Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
577/10.2TBSJM-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: DIREITO DE REMIÇÃO
Nº do Documento: RP20160317577/10.2TBSJM-B.P1
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 54, FLS.226-243 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - Em processo de execução, não sendo o familiar remidor parte no processo, não tem que ser notificado para remir; antes deve contar com a publicidade que rodeia o processo, designadamente a venda ou a informação prestada pelo executado (familiar próximo), que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.
II - A única via para o exercício extemporâneo do direito de remição ocorre pela invocação do justo impedimento.
III - A referência que o art.º 843º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, efetua a documento, na expressão final de “(…) assinatura do título que a documenta”, refere-se à venda, nas suas diversas modalidades (com exceção da venda por propostas em carta fechada) e não à entrega dos bens.
IV - Não é inconstitucional a norma da al. b) do nº 1 do art.º 843º do Código de Processo Civil nem a interpretação que dela se colhe no sentido de que deve prevalecer a segurança jurídica e a confiança do remidor a quem foi entregue o título de transmissão de um imóvel a ele adjudicado e obteve registo predial a seu favor, sobre um pedido de remição caducado, mesmo manifestamente extemporâneo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 577/10.2TBSJM-B.P1 (apelação)
Comarca de Aveiro – Oliv. de Azeméis – Inst. Central – 3ª Secç. - Execução

Relator: Filipe Caroço (por vencimento)
Adj. Desemb. Pedro Lima Costa
Adj. Desemb. Pedro Martins
Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
B…, S.A., instaurou no dia 30.6.2010 execução para pagamento de quantia certa contra C…, S.A. e D… e mulher, E…, a fim de cobrar a quantia de € 54.677,04, acrescida de juros.
Em 11.9.2012, a sucursal em Portugal do F…, reclamou, no âmbito da execução, o crédito de € 310.268,70, acrescido de juros, crédito esse garantido por duas hipotecas a favor do F…, as quais oneram um prédio penhorado e pertencente aos executados D… e mulher, E….
Tal crédito veio a ser reconhecido e graduado em primeiro lugar na sentença de 13.11.2012.
No dia 24.1.2014, marcou-se o dia 6.3.2014 para a abertura de propostas em carta fechada, no âmbito da venda do prédio, mas, no ato de abertura, constatou-se que não existiam ofertas de compra e que o credor hipotecário F…, nesse mesmo dia, tinha requerido que o prédio lhe fosse adjudicado pelo preço de € 223.000,00, com dispensa do correspondente depósito.
Ainda naquele ato, foi proferido o seguinte despacho: “Face à inexistência de proposta e tendo em conta que a adjudicação requerida não cumpre o valor mínimo de venda, deverá a agente de execução prosseguir para a realização de venda por negociação particular, nos termos do n° 2 do art. 822, da al. d) do art. 832 e do art. 833, todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo de findos 30 dias sem que nenhuma proposta seja apresentada, remeter os autos para apreciação da adjudicação requerida pelo credor reclamante”.
Em 8.4.2014, a Agente de Execução informou que não tinha recebido qualquer proposta para a venda do imóvel, pelo que, tendo decorrido mais de 30 dias desde a diligência de abertura de propostas, requereu que o tribunal tomasse posição.
Por despacho de 27.5.2014, determinou-se que se desse conhecimento aos executados do requerimento da agente de execução de 8.4.2014.
No despacho de 25.6.2014 exarou-se o seguinte: “por ter cometido um lapso no agendamento, adia-se a diligência para o dia 8/7/2014, às 10 horas.
Notifique da forma mais expedita”.
A agente de execução publicou em 27.6.2014 que se realizaria a venda do prédio, por propostas em carta fechada, no dia 8.7.2014, às 10 horas, pelo valor de € 267.750, informando no anúncio que existia proposta de aquisição pelo credor reclamante pelo preço de € 223.000,00.
Por despacho de 30.6.2014, com o fundamento de não ter sido obtida melhor oferta, deferiu-se o requerimento de 6.3.2014 em que o F… solicitava a adjudicação do prédio a ele próprio pelo preço de € 223.000, com dispensa do correspondente depósito.
Ainda no despacho de 30.6.2014, considerou-se que o transcrito despacho de 25.6.2014 não deveria ser considerado, por se reportar a expediente que não se reportava aos autos de execução (este expediente constituiu a folha 58 dos autos principais).
Com data de 21.7.2014, foi emitido título de transmissão do prédio ao F…, indicando-se como razão de transmissão a adjudicação e como preço a verba de € 223.000,00.
A aquisição do prédio pelo F… ingressou no registo predial em 24/7/2014.

No dia 6.4.2015, I…, mãe do executado D…, considerando que está em tempo, por o bem não ter sido entregue ao credor hipotecário, requereu a aquisição do prédio por ela própria, a título de direito de remição, oferecendo imediatamente, através de cheque visado, a verba de € 223.000,00 e o acréscimo de 5% dessa mesma verba, acréscimo este destinado a indemnizar o F… com despesas em que tenha incorrido por via do exercício do direito de adjudicação.
O F… pugnou pelo indeferimento do requerimento de 6.4.2015.
Por despacho de 13/7/2015, foi indeferido o requerimento de 6.4.2015, julgando-se intempestivo, e por isso legalmente inadmissível, o exercício do direito de remição.
*
Inconformada com a decisão, dela apelou I…, defendendo a sua revogação, com as seguintes CONCLUSÕES:
«1. Foram omitidas ao executado notificações essenciais ao exercício do direito de remição, nomeadamente a notificação do despacho de adjudicação do imóvel.
2. O executado não é “o comum cidadão e pessoa de formação mediana”, mas antes um pai de família profundamente assustado, desorientado e perturbado com o risco de perda do imóvel que é o lar dos seus dois filhos menores, que esteve sempre desacompanhado de mandatário judicial e que não tem a clareza de espírito, nem a capacidade de raciocínio, que lhe permita avaliar e ponderar convenientemente o que quer que seja.
3. O cumprimento do ónus de inteirar os titulares do direito de remição pressupõe que o executado disponha de toda a informação necessária ao seu exercício, e que dela disponha em termos de esse exercício poder objectivamente ocorrer no período legalmente previsto.
4. O executado “é sempre notificado do despacho determinativo da venda”.
5. No caso concreto, o exercício do direito de remição pressupunha que o executado tivesse sido notificado do despacho de adjudicação em termos de o direito de remição poder objectivamente ser exercido até ao momento legalmente previsto para o efeito.
6. É unanimemente reconhecida ao direito de remição a natureza de “especial direito de preferência” ou de “direito de preferência qualificado”.
7. Como é unanimemente reconhecido que o mesmo “funciona como um direito de preferência dos titulares desse direito relativamente aos compradores ou adjudicatários” e “consiste essencialmente em se reconhecer à família do executado a faculdade de adquirir, tanto por tanto, os bens vendidos ou adjudicados no processo de execução”.
8. O direito de remição é exercido em face de um negócio de adjudicação ou venda acertado e consumado, consistindo simplesmente na substituição ou investidura do remidor na posição do comprador ou adjudicatário.
9. O exercício só pode ocorrer num prazo muito apertado, entre a notificação do despacho de adjudicação e a assinatura do título que documenta essa adjudicação.
10. Tem sido entendido que no caso de adjudicação de imóvel, como aqui, o direito deve ser exercido até ao momento da assinatura do título, não obstante a o art. 843 n° 1 al. b) do CPC dispor: “o direito de remição pode ser exercido, nas modalidades de venda que não a por proposta em carta fechada, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”.
11. Tão curto prazo justifica-se pela ponderação da salvaguarda dos interesses da família do executado, por um lado, e das legítimas expectativas na validade e eficácia do negócio que o adquirente celebra, por outro.
12. A posição do adquirente merece especial tutela quando este, de boa-fé, é estranho ao processo, como normalmente acontece na venda por negociação particular.
13. No caso, o adjudicatário é o próprio banco credor hipotecário, que concedeu o mútuo para a aquisição do imóvel.
14. O credor reclamante foi dispensado do pagamento do preço e nenhum prejuízo terá com o exercício do direito de remição pela requerente, porquanto, não tendo despendido qualquer quantia para a respectiva aquisição (que até se encontra isenta de IMT), vê-se embolsado da quantia líquida que reclamou nos presentes autos, acrescida de 5% de multa, mais do que suficiente para salvaguardar os custos que teve com o pagamento das obrigações fiscais e de registo.
15. Deve ser especialmente mitigada a ponderação das exigências de protecção dos direitos do credor adjudicatário, que no caso se encontram consideravelmente diminuídas.
16. O executado não foi notificado do douto despacho de adjudicação em termos de o direito de remição poder objectivamente ter sido exercido até ao momento da assinatura do título que documenta a transmissão do imóvel.
17. O executado foi notificado do douto despacho de adjudicação num momento processual em que formalmente já não seria possível o exercício do direito de remição, quando há mais de cinco meses se encontrava emitido o título de adjudicação e registado o imóvel a favor do banco credor hipotecário.
18. No caso, a janela de oportunidade para exercício do direito não existiu.
19. Nada adiantaria ao exercício do direito de remição que o executado tivesse informado a recorrente da existência e desenrolar do presente processo em momento anterior à notificação do despacho de adjudicação, atenta a natureza e modo de funcionamento do direito de remição.
20. Não ocorreu ainda a entrega do imóvel, onde o executado vive com a sua família e onde nasceram, cresceram e se habituaram a viver os seus filhos menores.
21. O exercício do direito de remição constitui para a recorrente a única e derradeira hipótese de preservar o imóvel no património familiar, sobretudo dos seus dois netos menores.
22. No caso, é de admitir o exercício do direito de remição até ao momento da entrega do bem, porquanto essa maior amplitude conferida ao direito de remição da requerente não comprime ou limita, antes salvaguarda, o direito do adquirente, que assim vê realizado no processo o direito que aqui pretendeu exercer.
23. A douta decisão sob recurso viola princípios constitucionais fundamentais.
24. Viola, nomeadamente, a protecção conferida à família pelo art. 67 da CRP, no âmbito da qual se inscreve o reconhecimento do direito de remição.
25. Viola a garantia de um processo subordinado ao princípio da igualdade, do contraditório, e do direito a um processo justo e equitativo, previsto no art. 20 da CRP.
26. Restringe de forma desproporcionada o direito de acesso à justiça e aos demais princípios ínsitos naquele normativo, e como tal de forma proibida, atento o disposto nos n°s 2 e 3 do art. 18 da CRP.
27. Viola um “princípio da funcionalidade e proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostas pela lei às partes”.
28 O juízo de proporcionalidade “tem de tomar em conta três vectores essenciais: (i) a justificação da exigência processual em causa; (ii) a maior ou menor onerosidade na sua satisfação por parte do interessado; e (iii) a gravidade das consequências ligadas ao incumprimento do ónus”.
29. Os ónus de informação aos titulares do direito de remição e de estes exercerem o seu direito no período legalmente previsto não são, à partida, desajustados, na medida em que visam garantir a segurança jurídica da validade e eficácia do negócio realizado pelo adquirente ou adjudicatário.
30. No caso, era objectivamente impossível ao executado cumprir o ónus de informação que sobre si impende, em consequência da falta de notificação do despacho de adjudicação.
31. Utilizando um critério normativo que não toma em conta a natureza e o modo de funcionamento daquele direito em apreço, nem ainda o facto de a janela de oportunidade para o respectivo exercício não ter existido “por lapso da secção”, o tribunal a quo considerou inadmissível o exercício do direito de remição.
32. No caso, a consequência do não cumprimento do ónus de informação pelo executado é de extrema gravidade, consistindo na preclusão do exercício do direito de remição e inerente desagregação do património familiar da recorrente e, em especial, dos seus dois netos, e assim na criação de um drama familiar.
33. Ponderada a justificação processual dos ónus que impendem sobre o executado e sobre a requerente remidora, a impossibilidade do cumprimento daqueles ónus para os referidos sujeitos, e as consequências advenientes do incumprimento (que, no caso, era impossível), deve prevalecer, na ponderação dos interesses e no exercício de “concordância prática” dos princípios constitucionais em conflito, a possibilidade de a recorrente exercer o direito de remição até à entrega do imóvel.»
*
Só o F… apresentou contra-alegações, nas quais pugna pela improcedência da apelação, em termos que se sintetizam assim:
- O exercício do direito de remição por parte da recorrente caducou, pois não foi exercido dentro do lapso temporal previsto no art.º 843º, n° 1, al. b), do NCPC, ou seja, até à assinatura do título de transmissão;
- Os princípios constitucionais que a recorrente chama à colação para suportar o seu entendimento são válidos e têm apoio na Constituição. Contudo, terão de se conjugar com outros tantos que têm igual dignidade constitucional. Se a nossa lei fundamental tutela a família e tutela que face ao remidor não sejam colocados entraves desproporcionais ao exercício do direito de remição (art.º 20º da CRP), certo é que esta também consagra e tutela a confiança jurídica dos seus cidadãos, isto é, tutela a legítima expectativa do adquirente dos bens em não ver a estabilidade e a eficácia da venda executiva abalada através do exercício inadmissível, tardio e abusivo do direito do remidor, pois tal lesaria o princípio da segurança jurídica, ínsito ao estado de direito democrático;
- A pretensão que a recorrente pretende fazer valer traduz-se num abuso do direito, repugnado pelo nosso ordenamento jurídico (art.º 334º do Código Civil). A compra que a recorrente pretende efetuar do imóvel em litígio é uma situação que terá de ser discutida com o recorrido/adjudicatário de forma particular no exercício da liberdade contratual privada e só nestes moldes o recorrido a poderá, ou não, aceitar, conforme o entenda conveniente;
- Esta compra por parte da recorrente não pode ser de modo algum imposta por esta instância, sendo totalmente irrelevantes as afirmações desta (da recorrente) de que o recorrido, ao receber o valor que esta oferece a título de compra do imóvel, não sofre qualquer prejuízo;
- Se existe ou não prejuízo são “contas de outro rosário” que para o caso são irrelevantes, dado que essa falta de prejuízo não legitima a pretensa aquisição do imóvel que a recorrente pretende levar a cabo.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II.
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões da apelação, acima transcritas, sendo que se apreciam apenas as questões invocadas e relacionadas com o conteúdo do ato recorrido e não sobre matéria nova, exceção feita para o que for do conhecimento oficioso (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º do Código de Processo Civil).
O Tribunal deve apreciar todas as questões decorrentes da lide, mas não necessariamente todos os argumentos ou raciocínios das partes, bastando o que for suficiente para resolver cada questão[1].
Em qualquer caso, não serão resolvidas questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Atentas as conclusões das alegações da recorrente, somos chamados a apreciar e decidir três questões:
A. Preterição de notificações essenciais ao exercício do direito de remição;
B. Prazo legal para o exercício do direito de remição; e
C. Inconstitucionalidade da decisão que indeferiu o exercício daquele direito.
*
III.
Na primeira instância foram considerados relevantes os seguintes factos:
1. O executado D… foi citado para os termos da presente execução a 12.7.2010.
2. No âmbito da execução foi penhorado, a 2.5.2012, o prédio urbano composto por habitação unifamiliar com três pisos, dependência e logradouro, sito na Avenida …, freguesia de …, no concelho de São João da Madeira, com artigo matricial 6787 e descrito na Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira sob o número 4181 da freguesia de …, tendo a penhora sido registada em 2.5.2012 e o executado ficado como fiel depositário do prédio.
3. O executado foi notificado da penhora desse bem imóvel por carta datada de 11.7.2012, enviada para a morada da sua citação: Rua …, ….-… São João da Madeira.
4. O imóvel penhorado corresponde à morada da citação do executado e, por sua vez, à casa de habitação do executado e respectiva família.
5. Por requerimento de 11.9.2012, o credor com garantia real F…, reclamou crédito no valor de € 310.268,70, pedindo que, a final, fosse pago com preferência relativamente aos demais credores, em face da natureza da garantia de que goza, concretamente de hipotecas sobre o imóvel penhorado.
6. Por carta de 26.12.2012, enviada para a morada da citação, foi o executado notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n° 1 do art. 886-A do CPC (...) para, no prazo de dez dias, indicar qual a modalidade de venda pretendida e o valor base de venda”, tendo sido novamente enviada cópia do auto de penhora.
7. Por carta datada de 4.11.2013, enviada para a morada da citação, foi o executado notificado da decisão sobre a modalidade da venda e valor base fixado.
8. Por despacho de 24.1.2014, foi designado o dia 6.3.2014 para abertura de propostas em carta fechada, tendo a Sr.ª Agente de Execução comunicado às partes o agendamento da diligência.
9. Por requerimento que entrou nos autos no próprio dia de abertura de propostas, 6.3.2014, o credor reclamante com garantia real de hipoteca sobre o imóvel penhorado e a vender requereu a adjudicação desse imóvel pelo preço de € 223.000,00 (fls. 43 a 46).
10. No dia 6.3.2014, na diligência de abertura de propostas em carta fechada, estiveram presentes os executados D… e E….
11. Nessa diligência, conforme resulta do auto de fls. 47 e 48, foram os executados notificados do teor do requerimento do credor reclamante de fls. 44, onde requer a adjudicação do imóvel penhorado pelo valor de € 223.000,00, inferior ao valor de venda fixado, tendo sido proferido o seguinte despacho: “Face à inexistência de proposta e tendo em conta que a adjudicação requerida não cumpre o valor mínimo de venda, deverá a agente de execução prosseguir para a realização de venda por negociação particular, nos termos do n° 2 do art. 822, da al. d) do art. 832 e do art. 833, todos do CPC, sem prejuízo de findos 30 dias sem que nenhuma proposta seja apresentada, remeter os autos para apreciação da adjudicação requerida pelo credor reclamante”.
12. Por requerimento de 8.4.2014, a Sr.ª Agente de Execução veio informar que, tendo decorrido mais de 30 dias desde a abertura de propostas, não recebeu qualquer proposta para a venda do imóvel, pelo que requer que o tribunal decida como considere conveniente.
13. Por despacho de 27.5.2014 (fls. 54) determinou-se dar conhecimento aos executados desse requerimento da Sr.ª Agente de Execução, ao qual se encontrava anexado o referido requerimento de adjudicação.
14. Do referido despacho foi dado conhecimento aos executados, por notificação expedida em 27.5.2014.
15. Por requerimento de 20.6.2014 (fls. 56 a 62), a Sr.ª Agente de Execução reiterou junto do tribunal que fosse apreciado o seu requerimento de 8.4.2014.
16. A 30.6.2014 foi proferido o seguinte despacho “Fls. 57: não tendo sido obtida melhor oferta, adjudique-se como se requer, nos termos aí indicados”.
17. Com vista à notificação do despacho de 30.6.2014, foi enviada ao executado a carta de fls. 65A, datada de 1.7.2014, para a morada “Rua …, ….-… São João da Madeira”.
18. Tal carta veio devolvida a fls. 68 com a indicação “desconhecido em …. São João da Madeira”.
19. Já a executada E… (esposa do executado e nora da aqui requerente I…) fora notificada para a morada correcta da citação, Rua …, ….-… São João da Madeira, por carta de 1.7.2014, enviada pelo tribunal, carta essa que não veio devolvida.
20. A 21.7.2014 (fls. 69 a 80), a Sr.ª Agente de Execução juntou aos autos o título de transmissão, emitido nesse mesmo dia, a favor do credor reclamante F….
21. O credor reclamante F… registou a seu favor a propriedade do imóvel pela apresentação 2415 de 24.7.2014.
22. Por carta datada de 12/12/2014, foi o executado notificado do título da adjudicação do imóvel penhorado ao F… e, ainda, notificado para, no prazo de 15 dias, proceder à entrega voluntária do imóvel livre de pessoas e bens, tendo a Sr.ª Agente de Execução anexado cópia do despacho de 30.6.2014 e título de adjudicação.
*
*
IV.
Vejamos então, uma a uma, as questões da apelação.

A. Preterição de notificações essenciais ao exercício do direito de remição
Alega a recorrente que foi omitida notificação ao executado do despacho de adjudicação do imóvel e que o cumprimento do ónus de inteirar os titulares do direito de remição pressupõe que o executado disponha de toda a informação necessária ao seu exercício, em termos de esse exercício poder objetivamente ocorrer no período legalmente previsto. Tanto assim que esse exercício só pode ocorrer num prazo muito apertado, entre a notificação do despacho de adjudicação e a assinatura do título que documenta essa adjudicação.[2]
Finaliza este ponto, com a afirmação de que o executado foi notificado do despacho de adjudicação num momento processual em que formalmente já não seria possível o exercício do direito de remição, quando há mais de cinco meses se encontrava emitido o título de adjudicação e registado o imóvel a favor do banco credor hipotecário.
Pois bem…
Tem sido afirmado repetidamente na jurisprudência que o direito de remição encontra a sua origem na ideia de proteção do património familiar. Analisa-se na faculdade de, por forma potestativa, determinados interessados familiares do executado poderem fazer-se substituir ao adjudicatário ou ao comprador, na preferencial aquisição de bens penhorados, mediante o pagamento do preço por eles oferecido.
É um direito de origem processual, que se constitui no momento da venda ou da adjudicação dos bens, que no seu exercício tem os mesmos efeitos do direito real de preferência e que permite aos familiares mais próximos do executado obter a adjudicação dos bens deste que foram penhorados e vendidos, preterindo a proposta de compra apresentada por terceiros.[3]
A propósito, o Prof. Alberto dos Reis[4], refere que o direito de remição “é nitidamente um benefício de carácter familiar. Dá-se ao cônjuge do executado e aos descendentes e ascendentes deste o direito de adquirir para si os bens adjudicados ou vendidos, pelo preço da adjudicação ou da venda.
Na sua actuação prática o direito de remição funciona como um direito de preferência: tanto por tanto os titulares desse direito são preferidos aos compradores ou adjudicatários. A família prefere aos estranhos.
Estando nós perante uma preferência de natureza processual, e não sendo o remidor parte no processo, mas um seu familiar próximo, tem vindo a entender-se que não tem que ser notificado para o exercício do seu direito, sendo suficiente o conhecimento dado pela publicidade que rodear a venda ou a informação prestada pelo executado (familiar próximo), que é sempre notificado do despacho determinativo da venda (art.º 812º, nº 6, do Código de Processo Civil; anterior art.º 886º-A).
A lei não prevê a notificação de ninguém para (eventual) remição; tem o remidor que se apresentar no momento próprio ou dentro do prazo legal.[5]
Por força deste estatuto processual de terceiro, o remidor também não tem de ser pessoalmente notificado dos atos e diligências que vão ocorrendo na tramitação da causa, presumindo a lei de processo que o seu familiar --- executado e, ele sim, notificado nos termos gerais --- lhe dará conhecimento atempado das vicissitudes relevantes para o eventual exercício do seu direito[6].
Diz-se ainda no acórdão da Relação de Coimbra de 20.1.2009 que “o legislador afastou a notificação dos titulares do direito de remição porque, sendo eles familiares diretos do executado e dada a finalidade do instituto (proteção da família), parte do princípio de que o executado lhes deu a respetiva informação necessária sobre a venda, e ser suficiente esse meio de conhecimento (cf., por ex. Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, vol. IV, pág. 150).
Na verdade, destinando-se a remição a preservar o património do executado no seio da família, e uma vez que é também do próprio interesse do executado, recai sobre ele o ónus de informar os familiares directos e sobre estes o ónus de acompanhar a situação dos bens. É também para isso que a lei impõe a notificação ao executado da modalidade da venda e do preço (art. 886-A nº 4 do CPC)”.
Neste contexto, é legítimo afirmar-se que, ao limitar temporariamente o exercício do direito de remição até ao momento da assinatura do título, a lei está a pressupor que o seu titular teve conhecimento prévio do ajuste, não através da direta notificação feita pelo tribunal ou obrigatória comunicação do encarregado da venda, mas pelo executado.
Lopes do Rego defende mesmo que “o remidor tem o ónus de acompanhar a situação dos bens, de modo a poder efectivar oportunamente o seu direito, antes de consumada a alienação”.[7]

Com regime processual previsto nos art.ºs 842º e seg.s do Código de Processo Civil, o art.º 843º, sob a epígrafe “Até quando pode ser exercido o direito de remição”, estabelece:
1- O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do n.° 3 do artigo 825.°;
b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
2- (…). ”.
Na versão originária do Código de Processo Civil de 1961[8], a norma do art.º 913º (a que sucedeu o citado art.º 843º, sob as mesma epígrafe) previa:
O direito de remição deve ser exercido:
a) No caso de venda em bolsas, até ao momento da entrega dos bens;
b) No caso de venda por negociação particular, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título, ou dentro de dez dias, a contar da data em que o remidor teve conhecimento da venda;
c) Nos restantes casos, até ser assinado o auto de arrematação, adjudicação ou transmissão e entrega dos bens.
A reforma introduzida na revisão de 1995 do anterior Código de Processo Civil alterou a redação do citado art.º 913º, passando a ser como se segue:
O direito de remição pode ser exercido:
a) No caso de venda judicial, até ser proferido despacho de adjudicação dos bens ao proponente;
b) Na venda extrajudicial, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.”.
Acabou-se com o prazo perentório de dez dias, a contar do respetivo conhecimento, que o interessado tinha para exercer o direito de remição nos casos de venda por negociação particular e generalizou-se a todas as modalidades de venda, com exceção da venda por propostas em carta fechada, a necessidade de o direito de remição ser exercido até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título.
Amâncio Ferreira[9] justifica essa opção “pelas perturbações que o exercício de tal faculdade trazia ao destino dos bens adquiridos em execução, que poderiam ser reclamados mesmo ao fim de vários anos pelo remidor, a implicar quebra de interesse por parte de possíveis compradores e o aviltamento do preço da venda”.
No Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 06.10.2004[10], afirma-se o seguinte: “(…) Com o DL 329-A/95, eliminou-se esta última possibilidade, bem como, com o desaparecimento da venda por arrematação em hasta pública, o desfasamento de regimes anteriormente existente: na venda judicial, o direito de remição passou a poder ser sempre exercido até ser proferido o despacho de adjudicação dos bens (art. 877-3, no caso da adjudicação; art. 900-1, no caso da venda mediante propostas em carta fechada). Na venda extrajudicial, generalizou-se a regra anteriormente consagrada para a venda por negociação particular: havendo título de venda, o direito de remição havia de ser exercido até à sua assinatura (o que sempre acontece na venda por negociação particular (…) (…), bem como, quanto a outras modalidades de venda, (….); não havendo, releva o momento da entrega do bem (assim é na venda em bolsas e, consoante o respectivo regulamento, pode ser na venda em estabelecimento de leilões e em depósito público)”.
No atual Código de Processo Civil, aqui aplicável, nada mudou em matéria de notificações quanto a esta matéria. Não tem que ser notificado o remidor desde que o executado, seu familiar, esteja em condições de o informar sobre o estado do processo e que o próprio remidor se interesse pelo processo e no seu acompanhamento para zelar pela conservação dos bens na família.
Por isso, também tem sido admitido pela jurisprudência que o remidor, apesar de não ser parte no processo, pode invocar o justo impedimento com base em impossibilidade prática de exercer o direito por lhe ter sido escondida ou negada a informação (pelo devedor ou pelo encarregado da venda) apesar do interesse e diligência manifestados pelo familiar.
Sendo assim, como também nos parece, cremos bem que a única possibilidade de o titular do direito de remição que desconhecia a venda vir a exercer extemporaneamente esse direito passará pela demonstração de que ocorreu justo impedimento à prática dos atos processuais tendentes ao exercício do mesmo, ao abrigo do art.º 140º do Código de Processo Civil.[11]
Convém, no entanto, deixar claro que para o efeito não basta a mera alegação do desconhecimento, na medida em que parece resultar da lei a obrigação do remidor de se interessar pelo processo e de o acompanhar para zelar pela conservação dos bens na família, donde se pode extrair que, mais que o desconhecimento, o que poderá constituir justo impedimento será a impossibilidade prática de exercer o direito por lhe ter sido escondida ou negada a informação (pelo devedor ou pelo encarregado da venda) apesar do interesse e diligência manifestados pelo familiar.
Voltando ao caso concreto, o F… no próprio dia de abertura de propostas, 6.3.2014, fez chegar um requerimento pelo qual pediu que o imóvel lhe fosse adjudicado pelo preço de € 223.000,00, inferior ao valor de venda fixado. Naquele ato estiveram presentes os executados, foram notificados desse requerimento e foi ainda proferido o seguinte despacho: “Face à inexistência de proposta e tendo em conta que a adjudicação requerida não cumpre o valor mínimo de venda, deverá a agente de execução prosseguir para a realização de venda por negociação particular, nos termos do n° 2 do art. 822, da al. d) do art. 832 e do art. 833, todos do CPC, sem prejuízo de findos 30 dias sem que nenhuma proposta seja apresentada, remeter os autos para apreciação da adjudicação requerida pelo credor reclamante”.
Por requerimento de 8.4.2014, a Sr.ª Agente de Execução veio informar que, tendo decorrido mais de 30 dias desde a abertura de propostas, não recebeu qualquer proposta para a venda do imóvel, pelo que requer que o tribunal decida como considere conveniente.
Por despacho de 27.5.2014 (fls. 54) determinou-se dar conhecimento aos executados desse requerimento da Sr.ª Agente de Execução, ao qual se encontrava anexado o referido requerimento de adjudicação.
Do referido despacho foi dado conhecimento aos executados, por notificação expedida em 27.5.2014.
E só a 30.6.2014 foi proferido despacho a adjudicar o imóvel ao referido credor. Este despacho chegou mesmo a ser notificado à executada E… e nada foi requerido.
A 21.7.2014, a Sr.ª Agente de Execução juntou aos autos o título de transmissão, emitido a favor do credor reclamante F… que, assim, viu ser registado o prédio a seu favor na Conservatória do Registo Predial.
Como se não bastasse toda aquela informação aos executados, a frustração da notificação da adjudicação ao executado marido, levou ainda a que, no dia 12.12.2014 --- portanto, cerca de meio ano depois --- se tentasse de novo tal notificação, o que foi conseguido, mais ficando então notificado para, no prazo de 15 dias, proceder à entrega voluntária do imóvel livre de pessoas e bens, tendo a Sr.ª Agente de Execução anexado cópia do despacho de 30.6.2014 e título de adjudicação à notificação.
Não obstante todo este movimento processual, em nenhuma circunstância a mãe do executado veio invocar “justo impedimento” ao processo, para poder exercer o seu direito de remição. Limitou-se, vários meses depois, em abril de 2015, a exercê-lo, por certo convencida de que o fazia em tempo útil.
É o que vamos ver de seguida.
Para já, importa concluir que havia condições favoráveis a que a remidora tomasse conhecimento, através dos executados, dos termos processuais, designadamente do interesse do credor hipotecário em que lhe fosse adjudicado o imóvel pelo preço de € 223.000,00, ainda antes de se ter frustrado a venda por abertura de propostas em carta fechada. Mesmo que assim não fosse, novos acontecimentos, designadamente as notificações dos executados da adjudicação do bem ao credor hipotecário, em dois momentos diferentes, poderiam, em abstrato, ter constituído mais duas janelas de oportunidade --- mas que, na realidade, já não o poderiam ser --- de invocação de justo impedimento, que a recorrente não utilizou.
Improcede, assim, a primeira questão da apelação.
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B. Prazo legal para o exercício do direito de remição
Passou depois a requerente a interpretar a al. b) do nº 1 do art.º 843º do Código de Processo Civil no sentido de que deduziu a sua pretensão em tempo por não se ter procedido ainda à entrega do bem adjudicado ao credor.
É verdade que o bem ainda não foi entregue ao credor hipotecário, apesar de adjudicado, da emissão do título de transmissão (há cerca de 10 meses, atenta a data da adjudicação) e até do registo já efetuado a seu favor.
Todavia, o imóvel só não está na posse do credor porque os executados não lho entregaram, como deviam, notificados que foram para o fazer no prazo de 15 dias, prazo este já totalmente decorrido em meados de janeiro de 2015.
Não faz sentido que, nestas circunstâncias, o credor seja colocado numa posição de sujeição face aos executados e na iminência de perder a propriedade de um bem que já lhe pertence, por título válido de transmissão.
O disposto na al. b) do nº 1 do art.º 843º do Código de Processo Civil, aplicável à adjudicação de bens, estabelece que a o direito de remição pode ser exercido “até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título”. A alternativa está justificada e deve ser relacionada com parte inicial da norma: “Nas outras modalidades de venda (…)”. Ou seja, quando a norma refere que “nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta”, quer referir-se à venda, à documentação do título em que assentou a venda, e não a qualquer documentação da entrega do bem, que nem sempre existe.
Concordamos com Lebre de Freitas[12] quando escreve: “(…) Mas, circunscrito ao processo executivo, o exercício do direito de remição só pode ter lugar num prazo apertado, que varia consoante a modalidade da venda e a formalização (ou não) desta por escrito: até à emissão do título de transmissão ou ao termo do prazo para a preferência, no caso do art. 898-4, quando a venda se faz por propostas em carta fechada (art. 913-1-a); até à assinatura do título de venda, se o houver, ou à entrega do bem, na falta de forma escrita, nas outras modalidades de venda (art. 913-1 –b)”.
Havendo título de transmissão, não pode o beneficiário ficar à mercê da falta de entrega do bem, que não domina.
O art.º 827º, ex vi art.º 802º, do Código de Processo Civil, prevê a adjudicação e entrega dos bens ao proponente, mediante a emissão, pelo agente de execução do título de transmissão a seu favor, sendo o próprio agente que comunica a venda ao serviço de registo competente, juntando o respetivo título, e este procede ao registo do facto e, oficiosamente, ao cancelamento das inscrições relativas aos direitos que tenham caducado, nos termos do n° 2 do artigo 824° do Código Civil.
Já a al. b) do art.º 913º do anterior Código de Processo Civil, na sua versão originária --- percursora da al. b) do nº 1 do atual art.º 843º --- estabelecia que o direito de remição podia ser exercido (então apenas previa para a negociação particular) “até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título, (…)”, sendo então ainda mais evidente, face à redação da norma, que não estava em causa qualquer documento ou título de entrega, mas o título de transmissão.
A entrega de bens pode/deve ser documentada mas, nas situações em que há um título de transmissão não pode valer como um segundo título para o mesmo efeito. Não há, propriamente, um título de entrega, mas tão-só a respetiva documentação, como referência de transmissão quando outra não exista (art.ºs 828º e 861º do Código de Processo Civil).
O ato de entrega de um bem vale como termo do prazo para o exercício do direito de remição quando a venda, pela sua modalidade, não imponha um título que a documente (a venda), de que já se deu exemplo a venda em bolsas e, consoante o respetivo regulamento, pode ocorrer na venda em estabelecimento de leilões e em depósito público.
A propósito da venda por negociação particular, mas no âmbito da interpretação do art.º 913º, nº 1, al. b), do anterior Código de Processo Civil (na redação do Decreto-lei nº 226/2008, de 20 de novembro, também idêntica à anterior[13] quanto ao nº 1), cujo conteúdo é repetido no do art.º 843º do atual Código de Processo Civil, refere o já citado acórdão da Relação de Coimbra de 20.1.2009[14] que “na venda por negociação particular, o remidor só pode exercer o direito de remição até ao momento da assinatura do título que a documenta. (…). É que a razão da ser do limite temporal prende-se com a garantia da estabilidade da venda judicial ou extrajudicial realizada, tutelando-se os direitos do comprador de boa fé. No mesmo sentido propugnou o acórdão da Relação de Lisboa de 19.2.2009[15] ao referir que “no caso de venda extrajudicial de imóveis, nomeadamente por negociação particular, o direito de remição tem de ser exercido até ao momento da assinatura da escritura pública, por se considerar ser esta o título que documenta a entrega dos bens”.
Entendia-se quanto à venda em hasta pública --- enquanto foi prevista na lei do processo, como forma de venda judicial, antes da revisão dada pelo Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de dezembro --- que o direito de remição tinha de ser exercido até ser assinado o auto de arrematação, momento em que se fazia a adjudicação dos bens arrematados, transferindo-se então a sua propriedade para o arrematante.[16]
No também citado acórdão da Relação do Porto de 23.6.2015 fez-se constar, por citação, que “na venda judicial, o direito de remição passou a poder ser sempre exercido até ser proferido o despacho de adjudicação dos bens (art. 877-3, no caso da adjudicação; (…)”.
No acórdão da Relação de Lisboa de 1910.1999[17] sumariou-se assim:
I. No caso de venda por negociação particular, a propriedade da coisa ou do direito não se transfere por mero efeito de venda, como é próprio desta no direito substantivo, dada a sua natureza real e não obrigacional.
II. Em processo de execução, a transmissão da propriedade da coisa ou da titularidade do direito só ocorre com o despacho de adjudicação dos bens, no que toca à venda judicial, e com a outorga do instrumento da venda, no que respeita à venda por negociação particular.
III. Tratando-se de venda de animais, em que não há necessidade de documento escrito ou assinatura de título que documente a venda, o direito de remição pode ser exercida até ao momento da entrega dos animais ao comprador.
Resulta dos art.ºs 799º, 802º, 827º e 828º, do atual Código de Processo Civil que o agente de execução emite o título de transmissão nas circunstâncias da adjudicação, podendo, com ele, exigir a entrega efetiva.
Se o título de transmissão serve para exigir a entrega de bens, não se compreende que uma recusa injustificada da entrega possa determinar a ineficácia daquele título, fazendo subsistir e funcionar o direito de remição.
Há que concluir que, nas circunstâncias em que a apelante apresentou o pedido de remição há muito que estava esgotado o prazo de que dispunha para o efeito, por ser de entender como relevante, não a entrega dos bens, mas a assinatura do título que documenta a adjudicação do imóvel ao F…. O seu direito estava caducado.
Sem êxito também esta questão do recurso.
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C. Inconstitucionalidade da decisão que indeferiu o exercício daquele direito
Argumenta ainda a recorrente que a decisão recorrida viola os princípios constitucionais da proteção conferida à família (art.º 67º da Constituição da República), o princípio da igualdade, do contraditório e do direito a um processo justo e equitativo (art.º 20º da Constituição da República) e restringe, de forma desproporcionada, o direito de acesso à justiça e os referidos princípios, em violação do disposto nos nºs 2 e 3 do art.º 18º da mesma Lei Fundamental. Na sua perspetiva, os ónus de informação aos titulares do direito de remição e de estes exercerem o seu direito no período legalmente previsto não são, à partida, desajustados, na medida em que visam garantir a segurança jurídica da validade e eficácia do negócio realizado pelo adquirente ou adjudicatário, para além do que «deve prevalecer, na ponderação dos interesses e no exercício de “concordância prática” dos princípios constitucionais em conflito, a possibilidade de a recorrente exercer o direito de remição até à entrega do imóvel».
Acrescenta ainda que deve ser especialmente mitigada a ponderação das exigências de proteção dos direitos do credor adjudicatário, que no caso se encontram consideravelmente diminuídas.
Vejamos.
Evidencia-se mais uma vez que da norma do art.º 842º do Código de Processo Civil emana o interesse constitucional da proteção a família enquanto “elemento fundamental da sociedade”, com direito “à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros”, para usar as expressões previstas no nº 1 do referido art.º 67º da Constituição da República.
Porém, a lei expressa o modo de realização desse interesse, não se compadecendo o Direito --- tão-pouco o Direito Constitucional --- com o seu exercício a todo o custo, com sacrifício de todo e qualquer outro interesse, designadamente de terceiros de boa fé.
Nessa senda, o art.º 843º prevê o tempo durante o qual o direito de remição pode ser exercido, de modo a que o Direito se cumpra com regras e se proteja a certeza e a segurança jurídica, tão caros que são também este princípios à vida em sociedade, assim como os interesses de terceiros dignos de proteção legal.
Os interesses familiares, na perspetiva da salvaguarda das relações de família entre os seus membros mais próximos ou mais diretos (cônjuge e parentesco em linha reta), a que se refere o aludido art.º 842º, muitas vezes residentes na mesma habitação, podem e devem ser defendidos.
O direito de remição, enquanto exercício de direito de preferência processual ou qualificada, é uma forma de os acautelar. Mas a informação que os executados devem prestar àqueles familiares sobre a situação do processo de execução e o risco de perda dos seus bens para terceiros é um sinal de união familiar, de efetiva congregação de conveniências, sem o que não se justifica aquela proteção ou, pelo menos, estão muito atenuadas as respetivas exigências.
Já atrás fizemos realçar os factos em função dos quais os executados poderiam ter alertado a requerente (mãe/sogra) para a referida situação, não havendo justificação quanto ao momento, manifestamente tardio (cerca de 10 meses depois da adjudicação do bem ao credor hipotecário), em que ela veio exercer a remição.
Então, já a propriedade do bem estava consolidada há vários meses no património do credor hipotecário, mesmo com inscrição registral a seu favor, tendo ele motivos seguros para confiar que o direito de remição não viria a ser exercido, por estar caducado, e que a adjudicação e a transmissão do imóvel produzira definitivamente os efeitos devidos, faltando apenas materializar a entrega, com base no título de que dispõe.
É o próprio direito de acesso aos tribunais que compreende o direito a prazos razoáveis de ação e de recurso, mas também o direito a uma decisão judicial sem dilações indevidas.
Neste conjunto de circunstâncias, a necessidade de segurança jurídica e de proteção da confiança do adjudicatário prevalece claramente sobre um interesse familiar (se existisse) que podendo tê-lo sido, não foi evidenciado, mormente no prazo em que deveria ter sido, se os executados, com a diligência devida, não tivessem ocultado ou tivessem evidenciado a sua situação (pessoal e patrimonial) na família relativamente ao âmbito do processo de execução. Era o que se lhes impunha se as suas relações familiares fossem de modo a justificar o exercício da remição.
Sopesando a situação e os princípios em causa, impõe-se a proteção da segurança jurídica e do interesse do credor F….
Eventualmente, a apelante desconhecia o seu direito, mas isso não lhe aproveita (art.º 6º do Código Civil).
Por conseguinte, as normas aplicadas pelo tribunal recorrido ou a interpretação que delas efetuou não padecem de inconstitucionalidade (art.º 204º da Constituição da República), como muito bem se justificou na própria decisão do tribunal a quo.
Nada mais havendo a conhecer, resta-nos concluir que, na improcedência da apelação, a decisão, aliás, douta decisão, merece ser totalmente confirmada.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil):
1. Em processo de execução, não sendo o familiar remidor parte no processo, não tem que ser notificado para remir; antes deve contar com a publicidade que rodeia o processo, designadamente a venda ou a informação prestada pelo executado (familiar próximo), que é sempre notificado do despacho determinativo da venda.
2. A única via para o exercício extemporâneo do direito de remição ocorre pela invocação do justo impedimento.
3. A referência que o art.º 843º, nº 1, al. b), do Código de Processo Civil, efetua a documento, na expressão final de “(…) assinatura do título que a documenta”, refere-se à venda, nas suas diversas modalidades (com exceção da venda por propostas em carta fechada) e não à entrega dos bens.
4. Não é inconstitucional a norma da al. b) do nº 1 do art.º 843º do Código de Processo Civil nem a interpretação que dela se colhe no sentido de que deve prevalecer a segurança jurídica e a confiança do remidor a quem foi entregue o título de transmissão de um imóvel a ele adjudicado e obteve registo predial a seu favor, sobre um pedido de remição caducado, mesmo manifestamente extemporâneo.
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V.
Pelo exposto, acorda-se nesta relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso a cargo da recorrente.
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Porto, 17 de março de 2016
Filipe Caroço
Pedro Martins
Pedro Lima Costa (vencido nos termos que constam no voto que se segue)
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[1] Vd. Cardona Ferreira, Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra, 4ª edição, p.s 54, 103 e 113 e seg.s)
[2] Fez também notar que tão curto prazo se justifica pela ponderação da salvaguarda dos interesses da família do executado, por um lado, e das legítimas expectativas na validade e eficácia do negócio que o adquirente celebra, por outro.
[3] Acórdãos da Relação de Coimbra de 20.1.2009, proc. 877/2002.C1, de 14.7.2014, proc. 2741/11.8TBPBL-I.C1 e de 17.12.2014, proc. 306/05.2TBPCV-F.C1, in www.dgsi.pt.
[4] Processo de Execução, vol.2º, pág. 477.
[5] Cf. citado acórdão da Relação de Coimbra de 20.1.2009, referindo Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, 2005, pág. 368, Anselmo de Castro, Acção Executiva singular, comum e especial, 3.ª ed., 1977, pág. 226, Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol.3º, pág. 624; acórdão da Relação do Porto de 23.6.2015, proc. 4666/11.8TBMAI-AA.P1 e acórdão da Relação de Guimarães de 29.11.2011, proc. 4595/10.2TBBRG.G1, in www.dgsi.pt.
[6] Acórdão da Relação de Guimarães de 27.1.2011, proc. 414-F/1997.G1, in www.dgsi.pt.
[7] Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 609, citado no dito acórdão da Relação de Coimbra de 2009.
[8] Aprovado pelo Decreto-lei nº 44 129, de 28 de dezembro.
[9] Curso de Processo de Execução, 2005, pág. 368. No mesmo sentido Lopes do Rego, Comentários do Código de Processo Civil, pág. 609, referindo-se à necessidade de tutelar os legítimos interesses do adquirente de boa fé. Ainda nesse sentido, acórdão da Relação de Guimarães de 11.1.2011, proc. 369/05.0TBFLG-D.G1, in www.dgsi.pt.
[10] Proc. n.º 1461/04-1, in www.dgsi.pt.
[11] Cf. citado acórdão da Relação do Porto de 23.6.2015, referenciando outros acórdão.
[12] A Acção Executiva… 5ª edição, Coimbra Editora, pág. 333.
[13] Introduzida pelo Decreto-lei nº 38/2003, de 8 de março.
[14] In www.dgsi.pt.
[15] Proc. 6838/08-2, in www.dgsi.pt.
[16] Acórdãos da Relação de Lisboa de 27.6.1991, proc. 0027686, de 4.7.1996, proc. 0003042; da Relação do Porto de 7.10.1997, proc. 9720747, in www.dgsi.pt.
[17] Proc. 0025261, in www.dgsi.pt.
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VOTO VENCIDO:
Assegurada a homologação prévia do projecto de acórdão, teria notificado a apelante I… para depositar à ordem da agente de execução as quantias de 223.000€ e 1.784€ e para demonstrar que pagou Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, a incidir sobre o valor tributário de 223.000€, com fundamento nos arts. 839 nº 2 e 621 do Código de Processo Civil (CPC).
Feito tal depósito e documentada essa obrigação fiscal, teria decidido nos seguintes termos, os quais, em obediência à obrigação de concisão prevista no art. 663 nº 1 do CPC, têm a sintetização que se me afigura possível.
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Na condição de mãe do executado D…, a apelante é titular do direito de remição, conforme previsão do art. 842 do novo CPC (cfr. nº 1 do art. 6 da Lei 41/2013, de 26/6).
Como referirei melhor adiante, a adjudicação do prédio em causa ao credor hipotecário Sucursal em Portugal do F…, insere-se numa fase de venda por negociação particular, negociação particular essa que foi determinada pela circunstância de a venda por propostas em carta fechada ter ficado deserta, conferindo-se tanto a possibilidade a potencial interessado de o prédio vir a ser comprado por valor superior a 223.000€, como a possibilidade de convalidação, a prazo, do requerimento de adjudicação ao credor hipotecário pelo preço de 223.000€.
O despacho de 6/3/2014 que ordenou a venda por negociação particular talvez comporte um lapso: bastou a publicitação da venda por propostas em carta fechada e o facto de essa venda ter ficado deserta, para que o requerimento de adjudicação ao credor hipotecário F… devesse ter sido deferido, nos termos do art. 801 nº 3 do CPC. O requerimento de adjudicação de 6/3/2014 do F… foi feito horas antes da diligência da abertura de propostas desse mesmo dia, mas é posterior aos actos de publicitação da venda por propostas em carta fechada, o último dos quais data de 14/2/2014. Mas também se pode admitir o entendimento de que o deferimento do requerimento de adjudicação, ao abrigo daquele art. 801 nº 3, consagraria exercício inválido do direito de adjudicação, na medida em que o preço proposto de 223.000€ estava abaixo do preço mínimo que valeria na venda por propostas em carta fechada, 267.750€, tendo de se conferir oportunidade a potenciais compradores, estranhos ao processo, de poderem comprar por valor superior a 223.000€, assim se legitimando a abertura de fase de venda por negociação particular. Ainda se pode admitir o entendimento que o deferimento do requerimento de adjudicação ao abrigo do dito art. 801 nº 3 só se poderia verificar se esse requerimento tivesse tido a publicidade prévia prevista no art. 800 nº 1 do CPC, o que comprovadamente não aconteceu.
Seja como for, o despacho de 6/3/2014 (adiante transcrito) não foi impugnado pelo requerente da adjudicação e consolidou-se nos autos como instrumento de abertura de fase de venda por negociação particular.
O despacho apelado, de 13/7/2015, tem muito mérito, mas afigura-se-me que não interpretou devidamente a norma da al. b) do nº 1 do art. 843 do CPC, especialmente no confronto com a norma da anterior al. a), sendo, a meu ver, o título referido no trecho final daquela al. b) um título de entrega, em sentido próprio, e não um título que documente a venda.
O art. 843 nº 1 do CPC tem a seguinte redacção: 1- O direito de remição pode ser exercido: a) No caso de venda por propostas em carta fechada, até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do nº 3 do art. 825; b) Nas outras modalidades de venda, até ao momento da entrega dos bens ou da assinatura do título que a documenta.
Discute-se se este trecho final “título que a documenta” se reporta à entrega do bem ao comprador, preferente ou adjudicatário, ou se é um título que documenta a própria venda (a expressão “adjudicatário” ora empregue prende-se com o exercício do direito de adjudicação previsto nos arts. 799 a 802 do CPC, valendo apenas para o exequente ou para o credor com garantia sobre o imóvel).
Afinando essa alternativa, a interrogação é a seguinte: o título aí referido é o título de transmissão – do direito de propriedade – caracterizado no art. 827 nº 1 do CPC ou é título de entrega – do próprio bem – caracterizado nas disposições conjugadas dos arts. 828 e 861 nº 3 do CPC?
Na destrinça entre as transcritas als. a) e b) entendo como crucial referir o seguinte:
- na al. a) menciona-se “título da transmissão”, ao passo que na al. b) se alude a “entrega de bens”;
- a divisão entre modalidades de venda – venda por propostas em carta fechada, no caso da al. a), e todas as outras modalidades de venda [referidas nas als. b) a g) do nº 1 do art. 811 do CPC] no caso da al. b) – para efeitos de tempestividade do exercício do direito de remição só pode significar que o legislador quis estabelecer diferença entre essas modalidades quanto àquele exercício, não se podendo interpretar a al. b) por forma a que o direito de remição só possa ser exercido até ao momento referido na al. a), ou seja até à emissão do título da transmissão;
- se o título referido na parte final da al. b) fosse um título que documentasse a venda, esse título não seria outro que não fosse o título da transmissão na precisa acepção do art. 827 nº 1 do CPC, não sendo necessária a norma da al. b), podendo suprimir-se na al. a) o trecho “no caso de venda por propostas em carta fechada” e passando a redacção do art. 843 nº 1 do CPC a poder ser apenas “1- O direito de remição pode ser exercido até à emissão do título da transmissão dos bens para o proponente ou no prazo e nos termos do nº 3 do art. 825”.
O art. 828 do CPC disciplina a efectivação da entrega do bem vendido ao adquirente, na situação em que esse adquirente já está munido de título de transmissão.
Embora no art. 827 do CPC refira que os bens vendidos são “entregues”, a norma do subsequente art. 828, ao aludir ao procedimento de entrega para o preciso adquirente já munido com título de transmissão, revela que o adquirente tem direito à emissão do título de transmissão mesmo no caso em que o bem ainda não lhe tenha sido entregue – como aconteceu no caso dos autos.
Tais arts. 827 e 828 retratam a diferença entre transmissão do direito de propriedade, a qual opera ipso jure com a emissão do título de transmissão, e a efectiva entrega do bem àquele que assim é reconhecido como dono.
O art. 828 do CPC remete para o art. 861 do CPC.
O 861 nº 3 do CPC, na execução para entrega de coisa certa que versa a entrega de bem imóvel, obriga o agente de execução a emitir título de entrega do imóvel, seja para atestar que instituiu o exequente na respectiva posse e lhe entregou as chaves e documentos, caso existam, seja para documentar que notificou o executado, o arrendatário e qualquer detentor para que respeitem e reconheçam o direito do exequente.
O art. 811 nº 2 do CPC – uma norma remissiva que regula alguns dos procedimentos da venda por negociação particular – remete para o dito art. 828 e torna incontroverso que na venda por negociação particular tem de existir um título de entrega, se estiver em causa um imóvel que não foi voluntariamente entregue.
Na venda por negociação particular, com óbvio realce para os móveis sujeitos a registo e imóveis, tem de existir título de transmissão dos bens, subscrito pelo agente de execução, seja ou não ele o encarregado da venda por negociação particular.
Com efeito, na venda por negociação particular de móveis sujeitos a registo e imóveis o agente de execução está obrigado a comunicar a venda ao serviço de registo e para tanto tem de emitir previamente o título de transmissão, conforme art. 827 nº 2 do CPC.
O “instrumento da venda” a que alude a parte final do art. 833 nº 4 do CPC, para o caso de venda por negociação particular, não é outro que não seja o título de transmissão, tal como vem referido no art. 827 nº 1 do CPC.
Para a modalidade de venda por negociação particular, o art. 811 nº 2 do CPC limita-se a remeter para o nº 2 do art. 827 do CPC, mas não é por a venda ter sido por negociação particular que o comprador, adjudicatário ou preferente não pode obter do agente de execução um título da transmissão dos bens.
Ou seja, como na venda por negociação particular o agente de execução está tão obrigado a promover o registo como na venda por propostas em carta fechada e como para esse efeito tem de emitir previamente o título da transmissão dos bens, resta concluir que a remessa feita no art. 811 nº 2 para o nº 2 do art. 827 do CPC se deve entender como também sendo feita para o nº 1 desse art. 827.
Assim sendo, na venda por negociação particular que verse imóveis podem existir dois tipos de títulos: título de transmissão e título de entrega.
O citado art. 828 – que já conclui ser vigente na venda por negociação particular – realça essa duplicidade de títulos, uma vez que faz depender a existência do título de entrega de imóvel da existência de um prévio título de transmissão.
Na situação prevista na al. b) do nº 1 do art. 843 do CPC, para aquele que adquiriu numa fase de venda por negociação particular o mais natural é que já tenha título de transmissão, particularmente no caso de se tratar de imóvel ou móvel sujeito a registo.
O caso dos autos é o paradigma dessa asserção, sendo o F… dono do prédio desde 21/7/2014, com preciso apoio no título de transmissão dessa data, não podendo a agente de execução recusar a emissão do título de transmissão porque o prédio ainda não tinha sido entregue ao F….
Resulta do que vai dito, a meu ver, que a expressão “título que a documenta”, constante na transcrita al. b), se reporta a título que documenta a entrega e não a título que documente a venda, assim se respondendo à questão supra mencionada.
José Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva Depois da Reforma da Reforma”, 5ª edição reimpressa em Fevereiro de 2011, refere a fls. 333 que “o exercício do direito de remição só pode ter lugar num prazo apertado, que varia consoante a modalidade da venda e a formalização (ou não) desta por escrito: - até à emissão do título de transmissão […] quando a venda se faz por propostas em carta fechada ([…] a)); - até à assinatura do título de venda, se o houver, ou à entrega do bem, na falta de forma escrita, nas outras modalidades de venda ([…] b))”. Numa nota subsequente de rodapé, Lebre de Freitas explica que na venda por negociação particular deverá existir pelo menos um documento particular, nos casos em que não seja obrigatória escritura pública ou outro tipo de documento escrito, mas acaba por não sustentar quais os casos de venda distinta da modalidade de propostas em carta fechada em que não existirá título que documente a venda.
O entendimento que retiro dessa obra de Lebre de Freitas não serve para sustentar que o título referido na parte final da al. b) do nº 1 do art. 843 do CPC seja um título que documente a venda.
Para os efeitos da mesma al. b) não releva o título de transmissão – o qual provavelmente já existe nos casos de imóvel ou móvel sujeito a registo – e sim a entrega do bem ao adquirente, ou a assinatura do título que documenta a entrega do bem ao adquirente.
Não perco de vista que o exercício do direito de remição com a amplitude temporal apenas dependente da entrega do bem ao adquirente atenta contra a segurança do comércio jurídico.
Ou seja, não devia ser pela circunstância de o prédio ainda não ter sido entregue ao F… que, passados mais de 8 meses desde a aquisição do direito de propriedade sobre o prédio (de 21/7/2014 a 6/4/2015), esse F… possa estar sujeito a aquisição potestativa do prédio, só porque a adquirente é mãe de um dos executados e só porque o exercício do direito de adjudicação se inseriu num contexto de venda por negociação particular.
Sucede que a destrinça entre a previsão das transcritas als. a) e b) se encontra nos primórdios do CPC de 1961, prevendo-se então a venda judicial e a venda extrajudicial. Sem que se devam esmiuçar neste voto de vencido as diferenças entre essas modalidades básicas de venda, a verdade é que nos primórdios do CPC de 1961 a posição do adquirente era muito menos garantida na venda extrajudicial por negociação particular do que na venda judicial, a qual se resumia às propostas em carta fechada ou à licitação pública, realizadas no tribunal sob a presidência do juiz.
O Decreto-Lei 329-A/95, de 12/12, agravou o desfavor perante o remidor daquele que tinha comprado por via extrajudicial em negociação particular, ao suprimir no art. 913 nº 1 al. b) do CPC o prazo de 10 dias em que o remidor poderia exercer o seu direito (esse prazo contava-se desde o momento em que o remidor soubesse da venda).
Se o legislador de 1961 (Decreto-Lei 44.129 de 28/12/1961) desconfiava e desfavorecia a venda por negociação particular, a reforma introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95 agravou seriamente a condição daquele que tinha comprado por negociação particular (ou por qualquer outro modo extrajudicial), passando a sujeitá-lo indefinidamente à aquisição potestativa por remição só porque o bem não tinha sido entregue àquele comprador.
A actual separação das situações previstas nas transcritas als. a) e b) não se prende com a forma escrita ou não escrita da venda, como refere Lebre de Freitas na citação transcrita, mas sim com um entendimento legislativo que desvalorizava a segurança jurídica da venda extrajudicial e com a desprotecção do comprador perante o remidor a agravar-se sensivelmente após a alteração ao art. 913 do CPC introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95, isto para o caso de o bem ainda não ter sido entregue ao comprador.
Terminaram os conceitos de venda judicial e venda extrajudicial, mas o dito entendimento legislativo antigo, a meu ver, não deixou de ser operante, continuando a não ser possível interpretar a totalidade do nº 1 do art. 843 do CPC, dividido como está em duas alíneas, por forma a que o exercício do direito de remição, independentemente da modalidade de venda, só se possa exercer até à emissão/assinatura do título de transmissão.
Concluo que na venda por negociação particular de um imóvel o direito de remição pode ser exercido até ao momento em que o agente de execução entregue o imóvel ao comprador ou adjudicatário, ou até ao momento em que o agente de execução assine o título de entrega desse imóvel ao comprador ou adjudicatário.
Como não ocorreu entrega do imóvel ao adjudicatário F…, ainda menos existindo título que documente a entrega a esse adjudicatário, entendo que a apelante se encontrava em 6/4/2015, como hoje, em tempo para exercer o direito de remição.
O art. 843 nº 2 do CPC aplica-se à venda por proposta em carta fechada e não à venda por negociação particular. O correspondente trecho “devendo o preço ser integralmente depositado quando o direito de remição seja exercido depois desse momento” apenas vale para momento posterior ao momento de abertura e aceitação de uma das propostas em carta fechada, integrando-se sempre numa diligência de venda por proposta em carta fechada. O acréscimo de 5% a cargo do remidor, aí previsto, reporta-se à situação em que o proponente, cuja proposta tinha sido aceite, já tinha depositado a integralidade do preço, mas, como se disse, é um acréscimo que só está previsto para a venda por propostas em carta fechada, não para a venda por negociação particular ou para qualquer outra modalidade de venda (não perco de vista que o art. 811 nº 2 do CPC não tem remissão para os arts. 824 e 825).
Chegado aqui, importa adensar o entendimento de que a consumação do exercício do direito de adjudicação ocorreu na fase de venda por negociação particular e especificar alguns detalhes quanto à eficácia de actos, omissões ou incorrecções na relação que possam ter com a remidora, ora apelante.
O CPC não obriga à notificação dos titulares do direito de remição, ao contrário da previsão do art. 819 do CPC para alguns dos titulares de direito de preferência (o art. 811 nº 2 do CPC tem remissão para esse art. 819).
Mas entendo que isso não se deve a um qualquer ónus de informação que incumba ao executado em relação aos seus familiares que sejam titulares daquele direito.
O direito de remição é um modo de aquisição potestativa, operando a transferência do direito de propriedade para o próprio remidor, não para o executado que é familiar do remidor: podendo parecer uma evidência, este detalhe não é esclarecido nos autos.
Ao contrário do que é afirmado na sétima página das contra-alegações, nem o legislador presume que o executado dará conta do sucedido no processo de execução aos seus familiares que sejam titulares do direito de remição, nem o executado tem o ónus de inteirar esses familiares das circunstâncias que interessam ao exercício da remição.
Com efeito, não é líquido que o efeito de transmissão do direito de propriedade para o remidor seja conforme com os interesses do executado, o qual, por vezes, preferirá que a propriedade do bem transite para um terceiro que não seja seu familiar, ou até que transite para o exequente.
A meu ver, a larga indefinição sobre interesses plausíveis do executado na matéria de remição não sustenta juízos de presunção.
É verdade que a vulgar comunhão de interesses entre o executado e o seu familiar que exerce a aquisição potestativa é a razão que preside ao instituto da remição, mas nem se pode presumir essa comunhão de interesses, nem se pode afirmar que ela ocorrerá sistematicamente. No caso em apreço, a apelante tanto pode preservar o imóvel para habitação do executado que é seu filho – e até para que ele o venha a herdar por morte dela –, como o pode expulsar desse imóvel, invocando tão só ser dona dele, o que basta para atestar o carácter imprevisível dos resultados a que leva a remição.
O facto de não se poder afirmar com segurança a comunhão de interesses entre o executado e a sua mãe, a qual por via da remição ficará dona daquela que é a casa de habitação do executado e da família deste, podendo a remidora vir a comportar-se perante esse executado como se comportaria um comprador neutro ou um adjudicatário – exequente ou credor com garantia sobre a casa –, basta para afastar a ponderação do assunto à luz da Constituição, não se tendo de sopesar direitos e princípios com acolhimento constitucional.
O resultado da inexistência tanto do ónus, como da presunção, de informação pelo executado aos seus familiares titulares do direito de remição tem, a meu ver, as seguintes consequências:
- a apelante não se pode prevalecer de qualquer omissão ou irregularidade quanto às notificações processuais que fossem legalmente devidas aos executados que são seus filho e nora;
- não iria apurar o que a apelante soube ou não soube por via dos executados que são seus filho e nora quanto às circunstâncias que interessam ao exercício da remição;
- o conhecimento ou não conhecimento pela apelante/potencial remidora das circunstâncias que interessam ao exercício da remição aferem-se pelos actos do processo que têm eficácia externa, eficácia essa que abrange qualquer potencial comprador que não fosse titular do direito de remição e que fosse alheio ao prédio, alheio aos executados, alheio ao exequente B… e alheio ao credor hipotecário F…;
- salvaguardo da asserção que antecede o conhecimento que a apelante afirmou ter tido da comunicação ao executado seu filho datada de 12/12/2014, mas mesmo esse conhecimento não prejudica o direito de remição, o qual, como já afirmei, pode ser exercido até à entrega do prédio ao F… ou à assinatura do título que documente essa entrega, tudo sem que perca de vista que à luz da segurança do comércio jurídico também o lapso de tempo, na ordem dos 4 meses, que decorre entre a carta de 12/12/2014 e o requerimento de remição de 6/4/2015 foi excessivo e claramente nocivo.
A apelante invoca que não teve oportunidade para o exercício do direito de remição.
Isso coloca a questão de não poder correr um qualquer prazo para exercício do direito de remição enquanto a apelante não tivesse oportunidade válida para tanto, sendo questão que se encontra a montante da previsão de caducidade do art. 843 nº 1 do CPC.
A minha resposta a essa questão é a de que já antes de 6/4/2015 a apelante tinha tido a oportunidade válida de exercer o direito de remição, a qual se começou a verificar quando foi conhecida a carta datada de 12/12/2014: a apelante apenas alega que “só agora” teve conhecimento das circunstâncias pertinentes para a remição, aferindo esse momento temporal pelo dia 6/4/2015, mas sempre depois da recepção da carta datada de 12/12/2014 (cfr. art. 19 do requerimento de 6/4/2015).
Não desvalorizando a dificuldade em reunir 234.150€, entendo que a apelante já bem antes de 6/4/2015 poderia ter requerido o exercício do direito de remição, o que a coloca sob a alçada do instrumento de caducidade do direito prevista no art. 843 nº 1 do CPC (sem que deixe de reafirmar que acaba por estar em tempo nesse exercício, pela única razão de não se ter verificado a entrega do prédio ao F…, muito menos se tendo verificado a assinatura de título que documente a entrega).
Recuando aos primórdios da venda.
O primeiro acto processual com eficácia externa para que a apelante pudesse vir a exercer o direito de remição – abstraindo, como referi, de tudo o que pudesse ser omissão ou irregularidade de notificações processuais devidas aos executados que são seus filho e nora e abstraindo daquilo que a apelante soube ou não soube por via desses executados – consistiu na publicidade para venda do imóvel por abertura de propostas em carta fechada, abertura essa designada para 6/3/2014.
O anúncio e edital de venda, aquele de 5/2/2014 e este afixado em 14/2/2014, definem como proposta mínima de preço o montante de 267.750€ – 85% do valor base de 315.000€, conforme art. 816 nº 2 do CPC.
A apelante poderia não querer exercer o direito de remição pelo valor mínimo de 267.750€, por o entender excessivo, como qualquer potencial comprador – ciente do anúncio de venda, mas alheio ao prédio, alheio aos executados, alheio ao exequente B… e alheio ao credor hipotecário F… – poderia não querer.
Basta essa circunstância para a apelante ficar dispensada de comparecer no acto de abertura de propostas de 6/3/2014.
Por não ter de estar presente na diligência de 6/3/2014, a apelante nem se tinha de inteirar que a venda tinha ficado deserta, nem se tinha de inteirar que nesse mesmo dia, horas antes, o credor hipotecário F… tinha formulado o requerimento para que o prédio lhe fosse adjudicado pelo preço de 223.000€, com dispensa do correspondente depósito.
No acto de abertura de propostas de 6/3/2014 foi proferido o seguinte despacho: “Face à inexistência de proposta e tendo em conta que a adjudicação requerida não cumpre o valor mínimo de venda, deverá a agente de execução prosseguir para a realização de venda por negociação particular, nos termos do n° 2 do art. 822, da al. d) do art. 832 e do art. 833, todos do Código de Processo Civil, sem prejuízo de findos 30 dias sem que nenhuma proposta seja apresentada, remeter os autos para apreciação da adjudicação requerida pelo credor reclamante”.
Este despacho tem uma ilação discreta: suprime o valor base para o prédio e com isso faculta a posterior convalidação da proposta do credor hipotecário F… pelo preço de 223.000€, o qual é inferior ao preço mínimo de 267.750€. Veja-se que o art. 799 nº 3 do CPC obrigava o credor hipotecário a indicar no requerimento para adjudicação o preço mínimo de 267.750€, sendo por isso que a adjudicação não lhe foi logo deferida no acto de 6/3/2014 (e talvez tenha sido por isso que não se avançou para o deferimento da adjudicação ao abrigo do já referido art. 801 nº 3, nem ao abrigo do nº 1 do mesmo art. 801, norma esta a que voltarei).
A supressão do valor base no âmbito da venda por negociação particular é um efeito consentido pela ausência de remissão do art. 811 nº 2 do CPC para o art. 812 nº 2 al. b) do CPC.
Mas também é o despacho de 6/3/2014 quem insere a eventual convalidação da proposta do F… no contexto de venda por negociação particular, com o efeito decisivo de a caducidade do direito de remição deixar de ser aferida pela al. a) do nº 1 do art. 843 do CPC para passar a ser aferida pela subsequente al. b).
Concretizando: só se não surgisse um comprador a propor mais de 223.000€, comprador esse angariado no âmbito da venda por negociação particular – que correria durante 30 dias –, é que se poderia convalidar a proposta de adjudicação ao F… pelo preço de 223.000€. O exercício do direito de adjudicação foi colocado como contraponto à inexistência de interessado que se dispusesse a pagar mais de 223.000€ no âmbito da venda por negociação particular.
Esse efeito de potencial convalidação a prazo para um preço de 223.000€ não tem eficácia extra processual oponível à apelante, como não teria para um potencial comprador alheio ao prédio, alheio aos executados, alheio ao exequente B… e alheio ao credor hipotecário F….
Ora, a apelante, tanto no dia 6/3/2014, como nos 30 dias que se lhe sucederam, poderia querer exercer o direito de remição se soubesse que o poderia consumar com o pagamento de 223.000€: aquilo que poderia não aceitar pelo valor mínimo de 267.750€ poderia ser aquilo que consumaria com o valor de 223.000€.
Se a apelante não sabia da faculdade de aquisição potestativa por 223.000€, sem saber continuou nos 30 dias que se sucederam a 6/3/2014, uma vez que não consta nos autos que a agente de execução a tenha contactado, no âmbito da venda por negociação particular, a propor-lhe a compra do prédio.
O segundo acto processual com eficácia externa para que a apelante pudesse vir a exercer o direito de remição – abstraindo de tudo o que pudesse ser omissão ou irregularidade de notificações processuais devidas aos executados que são seus filho e nora e abstraindo daquilo que a apelante soube ou não soube por via desses executados – consistiu na publicidade para venda do imóvel por abertura de propostas em carta fechada, abertura essa agora designada para 8/7/2014.
Esse acto deveu-se a lapso do tribunal, aparentemente porque no despacho de 25/6/2014 a Meritíssima Juíza supôs que o expediente que constituiu a folha 58 dos autos principais se destinava a esses mesmos autos, quando efectivamente se destinava a um outro processo.
Sucede que esse lapso se converteu em acto processual com eficácia externa, quando, no dia 27/6/2014, a agente de execução publicou a realização da venda do prédio por propostas em carta fechada, com abertura em 8/7/2014.
Mais uma vez, a venda foi anunciada para que vigorasse o preço mínimo de 267.750€.
O anúncio menciona que “existe proposta de aquisição apresentada pelo credor reclamante pelo preço de 223.000€”.
A apelante poderia continuar a não querer exercer o direito de remição pelo valor mínimo de 267.750€, por o entender excessivo, como qualquer potencial comprador – ciente do anúncio de venda, mas alheio ao prédio, alheio aos executados, alheio ao exequente B… e alheio ao credor hipotecário F… – poderia não querer.
Basta essa circunstância para a apelante ficar dispensada de comparecer no acto de abertura de propostas de 8/7/2014, o qual, em todo o caso, não se realizou porque no dia 30/6/2014 se constatou o lapso cometido no despacho de 25/6/2014.
A menção do anúncio de 27/6/2014 “existe proposta de aquisição apresentada pelo credor reclamante pelo preço de 223.000€” não é suficiente para elucidar a apelante de que poderia consumar a aquisição potestativa com a verba de 223.000€, seja porque não se indica que a proposta de 223.000€ foi feita ao abrigo do direito de adjudicação, seja porque a apelante não tem modo de saber através do anúncio que o dito “credor reclamante” tem específica garantia hipotecária (com crédito já reconhecido e graduado), além da evidência de o anúncio não identificar tal credor.
A menção transcrita não cumpre a exigência de publicidade do art. 800 nº 1 do CPC.
O art. 800 do CPC reporta-se à situação em que o requerimento de adjudicação não só antecede o despacho que ordena a venda por propostas em carta fechada como é, necessariamente, anterior à publicidade da venda por propostas em carta fechada, sendo esta última a situação prevista no citado art. 801 nº 3, para a eventualidade de essa diligência vir a ficar deserta.
A situação do art. 801 nº 1 do CPC determinaria o deferimento imediato do requerimento de adjudicação, logo em 6/3/2014 – na medida em que não surgiu qualquer proposta de compra –, mas desde que o preço proposto nesse requerimento fosse igual ou superior a 267.750€. Ora, sendo o preço oferecido só de 223.000€, foi correcta a não adjudicação ao abrigo do referido art. 801 nº 1.
Acrescento, quanto à não aplicação desse art. 801 nº 1, que não tinha sido publicitado o requerimento de adjudicação, nos termos impostos pelo dito art. 800 nº 1, sendo indispensável a publicidade do requerimento de adjudicação para que fosse possível aceitar imediatamente o correspondente preço e a própria adjudicação.
Numa articulação complexa – mas indispensável para dirimir o assunto dos autos –, concluo que as normas dos arts. 800 e 801 nº 1 do CPC não seriam impedimento à abertura da fase de venda por negociação particular, já tendo afirmado que o F… permitiu a consolidação do despacho de 6/3/2014 na parte em que não deferiu o requerimento de adjudicação à luz do nº 1 e do nº 3 do mesmo art. 801.
O despacho de 6/3/2014 foi correcto ao ordenar a venda por negociação particular: é correcto o entendimento de que o n° 2 do art. 822 do CPC, aí mencionado, ao aludir à “falta de proponentes”, não inclui no conceito de “proponentes” o exequente ou o credor hipotecário que já tinham deduzido requerimento de adjudicação. O mesmo se diga quanto à al. d) do art. 832 do CPC, também aí mencionada, no trecho “falta de proponentes”.
No despacho de 30/6/2014 não só se deferiu, como se convalidou, o requerimento de 6/3/2014 do credor hipotecário F… para que o prédio lhe fosse adjudicado pelo preço de 223.000€, dispensando-o do correspondente depósito.
No dia 21/7/2014 a agente de execução emitiu o título de transmissão do direito de propriedade do prédio para o F…, com o registo predial dessa aquisição feito em 24/7/2014.
Mas ficou por realizar a própria entrega do prédio ao dono F…, sendo essa não entrega a circunstância que, a meu ver, faculta o exercício do direito de remição pela mãe de um dos executados, tanto em 6/4/2015, como ainda hoje, nos termos da al. b) do nº 1 do art. 843 do CPC.
Está-se no âmbito do deferimento do exercício do direito de remição, o qual se impõe como substituição pela remidora ao adjudicatário F…. Não se põe a questão de a adjudicação não poder ficar sem efeito por não estar em causa nenhuma das situações tipificadas no nº 1 do art. 839 do CPC.
A regularização da situação em causa é prevista no nº 2 do mesmo art. 839, não no supra referido nº 2 do art. 843 do CPC.
Nessa decorrência, a apelante só tem de pagar ao F…, através da agente de execução, os 223.000€ do preço por este proposto, bem como as despesas que o mesmo F… teve com a consumação da adjudicação, documentadas nos autos como 1.784€ a título de Imposto do Selo (cfr. art. 827 nº 1 do CPC). O F… não pagou Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.
A meu ver, a aquisição do imóvel pela remidora ora apelante teria o respectivo registo predial promovido pelo tribunal, mas só quando os autos regressassem à primeira instância, seja porque o requerimento de remição faz presumir o pedido de cancelamento do registo predial de 24/7/2014 – prédio 4181 da freguesia de … da Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira –, conforme art. 8 do Código do Registo Predial, seja porque o art. 8-B nº 3 al. a) do mesmo código incumbe o tribunal da promoção do registo predial de aquisição a favor da remidora, o qual se efectuaria a partir do décimo dia que se sucedesse ao trânsito em julgado da decisão que entendo como correcta, conforme arts. 8-C nº 3, 2 nº 1 al. a), 3 nº 1 al. c) e 53-A do Código do Registo Predial.
A meu ver, o valor para efeito de custas judiciais corresponderia à soma de 223.000€ com 1.784€ (224.784€), não valendo para tanto o montante de 54.677,04€ da quantia exequenda.
Formularia o seguinte sumário:
1- Nos termos do art. 843 nº 1 al. b) do CPC, na venda por negociação particular de um imóvel o direito de remição a favor de familiar do executado pode ser exercido até ao momento em que o agente de execução entregue o imóvel ao comprador ou adjudicatário, ou até ao momento em que o agente de execução assine o título de entrega desse imóvel ao comprador ou adjudicatário.
2- O trecho “título que a documenta”, constante na transcrita al. b), reporta-se à entrega do imóvel e não à venda.
3- A expressão “adjudicatário” prende-se com o beneficiário do exercício do direito de adjudicação previsto nos arts. 799 a 802 do CPC, valendo apenas para o exequente ou para o credor com garantia sobre o imóvel.
Julgaria a apelação procedente, revogando o despacho de 13/7/2015 e instituindo a apelante I… como proprietária do prédio 4181 da freguesia de … da Conservatória do Registo Predial de São João da Madeira, assim deferindo o requerimento de exercício do direito de remição.
Determinaria que após o trânsito em julgado da decisão, a agente de execução entregaria à Sucursal em Portugal do F…, a quantia de 223.000€ e a quantia de 1.784€.
Determinaria que seria o tribunal a realizar o registo predial de aquisição a favor da remidora, quando os autos regressassem ao tribunal de primeira instância.
Condenaria a Sucursal em Portugal do F…, a pagar custas com base no valor tributário de 224.784€.

Pedro Lima Costa