Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
23434/17.7YIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULO DIAS DA SILVA
Descritores: CONDOMÍNIO
PARTES COMUNS
ELEVADORES
Nº do Documento: RP2020042323434/17.7YIPRT.P1
Data do Acordão: 04/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A obrigação prevista n.º 1 do artigo 1424.º do Código Civil, no sentido dos condóminos contribuírem monetária e proporcionalmente para o pagamento das despesas relativas às partes comuns, é uma obrigação propter rem, na medida em que resulta da manutenção da funcionalidade da própria coisa independentemente de quem seja o dono.
II - Visando esta obrigação a satisfação dos interesses e necessidades comuns dos condóminos, quanto à funcionalidade do prédio, os seus sujeitos são, do lado passivo, cada um dos condóminos e, do lado activo, a universalidade dos condóminos (condomínio).
III - Uma empresa contratada para prestar os serviços de interesse comum não é contraparte nesta obrigação propter rem, mas apenas na obrigação que resulta do respectivo contrato.
IV - O contrato relativo à manutenção de ascensores, previsto no artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 320/2002, de 28 de Dezembro, celebrado entre o construtor do imóvel e uma empresa prestadora de tais serviços, não se transmite ao condomínio, salvo se existir cessão da posição contratual ou ratificação do contrato por parte do condomínio, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso de Apelação - 3ª Secção
ECLI:PT:TRP:2020:23434/17.7TYPRT.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório

B…, Lda., com sede na …, n.º ..., …, …-… Maia instaurou acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, oriunda de requerimento de injunção contra o Condomínio do prédio sito à Rua …, nºs. …. a …., em Vila Nova de Gaia onde concluiu pedindo a condenação da ré no pagamento de € 11.153,23, acrescido de juros de mora, à taxa em vigor para as operações comerciais, ascendendo a € 990,29 os vencidos, em 01.03.2017.
Alega, em síntese, que prestou à ré serviços de conservação e de assistência técnica dos equipamentos instalados no edifício e ao serviço de linha telefónica, cujo preço esta não pagou.
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Citada, contestou, por excepção e por impugnação.
Invocou, desde logo, a excepção de ilegitimidade passiva.
Alegou para tanto, que o contrato a que a Autora alude não foi celebrado com a aqui ré mas com a sociedade construtora do imóvel em causa, tendo a ré entretanto celebrado um novo contrato com a Autora.
Sem prescindir, entende não ser responsável por tal pagamento pugnando pela improcedência da acção e absolvição do pedido.
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Notificada, veio a autora responder, defendendo que não obstante corresponder à verdade a factualidade alegada pela ré entende ser a mesma responsável pelo pagamento da quantia em causa em virtude de o contrato celebrado o ter sido no interesse da ré e de ter sido celebrado pelo então administrador provisório, devendo a ré assumir o pagamento de tais serviços.
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Após prévia observância do princípio do contraditório foi proferido despacho saneador sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a ré do pedido formulado.
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Não se conformando com o assim decidido, recorreu a autora “B…, Ld.ª”, concluindo as suas alegações da seguinte forma:
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Foram apresentadas contra-alegações.
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Colhidos que se mostram os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.
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2. Fundamentação de facto
2.1 Factos provados
Vem provado o seguinte (mantém-se a identificação e a redacção da 1ª instância):
1. Em 17.05.2012 foi celebrado entre a Demandante/Autora e a firma construtora “C…, Lda.” com o NIF ………, os contratos de manutenção simples de elevadores com os nº …….. e nº …….., que se manteve até abril de 2016 - cf. DOC4 - Contrato inicial B… e DOC5 - Aditamento Contrato B… que aqui se dão como reproduzidos para os devidos efeitos legais)
2. Na sequência da vigência do contrato supra referido foram emitidas pela requerente várias facturas, permanecendo em dívida os montantes relativo às seguintes facturas: n.º ……., com vencimento em 26-09-2012, com valor pendente de € 170,57; n.º ……., com vencimento em 20/10/2012, no valor de € 682,65; n.º……., com vencimento em 19/01/2013, no valor de € 722,48; n.º ……., com vencimento em 16/04/2013, no valor de € 722,48; n.º ……., com vencimento em 16/07/2013, no valor de €722,48; n.º ……., com vencimento em 16/10/2013, no valor de € 722,48; n.º ….., com vencimento em 23/01/2014, no valor de € 773,06; n.º ……, com vencimento em 16/04/2014, no valor de € 773,06; n.º ……, com vencimento em 16/07/2014, no valor de € 773,06; n.º……, com vencimento em 21/08/2014, no valor de € 108,78; n.º ……, com vencimento em 16/10/2014, no valor de € 773,06; n.º ……, com vencimento em 20/01/2015, no valor de €17,04; n.º ….., com vencimento em 17/01/2015, no valor de € 801,66; n.º ….., com vencimento em 07/03/2015, no valor de € 114,12; n.º ……, com vencimento em 16/04/2015, no valor de € 801,66; n.º ……, com vencimento em 17/07/2015, no valor de € 801,66; n.º……, com vencimento em 16/10/2015, no valor de € 801; n.º ….., com vencimento em 17/01/2016, no valor de € 849,76 e n.º ….., com vencimento em 05/04/2016, com valor pendente de € 21,51.
3. O Demandado/Réu Condomínio sito na Rua … nº …. a …. é administrado pela firma “D…, Unipessoal, Lda.” desde 01.05.2016. (Conforme DOC1 - Ata 6 e DOC2 - Ata 8 que aqui se dão como reproduzidos para os devidos efeitos legais)
4. Em 25.05.2016 o Condomínio celebrou com a A. um contrato de manutenção completa dos elevadores para os dois elevadores do edifício, assumindo-se como responsável pelo pagamento de todas as faturas emitidas apenas após essa data. (Conforme DOC6 – Contrato novo D…, que aqui se dá como reproduzido para os devidos efeitos legais)
5. A sociedade “C…, Lda.” tem o NIF ……… e o Condomínio tem o NIF ………, sendo entidades distintas e autónomas.
6. Estando em causa um prédio com uma construção de meados de 2012, toda a gestão das despesas do condomínio esteve a cargo do construtor até 30.04.2016, já que este deteve a propriedade da maioria das frações, desde a constituição do mesmo até finais de 2015. (Conforme DOC3 - Ata 5 que aqui se dá como reproduzido para os devidos efeitos legais);
7. Consta do documento n.º 3 designado como “Ata número Cinco” e que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente o seguinte: “Presidiu à Assembleia o actual administrador, Dr. E… que iniciando a discussão do primeiro ponto da ordem de trabalhos declarou assumir a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas relativas ao condomínio designadamente com fornecimento de água, electricidade, limpeza e elevadores até ao dia 30.04.2016. Submetido a votação tal prestação de contas foi admitida e aprovada poro unanimidade.”.
8. Consta do documento n.º 7 designado como “Ata número um” e que aqui se dá por integralmente reproduzido, designadamente o seguinte: “Aos quinze dias do mês de Janeiro do ano de dois mil e doze, pelas quinze horas reuniu na sala de condomínio do prédio em regime de propriedade horizontal sito na rua … n.º …., …., …., …., …., …., …. e …., na freguesia de … concelho de Vila Nova de Gaia, o Sr. Dr. E…, na qualidade de sócio gerente em representação da sociedade comercial por quotas denominada C…, Lda., com sede na …, n.º .., 5.º andar esquerdo da referida freguesia de …, concelho de Vila Nova de Gaia, actual única proprietária de todas as fracções autónomas do citado prédio para deliberar sobre a seguinte ordem de trabalhos(…)”.
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B) Factos não provados
Não há factos por provar com interesse para a decisão.
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3. Delimitação do objecto do recurso; questões a apreciar e decidir:
Das conclusões formuladas pela recorrente as quais delimitam o objecto do recurso, tem-se que as questões a resolver no âmbito do presente recurso são as seguintes:
- Da impugnação da matéria de facto;
- Da ampliação da matéria de facto;
- Do mérito da acção.
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4. Conhecendo do mérito do recurso:
4.1. Da impugnação/ampliação da Matéria de facto
A apelante em sede recursiva manifesta-se discordante da decisão que apreciou a matéria de facto sob o ponto 1.
Sustenta a apelante que deve dar-se como provado o referido facto mas com a seguinte redacção:
“1. Em 17.05.2012 foi celebrado entre a Demandante/Autora e a firma construtora “C…, Lda.”, com o NIF ………, como proprietário em representação do condomínio, os contratos de manutenção simples de elevadores com os nº …….. e nº …….., que se manteve até abril de 2016 - cf. DOC4 - Contrato inicial B… e DOC5 - Aditamento Contrato B… que aqui se dão como reproduzidos para os devidos efeitos legais).”.
Vejamos, então.
Do relatório da fundamentação da sentença recorrida, constata-se ter sido dado como provado o seguinte facto:
“1. Em 17.05.2012 foi celebrado entre a Demandante/Autora e a firma construtora “C…, Lda.” com o NIF ………, os contratos de manutenção simples de elevadores com os nº …….. e nº …….., que se manteve até abril de 2016 - cfr DOC4 - Contrato inicial B… e DOC5 - Aditamento Contrato B… que aqui se dão como reproduzidos para os devidos efeitos legais).”.
Sustenta, todavia, a apelante que este facto encontra-se deficientemente julgado, por redutor da factualidade trazida aos autos pelas partes, o que perverte o seu sentido.
Refere que resulta da matéria de facto provada nos autos, que em 17/05/2012 foi celebrado um contrato de manutenção para os elevadores entre a Autora ora Recorrente e o então proprietário da totalidade do edifício, a sociedade “C…, Lda.”.
Acrescenta que, a qualidade em que intervém a sociedade comercial “C…, Lda.” é a de única proprietária de todas as fracções que compõem o edifício, logo em representação do edifício no qual foram instalados os elevadores a conservar pelo que o facto n.º 1 dado como provado carece de ser alterado, passando o mesmo a ter a redacção acima referida.
Adiantamos, desde já, que se nos afigura que não assiste razão à apelante.
Com efeito, não resulta alegado dos autos, nem assente que o contrato celebrado em 17.05.2012 foi outorgado pela recorrente na qualidade de proprietária e em representação do condomínio.
Ora, dado que tal segmento não foi alegado não pode considerar-se provado, sendo certo que o mesmo não tem a anuência da apelada.
De resto, convidadas as partes a pronunciarem-se se aceitavam que a matéria fáctica alegada viabilizava a decisão de mérito vieram tão só manifestar a sua aquiescência.
Ademais, mesmo que a apelante tivesse declarado no contrato que celebrava o contrato em «representação do condomínio» tal declaração não vinculava os futuros condóminos, podendo, no entanto, ser ratificado pelo condomínio, nos termos do n.º 1, do artigo 268.º, do Código Civil, o que não se verificou.
Por sua vez, o facto que a apelante pretende ver aditado também não se encontra assente (fls. 75.verso ponto 4) sendo, inclusive, irrelevante à boa decisão da causa atenta a demais factualidade provada.
Com efeito, decorre da factualidade assente que foi a sociedade “C…, Lda.” que celebrou o contrato com a B… assumindo todas as obrigações decorrentes do mesmo, porque assim o quis.
E ao celebrar o contrato “em nome próprio”, foi a sociedade C… que beneficiou desse serviço e dessa despesa na respectiva contabilidade e não o Condomínio, que só começou a ter estrutura de Condomínio após 12.05.2016.
Aliás, estando em causa um prédio com uma construção de meados de 2012, a responsabilidade pelas despesas do condomínio esteve a cargo do construtor até 30.04.2016, já que este deteve a propriedade da maioria das fracções, desde a constituição do mesmo até finais de 2015.
Por isso, quando o Dr. E… declarou em assembleia geral de condóminos assumir a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas relativas ao condomínio, designadamente com fornecimento de água, electricidade, limpeza e elevadores até ao dia 30.04.2016, fê-lo na discussão do ponto relativo à apresentação de contas do condomínio até 30.04.2016 e na qualidade de representante da construtora C…, e não em representação do condomínio, como a Recorrente pretende fazer crer.
Afigura-se-nos, ainda, que o facto que a recorrente pretende aditar não se mostra pertinente à boa decisão da causa, atenta a demais factualidade assente, sendo sim relevante a data em que o condomínio foi efectivamente organizado.
Em face do que vem de ser exposto, improcede o recurso sobre a decisão da matéria de facto, bem como a requerida ampliação da mesma.
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A matéria de facto que fica em definitivo julgada provada é assim a fixada em 1ª instância atrás mencionada.
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- Do mérito da acção
A apelante clama pela revogação da sentença de que recorre.
A Recorrente justifica a transmissão do contrato para o Condomínio, aqui Recorrido, alegando que a obrigação resultante da manutenção dos elevadores é uma obrigação propter rem e alega a favor a transmissibilidade para o condomínio do contrato celebrado com a empresa construtora.
A primeira questão que se coloca consiste em saber se os contratos relativos à manutenção dos elevadores celebrados entre a sociedade Autora/apelante e o construtor e primitivo proprietário do imóvel se transmitiram para o condomínio do prédio.
A resposta será positiva se se identificar um mecanismo jurídico que permita a celebração de um contrato por uma pessoa e a vinculação ao mesmo por uma terceira pessoa que nele não tomou parte, nele não consentiu, nem o ratificou.
Ou seja, torna-se necessário que a lei imponha essa sucessão, prescindindo da vontade da nova parte contratual, ou seja, suprimindo a sua liberdade contratual.
Com efeito, nos termos do n.º 2, do artigo 406.º (eficácia dos contratos), do Código Civil, a regra consiste na relatividade dos contratos: «Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previstos na lei».
A transmissão das obrigações de um sujeito para outro é um fenómeno jurídico corrente, mas não prescinde, em regra, da vontade das partes, como se verifica pelas disposições legais relativas à cessão de créditos (artigos 577.º a 588.º do Código Civil), à sub-rogação (artigos 589.º a 594.º do Código Civil) à transmissão singular de dívidas (artigos 595.º a 600.º do Código Civil) e à transmissão da posição contratual, na sua universalidade e complexidade (cessão da posição contratual – artigos 424.º a 427.º do Código Civil), inclusive na sucessão mortis causa onde se exige a aceitação da herança (artigo 2050.º, n.º 1, do Código Civil) - cf. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª edição (reimpressão), Coimbra, Almedina, 1999, pág. 285 e ss.
O mecanismo jurídico através do qual se transmite a generalidade das relações jurídicas contratuais existentes na esfera jurídica de um sujeito para outro é a sucessão mortis causa, mas, como é óbvio, não estamos perante um situação desse tipo.
Além da hipótese acabada de afastar, a transmissão de um contrato celebrado por um sujeito para outro sujeito, há-de resultar de duas vias: ou (1) da vontade de ambos ou (2) de imposição legal.
Vejamos os casos relativos à vontade das partes, ou seja, à sua liberdade contratual (artigo 405.º do Código Civil).
O instituto paradigmático neste campo é o da cessão da posição contratual, o qual permite a transmissão da posição contratual em globo.
Sobre esta matéria, o n.º 1 do artigo 424.º do Código Civil, dispõe, que «No contrato com prestações recíprocas, qualquer das partes tem a faculdade de transmitir a terceiro a sua posição contratual, desde que o outro contraente, antes ou depois da celebração do contrato, consinta na transmissão».
É de afastar este instituto no caso dos autos.
Com efeito, o mesmo pressupõe um acordo de vontades entre o cedente e o cessionário e no caso dos autos é claro que não existiu qualquer acordo entre a sociedade B…, Lda., e o condomínio Réu/Recorrido, no sentido deste último suceder na posição contratual da mencionada sociedade.
Vejamos agora se estamos perante um caso em que a lei impõe ao condomínio Réu/Apelado a titularidade automática do contrato relativo à manutenção dos elevadores celebrado anteriormente pela empresa que construiu o edifício, instituiu a propriedade horizontal e era então a proprietária do edifício.
À primeira vista dir-se-á que tal não é possível, pois a lei não pode impor a um sujeito de direitos um contrato celebrado por um terceiro sujeito, que até pode ser ruinoso, salvo se existirem razões ponderosas que cumpra acautelar dessa forma, as quais não se vislumbram no caso, pelo menos de forma imediata.
A Apelante justifica a transmissão do contrato para o Réu condomínio alegando que a obrigação resultante da manutenção dos elevadores é uma obrigação propter rem.
Cumpre então analisar esta hipótese.
Como nos diz Henrique Mesquita, «As obrigações reais constituem uma categoria meramente doutrinal, que a lei não define nem sequer utiliza nas suas formulações, e a primeira dificuldade consiste em delimitar as relações jurídicas ou vinculações que devam incluir-se em tal categoria - em delimitar, por outras palavras, a sua extensão objectiva.
Quanto a nós, só faz sentido e só tem interesse falar de obrigações propter rem nos casos em que o titular de um direito real está vinculado, em tal qualidade, a prestações de conteúdo positivo (de dare ou de facere)» - cf. Obrigações Reais e Ónus Reais. Coimbra: Livraria Almedina, 1990, pág. 29.
Continuando com este autor, quanto à caracterização desta modalidade de obrigações, o mesmo diz-nos que «Fundamentalmente, o estatuto de um direito real fixa os poderes que ao titular é permitido exercer sobre a res e as restrições ou limites a que esse exercício fica sujeito.
Mas, a par disto, o estatuto do direito também pode impor ao titular, e impõe com frequência, deveres de conteúdo positivo. Estes deveres, conforme referimos, são estabelecidos e regidos ora por normas de direito público, ora por norma de direito privado. É precisamente em relação a estes últimos que deve falar-se de obrigações reais, ob rem ou propter rem. Trata-se de vínculos jurídicos por virtude dos quais uma pessoa, na qualidade de titular de um direito real, fica adstrita para com outra (titular ou não, por sua vez, de um ius in re) à realização de uma prestação de dare ou de facere» - cf. Ob. cit., pág. 100.
No caso dos autos, face ao disposto no n.º 1, do artigo 1424.º, do Código Civil, onde se dispõe que «Salvo disposição em contrário, as despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns do edifício e ao pagamento de serviços de interesse comum são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções», esta obrigação de contribuir para as despesas com a conservação e fruição das partes comuns é, sem dúvida, uma obrigação propter rem.
Com efeito, a lei criou aqui um vínculo jurídico entre o proprietário da fracção autónoma e o condomínio do edifício, nos termos do qual o proprietário tem a obrigação de entregar (obrigação de dare) ao condomínio as quantias que forem estipuladas para solver tais despesas - cf. no sentido destas obrigações serem obrigações propter rem ver Henrique Mesquita, Ob. cit. págs. 36, 338.
Sustenta ainda o mesmo autor que «A opinião generalizada da doutrina é no sentido de que as obrigações propter rem acompanham o direito real de cujo regime derivam: transmitido este direito, transmitem-se automaticamente as obrigações propter rem que impendem sobre o respectivo titular. Tratar-se-ia mesmo de um aspecto normativo essencial ao conceito de obrigação propter rem, razão que levou FERRINI e, na esteira dele, vários outros autores, a designar tais obrigações como ambulatórias» - cf. Henrique Mesquita, Ob. cit. pág. 37.
Porém, nem todas as obrigações propter rem constituídas antes da transmissão da coisa a outrem se transmitem ao subadquirente.
Só as obrigações que se traduzem num facere, resultante da circunstância de existir uma determinada situação real ligada a um prédio e que obriga o seu proprietário à prática de actos materiais na coisa, justificam a sua transmissão para aquele que sucede na titularidade do bem, por se tratar de uma obrigação que emerge da própria materialidade visível da coisa e por só ser exequível por quem é dono da coisa – cf. Henrique Mesquita, Ob. cit. pág. 330-336 -, pois o anterior proprietário deixou de ter poderes sobre o bem e a ingerência na respectiva posse seria um acto ofensivo do direito de propriedade do novo titular.
É o caso, considerando um exemplo apontado por Henrique Mesquita, do dono de um terreno que faz escavações na estrema e deixa o prédio vizinho sem apoios adequados e em risco de desmoronar - cf. Ob. cit. pág. 331.
A obrigação de corrigir esta situação danosa para o prédio vizinho (ver artigo 1348.º do Código Civil) transmite-se ao adquirente do prédio onde foi feita a escavação, pois só este último, como titular da coisa que deve ser intervencionada, para corrigir o desapoio do outro prédio, pode cumprir a obrigação.
Neste caso, justifica-se que a obrigação propter rem acompanhe a transmissão da coisa.
Já não assim nos casos em que a obrigação propter rem consiste num dare, em regra casos em que a transferência do direito real para um novo titular não impede o anterior devedor de solver a obrigação, não existindo, assim, qualquer justificação para a transmissão da obrigação.
Cabem aqui, por exemplo, ainda segundo Henrique Mesquita, «…a obrigação de os condóminos de edifícios em regime de propriedade horizontal pagarem proporcionalmente ao valor das respectivas fracções autónomas, a parte que lhes couber nas despesas, já efectuadas, para os fins indicados no n.º 1 do artigo 1424.º (de serviços de interesse comum)» - Ob. cit., pág. 340.
Ressalvando, porém, todas aquelas obrigações de dare «…cuja existência seja denunciada ou indiciada pela situação em que a coisa ostensivamente se encontre», como é o caso da reparação do telhado de um edifício em regime de propriedade horizontal, danificado por uma intempérie, quando um dos condóminos vende a fracção já depois de realizado o contrato, mas antes de realizada a prestação pelo condómino vendedor - Henrique Mesquita, Ob. cit., pág. 342..
No caso dos autos, sem dúvida que a obrigação relativa ao pagamento dos serviços relacionados com a manutenção dos elevadores é uma obrigação propter rem, na medida em que resulta da manutenção da funcionalidade da própria coisa, independentemente de quem seja o dono; mas é uma obrigação não ambulatória, ou seja, o condómino está vinculado a contribuir com a sua parte no que respeita ao pagamento, mas a prestação já vencida não se transmite para o subadquirente se a mesma tem como correspectivo serviços já prestados à data da alienação.
Ora, a questão que se coloca nos autos é esta: a obrigação propter rem do condómino existe em relação a quem? A quem é entregue a prestação? Quem tem poder para a exigir e cobrar coercivamente, se necessário?
Afigura-se que a resposta consiste em afirmar que o credor desta obrigação é o condomínio.
Ou seja, muito embora o condomínio não tenha personalidade jurídica, é este que face à lei surge como contraparte da obrigação do condómino pagar a respectiva despesa, obrigação essa qualificada, como se referiu, de propter rem.
Não é a empresa prestadora de serviços de conservação e manutenção de ascensores que surge como interlocutor contratual do condómino, mas sim o seu condomínio.
E tanto é assim, que nos termos do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro, relativo às dívidas por encargos de condomínio, «1 - A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportadas pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixar de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.
2 - O administrador deve instaurar acção judicial destinada a cobrar as quantias referidas no número anterior».
Verifica-se através desta disposição legal que a contraparte da obrigação propter rem à qual o condómino se encontra vinculado é o condomínio e não a empresa que presta os serviços de manutenção dos elevadores.
O que se compreende, pois esta obrigação (propter rem) tem como finalidade a manutenção e conservação das partes comuns do edifício com vista a garantir a boa funcionalidade do edifício submetido a propriedade horizontal.
Sendo assim, esta obrigação visa satisfazer os interesses e necessidades dos condóminos; visa assegurar este tipo de estado de coisas, pelo que respeita apenas a cada um dos condóminos e à universalidade dos condóminos
O pedido de prestação de serviços a um terceiro, através de contrato, já se situa a jusante, faz parte da execução ou do cumprimento da obrigação por parte do condomínio.
Por conseguinte, a Apelante não se encontra em situação diversa daquela em que se encontrará se celebrar um contrato relativo à manutenção de um ascensor colocado numa casa pertencente a um só proprietário ou, por exemplo, num hotel.
Expostos os princípios, vejamos mais de perto o caso concreto.
Resulta dos autos que em 17.05.2012 foi celebrado entre a Demandante/Apelante e a firma construtora “C…, Lda.” com o NIF ………, o contrato de manutenção simples dos elevadores com os nº …….. e nº …….., que se manteve até Abril de 2016.
Nessa data a construtora “C…, Lda.” era a única proprietária de todas as fracções do edifício e, como tal, nomeou-se a si própria como administradora “provisória”, assim se mantendo até 30.04.2014, data em que cessou funções tendo sido nomeada uma administração externa ao edifício.
Em 25.05.2016 o Condomínio/Demandado, aqui Recorrido, celebrou com a B…/Demandante, aqui Recorrente, um contrato de manutenção completa dos elevadores para os dois elevadores do edifício, assumindo-se como responsável pelo pagamento de todas as facturas emitidas apenas após essa data.
Contrato este que, como bem resulta do mesmo, tem um “CLIENTE” diferente do contrato que existia anteriormente para os referidos elevadores, pois tem um âmbito diferente, o valor é diferente (porque se refere a um contrato de manutenção completa e não a um contrato de manutenção simples com atualizações), tem datas de início e fim diferentes.
Ou seja, a celebração do novo contrato deve-se à não ratificação do contrato anteriormente celebrado pela construtora “C…, Lda.” e muito menos resulta de qualquer negociação do contrato anterior, como a Recorrente pretende fazer crer, porque, se assim fosse, no mesmo teria de constar a referência aos eventuais direitos, débitos e obrigações emergentes de contrato anterior, o que não acontece.
E o facto de ambos os contratos terem como objecto os mesmos elevadores, em nada invalida que as responsabilidades pelas obrigações emergentes desses contratos possam ser assumidas por entidades diferentes, que é o caso.
Importa também salientar que, a sociedade “C…, Lda.” tem o NIF ……… e o Condomínio tem o NIF ………, sendo entidades distintas e autónomas.
Se fosse intenção das partes celebrar o contrato inicial entre o Condomínio e a B…, no contrato teria constado a identificação completa do condomínio (incluindo NIPC) o que não sucedeu.
Ademais, na data em que a “C…, Lda.” celebrou o contrato com a B…, foi a C… que celebrou o contrato assumindo todas as obrigações decorrentes do mesmo, porque assim o quis.
E ao celebrar o contrato “em nome próprio”, foi a sociedade C… que beneficiou desse serviço e dessa despesa na respectiva contabilidade e não o Condomínio, que só começou a ter estrutura de Condomínio após 12.05.2016.
Aliás, estando em causa um prédio com uma construção de meados de 2012, a responsabilidade pelas despesas do condomínio esteve a cargo do construtor até 30.04.2016, já que este deteve a propriedade da maioria das fracções, desde a constituição do mesmo até finais de 2015.
Assim, quando o Dr. E… declarou em assembleia geral de condóminos assumir a responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas relativas ao condomínio, designadamente com fornecimento de água, eletricidade, limpeza e elevadores até ao dia 30.04.2016, fê-lo na discussão do ponto relativo à apresentação de contas do condomínio até 30.04.2016 e na qualidade de representante da construtora C…, e não em representação do condomínio, como a Recorrente pretende fazer crer.
De resto, não podemos olvidar que a C… constituiu o Condomínio em cumprimento de um formalismo obrigatório por lei e manteve-se na sua administração, provisoriamente até à constituição efectiva e material do Condomínio, que só ocorreu a partir da assembleia realizada em 12.05.2016.
Até essa data, não se realizaram assembleias, nem convocatórias, nem apresentação de contas ou sequer fixação/atribuição de quotas às fracções, uma vez que a construtora “C…, Lda.” era a proprietária da maioria das fracções e áreas comuns.
E só foi realizada tal assembleia por insistência dos/as condóminos/as que entretanto adquiriram as fracções à construtora “C…, Lda” e exigiram a constituição “efectiva” do Condomínio, a nomeação de uma administração com gestão autónoma, abertura de conta bancária em nome do condomínio, cobrança de quotas às frações, contratação de serviços e gestão de despesas/receitas.
E nessa nova gestão, o contrato de manutenção dos elevadores que havia sido celebrado inicialmente pelo construtor não foi ratificado, nem houve cessão de posição contratual, motivo pelo qual foi celebrado novo contrato diverso do inicial.
Afigura-se-nos, por isso, que estamos perante dois contratos diferentes, celebrados por entidades diferentes e as obrigações emergentes do cumprimento ou incumprimento de cada contrato devem ser peticionadas contra quem figura como contratante em cada um dos contratos.
Ou seja, a empresa contratada para prestar os serviços de interesse comum não é contraparte nesta obrigação propter rem; é apenas titular dos direitos e obrigações resultantes do contrato que celebrou.
Conforme já referimos, nem todas as obrigações propter rem constituídas antes da transmissão da coisa a outrem se transmitem ao subadquirente e o facto da lei impor a contratação de empresas autorizadas em matéria de conservação de ascensores, como requisito para a constituição da propriedade horizontal, não implica que o contrato celebrado para tal fim, por parte da entidade construtora e proprietária do edifício, vincule futuramente quem nele não tomou parte.
Face a tal obrigatoriedade e ao regime da propriedade horizontal, o contrato celebrado entre o construtor e a empresa de manutenção de elevadores é por natureza um contrato cuja duração não depende do teor das suas cláusulas, mas do facto de vir ou não vir a ser ratificado pelo futuro condomínio.
Pelo que, o contrato relativo à manutenção de ascensores celebrado entre o construtor do imóvel e uma empresa prestadora de tais serviços, não se transmite ao condomínio, salvo se existir cessão da posição contratual ou ratificação do contrato por parte do condomínio, nos termos do artigo 268.º, n.º 1, do Código Civil (cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto_8930/10.5TBMAI.P1 de 10-03-2014, publicado na base de dados da www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto).
Aliás, nem sequer se coloca aqui a questão de uma eventual ratificação tácita por parte do Condomínio, aqui Recorrente, quanto aos efeitos do contrato de prestação de serviços celebrado pelo administrador provisório do edifício, pois foi efetuado um novo contrato pelo condomínio (conforme, a este respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07.07.2016 disponível in www.dgsi.pt).
Por conseguinte, a responsabilidade pelo pagamento do contrato inicialmente celebrado, terá de recair sobre a empresa construtora do edifício.
Ou seja, o Condomínio, Réu aqui Recorrido só pode ser responsável pelas obrigações emergentes do contrato que celebrou e não pelo incumprimento da construtora relativo ao contrato inicial.
Por conseguinte, a responsabilidade pelo seu pagamento, na sequência do que vem sendo argumentado, no sentido de não existir transmissão da posição contratual, recai sobre a empresa construtora do edifício.
Além disso, não se encontram provados factos acerca das condições e período temporal em que os condóminos usufruíram dos serviços da Apelante com vista a averiguar possíveis situações de enriquecimento sem causa (artigo 473.º do Código Civil), embora a acção não tenha sido estruturada nesta perspectiva, ou mesmo apelando a uma situação contratual de facto.
Afigura-se-nos, por isso, ser de manter a decisão recorrida.
Impõe-se, por isso, a improcedência da apelação.
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Sumariando em jeito de síntese conclusiva:
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5. Decisão
Nos termos supra expostos, acordamos neste Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto, confirmando a decisão recorrida.

Custas da apelação a cargo da apelante.
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Notifique.

Porto, 23 de Abril de 2020
Os Juízes Desembargadores
Paulo Dias da Silva (Rto 316)
João Venade
Paulo Duarte Teixeira

(a presente peça processual foi produzida com o uso de meios informáticos e tem assinaturas electrónicas)