Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
20402/16.0T8PRT-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE FINANCIAMENTO
DELIBERAÇÃO
BANCO DE PORTUGAL
NULIDADE
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RP2018042320402/16.0T8PRT-B.P1
Data do Acordão: 04/23/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 673, FLS 62-83)
Área Temática: .
Sumário: I - Não tendo sido objeto de declaração de nulidade por parte dos tribunais administrativos, a deliberação do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 e clarificada em 11.08.2014 (nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF) vigora na nossa ordem jurídica.
II - Decorrendo expressamente da referida deliberação a transferência para o B..., dos ativos onde se integra o crédito exequendo, e a exclusão das obrigações adquiridas pelos executados no âmbito da atividade de intermediação financeira do E..., bem como de quaisquer responsabilidade emergentes do referido negócio, não podem os executados, em sede de embargos, invocar a compensação de créditos, com base no valor inicial das obrigações dadas como garantia do empréstimo.
III - Na situação em preço não é legítimo equacionar-se nos embargos a contaminação do contrato que constitui o título executivo, pelo eventual juízo de invalidade do contrato de aquisição de obrigações, perspetivados numa relação de coligação contratual.
IV - A conduta do B... (instauração da execução) não poderá configurar-se como abuso de direito, devendo tal questão deslocar-se para montante, para a aferição da validade das deliberações do Banco de Portugal, face aos princípios da proporcionalidade e da adequação, tendo em conta o risco de incumprimento por parte da instituição financeira e a gravidade das consequências de cada uma delas em relação às finalidades prosseguidas, de acordo com o n.º 2 do artigo 139.º do RGICSF.
V - No entanto, a eventual censura da deliberação do Banco de Portugal, à luz do instituto do abuso de direito (art.º 334 do CC), está vedada aos tribunais comuns, cabendo a sua competência, em exclusivo, aos tribunais administrativos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 20402/16.0T8PRT-B.P1

Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório
Em 12.10.2016, na Instância Central - Secção de Execução (1.ª), do Tribunal Judicial da Comarca do Porto (Juiz 6), o B..., S.A., instaurou ação executiva contra C... e D..., para cobrança coerciva da quantia de € 168.843,45, alegando: exequente e executados celebraram, em 30.01.2013, um contrato de financiamento com o n.º roc...../13, no montante máximo de € 150.000,00, destinado a fundo de maneio, pelo prazo de 365 dias, posteriormente alterado para 105 dias, tudo nas demais condições constantes do contrato e respetiva alteração que se juntam sob os docs. 3 e 4; o montante de € 150.000,00 foi efetivamente disponibilizado pelo banco e utilizado pelos executados, em seu proveito próprio; ficou convencionado que a abertura de crédito se fazia pela disponibilização de crédito até ao montante acima referido na conta de depósitos à ordem n.º ............, aberta junto do banco, em nome dos executados; por outro lado, ficou convencionado que o saldo em dívida (da conta crédito) vencia juros a uma taxa correspondente à média mensal da euribor a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3,5%, nos termos constantes da cláusula 8ª das condições particulares do contrato, aqui dado por reproduzido (doc. 3); nos termos da cláusula 9.ª das condições particulares do contrato, os executados comprometeram-se a reembolsar o saldo em dívida no fim do prazo estabelecido (365 dias); ficou estipulado que o banco exequente tinha o direito a declarar o vencimento antecipado das obrigações assumidas pelos mutuários, caso se verificasse mora ou incumprimento definitivo das obrigações por si contraídas, ou no caso de ter sido instaurado contra os mesmos um processo de insolvência (cf. cláusula 35ª das condições gerais do contrato - doc. 3); os executados deixaram de pagar as prestações a que se obrigaram, estando em dívida as prestações vencidas desde 31.07.2014. ficou em dívida o capital global de € 149.998,86. quantia que continua a ser devida ao exequente, acrescida dos respetivos juros à taxa de 0,205%, por ser a taxa de juro contratual, acrescida do spread de 3,5%, desde 31.07.2014 (data da última prestação paga) até efetivo e integral pagamento; para garantia do crédito acima referido, os executados prestaram a favor do banco exequente penhor de valores mobiliários associados à conta nº ............, conforme se passa a descrever: a) penhor de 200.000 euros em obrigações, denominadas por E1... 6.875% 21/10/19, com o código isin xs.......... e com valorização à data do contrato de 196.750,00 euros, depositadas no dossier nº ............
Em 15.11.2016, os executados deduziram embargos, pedindo: a) a declaração da nulidade do contrato dado à execução; b) a devolução das obrigações (200.000 títulos) dadas em penhor, c) a declaração de inexigibilidade da quantia exequenda; e, d) a extinção da execução.
Alegam, em suma: celebraram o contrato de mútuo a pedido do próprio embargado, que os convenceu ser mais vantajoso pedir e garantir esse empréstimo com penhor de obrigações de uma sociedade acionista do E..., SA do que usar os próprios fundos de que dispunham para a realização de um projeto, pois a remuneração daqueles títulos era superior ao juro do próprio financiamento e desse modo não ficariam privados do seu capital; confiavam plenamente no então E..., que lhes garantiu a total segurança das obrigações, que o próprio E... lhes vendeu, e só por isso aceitaram o negócio; a única informação que o E... lhes deu sobre as obrigações compradas consistiu em informá-los que eram emitidas pela sociedade que era a sua maior acionista e na entrega de um prospeto em língua inglesa; na sequência da falência da dita sociedade emitente, as obrigações perderam totalmente o seu valor, e consequentemente perderam os embargantes o capital investido nas mesmas, que era superior ao valor financiado pelo E...; como deixaram de receber a remuneração das obrigações, deixaram de cumprir com os reembolsos relativos ao financiamento, o contrato de mútuo em que se baseia a execução é nulo, por fraude à lei e por vício na formação da vontade dos embargantes; a generalidade da atividade do E... foi transferida para o exequente – B..., SA; não obstante saber que a garantia prestada não tinha qualquer valor, e não dispondo de outras garantias, o embargado pressionou os embargantes a renovar o contrato de financiamento; o embargado recusou a dação em pagamento dos títulos dados em penhor; o argumento do E... de que se tratava de um “investimento seguro” foi decisivo para a “opção de investir” do embargantes; não obstante, os embargantes investiram e, por isso, alegadamente, estão devedores do valor aproximado de € 150.000,00, que na qualidade de clientes do E... pediram emprestado para investirem em papel comercial; esquecendo o exequente que a garantia real desse investimento foi imposta pelo E...; a informação prestada pelo E... aos clientes, relativamente ao papel comercial da E1... não foi completa e muito menos verdadeira; o E..., na sua qualidade de intermediário financeiro, é responsável pelos danos causados pela deficiente informação; nos termos gerais, o embargado, enquanto sucessor do E..., está obrigado a reconstituir a situação que existia se os embargantes estivessem na posse de informação completa; os embargantes estão a ser demandados e instados a pagar um empréstimo que lhes foi concedido em fraude à lei; devem ser-lhes devolvidas as obrigações que foram dadas em penhor como garantia do mútuo, com o valor à data da celebração do contrato; a quantia exequenda não é exigível.
Recebidos os embargos, contestou o embargado/exequente, impugnando parcialmente os factos alegados, e alegando em síntese: não existe qualquer relação entre o contrato de mútuo e a venda das obrigações; a perda de valor destas não foi a causa do incumprimento; apenas é imputável aos embargantes; já depois da falência da emitente das obrigações os embargantes solicitaram a prorrogação do prazo do reembolso, os embargantes foram perfeitamente informados de todos os factos relevantes dos negócios; de modo algum o Banco os influenciou a aceitá-lo; o Banco sempre agiu de boa-fé, os embargantes agem agora com abuso de direito ao pedir a extinção da execução, a nulidade, ainda que fosse decretada, implicaria a restituição do prestado, e portanto não determinaria a extinção da dívida.
Os embargos foram recebidos por despacho de 17.11.2016.
Em 5.09.2017 foi proferido despacho saneador, no qual se decidiu: dispensar a realização da audiência prévia; julgar verificados todos os pressupostos formais que permitem a apreciação do mérito dos embargos; fixar o valor da ação em € 168.843,45; definir como objeto do litígio “A validade e exigibilidade da obrigação exequenda”; enunciar os temas de prova.
Em 10.11.2017 realizou-se a audiência de julgamento, após o que, em 14.12.2017, foi proferida sentença na qual se julgaram procedentes os embargos totalmente e se determinou a extinção da execução.
Não se conformou o exequente/embargado e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões:
1- Conforme resulta dos factos assentes, o B..., S.A. foi constituído por deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, na redação em vigor à data, para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., incluindo o crédito em causa nos autos.
2- E tal conclusão resulta exatamente das atas de deliberação do banco de Portugal juntas aos autos com o requerimento executivo como doc.1 e 2, não impugnados e, de resto, em parte reproduzidos na decisão de que se recorre.
3- Ora, acontece que decorre de tais atas, nomeadamente do anexo 2 à deliberação de resolução de 03.08.14 (junto como doc.1 com o requerimento executivo), ponto vii e da deliberação (clarificação) de 11.08.14, às 17h, (junto como doc.2 com o requerimento executivo, ponto J), “Que as responsabilidades do E... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B..., SA com exceção (…) de quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2...” (cfr. ata junta como doc.1 com requerimento executivo, não impugnada),
4- Redação posteriormente retificada pela deliberação de 11.08.14, que passou a referir “com exceção (…) de quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do E... em ternos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas (cfr. doc. 2 do requerimento executivo, não impugnado).
5- Nestes termos, impõe-se aditar ao ponto 10 dos factos assentes da sentença recorrida, a redação das acima transcritas deliberações do Banco de Portugal, da seguinte forma: O B..., S.A. foi constituído por deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., incluindo o crédito em causa nos autos, com exceção (…) de quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do E... em ternos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
6- Tal conclusão decorre do conteúdo daquela ata de deliberação e posteriores clarificações, dando-se por reproduzido o teor das mesmas, as quais constam de documentos oficiais emitidos no âmbito dos poderes do Banco de Portugal e que não foram impugnados pelas partes.
7- Não se tendo verificado tal concretização na matéria de facto assente (acima sublinhada), padece a sentença de erro manifesto, dado os concretos meios probatórios, constantes do processo, imporem diferente conclusão sobre os pontos da matéria dados como assentes,
8- E os quais dizem respeito ainda a matéria de facto controvertida e objeto de litígio, dada a questão da sucessão do E... pelo B..., alegada pelos embargantes nos artigos 61º, 63º e 75º da petição de embargos ter sido impugnada pelo Recorrente, designadamente no artigo 2º da contestação, de forma expressa.
9- Acresce que, da leitura da sentença e dos factos quer considerados como assentes quer considerados como provados, não resulta a conclusão e muito menos a prova, aliás cujo ónus incumbia aos embargantes, que se tenha transferido a responsabilidade decorrente da atividade de intermediação financeira do E... para o B...,
10- Muito pelo contrário; constam dos autos documentos, os quais já supracitados, que constituem a prova de que essa responsabilidade não se transferiu, facto que o próprio tribunal reconhece nas suas conclusões sobre as questões a decidir nos autos,
11- Mais concretamente no 5º parágrafo do ponto 4 da sentença recorrida, em que é referido “para o B... foi transferido o crédito resultante do mútuo concedido, mas não a responsabilidade pela venda das obrigações”.
12- Aliás o Mmo Juiz a quo conclui não resultar evidente, para o B..., qualquer responsabilidade pela intermediação financeira, que não resulta apurada.
13- Conforme a própria sentença refere: “Ora, a necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta desde logo a possibilidade de, em embargos de executado, o embargante alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o exequente, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade deste” (cfr. 25º parágrafo do ponto 4 da sentença recorrida),
14- Ou seja, “o crédito reclamado pela aqui embargante para efeito de compensação com o crédito exequendo terá de ser judicialmente exigível” (cfr. 26º parágrafo do ponto 4 da sentença recorrida),
15- “Em suma, para que a compensação possa funcionar é preciso que os créditos objecto da compensação existam e que o crédito do compensante seja exigível judicialmente; assim não sucede se só o crédito do exequente já é certo, líquido e exigível e consta de um título com força executiva, ao passo que o crédito que o embargante invoca ainda é hipotético, incerto e só se tornará certo e exigível se a acção já intentada por ele proceder e, portanto, se vier a ser reconhecido em decisão transitada em julgado” (cfr. 28º parágrafo do ponto 4 da sentença recorrida).
16- “No caso dos autos, o contra-crédito dos aqui embargantes não tem a natureza de certo, seguro e exigível, pelo que não é compensável” (cfr. 29º parágrafo do ponto 4 da sentença recorrida),
17- Pelo que a sentença em causa reconhece que tal responsabilidade apenas poderia ser invocada caso viesse a existir uma sentença condenatória nesse sentido.
18- De onde se pode concluir que existe assim manifesta contradição entre a decisão final e as conclusões retiradas dos factos considerados como assentes e como provados.
19- Acresce que, conforme assente, o Banco recorrente (B..., S.A.) foi constituído por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014 e 29.12.2015), nunca tendo tido qualquer relação de grupo com o E1...,
20- Pelo que, não é legalmente admissível que através da sentença recorrida lhe sejam imputadas responsabilidades que respeitam unicamente ao E... S.A. e, eventualmente, a entidades que integravam o universo E2..., conforme decorre expressamente das deliberações já citadas e respetivas clarificações.
21- Conforme decorre do disposto no DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro - que veio transpor para o ordenamento jurídico nacional o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), de acordo com a Directiva n.º 92/30/CEE do Conselho, de 6 de Abril de 1992 -, em especial o artigo 139º e seguintes desse diploma legal, o Banco de Portugal, com vista à garantia da solidez financeiras das instituições de crédito, bem como na salvaguarda dos interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro, passou a ver-lhe atribuída a “autoridade de supervisão prudencial das instituições de crédito da competência para tomar a iniciativa e para superintender nas medidas de saneamento, (…) permitindo uma melhor adequação às necessidades de saneamento sentidas em cada caso”, tendo assim ao seu alcance a possibilidade de adotar uma de três medidas: intervenção corretiva, administração provisória ou até mesmo de resolução.
22- Ora, como é do conhecimento público e vem materializado no requerimento executivo inicial, foi exatamente esta a medida aplicada pelo Banco de Portugal no que concerne ao E..., S.A., por deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014 e 29.12.2015), nos termos do nº 5 do artigo 145º-G do RGICSF, conforme conclusão, que deverá ser retirada do aditamento aos factos considerados como assentes do conteúdo daquela ata de deliberação e posteriores clarificações,
23- Através da qual foi constituído o B..., S.A. para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., entre os quais se contam os elementos extrapatrimoniais e ativos sob a anterior gestão deste Banco, nos termos dos Anexos 2 e 2-A da referida deliberação.
24- Sendo que, através da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em 11.08.2014, tal deliberação inicial veio a ser esclarecida no sentido de ajustar o conjunto dos ativos, passivos e elementos extrapatrimoniais transferidos para o B..., S.A., consolidando a redação do mencionado Anexo 2.
25- Conforme refere o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 09.07.2015, «O Anexo 2 da deliberação do Banco de Portugal contém, então, no seu nº1, os critérios de transferência dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos para o B..., refletindo a referida imposição do artigo 145º-H relativamente aos passivos mencionados e estabelecendo os seus próprios critérios em relação aos outros passivos e ativos.»
26- Ora, nos termos do que consta na citada Ata, foram transferidos todos os ativos, licenças e direitos, incluindo direitos de propriedade do E..., para o B..., excetuando-se, designadamente, as ações representativas do capital social do E5..., as ações representativas do capital social do E6... e direitos de crédito sobre o mesmo, as ações representativas do capital social do E7... e direitos de crédito sobre o mesmo, as ações do E..., os direitos de crédito sobre o E8... e seus acionistas, os acionistas da E9..., as entidades que estejam em relação de domínio ou de grupo com a E8... e os créditos detidos sobre a E1...,
27- Bem como, as obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integravam o Grupo E2...,
28- E, bem assim, também, quaisquer responsabilidades do E... relativas a emissão de ações e dívida subordinada, ou quaisquer responsabilidades relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integravam o universo do E2....
29- A redação da exceção transcrita no precedente artigo viria a ser corrigida na deliberação de 11.08.2014 do Conselho de Administração do Banco de Portugal e na deliberação (última clarificação) do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29.12.2015, onde, se consolidou o atual texto da referida exceção por forma a abranger «quaisquer obrigações, garantias responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira, processo de contratação e distribuição de instrumentos financeiros emitidos por quaisquer entidades, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados, cuja posição devedora não seja excluída por alguma das subalíneas anteriores, designadamente as subalíneas iii) e v), que: a) fossem exigíveis à data da medida de resolução em virtude de o respetivo prazo já se ter vencido ou, sendo os créditos condicionais, em virtude de a condição (desde que apenas desta dependesse o respetivo vencimento) já se ter verificado, e cumulativamente, b) resultassem de estipulações contratuais (negócios jurídicos bilaterais) anteriores a 30 de Junho de 2014, que tenham cumprido as regras para a expressão da vontade e vinculação contratual do E... e cuja existência se possa comprovar documentalmente nos arquivos do E..., em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.»
30- Mostra-se também essencial atender à subalínea iii) da alínea b) do nº1 do Anexo 2 à deliberação de 03.08.2014 que manteve sempre a mesma redação, excluindo das responsabilidades transmitidas do E... para o B... as «obrigações contraídas ou garantias prestadas perante terceiros relativamente a qualquer tipo de responsabilidades de entidades que integram o Grupo E2..., com exceção das entidades integradas no Grupo E2... cujas participações sociais tenham sido transferidas para o B..., S.A.», o que não é o caso das obrigações E1....
31- Também o texto da subalínea v) da alínea b) do nº1 do Anexo 2 à deliberação de 03.08.2014 manteve a mesma redação, excluindo das responsabilidades transmitidas do E... para o B... «quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, fiscais, penais ou contraordenacionais, com exceção das contingências fiscais ativas».
32- De facto, «um dos princípios do RGICSF impõe que os recursos do fundo de resolução não sejam utilizados para assumir diretamente os prejuízos de uma instituição de crédito objeto de resolução».
33- Aliás nesta última clarificação do Banco de Portugal de 29.12.2015, e da atual redação da subalínea iii) da al. B), o Conselho de Administração do Banco de Portugal esclarece, não deixando margem para dúvidas, que não foram transferidos do E... para o B... os passivos do E... resultantes, designadamente, de «todas as indemnizações relacionadas com o incumprimento de contratos (compra e venda de ativos imobiliários e outros), assinados e celebrados antes das 20.00h do dia 03.08.2014»,
34- Soluções que, desde logo, se encontram cobertas pelo disposto no artigo 145º-H, n.ºs 1, 2 e 11 do RGICSF, na sua anterior redação.
35- Pelo que, a decisão preconizada na sentença recorrida, de que é possível assacar a responsabilidade objeto de resolução para o banco que lhe sucede, é claramente violadora dos princípios do estado de direito democrática, previsto no disposto no Artº2º da CRP e como tal inconstitucional.
36- De facto, conforme se explica no preâmbulo do DL 31-A/2012, de 10 de Fevereiro, a resolução foi consagrada pelo legislador como «medida de último recurso destinada a defender interesses essenciais como os da estabilidade financeira e o da continuidade de funcionamento dos sistemas de pagamento», (…) “Reservada para a eventualidade extrema de uma instituição de crédito se encontrar em risco sério de não cumprir os requisitos para a manutenção da autorização para o exercício da sua atividade e não ser previsível que a mesma consiga, num prazo apropriado, executar as ações necessárias para regressar a condições adequadas de solidez e de cumprimento dos rácios prudenciais»,
37- Procurando «evitar o contágio sistémico ou eventuais impactos negativos no plano da estabilidade financeira, para minimizar os custos para o erário público ou para salvaguardar a confiança dos depositantes».
38- Por força dessa necessidade de conter os riscos para o erário público de tal intervenção, «a sua aplicação deve procurar assegurar que os acionistas da instituição de crédito, bem como os credores, assumem prioritariamente os seus prejuízos, de acordo com a respetiva hierarquia e em condições de igualdade dentro de cada classe de credores».
39- Por seu turno, dispõe o nº 9 do artº 145º H do RGICSFF, que após a transferência a efetuar pelo Banco de Portugal para o banco de transição, deve este último “ser considerado, para todos os efeitos legais e contratuais, como sucessor nos direitos e obrigações transferidos da instituição de crédito originária”, dispondo o nº 11 do mesmo artigo que a decisão de transferência “produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência”.
40- Pelo que, inegavelmente, o crédito exequendo, conforme decorre daqueles documentos e por imposição legal, foi assim transferido para o B..., S.A. 41- Contudo, através daquele diploma legal se excecionou, também, que os ativos que são objeto de transferência para o B..., S.A., são todos os ativos sob gestão do E..., com exceção dos elencados na al. a), entre os quais os ativos invocados pelos Recorridos e referentes às obrigações denominadas “E... 6,875% 21/10/19”, posição reforçada pela alínea J) da acima referida deliberação de 29.12.2015 do Conselho de Administração do Banco de Portugal, através da qual foi igualmente decidido que, na medida em que qualquer ativo, passivo ou elemento extrapatrimonial que nos termos da aludida deliberação devessem ter permanecido na esfera do E... mas tivessem sido, de facto, transferidos para o B..., seriam «pela presente, os referidos ativos, passivos ou elementos extrapatrimoniais retransmitidos do B... para o E..., com efeitos a 3 de Agosto de 2014».
42- O B... não se encontra portanto sequer em relação de grupo com o E1..., nem tal foi alegado pelos embargantes, pelo que as vicissitudes desta entidade não são oponíveis ao Recorrente, nem a validade ou invalidade dos contratos celebrados entre o E1... e os Recorridos pode produzir efeitos em relação aos contratos celebrados entre estes e o Recorrente.
43- Em consonância com esta posição, é entendido pela jurisprudência do Tribunal da Relação de Lisboa que, nomeadamente através do acórdão de 09.07.2015 (Proc. n.º 4191/15.8T8LSB.L1-6, in www.dgsi.pt), que «O objetivo da medida de resolução aplicada foi o de separar dos ativos problemáticos – que permanecem na instituição primitiva para futura liquidação – o restante e essencial da sua atividade, transferindo este para o banco de transição, na tentativa de minimizar o impacto do desequilíbrio financeiro do banco nos clientes, contribuintes e erário público e de fazer recair os respectivos custos nos acionistas e nos credores subordinados, ao não permitir a transferência para o banco novo de obrigações do banco primitivo contraídas perante acionistas, pessoas ou entidades de alguma forma ligadas à instituição ou pessoas responsáveis pela fragilidade da sua situação, impossibilidade esta que era desde logo imposta pelo artigo 145º-H do RGICSF.».
44- Pelo que, apesar das considerações expressas pelos Recorridos atinentes à responsabilização do E... e ambiguamente sustentadas através da sentença recorrida, certo é que não resulta das circunstâncias do caso qualquer facto através do qual se possam assacar responsabilidades ao aqui recorrente B....
45- E é aliás a própria sentença que, como ficou dito, expressamente o refere, cabendo essa legitimidade passiva e eventual responsabilidade civil ou contratual – que apenas se admite por dever de patrocínio -, unicamente, na esfera jurídica do E..., S.A., por força da medida de resolução de que este foi alvo e nos termos previstos e estabelecidos para a mesma.
46- O que, de resto, não se afigura estranho aos Recorridos atendendo ao teor da sua petição inicial, através dos quais evidenciam a atribuição dessa responsabilidade e legitimidade ao referido Banco.
47- Conforme resulta dos comunicados do Banco de Portugal, é excluído qualquer eventual pedido de responsabilidades do Banco recorrente sobre direitos de crédito cuja constituição se encontrasse em 03.08.2014 sob condição de ocorrência de factos futuros e incertos, porquanto não constituíam àquela data créditos exigíveis sobre o E..., entre as quais aquelas emergentes da comercialização por essa entidade de obrigações emitidas por instituições que integravam o E2....
48- Resulta daquele comunicado, que no essencial reafirma o anterior comunicado de 14.08.2014, que os detentores de obrigações emitidas pelo E2... – como é o caso dos Recorridos – não eram àquela data credores do E..., pelo que, desde logo, não eram (nem são) credores do B....
49- Como sustenta esse comunicado de 14.08.2014, «as obrigações e outros títulos representativos de divida não emitidos pelo E...o devem ser reembolsados pelos respetivos emitentes que integram o Grupo E2... e não pelo B... posto que para ele não foram transferidas.»
50- Não se aceita, pois, a tentativa de transferência dessa legitimidade e responsabilidade para o Banco recorrente, por manifesta falta de fundamento legal que o admita.
51- Até porque a mesma teria de assentar na apologia da falta de validade da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 03.08.2014 e na recusa da eficácia retroativa da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal de 29.12.2015 que, salvo melhor opinião, só podem ser apreciadas pela jurisdição administrativa.
52- Com efeito, cabendo ao Banco de Portugal os poderes de supervisão da atividade bancária e sendo aquele a autoridade com poderes de resolução nos termos do RGICSF, a validade ou eficácia dos atos praticados no exercício desse ius imperii só pode ser sindicada na jurisdição administrativa, 53- Soluções que, em qualquer um dos casos, cabem apenas nos poderes de disposição dos Recorridos e do seu eventual conflito com as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal e que são absolutamente alheias ao Banco recorrente.
54- Sem prescindir, caso se entendesse, o que por mero dever de patrocínio se admite, que existiria algum tipo de sucessão na responsabilidade decorrente da intermediação, ainda assim não poderiam proceder os embargos deduzidos.
55- Nos termos do artigo 304º n.º 1 e 2 do CVM, «os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado», sempre em obediência a «ditames de boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência».
56- Por sua vez, estabelece o artigo 304º-A do CVM que «Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.»
57- Sendo que «a culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação»,
58- No entanto, ainda que a culpa se presuma, é sempre necessária a prova da ilicitude, a qual recai sobre quem invoca o direito de indemnização, traduzido, designadamente, na violação dos deveres acima indicados, com função causal relativamente aos prejuízos, assim como no nexo de causalidade entre o comportamento do agente e o dano do lesado, a qual não resulta da matéria de facto dada como provada.
59- Não se provou que os Autores não tiveram todo o tempo necessário para pensarem nas condições, resultados e consequências positivas ou negativas dos negócios de investimento que vinham efetuando junto do Banco e nessa medida, se aconselharem conforme entendessem adequado e, obviamente, esclarecerem as eventuais dúvidas que se lhes adviessem.
60- Sendo certo que, como foi aludido pela testemunha ouvida, aquando da data da subscrição dessas aplicações financeiras (28.12.2012) e durante os meses que se seguiram, pelo menos, até ao início de Agosto de 2014, não era de todo expectável uma inversão dessa realidade – conforme resulta da sentença.
61- Como refere o supra citado douto acórdão da Relação de Lisboa, de 28.04.2016, «Deste modo, para que o Banco réu pudesse ser responsabilizado pelas consequências advindas para os autores do investimento efetuado necessário era que tivesse resultado demonstrada a violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, impostos por lei ou regulamento», não tendo no entanto tal sucedido, nem tal se mostra provado nos autos.
62- E mesmo que tivesse ocorrido a violação pelo E... de algum dever inerente à atividade de intermediação financeira, seja quanto à qualidade da informação prestada, seja quanto ao conteúdo das recomendações, nunca teria sido essa a causa que despoletou a situação danosa na esfera jurídica dos Recorridos, já que estes nunca puseram em causa a atuação do E... ao longo dos anos que durou a relação.
63- A abrupta e inesperada insolvência do E1... é que determinou o prejuízo sofrido pelos Recorridos.
64- Logo, era junto do E1... e dos seus administradores (caso se verifiquem os pressupostos necessários) que os Recorridos deveriam reclamar eventuais prejuízos e, mais concretamente, a eventual nulidade do contrato celebrado com aquela entidade e respetivos efeitos retroativos,
65- Não sendo compreensível e admissível que se discutam os termos, condições desse contrato nos presentes autos e, muito menos, que se “arraste” a eventual nulidade do mesmo ao contrato dado à execução, como jamais se poderá reconhecer, como o faz a sentença recorrida, que “a perda da coisa penhorada pode e deve até ser considerada imputável ao próprio credor”.
66- Mas mesmo que o fosse – o que apenas se aceita por mero dever de patrocínio -, certo é que tal matéria não foi objeto destes autos, pelo que jamais poderia ser apreciada a fim de daí se discorrerem quaisquer efeitos sobre o contrato exequendo.
67- Ora conclui-se na sentença recorrida que, pelo facto de não ter sido exigido pelo banco o reforço ou a substituição da garantia, nos termos do Artº701º do CC ex vi Artº 678º, o mesmo posteriormente não poderia ter vindo a exigir o pagamento da dívida, recusando a proposta de dação dessas mesmas obrigações por parte do devedor, chegando a concluir que tal atuação consiste em abuso de direito por parte do exequente.
68- Ora, acontece que, a ser considerada como correta a decisão recorrida, sendo o Banco responsável pela coisa dada em penhor, então nunca poderia o mesmo pedir ao credor o reforço da garantia, dado que tal direito apenas é admissível ao credor relativamente ao qual não seja imputável a perda da coisa penhorada (cfr. artº701º do CC), o que por mero dever de patrocínio se admite.
69- Se o tivesse feito, isso seria teria sido uma atuação em manifesto abuso de direito por parte do banco credor, o que não se verificou.
70- Por outro lado, e caso o Banco não seja responsável pela perda da coisa penhorada, conforme se vem defendendo no presente recurso, muito menos se compreende que lhe seja considerado como exigível pedir aquele mesmo reforço de garantia,
71- Assim como retirar da ausência de tal comportamento determinadas consequências, como sendo a impossibilidade de vir a exigir o pagamento da quantia mutuada, dado que a possibilidade do credor atuar na forma prevista no Artº701º do CC é um direito de atuação concedido a esse mesmo credor, depois de analisadas determinadas circunstâncias de facto que façam crer o mesmo que corre perigo no pagamento do seu crédito,
72- Sendo portanto uma faculdade do credor e não uma obrigação do mesmo, não podendo o não exercício, por parte do mesmo, do direito em pedir o reforço da garantia prestada, ser fundamento para ver precludir o seu direito, enquanto credor, de exigir, in extremis, a totalidade do seu respetivo crédito. 73- Sem prejuízo disto, conclui a sentença recorrida que a atuação do Banco recorrente é “chocante, atentatório dos mais elementares princípios da boa-fé na contratação e execução dos contratos e assim, também, com este fundamento, em claro abuso de direito”, o que veio determinar a negação do direito do exequente e, consequentemente, a improcedência da execução.
74- Conclusão que, desde logo, atentos os factos vindos e expor, não merece o acolhimento do Banco recorrente e que atenta a factualidade demonstrada nos autos, se afigura errada nos seus pressupostos, dado que, à data da aquisição das obrigações denominadas E1..., papel comercial emitido pela E1..., tal negócio afigurava-se proveitoso para os Recorridos,
75- Pois, tal como resulta da própria sentença recorrida, “o negócio foi apresentado extremamente vantajoso para os embargantes, porque estes nem precisavam do financiamento, tinham capitais próprios, mas assim não os usavam, e a taxa de remuneração das obrigações era superior à taxa de juro do empréstimo, pelo que, na prática, pediam dinheiro emprestado e ainda obtinham uma remuneração.
Donde a prova dos factos descritos em 11 e 13”.
76- Por conseguinte e sem prescindir do que acima se referiu, face ao vindo de expor, sempre seria claro e notório que a conduta do Banco recorrente foi e é conforme a aludida boa-fé contratual, o mesmo não se podendo afirmar dos Recorridos que se recusam, e continuam a recusar-se, quanto ao cumprimento das obrigações que livremente acordaram com aquele, implicando tal postura um manifesto abuso de direito.
77- Com efeito, o contrato exequendo, nos termos em que foi concluído, é, assim, plenamente válido e eficaz, devendo ser pontualmente cumprido pelas partes, nos termos do art. 406º do Código Civil, sendo, assim, os Recorridos responsáveis pelo pagamento da quantia exequenda, nos exatos termos constantes dos autos.
78- Atendendo às responsabilidades emergentes do contrato incumprido, do seu vencimento e exigibilidade, assiste ao Recorrente o direito de acionar os Recorridos por via da ação executiva, como o fez.
79- Conforme resulta dos factos assentes, entre o E... e os Recorridos foi celebrado em 30.01.2013 um contrato de abertura de crédito em conta corrente, renovável, crédito até ao montante máximo de € 150.000, nas condições constantes do contrato junto como Doc. 3 do requerimento executivo inicial e que se dá por reproduzido.
80- O pagamento do crédito seria garantido através de penhor sobre valores mobiliários, mais propriamente 200.000 Euros em obrigações, denominadas E1... 6,875% 21/10/2019, valorizadas, à data, em € 196.750,00 e depositadas no dossier número ............, associado à conta ............, pertencentes aos Recorridos.
81- O montante financiado foi disponibilizado pelo E... e, após a resolução, já pelo B... e utilizado na sua totalidade pelos Recorridos, em seu proveito próprio, sendo certo que, a última entrega efetuada pelos Recorridos no âmbito do contrato ocorreu em 31.07.2014, encontrando-se em dívida o capital de € 36.249,86. 82- Sendo que, em 17.09.2014 e no âmbito do contrato, viria a ser mobilizado a crédito no montante de € 113.749,00, ascendendo assim o valor do capital em dívida para o total de € 149.998,86, facto que, apesar de não constar expresso na enunciação dos factos provados, é reconhecido na sentença recorrida, com caracter de relevante, ao afirmar que “Referiu ainda, com relevo, que a última tranche usada de capital foi pedida pelos embargantes em Setembro de 2014, altura em que usaram €113.500,00 e com tal montante atingiram a totalidade do financiamento”,
83- Quantia que continua a ser devida ao Recorrente, acrescida dos respetivos juros à taxa contratual de 3,705% e sobretaxa de 3% ao ano, até efetivo e integral pagamento, pelo que, nos termos do contrato celebrado inicialmente com o E... e posteriormente transmitido para o B..., e nos termos do já citado contrato,
84- Passou a assistir ao Banco recorrente o direito de declarar o vencimento antecipado das obrigações assumidas pelos Recorridos, uma vez verificada a mora e incumprimento definitivo das obrigações por si contraídas, e que à data do cálculo da ação executiva ascendia já ao montante global de € 168.843,45, valor que jamais foi posto em causa pelos Recorridos, que assim o reconheceram por certo e líquido.
85- Pelo que a constituição da garantia através do aludido penhor resultou da vontade declarada e real dos Recorridos e não do Recorrente, estando assim na disponibilidade destes dar, ou não, em garantia aquele penhor ou qualquer outro bem ou direito,
86- Conforme aliás resultou provado no 12 dos factos assentes, que refere que: “O E..., SA exigiu, para a concessão de um empréstimo da quantia de €150.000,00 que os embargantes pretendiam, que estes prestassem uma garantia, tendo sugerido que adquirissem 200.000 títulos de obrigações denominadas E1...”,
87- Donde forçosamente se terá de concluir que inexiste qualquer relação de interdependência entre ambos os contratos que permita sustentar a tese de que o primeiro foi celebrado, apenas e tão-somente, com a finalidade de contratar o segundo, ou seja o empréstimo exequendo, razão pela qual, a produção dos efeitos resultantes de um dos contratos e ou a validade ou invalidade que o mesmo possa encerrar, não pode incidir sobre o outro contrato.
88- Acresce que, em 31.01.2015 e, portanto, após a aludida deliberação do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 03.08.2014 e, consequente, constituição do B..., S.A. e já depois da declaração de insolvência da E1... (em 17.10.2014), o Banco recorrente e os Recorridos promoveram por uma alteração ao referido contrato de abertura de crédito, mediante o qual reconheceram a concessão e utilização do montante máximo financiado de € 150.000,00 e convencionaram uma prorrogação do prazo de reembolso em 102 dias, mantendo inalteradas as restantes condições particulares e gerais em vigor.
89- Ou seja, é patente que aquando da celebração desta última alteração ao financiamento em causa era do perfeito conhecimento dos Recorridos, e do público em geral, não só a medida de resolução do E... (ocorrida em 03.08.2014) e a transmissão deste crédito para a esfera comercial do B..., S.A., como era do seu conhecimento, porque devidamente informados, da real situação do E..., bem como a situação económico-financeira da E1..., já insolvente,
90- Sabendo, inclusive, a precaridade do penhor que haviam entregado para garantia das obrigações emergentes do referido contrato.
91- Não tendo, então, essas circunstâncias impedido os Recorridos de utilizarem em Setembro de 2014 parte significativa do montante financiado (atingindo o limite máximo da abertura de crédito), e bem assim, contratarem junto do Recorrente a alteração ao referido contrato de abertura de crédito três meses depois (em 31.01.2015), promovendo pela estabilização do valor em dívida em € 150.000,00 e reconhecendo expressamente a obrigação de cumprir o contrato, através do pagamento integral do valor financiado, no prazo e condições contratualizadas, que se mantiveram inalteradas.
92- Assim e face a tudo o que foi supra exposto, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra julgue os embargos totalmente improcedentes, com as legais consequências.
93- Mais: a sentença recorrida não atende ao conteúdo integral das deliberações do Banco de Portugal juntas com o requerimento inicial e públicas, fazendo o B... perder a sua garantia exclusivamente em função da conduta do E..., no que diz respeito à intermediação de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o grupo E2...,
94- Constando do processo meios de prova plena que, só por si, implicariam decisão diversa da proferida.
95- Manifestamente as referidas deliberações devem ser tidas e consideradas em toda a sua extensão, não sendo admissível que dela se retirem passagens descontextualizadas para sufragar a tese dos recorridos,
96- Razão pela qual, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra julgue os embargos totalmente improcedentes, com as legais consequências.
Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida e substituindo-a por outra que julgue os embargos de executado totalmente improcedentes por falta de fundamento legal e, bem assim determine o prosseguimento da execução.
Com o que se fará inteira e sã justiça.
Os embargantes apresentaram resposta às alegações de recurso, preconizando a sua total improcedência.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se nas seguintes questões:
i) apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto
ii) aferição do mérito jurídico da sentença, face à factualidade definitivamente assente, considerando, nomeadamente: a validade e eficácia na ordem jurídica portuguesa, da deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF; o instituto do abuso de direito, com base no qual se decretou a extinção a execução na sentença recorrida.

2. Apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto
Alega o recorrente:
1- Conforme resulta dos factos assentes, o B..., S.A. foi constituído por deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, na redação em vigor à data, para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., incluindo o crédito em causa nos autos.
2- E tal conclusão resulta exatamente das atas de deliberação do banco de Portugal juntas aos autos com o requerimento executivo como doc. 1 e 2, não impugnados e, de resto, em parte reproduzidos na decisão de que se recorre.
3- Ora, acontece que decorre de tais atas, nomeadamente do anexo 2 à deliberação de resolução de 03.08.14 (junto como doc.1 com o requerimento executivo), ponto vii e da deliberação (clarificação) de 11.08.14, às 17h, (junto como doc.2 com o requerimento executivo, ponto J), “Que as responsabilidades do E... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B..., SA com exceção (…) de quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2...” (cfr. ata junta como doc.1 com requerimento executivo, não impugnada),
4- Redação posteriormente retificada pela deliberação de 11.08.14, que passou a referir “com exceção (…) de quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do E... em ternos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas (cfr. doc. 2 do requerimento executivo, não impugnado).
5- Nestes termos, impõe-se aditar ao ponto 10 dos factos assentes da sentença recorrida, a redação das acima transcritas deliberações do Banco de Portugal, da seguinte forma: O B..., S.A. foi constituído por deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., incluindo o crédito em causa nos autos, com exceção (…) de quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2..., sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais, anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do E... em ternos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.
Em suma, pretende o recorrente que se adite ao ponto 10.º dos factos assentes, o teor parcial das atas do Banco de Portugal, que juntou com o requerimento executivo, no segmento que prevê a não transferência para o exequente das responsabilidades do E... emergentes dos contratos de intermediação financeira.
Que dizer?
Compete ao Banco de Portugal, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-A da sua Lei Orgânica [aprovada pela Lei n.º 5/98 31-01-1998]: «[…] desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável».
Não tendo sido objeto de declaração de nulidade por parte dos Tribunais administrativos, as deliberações do Banco de Portugal vigoram na nossa ordem jurídica[1].
As atas juntas com o requerimento executivo constituem mero suporte documental das referidas deliberações, podendo (e devendo) ser tomadas em consideração, independentemente da sua parcial transcrição no elenco factual provado.
Pensamos, no entanto, que a transcrição parcial das referidas deliberações poderá trazer algum acréscimo de coerência formal à decisão, pelo que se atende à pretensão do recorrente, aditando o seguinte ao ponto 10.º da factualidade assente[2]:
«Consta, nomeadamente, das atas de deliberação do Banco de Portugal juntas aos autos com o requerimento executivo como doc. 1 e 2: no anexo 2 à deliberação de resolução de 03.08.14, no ponto vii e da deliberação (clarificação) de 11.08.14, às 17h: “Que as responsabilidades do E... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B..., SA com exceção dos seguintes ‘Passivos Excluídos’ […] vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2...”, redação posteriormente retificada pela deliberação de 11.08.14, que passou a referir no ponto 23: «Na subalínea (vii) da alínea (B) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do E... nela referidas, que não foram transferidos para o B... abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2... […]».

3. Fundamentos de facto
É a seguinte a factualidade relevante provada:
1. O E..., SA e os executados celebraram, em 30.01.2013, um acordo escrito denominado contrato de financiamento com o nº ROC...../13, mediante o qual o E..., SA declarou em síntese obrigar-se a entregar aos embargantes o montante máximo de € 150.000,00, destinado a fundo de maneio, pelo prazo de 365 dias, mediante pedidos escritos dos embargantes e prévia autorização do E..., SA, pela disponibilização de crédito até ao montante acima referido na conta de depósitos à ordem nº ............, aberta junto do banco, em nome dos executados, e estes se obrigaram a reembolsar no fim do prazo, acrescido do pagamento de comissões e juros a uma taxa correspondente à média mensal da EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3,5%, tudo conforme documento junto a fls. 24 a 28 vº da execução, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Mais declararam que para garantia do crédito acima referido, os executados prestaram a favor do banco exequente penhor de valores mobiliários associados à conta nº ............, ou seja, penhor de 200.000 euros em obrigações, denominadas por E1... 6.875% 21/10/19, com o código ISIN XS.......... e com valorização à data do contrato de 196.750,00 euros, depositadas no dossier nº .............
3. O E... avaliou os referidos títulos em €196.750,00.
4. O E... era a entidade colocadora daqueles títulos.
5. Em 28 de Dezembro de 2012 a embargante e o E... celebraram o acordo escrito denominado Operações Sobre Instrumentos Financeiros, junto a fls. 12 vº e que aqui se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual em suma, aquela adquiriu as obrigações supra referidas em 2º.
6. A cláusula 35ª das condições gerais do contrato estipulava que o banco tinha o direito a declarar o vencimento antecipado das obrigações assumidas pelos mutuários, caso se verificasse mora ou incumprimento definitivo das obrigações por si contraídas, ou no caso de ter sido instaurado contra os mesmos um processo de insolvência.
7. Em 31.01.2015 os embargantes e o embargado B..., SA celebraram o acordo escrito denominado “alteração ao contrato de financiamento nº ROC...../13” no qual declararam, em suma que:
«Considerando que:
a) O E..., SA concedeu ao Cliente um financiamento em 30/01/2013, pelo valor inicial de 150.000,00 EUR;
b) Por deliberação do conselho de administração do Banco De Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, foi constituído o B..., S.A. (…) para o qual foram transferidos determinados activos e passivos, elementos extrapatrimoniais e activos sob gestão do E..., SA identificados na referida deliberação, incluindo o presente financiamento;
É celebrada a presente alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos indicados:
1. Alteração ao contrato:
São alteradas as condições particulares do contrato de financiamento, mantendo-se as restantes condições particulares e gerais em vigor: Condições particulares alteradas 5. Prazo: 102 Dia(s) (…)», tudo conforme documento junto a fls. 29 a 33 da execução, que aqui se dá por reproduzido.
8. O montante de € 150.000,00 foi efectivamente disponibilizado pelo banco e utilizado pelos executados, em seu proveito próprio.
9. Os executados deixaram de pagar as prestações a que se obrigaram desde 31.07.2014.
10. O B..., S.A. foi constituído por deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., incluindo o crédito em causa nos autos.
Consta, nomeadamente, das atas de deliberação do Banco de Portugal juntas aos autos com o requerimento executivo como doc. 1 e 2: no anexo 2 à deliberação de resolução de 03.08.14, no ponto vii e da deliberação (clarificação) de 11.08.14, às 17h:
«As responsabilidades do E... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B..., SA com exceção dos seguintes ‘Passivos Excluídos’ […] vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2...», redação posteriormente retificada pela deliberação de 11.08.14, que passou a referir no ponto 23: «Na subalínea (vii) da alínea (B) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do E... nela referidas, que não foram transferidos para o B... abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2... […]».
b) Factos provados:
11. Os embargantes depositavam toda a confiança no E..., SA em virtude de o pai da embargante ser cliente do embargado há vários anos.
12. O E..., SA exigiu, para a concessão de um empréstimo da quantia de €150.000,00 que os embargantes pretendiam, que estes prestassem uma garantia, tendo sugerido que adquirissem 200.000 títulos de obrigações denominadas E1..., papel comercial emitido pela sociedade E1..., SA, com sede no Luxemburgo, no valor de €194.523,97, com vencimento previsto para 2018 e que constituíssem um penhor sobre tais títulos como garantia do empréstimo, por ser a garantia mais fácil, rápida e barata.
13. A taxa remuneratória desse produto financeiro era superior à taxa de juros cobrada pelo E... pelo aludido financiamento, pelo que o rendimento daquela permitiria pagar os juros do empréstimo.
14. O E... garantiu aos embargantes que se tratava de um investimento seguro, garantindo à data que era tão seguro como o próprio Banco, pois se tratava de obrigações da maior accionista do Banco.
15. O E... era integralmente conhecedor de que os embargantes eram investidores conservadores e avessos ao risco, que eram clientes recentes, que não são investidores profissionais nem subscritores habituais deste tipo de produtos financeiros.
16. O E... informou os embargantes que os títulos por si adquiridos eram obrigações.
17. O único prospecto do produto financeiro entregue aos embargantes era o documento composto por 59 páginas, totalmente em língua inglesa, junto a fls. 13 a 42, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
18. Os embargantes apenas tomaram conhecimento, e das dificuldades económicas da E1..., SA e do E..., pela comunicação social.
19. Após a constituição do B..., SA, este recusou a dação em pagamento dos títulos que foram dados em penhor, por já não terem valor.
20. A E1..., SA deixou de pagar a remuneração das obrigações.
c) Factos não provados:
Todos os que contrariam ou excedem os acima expostos, nomeadamente:
a. - que o embargado exigiu que a garantia do financiamento fosse prestada com o penhor dos supra aludidos títulos.
b. - que o embargado tenha afirmado que o capital das obrigações era garantido ou que tenha prestado qualquer outra informação sobre as mesmas, para além do referido supra em 12º, 16º e 17º.
c. - que foi devido ao facto referido em 20º que os embargantes deixaram de cumprir o contrato em causa nos autos.
d. - que o embargado, sabendo que a garantida prestada não tinha qualquer valor, e não dispondo de outra, pressionou os embargantes a renovar o contrato de financiamento.

4. Fundamentos de direito
O recorrente insurge-se contra o facto de a Mª Juíza não ter tomado em consideração deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, documentada nas atas juntas com o requerimento executivo, das quais consta, nomeadamente: «As responsabilidades do E... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B..., SA com exceção dos seguintes ‘Passivos Excluídos’ […] vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2...», redação posteriormente retificada pela deliberação de 11.08.14, que passou a referir no ponto 23: «Na subalínea (vii) da alínea (B) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do E... nela referidas, que não foram transferidos para o B... abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2... […]»[3].
Como ponto prévio da análise da pretensão recursória, haverá que sintetizar os pontos fulcrais da fundamentação jurídica da sentença recorrida:
No ponto 1., conclui-se que foi celebrado entre o E... e os ora embargantes um contrato de intermediação financeira, daí decorrendo a responsabilidade civil da entidade sucessora (exequente B..., SA), pelos danos sofridos pelos embargantes, nos termos do artigo 304.º-A do CVM.
No ponto 2., defende-se a existência de uma relação entre o contrato de mediação financeira e o contrato de abertura de crédito dado à execução, ao invés do que alega o recorrente, concluindo-se: «afigura-se claro que há um contrato misto de abertura de crédito em conta corrente e penhor e uma coligação entre este e o contrato de aquisição de obrigações, pois o fim económico de ambos era o mesmo. Assim, a invalidade de um dos contratos implica a invalidade do conjunto, pois um não fará sentido sem o outro».
No ponto 3., refere a Mª Juíza: «No caso dos autos, não temos dúvidas que o contrato de aquisição das obrigações não é válido, por via da remissão prevista nos nº 2 e 3 do art. 321º do CVM ao regime das cláusulas contratuais gerais», face ao disposto no artigo 321.º do CVM, no qual se preceitua os contratos de intermediação financeira relativos aos serviços previstos nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 290.º e a) e b) do artigo 291.º e celebrados com investidores não qualificados revestem a forma escrita e só estes podem invocar a nulidade resultante da inobservância de forma.
Finalmente, no ponto 4., conclui a Mª Juíza que «ainda que assim não fosse, ainda assim não poderia prosseguir a execução», com recurso ao instituto do abuso de direito.
A questão é enunciada nestes termos[4]:
«[…] 4) Em termos práticos, económicos, o efeito dos contratos já analisados foi o seguinte: os embargantes compraram ao E... obrigações da sua maior accionista, que este avaliou em €196.750,00, tendo pago o respectivo preço e em contrapartida o mesmo E... emprestou-lhes €150.000,00, que estes se obrigaram a reembolsar com juros (o que não fizeram), dando em garantia o penhor daquelas obrigações.
Essas obrigações estavam à guarda do E....
A emitente das obrigações, e maior accionista do E..., faliu.
O E... foi objecto de resolução.
Para o B... foi transferido o crédito resultante do mútuo concedido, mas não a responsabilidade pela venda das obrigações.
Tal não se pode conceber, em termos de boa-fé negocial, que como já vimos largamente, é um imperativo acrescido para os Bancos perante os seus clientes e para os intermediários financeiros perante os seus investidores, principalmente os não qualificados.
Há um total desequilíbrio do contrato.
O embargado alega que os embargantes usaram os montantes financiados, e portanto agem com abuso de direito quando agora invocam invalidades para não cumprir com a sua obrigação de restituição.
Mas omite, deliberadamente, que os embargantes entregaram ao mutuante um valor superior – o preço das obrigações - e que desse foram espoliados.
E entregaram esse valor em cumprimento de um contrato que, nos termos já analisados, é nulo.
Mas mais do que isso. As obrigações compradas não eram umas obrigações quaisquer.
Eram, repete-se, da sociedade maior accionista do Banco mutuante.
Cuja aquisição assim beneficiou, ainda que indirectamente, o próprio Banco.
No entanto, apesar de saber – por não poder nem dever ignorar – pelo menos desde 30/06/2014, data em que o assumiu publicamente, que tais obrigações eram um investimento de alto risco, nada fez para conservar a garantia pignoratícia.
Nomeadamente, promovendo a sua venda, antes da suspensão da sua negociação em 06/10/2014, como lhe impunham os artigos 671º e 674º do Código Civil.
Não pediu o reforço ou a substituição da garantia, como lhe permitia e exigia o art. 701º do Código Civil, ex vi art. 678º.
Mais.
A perda da coisa penhorada pode e deve até ser considerada imputável ao próprio credor, pois que foi a gestão ruinosa do seu Grupo empresarial que levou à perda da garantia.
E nesse caso, está este inclusivamente obrigado a indemnizar o autor do penhor – o que todavia não é objecto destes autos, pois não só não foi pedida a compensação, como ainda que o fosse (é duvidoso o alcance dos pedidos formulados), não poderia esta operar.
Não há dúvidas que actualmente a compensação é fundamento para a dedução de embargos (mesmo quando o título executivo é uma sentença – art. 729º, al. h) do CPC).
Todavia, a compensação funciona ex voluntate e não ex lege, através de declaração compensatória (artigo 848º n.º 1, do Código Civil), verificando-se a compensação de créditos desde o momento em que se tornam compensáveis (artigo 854º do Código Civil).
Efectivamente, para a própria efectivação da compensação, exige-se o preenchimento dos seus requisitos, previstos no Código Civil.
A este respeito, avulta o disposto no artigo 847º do Código Civil, onde, logo na alínea a) do n.º 1 se preceitua como requisito (cumulativo) da compensação, sero seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material.
Ora, a necessidade de a dívida compensatória ser exigível no momento em que a compensação é invocada afasta desde logo a possibilidade de, em embargos de executado, o embargante alegar como compensação o crédito de indemnização que se arrogue contra o exequente, enquanto não houver decisão ou declaração que reconheça a responsabilidade deste.
Ou seja, o crédito reclamado pela aqui embargante para efeito de compensação com o crédito exequendo terá de ser judicialmente exigível, o mesmo é dizer tal contra-crédito não poderá ser inutilizado por excepções de direito material (sejam peremptórias ou dilatórias).
Note-se que, nesta matéria, não invalidam a compensação do crédito a arguição de excepções de natureza adjectiva ou processual, mas apenas, em certos casos, a sua arguição em juízo.
Em suma, para que a compensação possa funcionar é preciso que os créditos objecto da compensação existam e que o crédito do compensante seja exigível judicialmente; assim não sucede se só o crédito do exequente já é certo, líquido e exigível e consta de um título com força executiva, ao passo que o crédito que o embargante invoca ainda é hipotético, incerto e só se tornará certo e exigível se a acção já intentada por ele proceder e, portanto, se vier a ser reconhecido em decisão transitada em julgado.
No caso dos autos, o contra-crédito dos aqui embargantse não tem a natureza de certo, seguro e exigível, pelo que não é compensável.
Mas tal não afasta a anterior linha de raciocínio.
De facto, serve apenas para concluir que, ao contrário do que refere o embargado, é este que abusa do seu direito, ao exigir o crédito exequendo, e não os embargantes, ao defender-se do mesmo.
Dispõe o artigo 334º do Código Civil: É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
[…]
Ora não fosse a transferência de um dos contratos para o B... e a manutenção da responsabilidade pelo outro no E..., o que teríamos? O E... convence os embargantes que as obrigações de uma empresa do seu grupo são o melhor investimento para os seus capitais; o Grupo E2... recebe um investimento; fruto de má gestão, perde-o; mas vem exigir o reembolso do empréstimo de montante equivalente, que nunca teria acontecido se os embargantes não gastassem os seus capitais a investir no Grupo E2..., a conselho do E..., num negócio em que este deliberadamente, lhes não fornece toda a informação a que está legalmente obrigado e que por isso é nulo.
E vem agora o embargado dizer que é abuso do direito invocar essa nulidade.
O contrato estava equilibrado, sendo proveitoso para ambas as partes, se o investimento aconselhado pelo E... não fosse ruinoso.
O B... pode estar desapossado do capital mutuado, mas não pode esquecer que os embargantes estão desapossados do capital investido!
Se um tem que ser restituído, o outro também tem, pelos fundamentos supra expostos.
E exigir um, sem estar disposto a oferecer o outro é, como já vimos, claro abuso de direito.
E mais não colhe o argumento de que parte do capital já foi usado depois da falência da sociedade emitente das obrigações, querendo assim insinuar o embargado que os embargantes sabiam que a garantia nada valia e então fora usar os fundos financiados.
Pois que se os embargantes já sabiam da falta de solvabilidade dessa sociedade – o que nem ficou demonstrado – o Banco certamente não a ignorava.
E no entanto, relembre-se, não pediu o reforço da garantia, nem a sua substituição. Mais, pasme-se, já o B..., em 2015, muito depois da falência da emitente das obrigações, depois da resolução do E..., aceita e negoceia com os embargantes um aditamento ao contrato, em que a única coisa que altera é o prazo de reembolso – que alarga – mantendo exactamente a mesma garantia!
Então nessa data o embargado ainda aceita aquele penhor como garantia idónea, mas depois não aceita a mesma como dação em pagamento porque não vale nada?
Já não valia antes.
É um comportamento chocante, atentatório dos mais elementares princípios da boa-fé na contratação e execução dos contratos e assim, também com este fundamento, em claro abuso de direito.
Desta forma se conclui se conclui que o aparente direito do exequente é exercido com abuso do direito, pelo que deve este ser negado.
Assim, por força dos citados preceitos, procedem os embargos e por essa via, improcederá a execução».
Tratando-se de uma peça processual bem elaborada, com grande profundidade teórica, solidamente fundamentada com citações doutrinárias e jurisprudenciais, pensamos, no entanto, salvo todo o respeito devido, que na douta sentença recorrida se omite uma questão fulcral: a da eficácia na nossa ordem jurídica, das deliberações do Banco de Portugal não impugnadas em sede própria (foro administrativo) e da consequente vinculação dos tribunais à sua aplicação.
Recorde-se o ponto 10., da factualidade provada:
O B..., S.A. foi constituído por deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF, para o qual foi transferida a generalidade da atividade e do património do E..., S.A., incluindo o crédito em causa nos autos.
Consta, nomeadamente, das atas de deliberação do Banco de Portugal juntas aos autos com o requerimento executivo como doc. 1 e 2: no anexo 2 à deliberação de resolução de 03.08.14, no ponto vii e da deliberação (clarificação) de 11.08.14, às 17h:
«As responsabilidades do E... perante terceiros que constituam passivos ou elementos extrapatrimoniais deste serão transferidos na sua totalidade para o B..., SA com exceção dos seguintes ‘Passivos Excluídos’ […] vii) Quaisquer responsabilidades ou contingências relativas à comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2...», redação posteriormente retificada pela deliberação de 11.08.14, que passou a referir no ponto 23: «Na subalínea (vii) da alínea (B) do Anexo 2 à deliberação de 3 de agosto, deve ficar explícito que os passivos do E... nela referidas, que não foram transferidos para o B... abrangem quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o universo do Grupo E2... […]».
Como já referimos em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, compete ao Banco de Portugal, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 17.º-A da sua Lei Orgânica [aprovada pela Lei n.º 5/98 31-01-1998]: «[…] desempenhar as funções de autoridade de resolução nacional, incluindo, entre outros poderes previstos na legislação aplicável, os de elaborar planos de resolução, aplicar medidas de resolução e determinar a eliminação de potenciais obstáculos à aplicação de tais medidas, nos termos e com os limites previstos na legislação aplicável».
Não tendo sido objeto de declaração de nulidade por parte dos Tribunais administrativos, as deliberações do Banco de Portugal vigoram na nossa ordem jurídica, como se conclui no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.09.2017 (processo n.º 3499/16.0T8VIS.S1, acessível no site da DGSI), cujo sumário se transcreve parcialmente:
«II. Um banco de transição deve ser considerado como sucessor nos direitos e obrigações da instituição de crédito originária, no caso de os mesmos não terem sido excluídos da transferência deste para aquele, por Deliberação do Banco de Portugal, entidade competente para determinar essa medida de resolução.
III. É da exclusiva competência da jurisdição administrativa o conhecimento da eventual acção de anulação ou nulidade que seja proposta com vista à declaração de invalidade da decisão de não transferência de, vg, quaisquer passivos – no caso o papel comercial - sob gestão de uma instituição de crédito, o E... agora em liquidação, para o banco de transição, o B..., na sequência das deliberações do Banco de Portugal.
IV. A (não) transferência assim operada por via das deliberações tomadas, conduz à ilegitimidade substantiva do Réu B..., porque não impende sobre si qualquer obrigação de ressarcimento dos Autores dos créditos provenientes da subscrição do papel comercial havida com o E...».
Face à sua manifesta relevância na apreciação das questões recursórias suscitadas, permitimo-nos, com vénia, transcrever parcialmente a fundamentação jurídica do citado aresto do STJ:
«Ademais, a medida de resolução encetada pelo Banco de Portugal, com todas as condicionantes que a mesma envolve, decorrentes da aplicação do disposto nos artigos 139º a 145º H do RGICSF, poderia ter sido impugnada administrativamente como já referimos supra, sem prejuízo da impugnação dos negócios situados dentro do perímetro da transferência determinada por aquele, o que nos levaria a uma eventual responsabilização desta entidade, na medida em que determinou a exclusão do pretenso crédito indemnizatório dos Autores, aqui Recorrentes, do núcleo do passivo a transmitir para a instituição de transição […].
[…] não houve, nem há, por impossibilidade manifesta, qualquer pretensão do Banco de Portugal de, através das deliberações tomadas e aqui em discussão, retirar dos tribunais judiciais o poder de apreciar e decidir a questão da responsabilidade/obrigação civil do E... pelo reembolso do papel comercial e da transmissão dessa responsabilidade para o Réu B..., violando os princípios constitucionais da tutela jurisdicional, separação e usurpação de poderes, consagrados no artigo 20º da CRPortuguesa, prima facie porque é a própria Lei, como já referimos, que consagra a competência da jurisdição administrativa para a discussão de tais deliberações neste preciso contexto; secundum, porquanto a pretendida responsabilização poderá ter lugar naquela sede, não sendo exclusividade da jurisdição civil; […]
Se as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal são arbitrárias e ilegais, como aventam os Recorrentes, por inexistência de fundamentos justificativos da retransmissão havida, trata-se de uma situação que deverá ser aferida nos órgãos judiciais competentes e com as instituições competentes, maxime, com a instituição autora das mesmas, in casu o Banco de Portugal e por isso, todas as imputações efectuadas em sede de conclusões, quanto à actividade do Banco de Portugal no âmbito daquela sua decisão resolutiva, de arbitrariedade e ilegalidade, deverá ser discutida em sede própria com aquela entidade, aí se devendo aferir se a imputação formulada à deliberação tomada por aquela instituição como sendo profundamente injusta e criadora de um resultado contrário à ordem jurídica portuguesa, alicerçada, no seu conjunto, em princípios estruturantes fundamentais, como sejam, a boa-fé e a tutela da confiança dos cidadãos na materialidade subjacente aos negócios com instituições financeiras, se mostra ou não contrária aos princípios gerais insertos no artigo 139º do RGICSF, os quais norteiam a tomada das medidas aí prevenidas, vg, a da resolução de que aqui curamos, dependendo a sua incidência de variados vectores como decorre do seu nº 2 […].
Como refere Mafalda Miranda Barbosa in «Os Limites Da Medida De Resolução», 15, Boletim de Ciências Económicas, Setembro de 2016, Instituto Jurídico, Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, pág. 14[5], a medida de resolução constitui uma designação genérica para uma de quatro possíveis medidas a adotar pelo Banco de Portugal, previstas no n.º 1 do artigo 145.º- E RGICSF.
Adverte a autora citada:
«Também ao nível da segregação de ativos, a decisão de transferência produz efeitos independentemente de qualquer disposição legal ou contratual em contrário, sendo título bastante para o cumprimento de qualquer formalidade legal relacionada com a transferência, e não fica dependente do consentimento dos acionistas ou titulares de outros títulos representativos do capital social da instituição de crédito objeto de resolução ou da instituição de transição, das partes em contratos relacionados com os direitos e obrigações a alienar nem de quaisquer terceiros, não podendo constituir fundamento para o exercício de direitos de vencimento antecipado, resolução, denúncia, oposição à renovação ou alteração de condições estipulados nos contratos em causa.
As regras de seleção dos direitos e obrigações a transmitir, constantes do artigo 145.º-T RGICSF, mostram-se, igualmente, consonantes com as suas congéneres em matéria de alienação de parte ou totalidade da atividade para uma instituição já operante e em matéria de transmissão de direitos e obrigações para uma instituição de transição».
Veja-se. no mesmo sentido, João Paulo Vasconcelos Raposo, in «Regime europeu de recuperação e resolução de instituições financeiras: Resposta efetiva ou “wishful thinking”? A solução do E... como “case study”»[6]:
«b) Instrumento de criação de instituição de transição
Referida tradicionalmente como bridge bank, a natureza desta IF será precisamente a de fazer a ponte de partes viáveis de uma instituição financeira insolvente, o “bom banco”, de uma margem em que está ligado às partes inviáveis que determinaram o seu falhanço, “o mau banco”, para uma margem futura em que, ligadas a outras instituições ou meramente exploradas noutro quadro pessoal, jurídico e institucional, possam subsistir.
Por esta razão, o instrumento de criação de instituição de transição deverá funcionar a par do instrumento de segregação de ativos.
Os elementos a transferir podem ser instrumentos de propriedade da instituição, normalmente ações, ou a totalidade ou parte do seu negócio, composto por ativos, passivos e direitos (cfr. art. 25º n.º1 do Regulamento e 40º n.º 1 da Diretiva [Diretiva 2014/59, de 15 de maio, do Parlamento e do Conselho]).
A criação e transferência de ativos para instituição de transição é independente de autorização de acionistas, de autorizações legalmente impostas por ordenamentos nacionais e não carece de cumprir requisitos referentes a transmissão de valores mobiliários (art. 40º n.º1 &2).
A instituição de transição é uma nova pessoa coletiva a operar no mercado, com capital, total ou maioritariamente detido por autoridades públicas, que deve nascer economicamente equilibrada, impondo-se o dever à autoridade resolutiva de garantir que ativos e direitos transmitidos excedem passivos transmitidos ( art. 40º n.ºs 2 e 3 da Diretiva e art. 25º n.º3 do Regulamento)».
Estamos, pois, vinculados a uma deliberação que vigora na nossa ordem jurídica (por não ter sido objeto de impugnação válida e eficaz em sede e foro próprios), nos termos da qual, o ora exequente B..., SA., não responde por eventuais danos decorrentes da sua atividade de intermediação financeira, particularmente, pelos danos invocados pelos ora executados em sede de embargos.
Haverá, assim, que separar os dois contratos, incumbindo-nos nesta sede, a apreciação de apenas um deles: o de mútuo, que constitui o título dado à execução.
Registe-se, a latere, que os embargantes alegam na parte final do artigo 53.º da petição, que “o empréstimo (…) só foi realizado com aquela mesma finalidade, isto é, adquirir papel comercial sem qualquer valor”, não integrando tal facto ficado o elenco da factualidade provada.
Com efeito, apenas se provou que o E... exigiu, para a concessão de um empréstimo da quantia de €150.000,00 que os embargantes pretendiam, que estes prestassem uma garantia, tendo sugerido que adquirissem 200.000 títulos de obrigações (facto 12), tendo sido declarado não provado “que o embargado exigiu que a garantia do financiamento fosse prestada com o penhor dos supra aludidos títulos (alínea a) dos factos não provados).
No que respeita ao título dado à execução, provou-se a seguinte factualidade relevante:
«1. O E..., SA e os executados celebraram, em 30.01.2013, um acordo escrito denominado contrato de financiamento com o nº ROC...../13, mediante o qual o E..., SA declarou em síntese obrigar-se a entregar aos embargantes o montante máximo de € 150.000,00, destinado a fundo de maneio, pelo prazo de 365 dias, mediante pedidos escritos dos embargantes e prévia autorização do E..., SA, pela disponibilização de crédito até ao montante acima referido na conta de depósitos à ordem nº ............, aberta junto do banco, em nome dos executados, e estes se obrigaram a reembolsar no fim do prazo, acrescido do pagamento de comissões e juros a uma taxa correspondente à média mensal da EURIBOR a 3 meses, arredondada à milésima, acrescida de um spread de 3,5%, tudo conforme documento junto a fls. 24 a 28 vº da execução, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. Mais declararam que para garantia do crédito acima referido, os executados prestaram a favor do banco exequente penhor de valores mobiliários associados à conta nº ............, ou seja, penhor de 200.000 euros em obrigações, denominadas por E1... 6.875% 21/10/19, com o código ISIN XS.......... e com valorização à data do contrato de 196.750,00 euros, depositadas no dossier nº ............. […]
7. Em 31.01.2015 os embargantes e o embargado B..., SA celebraram o acordo escrito denominado “alteração ao contrato de financiamento nº ROC...../13” no qual declararam […]
“[…] É celebrada a presente alteração ao contrato de financiamento acima identificado, nos termos indicados:
1. Alteração ao contrato:
São alteradas as condições particulares do contrato de financiamento, mantendo-se as restantes condições particulares e gerais em vigor: Condições particulares alteradas 5. Prazo: 102 Dia(s) (…)», tudo conforme documento junto a fls. 29 a 33 da execução, que aqui se dá por reproduzido.
8. O montante de € 150.000,00 foi efectivamente disponibilizado pelo banco e utilizado pelos executados, em seu proveito próprio.
9. Os executados deixaram de pagar as prestações a que se obrigaram desde 31.07.2014”».
Em suma, através do contrato dado à execução, o E... (ao qual sucedeu o ora exequente) disponibilizou aos executados (ora embargantes) o montante de € 150.000,00, que transferiu para contas das quais que estes eram titulares, tendo sido tal valor “utilizado pelos executados, em seu proveito próprio”.
Revela-se inquestionável a validade e a força executiva do título dado à execução.
Na fundamentação da sentença, a Mª Juíza afasta a aplicação do instituto da compensação, porque, desde logo, não foi invocada pelos embargantes.
Contorna, no entanto, a apontada inviabilidade, trilando um caminho alternativo: «No caso dos autos, o contra-crédito dos aqui embargantes não tem a natureza de certo, seguro e exigível, pelo que não é compensável. Mas tal não afasta a anterior linha de raciocínio. De facto, serve apenas para concluir que, ao contrário do que refere o embargado, é este que abusa do seu direito, ao exigir o crédito exequendo, e não os embargantes, ao defender-se do mesmo».
E conclui: «O B... pode estar desapossado do capital mutuado, mas não pode esquecer que os embargantes estão desapossados do capital investido! Se um tem que ser restituído, o outro também tem, pelos fundamentos supra expostos. E exigir um, sem estar disposto a oferecer o outro é, como já vimos, claro abuso de direito».
Na prática, o invocado instituto (abuso de direito) acaba por permitir uma solução jurídica equivalente à compensação: o exequente não pode exigir o capital mutuado, sem que os executados lhe possam exigir o valor despendido nas obrigações que adquiriram no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram com o E....
Salvo todo o respeito devido, não podemos concordar com a tese enunciada, na qual, uma vez mais, se omite a relevância (e eficácia na nossa ordem jurídica) das citadas deliberações do Banco de Portugal.
Pese embora a profundidade do recorte da figura efetuado na sentença recorrida, haverá que tecer algumas considerações sobre o abuso de direito.
Estipula o artigo 334.º do Código Civil: “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
Como refere o Professor Antunes Varela[7], este instituto é uma das válvulas de segurança mais úteis do sistema, que, ao lado da ‘correcção do enriquecimento sem causa’, da redução equitativa da cláusula penal excessiva e de outras soluções afins, melhor garantem a sobrevivência de inúmeros ‘direitos subjectivos’, “não obstante o seu carácter essencialmente formal, perante o sentimento implacável da justiça que habita permanentemente no espírito do homem de recta consciência”.
Escreve o citado Professor que o artigo 334.º “aponta de modo inequívoco para as situações concretas em que é clamorosa, sensível, evidente, a divergência entre o resultado da aplicação do direito subjectivo, de carga essencialmente formal, e alguns dos valores impostos pela ordem jurídica para a generalidade dos direitos ou, pelo menos, dos direitos de certo tipo”.
No mesmo sentido, referem Pires de Lima e Antunes Varela[8], que para que haja abuso de direito, se exige que o excesso cometido pelo respetivo titular, seja «manifesto»; citando Manuel Andrade, que seja «exercido em termos clamorosamente ofensivos da justiça (…) intoleravelmente ofensivo do nosso sentido ético jurídico»; citando Vaz Serra, que constitua uma «clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante».
Lê-se no acórdão de 30.01.2003, do Supremo Tribunal de Justiça, de 30.01.2003[9], citando Castanheira Neves, que se deverá entender juridicamente por exercício abusivo do direito “um comportamento que tenha a aparência de licitude jurídica - por não contrariar a estrutura formal-definidora (legal ou conceitualmente) de um direito, à qual mesmo externamente corresponde - e, no entanto, viole ou não cumpra, no seu sentido concreto materialmente realizado, a intenção normativa que materialmente fundamenta e constitui o direito invocado, ou de que o comportamento realizado se diz exercício”.
Conceptualmente recortado o instituto jurídico invocado pela recorrente, vejamos se a conduta do recorrente (traduzida na instauração da execução) é suscetível de ser considerada como exercício abusivo do direito.
Pensamos, desde logo, que a questão se deverá deslocar para montante, para a aferição da validade das deliberações do Banco de Portugal, tese perfilhada no acórdão do Supremo que citámos (de 26.09.2017 (processo n.º 3499/16.0T8VIS.S1), onde assertivamente se conclui: «Se as deliberações tomadas pelo Banco de Portugal são arbitrárias e ilegais […] por inexistência de fundamentos justificativos da retransmissão havida, trata-se de uma situação que deverá ser aferida nos órgãos judiciais competentes e com as instituições competentes, maxime, com a instituição autora das mesmas, in casu o Banco de Portugal e por isso, todas as imputações efectuadas em sede de conclusões, quanto à actividade do Banco de Portugal no âmbito daquela sua decisão resolutiva, de arbitrariedade e ilegalidade, deverá ser discutida em sede própria com aquela entidade, aí se devendo aferir se a imputação formulada à deliberação tomada por aquela instituição como sendo profundamente injusta e criadora de um resultado contrário à ordem jurídica portuguesa, alicerçada, no seu conjunto, em princípios estruturantes fundamentais, como sejam, a boa-fé e a tutela da confiança dos cidadãos na materialidade subjacente aos negócios com instituições financeiras, se mostra ou não contrária aos princípios gerais insertos no artigo 139º do RGICSF, os quais norteiam a tomada das medidas aí prevenidas, vg, a da resolução de que aqui curamos, dependendo a sua incidência de variados vectores como decorre do seu nº 2 […]».
Como refere João Paulo Vasconcelos Raposo, no trabalho que citámos (Revista Julgar, ref., nota 6), «a instituição de transição é uma nova pessoa coletiva a operar no mercado, com capital, total ou maioritariamente detido por autoridades públicas, que deve nascer economicamente equilibrada, impondo-se o dever à autoridade resolutiva de garantir que ativos e direitos transmitidos excedem passivos transmitidos (art. 40º n.ºs 2 e 3 da Diretiva e art. 25º n.º 3 do Regulamento)».
O exequente foi criado com uma função muito específica, enunciada na ata da Reunião Extraordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, de 3 de agosto de 2014: «Nos termos do n.º 1 do artigo 146.º do RGICSF, e em face da necessidade premente de medidas […] para a salvaguarda da solidez financeira do E... e do interesse dos seus depositantes, bem como para a manutenção de estabilidade do sistema financeiro português […]»[10], tendo sido transferido para a sua titularidade, com vista à eficaz prossecução dos fins enunciados, o ativo correspondente à quantia exequenda, excluindo a entidade competente (BP) em simultâneo, a transferência de qualquer passivo respeitante à atividade de intermediação financeira do E..., onde se incluem as obrigações dadas como garantia, com base nas quais pretendem os embargantes a declaração de nulidade do contrato de mútuo dado á execução.
Afigura-se-nos, face a todo o exposto que, ao reclamar o seu crédito (que integra a sua esfera jurídica), sem atender ao eventual crédito que os executados possam reclamar, referente às ações dadas em garantia (passivo expressamente excluído da sua esfera jurídica por deliberação de entidade competente, vigente no nosso ordenamento jurídico), o exequente/embargado não atua com abuso de direito, encontrando-se, antes, vinculado à instauração de qualquer execução para cobrança dos créditos que legalmente lhe foram transmitidos.
Refere a Mª Juíza, que face à factualidade provada, se afigura claro que há um contrato misto de abertura de crédito em conta corrente e penhor e uma coligação entre este e o contrato de aquisição de obrigações, pois o fim económico de ambos era o mesmo, pelo que a invalidade de um dos contratos implica a invalidade do conjunto, pois um não fará sentido sem o outro.
Com o devido respeito, na situação em preço não é legítimo equacionar-se nos embargos a contaminação do contrato que constitui o título executivo, pelo eventual juízo de invalidade do contrato de aquisição de obrigações, perspetivados numa relação de coligação contratual, atenta a radical separação que decorre da referida deliberação do Banco de Portugal, na qual se determina a transferência para o B... dos ativos do E... (onde se inclui a quantia exequenda) e se exclui expressamente a transferência das obrigações adquiridas pelos executados no âmbito da atividade de intermediação financeira do E..., bem como de quaisquer responsabilidade emergentes do referido negócio.

Decorre do exposto, reiterando sempre o respeito merecido por tese divergente, que o recurso não poderá deixar de proceder e a execução não poderá deixar de prosseguir os seus termos.

III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em revogar a decisão recorrida, determinando o prosseguimento da execução.
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Custas do recurso a cargo dos recorridos.
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A presente decisão compõe-se de quarenta e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 23 de abril de 2018
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Vide acórdão do STJ, de 26.09.2017, proferido no processo n.º 3499/16.0T8VIS.S1, acessível no site da DGSI.
[2] No qual já consta a referência à «deliberação do conselho de administração do Banco de Portugal tomada em reunião extraordinária de 3 de agosto de 2014 (clarificada em 11.08.2014), nos termos do nº 5 do artigo 145º-g do RGICSF».
[3] Apesar de, como bem refere o recorrente, constar do ponto 4., da fundamentação jurídica da sentença: «Para o B... foi transferido o crédito resultante do mútuo concedido, mas não a responsabilidade pela venda das obrigações».
[4] Reproduz-se parcialmente a fundamentação jurídica deste segmento decisório.
[5] Obra citada no aresto do Supremo Tribunal de Justiça (processo n.º 3499/16.0T8VIS.S1), disponível na íntegra, em https://www.ij.fd.uc.pt/publicacoes/bce/wp_15/wp_015.pdf
[6] Revista Julgar, online, outubro de 2016, pág. 58, totalmente acessível em: http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/10/20161019-ARTIGO-JULGAR-Regime-Europeu-de-Recupera%C3%A7%C3%A3o-e-Resolu%C3%A7%C3%A3o-de-Institui%C3%A7%C3%B5es-Financeiras-Jo%C3%A3o-Paulo-Raposo.pdf
[7] Revista de Legislação e de Jurisprudência, 128º, 241.
[8] Código Civil Anotado, 4.ª edição, Volume 1.º, pág. 298, 299.
[9] Proferido no Processo n.º 02B4367, acessível no site da DGSI.
[10] Nos termos do artigo 139.º/1 RGICSF pode ser adotada, tendo em vista a solidez financeira da instituição de crédito, os interesses dos depositantes e a estabilidade do sistema financeiro, uma de três medidas: intervenção corretiva, administração provisória ou resolução.