Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2449/12.7TDPRT.P3
Nº Convencional: JTRP000
Relator: HORÁCIO CORREIA PINTO
Descritores: REVOGAÇÃO
SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO
Nº do Documento: RP201811072449/12.7TDPRT.P3
Data do Acordão: 11/07/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º776, FLS.219-228)
Área Temática: .
Sumário: Se o tribunal que condenou o arguido por crime praticado durante o período de suspensão da execução da pena de prisão em que ele fora anteriormente condenado considerou que, mesmo assim, se justificava a suspensão da execução dessa segunda pena de prisão em que veio a ser condenado, por ainda ser possível emitir um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro, não será adequada a revogação da suspensão dessa pena de prisão anterior.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2449/12.7TDPRT.P3
Acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal do Porto:
Relatório.
Despacho recorrido.
Por acórdão proferido em 25/06/2015, transitado em julgado em 01/04/2016 (após ter sido negado provimento ao recurso do assistente pelo Tribunal da Relação do Porto, com manutenção integral da decisão recorrida), foi o arguido B… condenado, pela prática (em co-autoria) de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova mediante plano individual de reinserção social a elaborar pela DGRS, no qual se tenha em conta, nomeadamente, o treino de competências relativo à contenção da força física em situações de stress.
O plano de reinserção social inerente à sujeição do arguido ao regime de prova foi elaborado pela DGRSP, foi homologado por despacho judicial e encontra-se a ser executado (fls. 763 a 766, 768, 800 e 801 e 803 dos autos).
Entretanto, no decurso do prazo da suspensão, chegou aos autos informação da existência de um novo processo criminal contra o arguido (fls. 789 a 795 dos autos), confirmando-se depois que o arguido sofreu uma nova condenação, por sentença de 20/11/2017, transitada em julgado em 20/12/2017, pela prática, no ano de 2015 e nos dias 14 e 15 de Novembro de 2016, de um crime de violência doméstica (artº 152, nº 1, alª b), do CP), tendo sido aplicada a pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinando tal suspensão à condição de o arguido frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica a ser dinamizado pela DGRS (Processo nº 1932/16.0PIPRT, do Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 4; cfr. fls. 809 a 818 dos autos).
O Ministério Público lavrou promoção nos autos, na qual concluiu pela revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao arguido nos presentes autos (fl. 819 dos autos).
Pronunciando-se sobre a promoção do Ministério Público, o arguido pugnou pela manutenção da suspensão da pena de prisão (fls. 821 e 822 dos autos).
Apreciando:
Os factos e incidências processuais a ter em conta são os acima enumerados.
Como é sabido, a suspensão da execução da pena de prisão não representa um simples incidente, ou mesmo só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma e portanto, na sua acepção mais estrita e exigente, uma pena de substituição, com conteúdo político -criminal e campo de aplicação próprios. Esta pena constitui uma das opções, vinculativa para o julgador quando se verifiquem os necessários pressupostos, que permite evitar a aplicação de uma pena de prisão, efectiva, sendo certo que esta constitui, no nosso ordenamento jurídico - penal, a última ratio, reservada para os casos extremos em que a nenhuma das penas alternativas ou de substituição aplicáveis se reconheça aptidão para realizar as finalidades da punição. Finalidades que vêm indicadas no nº 1 do artº 40, em concreto a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e que são “exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa”.
A finalidade essencial visada pelo instituto da suspensão é a ressocialização do agente, na vertente da prevenção da reincidência – e apenas nesta, já que a lei apenas pretende que ele não torne a delinquir, e não corrigir ou melhorar as suas concepções pessoais acerca da vida e do mundo –, cujas probabilidades de êxito são aferidas, no momento da decisão, em função dos indicadores enumerados no nº 1 do artº 50. É, pois, sobre estes que há - de assentar o prognóstico relativo ao comportamento futuro do agente e que, sendo favorável, imporá a aplicação da suspensão, a menos que a ela se oponham irrenunciáveis exigências de defesa do ordenamento jurídico.
As causas determinativas da revogação desta pena de substituição, que admite quatro modalidades (simples, subordinada ao cumprimento de deveres, com imposição de regras de conduta ou acompanhada de regime de prova), vêm estabelecidas no nº 1 do art. 56º e reportam-se a anomalias graves, imputáveis ao condenado, que se venham a registar no decurso do período da suspensão, sendo uma delas a infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social e a outra o cometimento de crime pelo qual ele venha a ser condenado, quando seja evidente que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
Cumpre salientar o afastamento do efeito automático da revogação da pena de substituição que a redacção do preceito anterior às alterações introduzidas pelo DL nº 48/95, de 15-03, fazia associar ao cometimento, durante o período da suspensão, de novo crime doloso pelo qual o agente viesse a ser punido com pena de prisão, resultando, agora e claramente, da letra da lei que são dois os pressupostos, de verificação cumulativa, que a condicionam: um, o cometimento de novo crime (não necessariamente doloso), pelo qual o condenado venha a sofrer nova condenação (embora a lei não exija que esta seja em pena privativa da liberdade, propendemos a acompanhar o entendimento de que, pelo menos em princípio, só a condenação em pena de prisão efectiva é susceptível de evidenciar de forma clara que as finalidades subjacentes à decisão de suspensão não puderam ser alcançadas); outro, a revelação de que a suspensão não teve, afinal, aptidão para realizar as finalidades da punição.
Cumpre ainda referir que a recente alteração ao Código Penal, operada pela Lei nº 94/2017, de 23-08 (com entrada em vigor em 21/11/2017), não alterou a redacção do artigo 56.
As causas de revogação não devem ser entendidas com um critério formalista, mas antes como demonstrativas das falhas do condenado no decurso do período da suspensão.
O arguido deve ter demonstrado com o seu comportamento que não se cumpriram as expectativas que motivaram a concessão da suspensão da pena e a revogação só deverá ter lugar como ultima ratio, isto é, quando estiverem esgotadas ou se revelarem de todo ineficazes as providências que o artº 55 do CP contém.
Impõe-se, por isso, uma especial exigência na indagação e apreciação de todos os factos e circunstâncias susceptíveis de relevar na aferição da possibilidade de manutenção ou não do juízo de prognose favorável relativo ao comportamento que o condenado irá de futuro adoptar. Revertendo ao caso sub judice, resulta provado que o arguido, durante o período de suspensão da execução da pena que lhe foi aplicada, praticou um crime de violência doméstica (art. 152º, nº 1, alª b), do CP), cujos factos surgem reportados ao ano de 2015 e aos dias 14 e 15 de Novembro de 2016 (os primeiros factos são anteriores à data do trânsito em julgado da decisão proferida nos presentes autos e os segundos são posteriores, circunstância que pouco releva em termos de análise jurídica da questão em apreço, em face do desenho legal do tipo de crime de violência doméstica), tendo sido aplicada a pena de 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, subordinando tal suspensão à condição de o arguido frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica a ser dinamizado pela DGRS.
Reconhece-se com facilidade uma zona de intersecção entre o crime agora cometido e o crime pelo qual o arguido foi condenado nos presentes autos (como bem salienta o Ministério Público na sua promoção).
Contudo, na última condenação sofrida pelo arguido no período da suspensão da execução aplicada nos presentes autos, a pena aí aplicada (2 anos e 8 meses de prisão) foi suspensa na sua execução (com subordinação à condição de o arguido frequentar o Programa para Agressores de Violência Doméstica), sinal evidente de que a reinserção social do arguido em liberdade ainda se mostra possível.
De facto, é expressamente referido na nova condenação que o arguido, embora tenha praticado os factos em período de suspensão de uma pena de prisão, é merecedor de uma última oportunidade para se afirmar como pessoa de bem (não havendo notícia de que, nos últimos tempos, o arguido tenha perturbado a ofendida, que manifestou nos autos nada pretender do arguido, que não seja “o seu sossego”).
Por outro lado, no relatório periódico elaborado pela DGRSP, é referido que o arguido parece assumir conduta adaptada ao definido judicialmente no âmbito dos presentes autos (ressalvada a eventual recidiva criminal relativa ao processo que conduziu à nova condenação).
Quer dizer, ao contrário da posição do Ministério Público, entende-se que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada na nova condenação é razão suficiente para hesitar na revogação da suspensão decretada nos presentes autos.
Assim, por ausência de verificação dos pressupostos enunciados no artº 56 do CP, entende-se não haver lugar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos ao arguido, continuando os autos a aguardar o decurso do prazo de tal suspensão.
Decisão:
Em face do exposto, decide-se não haver lugar à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos presentes autos ao arguido B… (não obstante ter sofrido nova condenação), continuando os autos a aguardar o decurso do prazo de tal suspensão.
Recurso do MP.
Conclusões.
1) A finalidade político - criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes – por todos, o Prof. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas Do Crime, pág.343, §519.
2) Por outro lado, a pena destina-se a «actuar (psiquicamente) sobre a generalidade dos membros da comunidade, afastando-os da prática de crimes através da ameaça penal estatuída pela lei, da realidade de aplicação judicial das penas e da efectividade da sua execução» - Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, p. 74.
3) Em síntese, a pena é um instrumento de actuação preventiva sobre a pessoa do delinquente, com o fim de evitar que, no futuro, ele cometa novos crimes - Figueiredo Dias, Temas Básicos…, p. 78.
4) Ora, por acórdão de 25.06.2015, transitado em julgado em 01.04.2016, o arguido B… foi condenado na pena de dois anos e seis meses de prisão, pela prática em co - autoria material, de um crime consumado p. p. pelos artºs 145, nº 1, alª a) e nº 2, com referência ao artº 132 nº 2, alª h), ambos do C. Penal. A execução da pena foi suspensa pelo mesmo período temporal, com regime de prova, mediante PRS, no qual o arguido deveria ter em conta o “treino de competências relativo ao uso da força física em situação de stress” – fls. 659, in fine.
5) Mas, também por factos ocorridos em data anterior aos factos destes autos, o arguido já fora condenado pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.
6) Entretanto, por decisão proferida em 20.11.2017, transitada em 20.12.2017, o arguido foi condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela consumada prática de um crime de violência doméstica, p. p. pelo artº 152 nº 1, alª b), do C. Penal, cuja execução ficou suspensa por igual período temporal.
7) Neste processo ficou provado, além do mais, que “pelas 7.10 do dia 15/11/2016 a vítima deslocou-se no seu veículo até à Rua …, Porto, para deixar a amiga na residência desta. (…) o arguido perseguiu-a, interceptou-a junto à entrada das instalações policiais e agarrou-a pelo cabelo; o arguido puxou-a para o chão e tentou arrastá-la, o que só não conseguiu devido a intervenção de amiga e de agente da PSP que acorreram ao local; o arguido agiu de forma deliberada, livre e consciente querendo de modo concretizado e, repetidamente, agredir e atingir o corpo e a integridade pessoal da sua companheira (…)”.
8) Pode afirmar-se, na linha dos Acórdãos do TRP de 1999/11/03 e de 2010/05/26 e do Acórdão do TRC de 2005/07/06 (respectivamente na CJ V/223, III/216; IV/41) que a esfera de protecção da norma do artª 152 do C. Penal se dirige aos valores da “dignidade humana”, da “integridade pessoal”, da “integridade física e psíquica, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual e a honra” ou a “integridade pessoal e livre desenvolvimento da personalidade”-
9) Igualmente, no crime de ofensa à integridade física, é elemento do tipo a ofensa no corpo ou na saúde de outrem.
10) Destarte, no caso vertido, parece indiscutível que comum aos dois crimes foi o objecto da acção, o corpo humano, que o arguido molestou fisicamente.
11) Ora, se a finalidade politico-criminal da suspensão da pena é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, ´não se pode aceitar que no caso presente a pena de substituição tenha logrado alcançar tal finalidade.
12) Na verdade, como se diz no Acórdão da RP de 28-09-2016 (processo nº64/04.8PEPRT-A.P1, Relator Exmo Desembargador Manuel Soares), “na nova condenação em pena suspensa na sua execução, não se pode afastar em absoluto a possibilidade de revogar uma suspensão de pena quando o arguido vem a ser condenado numa nova pena de prisão suspensa. O que se tem entendido é que nessas situações a revogação da suspensão só deverá ser decidida em casos excepcionais, ainda tendo em conta o êxito ou falhanço da ressocialização em liberdade, que há-de partir da análise casuística da situação. Este entendimento é inteiramente razoável. Nem o tribunal da segunda condenação fica limitado nos seus poderes de decisão e vinculado à aplicação de uma pena de prisão efectiva, pelo facto de o arguido ter praticado o crime no período de suspensão do anterior; nem o tribunal da primeira condenação está limitado nos seus poderes de decisão, pelo facto de ter havido uma segunda condenação em pena de prisão suspensa, podendo optar pela manutenção, agravação ou revogação da pena substitutiva”.
13) Igualmente, para o Acórdão da RC 22 de Novembro de 2017 (processo nº 55/16.6GDLRA.C1) embora a pena depois cominada também tenha sido (condicionadamente) suspensa na sua execução, tal não é decisivo; determinante é saber [como decorre do citado artº 56, n.º 1, alª b)] se a prática de crime (s) na pendência da suspensão revela ou não a frustração das finalidades que estiveram na base da suspensão. O que a lei apenas exige é o cometimento de crime por que venha a ser condenado e a demonstração de que as finalidades da suspensão não foram, por essa via, alcançadas. – sublinhado nosso.
14)Assim, existindo um fio condutor explicativo dos comportamentos do arguido entre as duas condenações, traduzido na circunstância de o arguido não se se conter na concretização de condutas violentas, agredindo outras pessoas com pontapés e socos - factos provados sob o ponto 7 da fundamentação do acórdão proferido nestes autos – ou puxando para o chão e arrastando outra pessoa – factos provados no processo 1932/16.0PIPRT - não obstante lhe ter sido determinado que treinasse competências para conter o uso da força física - parece nítido, como já se disse, que a segunda condenação por crime ofensivo de bens jurídicos da mesma natureza, a integridade física de outrem, indica que o arguido não entendeu ou não quis entender o desvalor do crime de ofensa à integridade física e a sua danosidade e que a vontade de praticar outro crime se sobrepôs ao conhecimento do forte risco de poder ser preso.
15) Com efeito, a negação do arguido da prática do terceiro crime, tendo até prestado um depoimento pensado e contraditório (cfr. convicção da decisão proferida no processo nº 1932/16.0PIPRT) e o facto de tal crime não ter ocorrido num contexto especial, que lhe confira algum tipo de compreensibilidade, é indício seguro da atitude de indiferença do arguido perante as condenações sofridas pela prática de crimes em cujo bem jurídico protegido se incluía a integridade física de outrem.
16) Destarte, na esteira dos citados Acórdão da RP de 28-09-2016 e da Acórdão da RC 22 de Novembro de 2017 “o segundo crime, cometido no período de suspensão da pena do primeiro, revelou que as finalidades que estiveram na base dessa suspensão, precisamente evitar que novos crimes fossem cometidos, não foi alcançada, e que não pode haver outra consequência que não seja a revogação da suspensão”, já que, seria desnecessário dizê-lo, a expectativa fundada na simples ameaça da pena, não o contamina, não penetra na sua personalidade.
17) Contrariamente ao doutamente decidido, deveria ter sido revogada a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido nestes autos, tendo em conta que as necessidades de prevenção manifestadas no sentimento jurídico da comunidade saíram defraudadas e reactivaram «o sentimento de reprovação social do crime»”Prof. F. Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pág. 334.
18)Como diz o Prof. Costa Andrade, in RLJ, nº 134º, p. 76, “nenhum ordenamento jurídico suporta pôr-se em causa a si mesmo, sob pena de deixar de existir enquanto tal. A sociedade não tolera uma certa “perda” de efeito preventivo geral. Isto é, conforma-se com a aplicação de uma pena de substituição. Já não tolera a sua ineficácia”.
19) O decidir pela manutenência da pena de substituição, ao invés de a revogar, afigura-se-nos que o despacho atacado violou as norma do artº 56 nº 1, alª b), do C. Penal.
20) Termos em que, na procedência do recurso, pede-se a revogação do douto despacho recorrido e sua substituição por outro que revogue a suspensão da execução da pena de 2 anos e 6 meses de prisão e determine o seu efectivo cumprimento.

O arguido não respondeu.
Parecer.
(…)
Apreciando, resta-nos aderir, sem reservas nem acrescentos, à essência da argumentação vertida no recurso do MP junto do Tribunal recorrido, por se nos afigurarem justas e pertinentes as razões invocadas para a revogação do despacho recorrido e sua substituição por decisão que considere verificados os pressupostos legais e de facto que validamente fundamentam a impetrada revogação, que assim deve ser decidida em conformidade.
Termos em que somos de parecer que o presente recurso deve proceder.

Cumpriu-se o artº 417 nº2 do CPP.

Colhidos os vistos legais foram os autos submetidos a conferência.
Nada obsta à apreciação do mérito.
Mantém-se a regularidade da instância.
Fundamentação e direito.
O arguido foi condenado, por acórdão transitado em 1/04/2016, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão pela prática em co-autoria material, de um crime consumado de ofensa à integridade física qualificado, previsto e punido nos termos do artº 145, nº1, alª a) e nº2, por referência ao artº 132, nº2, alª h), ambos, do CP.
Esta condenação foi suspensa na sua execução, pelo mesmo período de tempo, mediante regime de prova.
Entretanto, no processo nº 1932/16.OPIPRT, transitado em 20/12/2017, o arguido voltou a ser condenado na pena de 2 anos e 8 meses de prisão, agora pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido nos termos do artº 152, nº 1, alª b) do CP. Também neste caso o tribunal decidiu suspender a execução da pena pelo mesmo período de tempo, mediante regime de prova – Programa para Agressores de Violência doméstica.
Como facilmente se analisa este segundo crime foi cometido durante o período de suspensão da execução daquele primeiro crime. Prontamente o MP veio requerer a revogação daquela primeira suspensão com argumento de o arguido ter frustrado o juízo de prognose que o tribunal havia estabelecido, ou seja revelou-se que as finalidades que estiveram na base da suspensão da execução da pena não foram alcançadas.
O objecto deste recurso é muito claro ao propor a revogação por incumprimento dos comandos ínsitos na pena de substituição (suspensão de execução da pena pelo período de 2 anos e 8 meses, exactamente o tempo determinado para a condenação).
A revogação da suspensão está prevista no artº 56 do CP e quanto ao caso concreto do nº 1 alª b) da citada norma, cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. A revogação determina o cumprimento da pena (nº 2).
Antes de mais importa referir que a condenação por crime doloso, cometido durante o período da suspensão, não provoca automaticamente a revogação da suspensão, ao invés do que ocorria no passado, com a versão originária do CP. Agora, ao proceder à revogação, é expressamente necessário que estejamos perante um crime doloso e que as finalidades que estiveram na base da condenação não foram conseguidas. Há ainda um outro requisito muito importante: a audição do arguido pelo tribunal em obediência ao princípio do contraditório (artºs 61 nº 1, alª b) e 495, nº 2, ambos, do CPP). Audição presencial em nossa opinião.
A revogação no presente caso foi promovida pelo MP decorrente da condenação no citado processo. O tribunal não ouviu o arguido porque de imediato decidiu-se pela manutenção da pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução.
A não audição compreende-se uma vez que o tribunal não revogou a suspensão. Apesar do não exercício do contraditório, o arguido não sai prejudicado com a decisão, muito embora alguma jurisprudência trate a não audição como uma nulidade insanável – Acórdão do TRE de 22 de Fevereiro de 2005, in CJ, XXX, Tomo I, fls 267.
Para sustentar uma revogação, além daquelas observações, é necessário que o incumprimento infirme definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, de modo a manter o arguido afastado da criminalidade. A revogação só pode ter lugar se o arguido tiver sido condenado em pena de prisão efectiva, não obstante alguns defensores digam que basta uma condenação em pena suspensa em conformidade com elemento literal: cometer crime pelo qual venha a ser condenado … Superada a não automaticidade urge desenvolver interpretação capaz de demonstrar que o tribunal da segunda condenação emitiu um juízo de prognose favorável conducente à suspensão, mostrando que não considerou ainda esgotadas as possibilidades de uma socialização em liberdade J. Figueiredo Dias, in Consequências Jurídicas do Crime, 4ª reimpressão, página 357.
A jurisprudência mais esclarecida vem afirmando que se o tribunal da segunda condenação entendeu ser suficiente suspender a pena, sem imposições, será mais correcto ao tribunal a quo, em vez de revogar a suspensão da pena, decidir prorrogar a suspensão da mesma, com imposição de outras medidas, sujeitando o arguido a acompanhamento pela Equipa de Reinserção Social. A doutrina maioritária continua a defender, quanto à revogação da suspensão da pena, no caso de nova condenação, que só a condenação em pena efectiva é fundamento de revogação da suspensão … pois a condenação em pena de substituição demonstra que o tribunal da nova condenação fez ainda um juízo de prognose favorável ao arguido (Acórdão do TRC de 7/04/2016, no processo nº 26/14.7GCTND.C1. Relator – Orlando Gonçalves).
Veja-se ainda o acórdão do TRP, processo nº 34/08.7GAMTS-A.P1, do Relator A. J. Moreira Ramos, também aqui adjunto, onde se corrobora a ideia de exclusão da revogação caso na nova condenação tiver sido renovado o juízo de prognose favorável, com o decretamento da suspensão, não se considerando ainda esgotadas as possibilidades de socialização
No presente caso o regime de prova não foi violado, configurando-se a situação apenas com a prática de um novo crime de recorte distinto do primeiro. A ideia persistente de que é imprescindível uma condenação efectiva é dominante na jurisprudência e sobretudo, quando o tribunal da condenação faz um juízo de prognose favorável, resulta evidente que o tribunal superior não deve revogar a primitiva decisão exclusivamente por critérios automáticos.
O nosso raciocínio é simples pois, o tribunal da segunda condenação veio abertamente pronunciar-se sobre a suspensão da execução da pena, como não podia deixar de ser. Da análise concreta flui dos factos provados, nomeadamente do relatório social … o arguido beneficiar de apoio familiar estruturado, pese embora os factos tenham sido praticados em período de suspensão de uma pena de prisão, certo é que o crime aqui em causa tem outra natureza, de modo a que a simples censura dos factos e a ameaça de prisão são suficientes para manter o arguido afastado da actividade criminosa, comprometendo-o com o ordenamento jurídico, concedendo-lhe uma última oportunidade.
Também não há notícia que nos últimos tempos o arguido tenha molestado a ofendida, sua ex-companheira.
Resulta da apreciação da personalidade do arguido; condições de vida; circunstancialismo que subjaz à prática dos dois crimes, assim como a conduta que vem observando após a prática desses mesmos crimes, que as finalidades base da suspensão ainda podem ser conseguidas. O relatório social é favorável ao arguido e o contexto da prática dos crimes por que foi condenado é distinto. No segundo caso estamos perante um crime de violência doméstica que obedece a uma caracterização muito particular mas, nada tem a ver com a ofensa à integridade física perpetrada em ambiente de aparente exercício de segurança…
Urge concluir que tribunal da condenação entendeu dar nova oportunidade ao arguido recorrendo a critérios de natureza pessoal, familiar e socioeconómicos, além dos factos desta condenação, integradores do crime de violência doméstica, apresentarem recorte bem diverso em comparação com os da condenação por ofensas corporais qualificadas.
Se o tribunal da segunda condenação sopesou não sentenciar o arguido em prisão efectiva, apesar de bem conhecer a primeira condenação, tanto mais que mandou oficiar ao presente processo, será desajustado que o venha a fazer o tribunal de recurso. No seio do processo nº1932/16.OPIPRT desenvolve-se argumentação suficiente de modo a revelar que as finalidades que estiveram na base da suspensão podem trazer expectativas consistentes de ressocialização, acreditando que o arguido vai conformar-se com os comandos do ordenamento jurídico.
Sem mais delongas, entendemos que não está esgotado o juízo de prognose favorável que determinou o decretamento da suspensão da execução da pena, continuando plenamente ao alcance do arguido reintegrar-se socialmente, de forma a não delinquir.

Acordam os juízes que integram esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso interposto pelo MP, confirmando o despacho recorrido.

Sem custas.
Registe e notifique.

Porto, 7 de Novembro de 2018.
Horácio Correia Pinto.
Moreira Ramos.