no despacho acusatório, que finda um vasto inquérito, sustentam-se em diversos tipos de prova (documental, escutas telefónicas, testemunhal e de apreensão de bens) pelo que, nesta fase, pensamos que é irrefutável a conclusão de que os indícios, para além de suficientes, são fortes, sustentados em prova bastante para os arguidos, num juízo de prognose, serem condenados pela prática de factos que lesam o Estado em milhões de euros o que também preenche o requisito do n.º 2, do artigo 10.º da citada Lei.
No caso da perda alargada, as presunções de inocência não se podem sobrepor aos interesses de procurar salvaguardar que as vantagens que obteve com a sua atividade ilícita sejam totalmente retiradas aos arguidos, opção que o legislador assumiu – artigo 10.º, n.º 2 «a todo o tempo…» e que o Tribunal Constitucional tem mantido como sendo uma opção conforme à Constituição da República Portuguesa (referindo-se que não está em causa a apreciação da culpabilidade do arguido mas sim privá-lo de um património, por se ter concluído que o mesmo foi adquirido ilicitamente, assim se restaurando a ordem patrimonial segundo o Direito - Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 392/2015 de 12/08/2015, no sítio do Tribunal Constitucional -).
Assim, apesar de presumivelmente inocentes, não há obstáculo à possibilidade de se arrestarem bens, nem em teoria nem no caso concreto tal impossibilidade se manifestou.
A medida foi criada com o propósito de se conseguir “confiscar” o património dos arguidos cujos crimes praticados visavam isso mesmo, a obtenção de lucro e de mais património resultante de práticas criminosas difíceis de investigar e controlar os seus ganhos, sendo o branqueamento de capital o principal instrumento para o efeito. Como refere João Conde Correia e Hélio Rodrigues, referindo-se à independência entre o pedido civil e o confisco de forma geral e não à perda alargada de bens a favor do Estado, mas que necessariamente a esta se aplica, a ratio deste e outros institutos é demonstrar ao agente e à comunidade que o crime não compensa. Como referem: “Intervém sempre por forma a restituir o condenado ao status patrimonial anterior à prática do crime e, desta forma, mesmo que a vítima nada faça, demonstrar que ele não compensa”. Realçamos desde já que este instituto é transversal a toda União Europeia.
Face ao exposto, na nossa perspetiva, o TC determina não ser inconstitucional a perda alargada com base em vários pressupostos: existência de um ato de liquidação; o exercício do contraditório e o facto de ser um procedimento autónomo do processo penal. Ora, tais requisitos apenas se verificam quanto à concretização da efetiva perda alargada com base na existência de um juízo de culpa formado aquando da decisão condenatória.

No arresto preventivo tais garantias são muito menores principalmente por se encontrar ainda, por regra, na fase investigatória e poder afetar o património de terceiros. Conforme refere João Conde Correia: “A criação de providências cautelares capazes de acautelar a perda do valor das vantagens pressupõe, todavia, outros equilíbrios. (…) A concordância prática entre os interesses contraditórios, dita, portanto, outras regras”.
Aliás, como é referido pelo citado autor, como se trata de providência cautelar terá de se verificar cumulativamente na perda clássica: o fumus boni iuris e o periculum in mora que, traduzido para o processo penal, se traduz em prova indiciária suficiente da prática do ilícito e o justo receio da sua dissipação. E este carece de ser demonstrado pelo MP. O facto de a lei consagrar presunções não desonera o MP da prova dos referidos pressupostos e carece de ser comprovada pelo Juiz. E se tal tarefa for cumprida pelas referidas autoridades judiciárias fica pelo menos mais desvanecida a obrigação do arguido na produção de prova em processo penal.
Sendo certo que quando estão em causa crimes do catálogo previsto na lei n º 5/2002 de 11 de janeiro, numa situação d e perda alargada não se exige a comprovação do perigo de dissipação.

Neste sentido, com referido no parecer alguns acórdãos dos tribunais superiores que se pronunciaram sobre a matéria, como ainda o artigo da Revista Julgar, da autoria do PGA, João Correia, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8-10-2014.
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-11-2021, publicado em www.dgsi.pt, « No domínio da criminalidade organizada e económico-financeira, no caso de perda alargada de bens, o decretamento do arresto (artigo 10.º da Lei n.º 5/2002, de 11-01, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 30/2017, de 30-05), não depende da verificação do periculum in mora, do fundado receio de perda ou diminuição substancial das garantias de pagamento do montante incongruente.
Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2018, publicado em www.dgsi.pt «
O legislador português, ao lado da perda dos instrumentos e produtos do crime (art. 109.º do Código Penal) e da perda das suas vantagens (art. 111.º do mesmo diploma legal), criou um forte regime de perda ampliada ou alargada (arts. 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro), que abrange bens que o Ministério Público não consegue relacionar com um qualquer crime concreto. - No âmbito do combate à criminalidade organizada e económico-financeira, esta Lei estabeleceu regimes especiais em matérias como a recolha de prova, a quebra do sigilo fiscal e bancário e a perda de bens a favor do Estado. - Existe diferença entre a perda clássica e a perda alargada que se verifica essencialmente ao nível das garantias processuais. - Na verdade, as garantias processuais penais da perda clássica consistem na apreensão (arts. 178.º e ss. do Código de Processo Penal), na caução económica (art. 227.º do CPP) e no arresto preventivo (art. 228.º do mesmo diploma legal); enquanto que as garantias da perda alargada consistem no arresto (art. 10.º da Lei n.º 5/2002), que cessa se for prestada caução económica (art. 11.º da referida lei). - A “titularidade” a que alude a referida Lei (art.º 7º) é idónea a compreender não apenas o direito de propriedade mas também outras formas jurídicas pelo que todos os bens de que o arguido tenha o domínio e o benefício, ou tenham sido por este transferidos para terceiro a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à sua constituição como arguido, continuam, quer para efeitos de perda quer para efeitos de arresto, a ser “bens do arguido”.
Apurado o valor do património, há que confrontá-lo com os rendimentos de proveniência comprovadamente lícita auferidos pelo arguido naquele período e, se desse confronto, resultar um “valor incongruente”, não justificado, incompatível com os rendimentos lícitos, é esse montante da incongruência patrimonial que poderá ser declarado perdido a favor do Estado, uma vez que, condenado o arguido, por sentença transitada em julgado, pela prática de um crime do catálogo, opera a presunção (juris tantum) de origem ilícita desse valor.».
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15-4-2021, «São pressupostos ou requisitos do decretamento do arresto tendo em vista o confisco (perda clássica) a verificação cumulativa do a) fumus commissi delicti e o b) periculum in mora (art. 391.º, n.º 1, do CPC, ex vi, art. 228.º, n.º 1). É necessário que o requerente alegue a probabilidade de existência de indícios da prática de crime e o fundado receio de perda da garantia patrimonial do pagamento do valor que venha a ser confiscado/declarado perdido. XVII - São pressupostos de decretamento do arresto para garantia do confisco do património incongruente, «valor correspondente ao liquidado (apurado) como constituindo vantagem da atividade criminosa» (arts 7.º e 10.º, n.º 2, da Lei n.º 5/2002): (a) o procedimento por um crime do catálogo, (b) «a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais» e (c) «fortes indícios da prática do crime», do catálogo (arts 7.º e 10.º, da Lei n.º 5/2002). XVIII - Existindo fortes indícios da prática do crime (do catálogo, art. 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002), o arresto poder ser decretado independentemente da verificação do periculum in mora.
XIX - No procedimento para decretar o arresto tendo em vista garantir a perda alargada (património incongruente, princípio de taxatividade de crimes art. 1.º, da Lei n.º 5/2002), o MP está liberto da prova do periculum in mora (art. 10.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2002, e art. 227.º, do CPP), desde que prove os a) fortes indícios da prática de um dos crimes de catálogo e b) os fortes indícios da desconformidade do património do arguido, condição que emerge como um requisito não expresso, mas pressuposto pelo legislador. XX - O arresto para garantia da perda alargada está ainda sujeito aos princípios aos princípios gerais da necessidade, adequação e proporcionalidade (art. 193.º, n.º 1, do CPP)».
Artigo da Revista Julgar, da autoria do PGA, Dr. João Correia, em anotação ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 8 de Outubro de 2014.
«A Lei n.º 5/2002, de 11.01, que consagra as Medidas de Combate a Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, instituiu um modelo que procura conferir eficácia ao combate ao crime mais sofisticado e complexo. Entre estas, previu o mecanismo da dita perda alargada ou ampliada, que estende o alcance da perda tradicional para além da vantagem/produto/instrumento do crime pelo qual é acusado o arguido, visando atingir o património que, se presume, resulta de actividade criminosa a que o mesmo se dedica.
O novo modelo foi iniciado por esta Lei n.º 5/2002, de 11.01, e obteve concretização prática com a criação de um Gabinete de Recuperação de Activos, em que se visa, para além da perda da vantagem do crime – ou “pedaço” de actividade criminosa concretamente acusado e julgado – alcançar o património do agente dessa actividade considerado ilícito. 9. A demonstração da ilicitude do património assenta na presunção legal prevista no art. 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01: “presume-se constituir vantagem de actividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento ilícito.” 10. Ao Ministério Público incumbe provar as seguintes premissas, sobre as quais se alavanca a presunção jurídica: – a prática dos crimes acusados (um dos previstos no catálogo legal); – o valor do património do arguido; – o rendimento ilícito.
Uma vez que não houve, ainda, julgamento a intervenção judicial que ora se pretende é cautelar, pelo que a exigência probatória neste momento é indiciária. 11. A forte indiciação verifica-se quer quanto ao crime de catálogo (pela prolação da acusação, que exige a existência de indícios suficientes) quer quanto ao património do arguido quer quanto ao rendimento ilícito (incluindo o seu círculo próximo de pessoas), daí decorrendo (da prova documental recolhida pelo GRA) a forte indiciação do valor incongruente».

Ora, o art. 10.º da lei 5/2002, de 11 de janeiro é composto por quatro números, tendo o n.º 2 sofrido uma alteração com a referida lei. Ou seja, a redação primitiva do referido número consistia no seguinte: “A todo o tempo, o ministério Público requer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de actividade criminosa”; e hoje tem a seguinte redação: “A todo o tempo, logo que apurado o montante da incongruência, se necessário ainda antes da própria liquidação, quando se verifique cumulativamente a existência de fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais e fortes indícios da prática do crime, o ministério Público pode requerer o arresto de bens do arguido no valor correspondente ao apurado como constituindo vantagem de atividade criminosa”. O demais manteve-se igual incluindo o n.º 3 do qual se prescinde do periculum in mora desde que tenham sido recolhidos fortes indícios da prática do crime. Numa análise meramente literal parece resultar que o comando do n.º 2 desdiz o que resulta no número 3, contudo, atendendo à exposição de motivos da diretiva comunitária que está na base da lei 30/2017, não nos parece que assim seja. Apesar da exigência dos fortes indícios ser comum nos dois artigos, entendemos que não são contraditórios.
Ou seja, o periculum in mora constante do n.º 2 associado aos fortes indícios refere-se as situações em que o arresto é decretado ainda sem a liquidação, antes da acusação, mas com o apuro da existência de incongruência patrimonial, ou seja, durante a fase do inquérito. A diretiva comunitária estabelece a necessidade dos estados membros criarem medidas que garantam a eficácia da perda alargada de bens. Se atentarmos ao disposto ao ponto 21 da exposição de motivos e ao art. 7.º da referida diretiva onde consta: “Deverá ser possível decidir a perda alargada caso o tribunal conclua que os bens em causa derivaram de comportamento. A expressão do legislador “… a todo o tempo…” da antiga redação, acabou por ter acolhimento legal não por força dessa expressão, mas com a referência “… se necessário ainda antes da própria liquidação…”. A possibilidade do arresto puder ser requerida a todo o tempo pelo MP, significava que o arresto podia ser decretado sem a competente liquidação demonstradora da referida incongruência. A nova redação do art. 2.º do art. 10.º da lei 5/2002, permite que o arresto preventivo possa ser decretado sem a efetiva liquidação, mas sustentada, cumulativamente, na existência de fortes indícios de um dos crimes do catálogo, fumus boni iuris e o periculum in mora, ao contrário do arresto requerido após a liquidação —, necessariamente após a acusação conforme determina o n.º 1 do art. 8.º —, pois, os fortes indícios afastam a necessidade do fundado receio de diminuição de garantias patrimoniais pois, com a fixação do objeto do processo os factos deles constantes encontram-se suficientemente indiciados, sendo, portanto, mais provável a condenação do que a absolvição, vide O ARRESTO PREVENTIVO de Hélio Rodrigues e Carlos Rodrigues.
Ou seja, antes da liquidação, quer estejamos perante uma situação de perda clássica quer de perda alargada é sempre necessária a prova do periculum in mora.
Havendo liquidação, ainda que provisória, e estando perante um dos crimes do catálogo, já não se exige a prova do periculum in mora.
Concluindo estão verificados os requisitos da perda clássica relativamente às recorrentes A... Ldª e B..., Ldª.
Mostram-se ainda verificados os requisitos da perda alargada relativamente à sociedade C..., Unipessoal, Ldª

A estrutura factual indiciada e descrita no despacho acusatório, reproduzida no requerimento de procedimento cautelar de arresto, revela uma atuação conjugada e concertada das sociedades recorrentes, suscetível de fundamentar a existência provável do direito e o perigo da sua dissipação, pelo que, a decisão sub judice interpretou corretamente o mecanismo do arresto preventivo tendente a assegurar a efetividade do confisco, não merecendo, desta feita, qualquer reparo.
Posto isto, e como supra se deixou exaustivamente enunciado, as finalidades do arresto requerido pelo Ministério Público e determinado pelo Exmo. Senhor Juiz de Instrução Criminal, visaram tornar efetivo o ius puniendi do Estado, impedindo que os arguidos lograssem frustrar o pagamento ao Estado da vantagem obtida com a prática do crime, garantindo necessariamente a sua remoção da esfera destes e asseverando o seu pagamento ao seu credor (Estado).
Em síntese, a decisão em crise encontra-se devidamente fundamentada e não violou qualquer disposição legal ou constitucional nomeadamente o disposto nos artigos 110.°, n.° 1, al. b), do CP, 227.°, n.° 1, al. b), 228.°, n.° 1, do CPP e 10.°, n.° 2, da Lei 5/2002, de 11/01 e 18º, n º 2 da CRP.
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3). Decisão.
Pelo exposto, julga-se totalmente improcedente o presente recurso e em consequência, decide-se:
3.1). Manter a decisão da primeira instância.
Custas a cargo de cada recorrente que fixo em 4Ucs – artigo 513.º, n.º 1 do C. P. P. -.

Sumário da responsabilidade do relator.
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Porto 21.02.24
Paulo Costa
Pedro Afonso Lucas
Maria do Rosário Martins