Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
129/14.8GAVLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
DEVERES
REGRAS DE CONDUTA
EXIGIBILIDADE
Nº do Documento: RP20150701129/14.8GAVLC.P1
Data do Acordão: 07/01/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A imposição de deveres e regras de conduta, condicionantes da pena suspensa, constitui um poder/ dever, sendo quanto aos deveres condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime e quanto às regras de conduta vinculado à necessidade de afastar o arguido da prática de futuros crimes.
II – A exigibilidade de tais deveres e regras deve ser apreciada tendo em conta a sua adequação e proporcionalidade em relação com o fim preventivo visado.
III - A regra de conduta consistente no não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de caracter contraordenacional, pela sua extensão e implicação no direito de deambulação do arguido, é utópica, desproporcionada e desadequada face aos fins preventivos de reintegração do agente e sua socialização e de protecção dos bens jurídicos que implica o afastamento do arguido da prática de crimes.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal 129/14.8GAVLC.P1
Vale de Cambra.

Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação do Porto
2ª Secção criminal.

I – Relatório.
No processo comum singular n.º 129/14.8GAVLC da secção de competência genérica, da Instância Local de Vale de Cambra, juiz 1, foi julgado o arguido B…, melhor identificado a fls. 129.
A sentença datada de 22 de Janeiro de 2015, depositada no mesmo dia, tem o seguinte dispositivo:
«Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
Condenar B… pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punível pelo artigo 353.º do Código Penal na pena de 6 (seis) meses de prisão;
Condenar B… pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291.º (por manifesto lapso escreveu-se 292º) n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;
Em cúmulo jurídico, aplicar ao Arguido a pena única de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
Suspender a execução da pena de prisão concretamente aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, sujeitando-a ao cumprimento das seguintes regras de conduta:
- a frequência, pelo Arguido, de programa atinente a condução segura e prevenção de sinistralidade rodoviária;
- ao não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de carácter contra-ordenacional.
Vai ainda condenado no pagamento das custas processuais, fixando-se em 2 UC a taxa de justiça devida.»
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Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«1ª O arguido B… condenado pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto e punível pelo artigo 353º do Código Penal na pena de 6 meses de prisão e pela prática da condução perigosa de um veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 292º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de um ano e seis meses de prisão. Em cúmulo jurídico decidiu o tribunal recorrido o tribunal recorrido aplicar ao arguido a pena única de um ano e nove meses de prisão, sujeitando-o às seguintes regras de conduta: a frequência pelo arguido, de programa atinente à condução segura e prevenção de sinistralidade rodoviária; e ao não cometimento de quaisquer infracção rodoviária, nomeadamente de carácter contra-ordenacional.
2ª O recorrente entende que deveria ter sido fixada ao arguido uma pena de multa, embora com valores próximos do máximo legalmente admissíveis. O artigo 70º do CP estabelece com clareza uma preferência pelas penas não detentivas, referindo expressamente que o julgador dê preferência às segunda sempre que esta realize de forma adequada e suficiente às finalidades de punição. A discordância em relação à douta decisão recorrida reporta-se à interpretação que foi dada ao artigo 70º, 292º nº 1, 353º e 52º todos do CP, na determinação da pena e da imposição de regras de conduta.
3ª Pelo com o devido respeito pela douta decisão recorrida a opção pela pena privativa da liberdade mostra-se desadequada e desproporcionada, tendo em conta as necessidades de prevenção geral e especial, atendendo que estamos em face de ilícitos inseridos no âmbito da pequena criminalidade e que da conduta do arguido não resultou qualquer acidente de viação. E dos factos dados como provados consta que o arguido encontra-se bem integrado no plano familiar e social.
4ª Mas ainda que o tribunal optasse por uma pena privativa da liberdade deveria ter fixado ao arguido uma pena próxima do mínimo legal, tanto mais que não resultou qualquer acidente ou danos para terceiros da conduta ilícita do arguido. Acresce ainda que o arguido tem uma modesta condição social e aparentemente estará bem integrado no plano familiar e social. Pena de um ano e 6 meses de prisão pelo crime de condução perigosa de veículo no entendimento do recorrente é manifestamente excessiva e desproporcionada. Com efeito, a moldura penal para este tipo de crime está fixada numa pena até três anos. A pena de seis meses de prisão para o crime de violação de condutas.
5ª Entende o recorrente que seria adequado e proporcional uma pena de oito meses de prisão para o crime de condução perigosa de veículo. E relação ao crime violação e imposição de condutas seria adequado a fixação da pena de 4 meses de prisão. Em face do registo criminal do arguido não podemos concluir que estamos perante uma prática reiterada de factos ilícitos para que este seja punido de forma exemplar.
6ª A suspensão da pena de prisão ao arguido mediante a imposição de condutas de não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de caracter contraordenacional durante o tempo em que vigorar a suspensão é manifestamente excessiva e desproporcionada. Pelo que deve ser revogada.
Em face do supra alegado deve a pena prisão fixada ao arguido na douta sentença recorrida ser revogada e substituída por uma pena de multa
Caso o tribunal de recurso julgue pala manutenção da pena privativa da liberdade, esta deve ser substancialmente reduzida fixando-se ao arguido uma pena de 4 meses pelo crime de violação de imposições, proibições ou interdições previsto e punível pelo artigo 353º do Código Penal e uma pena de oito meses pelo crime de prática da condução perigosa de um veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 292º, n.º 1, alínea b) do Código Penal.
A imposição de condutas ao arguido de não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de caracter contraordenacional deve ser revogada por ser manifestamente excessiva e desproporcional em face dos crimes cometido pelo arguido.»
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O recurso foi admitido por despacho proferido a fls. 152.

O Ministério Público junto do Tribunal a quo veio apresentar a sua resposta constante dos autos a fls. 157 a 161, concluindo em suma: que a sentença recorrida não padece de qualquer vício, nem postergou qualquer normativo, nomeadamente, os artigos 52º, 70º, 292º e 353º, do Código Penal, nem qualquer princípio, em concreto, o da proporcionalidade, devendo ser mantida, na íntegra e nos seus precisos termos.

Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto e conciso parecer onde em suma refere: o arguido foi condenado numa pena de substituição.
Não percebemos o medo do arguido, pois só tem de agir conforme os ditames legais. E, se voltar a delinquir, a sanção não é automática, nos termos da lei.
Concluiu pelo não provimento do recurso.

Cumpriu-se o disposto no art. 417º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não tendo sido oferecida resposta.
Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Fundamentação.
É jurisprudência constante, e pacífica em consonância com o preceituado no art. 412º n.º 1, do Cód. Proc. Penal, que o objecto e âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
1.Questões a decidir:
- Opção pela pena alternativa de multa.
- Medida das penas de prisão.
- Excessividade e desproporção da regra de conduta identificada.
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2. Factualidade assente e não provada e motivação concernente.
«Discutida a causa, resultaram, com relevância para a decisão a proferir, os seguintes:
Factos Provados:
1. B… foi condenado, no âmbito do processo n.º 684/13.0 GAALB do Juízo de Instância Criminal de Albergaria-a-Velha, por sentença transitada em julgado em 07 de Janeiro de 2014, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena acessória de proibição de conduzir quaisquer veículos motorizados pelo período de cinco meses.
2.Foi notificado pessoalmente da sentença e tomou conhecimento de que não poderia conduzir durante o período da inibição, tendo entregado, no dia 19 de Dezembro de 2013, para cumprimento daquela pena, a guia de substituição da carta de condução de que é titular, data em que se iniciou o período de proibição.
3. Porém, no dia 29 de Março de 2014, pelas 23h55m, conduziu o automóvel de marca Ford, modelo …, de cor vermelha e matrícula SJ-..-.. na via pública na rotunda … situada na … em direcção à ….
4. Ao conduzir o referido automóvel nas circunstâncias atrás descritas, quando sabia não o poder fazer por se encontrar proibido de conduzir veículos a motor, agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que desrespeitava uma proibição determinada por sentença criminal, o que quis.
5. No momento referido em 3), B…, como não trazia colocado sobre o seu corpo e fechado no local próprio o cinto de segurança instalado naquele veículo, foi abordado por uma patrulha da GNR que lhe deu ordem de paragem accionando os avisadores luminosos rotativos da viatura policial e com sinais intercalados com as luzes de cruzamento e de estrada.
6. Ao aperceber-se da ordem de paragem, não só não parou, como imprimiu maior velocidade ao veículo que conduzia e deixou de respeitar a sinalização vertical que encontrou no seu percurso, assim colocando em perigo os demais utentes que, nessa noite de fim-de-semana, por ali circulavam.
7. Na verdade, depois de percorrer aquela … virou à esquerda para a Rua ….
8. Na intercepção entre as duas vias acima referidas, encontrava-se colocado em local visível um sinal de cedência de passagem vulgarmente designado como sinal Stop, correspondente ao sinal B2 do artigo 21.º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 01 de Outubro, sinal vertical reforçado pela impressão no asfalto de igual indicação.
9. Não obstante ter visto este sinal, em desobediência ao mesmo, não parou a viatura que conduzia antes de entrar no entroncamento junto ao qual o sinal se encontrava colocado e não cedeu a passagem aos veículos que circulavam na via em que entrou, como sabia ser sua obrigação.
10. No final da Rua …, B… contornou a rotunda e entrou novamente na … que percorreu até à Rotunda … saindo na 3.ª saída dessa rotunda pela ….
11. Ao longo da … e na …, no percurso percorrido, existem locais de passagem de peões.
12. As passadeiras acima referidas atravessam as duas faixas de rodagem encontrando-se devidamente assinaladas com as marcas próprias de cor branca impressas no piso em asfalto, com barras longitudinais paralelas ao eixo da via alternadas por intervalos regulares (marca M11) e completadas por linhas de paragem contínuas apostas imediatamente antes daquelas, no sentido da largura da faixa de rodagem de cada um dos sentidos, indicando o local de paragem obrigatória para o trânsito quando sobre as primeiras circulem peões (marca M8).
13. Para além disso, estavam colocados naquelas vias, do lado direito, em ambos os sentidos de trânsito, imediatamente antes dessas marcas, sinais verticais informando os condutores da localização de uma passagem para peões (sinal H7).
14. A existência destes sinais e marcas era visível para quem circulava naquelas vias, em ambos os sentidos, não existindo qualquer vegetação ou outro obstáculo que impedisse a vista, sendo os peões que circulavam na passadeira e aqueles que dela se aproximavam visíveis por qualquer condutor.
15. Apesar disso, B… não reduziu a velocidade a que circulava na aproximação das passadeiras, locais onde se encontravam peões para atravessar a via, colocando as suas vidas em risco.
16. Na …, o mesmo B… seguiu em frente entrando na … e até à rotunda oval sendo sempre seguido pela viatura policial que seguiu no seu encalço dando ordem de paragem a que aquele não obedeceu, nem permitindo que a viatura que o tentou ultrapassar o fizesse.
17. E, na rotunda oval, local onde se encontrava outra patrulha da GNR em acção de fiscalização de trânsito, com um militar da G.N.R. apeado e devidamente uniformizado, que lhe fez sinal de paragem, prosseguiu a sua marcha conduzindo o veículo pela … na direcção das instalações da empresa AC….
18. Nessa rotunda, B… conduziu pela Rua … e depois virou à esquerda para a Rua …, em …, virou à direita para a Rua … e depois à esquerda para a Rua ….
19. Apesar de ter mudado a direcção em que conduzia, antes de virar o veículo não sinalizou a manobra accionando as luzes sinalizadoras de mudança de direcção vulgarmente denominadas por pisca.
20. Para além disso, na intercepção entre a Rua … e a Rua …, encontra-se colocado em local visível um sinal de cedência de passagem vulgarmente designado como sinal Stop, correspondente ao sinal B2 do artigo 21º do Decreto Regulamentar n.º 22-A/98 de 01 de Outubro, sinal vertical reforçado pela impressão no asfalto de igual indicação.
21. Não obstante ter visto este sinal, aquele, em desobediência ao mesmo, não parou a viatura que conduzia antes de entrar no entroncamento junto ao qual o sinal se encontrava colocado e não cedeu a passagem aos veículos que circulavam na via em que entrou, como sabia ser sua obrigação.
22. Nessa Rua …, aumentou a velocidade a que seguia e virou à esquerda para a Rua …, seguiu em frente, naquela via, junto ao n.º de polícia …, pisando e transpondo a marca longitudinal contínua MI separadora de sentidos de trânsito, e passando, entre o n.º de polícia … e a Rua … a seguir em sentido oposto ao estabelecido e, quando passava em frente ao edifício …, embora não existisse nenhum obstáculo que o impedisse, não desviou o veículo que conduzia o mais possível para a direita de modo a permitir a ultrapassagem.
23. Na Rua …, seguiu em frente em direcção a … e apesar de aí existir curva de visibilidade reduzida, não reduziu a velocidade a que seguia, entre os 50 e os 60 km/hora, tendo entrado por estrada de terra batida, após o que a patrulha da GNR o perdeu de vista pelas 23h59m.
24. Naquela rua … existem dois cafés situados um de cada lado da estrada e perto dos quais se encontravam pessoas e cuja integridade física ficou em perigo com a conduta acima descrita.
25. B… actuou com o propósito consumado de desrespeitar regras que sabia impostas à condução de veículos automóveis, como são a obrigação de parar, a de moderar a velocidade na aproximação de passagens de peões, de mudanças de direcção e de obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, sabendo que, ao actuar da forma acima descrita, colocava em risco, como colocou, a vida e a integridade física dos restantes utentes da via pública, designadamente dos condutores dos veículos que por si se cruzaram e dos peões que pretendiam atravessar a via e que se encontravam na sua berma, bem como dos militares que seguiam atrás de si, o que, mesmo assim, quis.
26. Com esta conduta, colocou igualmente em perigo os veículos que circulavam nas respectivas vias de trânsito, cujo valor, embora não concretamente apurado, era seguramente superior a vários milhares de euros, o que lhe foi indiferente por ser querida a sua conduta.
27. Agiu sempre de forma deliberada, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punível pela lei penal.
Mais se apurou que:
28. B… está desempregado e não aufere quaisquer rendimentos.
29. Vai iniciar actividade laboral no mês de Fevereiro, como metalúrgico.
30. Vive em Portimão, em união de facto, estando a companheira grávida e dois filhos desta.
31. Vivem em casa arrendada, pela qual pagam € 350,00 mensais de renda.
32. Partilham o apartamento com um colega, que paga metade da renda.
33. Vivem com a ajuda de familiares.
34. Tem o 7.º ano de escolaridade.
35. Tem os seguintes antecedentes criminais:
a. Foi condenado, no processo n.º 451/03.9GBOAZ, do 2.° Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 13 de Julho de 2003, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do DL 2/98 de 03/01, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de € 2,50, por sentença transitada em julgado em 29 de Setembro de 2003 - pena esta já declarada extinta pelo cumprimento.
b. Foi condenado, no processo n.º 140/05.0GBOAZ, do 2.° Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 11 de Março de 2005, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punível pelo artigo 3.º do DL 2/98 de 03/01, na pena de 95 dias de multa, à taxa diária de € 4,50, por sentença transitada em julgado em 14 de Julho de 2005 - pena esta já declarada extinta pelo cumprimento.
c. Foi condenado, no processo n.º 201/09.6GBOAZ, do 2.º Juízo Criminal de Oliveira de Azeméis, pela prática, em 13 de Abril de 2009, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º n.º 1 alínea a) e 292.º n.º 1 do Código Penal, nas penas de 110 dias de multa, à taxa diária de € 6,50, e na proibição de condução de veículos a motor pelo período de 5 meses, por sentença transitada em julgado em 09 de Dezembro de 2009 - penas estas já declaradas extintas pelo cumprimento.
d. Foi condenado, no processo n.º 326110.5TBVLC, do 1.° Juízo de Vale de Cambra, pela prática, em 06 de Setembro de 2008, de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291.° do Código Penal, na pena de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na proibição de condução de veículos a motor pelo período de 6 meses, por sentença transitada em julgado em 28 de Outubro de 2010 - penas estas já declaradas extintas pelo cumprimento.
e. Foi condenado, no processo n.º 684/13.0GAALB, do Juízo de Instância Criminal de Albergaria-a-Velha, pela prática, em 04 de Novembro de 2013, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 69.º n.º 1 alínea a) e 292.º n.º 1 do Código Penal, nas penas de 110 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, e na proibição de condução de veículos a motor pelo período de 5 meses, por sentença transitada em julgado em 07 de Janeiro de 2014 - penas estas já declaradas extintas pelo cumprimento.
Factos não provados:
Não se provaram os factos que não se compaginam com a factualidade acima descrita, e bem assim:
A. Que B… conduziu a mais de 60 km/hora.
B. Que está arrependido.
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3. Apreciação do recurso.
3.1.- Impõe-se averiguar se o tribunal a quo fez bom uso do artigo 70º do CP ao optar pela aplicação de penas de prisão em detrimento de penas de multa, nos crimes praticados. E se as penas de prisão aplicadas pelo tribunal a quo se mostram excessivas.

§ 1.Sustenta o recorrente que a opção feita pelo tribunal a quo pela pena privativa de liberdade mostra-se desadequada e desproporcionada, tendo em conta as necessidades de prevenção geral e especial e que o Tribunal devia ter optado pela fixação ao arguido de uma pena de multa, embora com valores próximos do máximo legalmente admissível, essencialmente porque estamos em face de ilícitos inseridos no âmbito da pequena criminalidade, da conduta do arguido não resultou qualquer acidente de viação, e o arguido está social e familiarmente integrado.
Vejamos
O Tribunal a quo fundamentou nos seguintes termos a opção pela pena de prisão.
«Da escolha e da medida concreta das penas:
Realizado pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal das condutas do Arguido, importa agora determinar a natureza e medida das sanções a aplicar.
As penas criminais têm por finalidade essencial a "protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade", de acordo com a norma constante do n.º 1 do artigo 40º do Código Penal.
Visam as penas, no nosso ordenamento jurídico, finalidades exclusivamente preventivas, quer de prevenção geral, quer de prevenção especial, isto é, visa-se primordialmente a tutela das expectativas da comunidade que confia na manutenção da norma jurídica violada, procurando-se também a reinserção do agente na sociedade. Por outro lado, e quaisquer que sejam as exigências de prevenção sentidas em concreto, "a pena não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa", pois que a culpa do agente é sempre o seu limite inultrapassável, como expressamente o consignou o legislador na norma contida no n.º 2 do artigo 40° do Código Penal.
Nos termos do artigo 71.º do Código Penal, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico.
A prevenção geral de integração cabe fornecer o limite mínimo da moldura, sendo certo que esta terá como limite superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e como inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma.
Já a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva.
Ora, dentro desses limites caberá à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo-se pois às possibilidades de socialização do agente, sendo certo que, quando esta, em concreto, não for possível, relevará a função de intimidação.
Concretizando de uma outra forma, à luz do supra citado artigo, na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstractos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido; fixando-se o limite máximo de acordo com a culpa, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral; e a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
Olhemos agora para o caso sub judice.
I Do crime de violação de proibições:
O crime é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias.
No caso, deve ser destacado que as exigências de prevenção são, no plano geral, fortes.
São recorrentes nos nossos Tribunais as situações em que condutores em pleno cumprimento de pena acessória de proibição de condução de veículos a motor incumprem essa pena continuando a conduzir como se não tivessem sido sancionados. São, portanto, prementes as necessidades de prevenção geral positiva.
Em termos de prevenção especial, há que ter em conta que o Arguido agiu com dolo directo, não tendo apresentado qualquer justificação válida para os seus actos. Além de ter conduzido quando estava proibido de fazê-lo, encetou uma fuga às autoridades policiais recheada de manobras perigosas, nunca se tendo entregado à GNR, antes fugindo à sua identificação. Não mostrou qualquer rebate de consciência pelo que fez, nem demonstrou arrependimento. Além disso, tem já um vasto passado criminal, devidamente espelhado no seu CRC - cinco condenações criminais, num espaço de 10 anos, e sempre no domínio da sinistralidade rodoviária.
Tudo ponderado, o Tribunal opta pela pena de prisão (pois as penas de multa a que foi sendo sucessivamente condenado não mostraram qualquer eficácia).
Assim, afigura-se-nos adequado e suficiente, no caso concreto, condenar o Arguido numa pena de 6 (seis) meses de prisão.
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II Do crime de condução perigosa de veículo rodoviário:
O crime é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Valem as considerações acima tecidas, pelo que também aqui o Tribunal opta pela pena de prisão.
Não pode perder-se de vista que o Arguido está a ser condenado, pela segunda vez, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, num espaço de seis anos.
Este Arguido constituiu um verdadeiro "perigo ao volante" para SI próprio, para terceiros, não sendo despiciendo ponderar futuramente a adopção de medida adequada inibindo-o da condução de veículos a motor na via pública - o que não pode ser ponderado neste processo pois nada foi pedido pelo Ministério Público nesse sentido em sede de acusação, de resto, tal como a condenação do Arguido na pena acessória a que alude o artigo 69.º n.º 1 alínea a) do Código Penal.
Assim, afigura-se-nos adequado e suficiente, no caso concreto, condenar o Arguido numa pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.»
Ante o exposto temos por seguro que a abordagem pelo tribunal a quo à questão da opção por umas das penas previstas em alternativa pelos tipos de crime não se mostra tecnicamente correcta, já que devia anteceder logicamente e de forma estanque a operação ou operações da determinação da medida concreta da pena e tal não acontece.
Contudo percebe-se que o Tribunal a quo opta pela aplicação ao arguido de uma pena preventiva da liberdade porque “as penas de multa a que foi sendo sucessivamente condenado não mostraram qualquer eficácia”.
Averiguemos:
Os crimes imputados ao arguido, e praticados, são os crimes de violação de imposições, proibições ou interdições, p. e p. pelo art. 353º do C.P. e o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo art. 291º (por manifesto lapso consta 292º mas citando a redacção certa do artigo 291º), n.º1 al. b) do C. Penal.
O crime de violação de imposições, proibições ou interdições é punível com pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias. O crime de condução perigosa de veículo rodoviário é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
As operações a realizar pelo Tribunal em sede de escolha da pena baseiam-se nos artigos 40º, e 70º do Código Penal.
Esta é a primeira operação a efectuar em ordem a encontrar uma pena para o caso, proceder à escolha da pena para efeitos do artigo 70º do C.P. Para tanto o próprio artigo 70º nos fornece o critério orientador, a preferência pela pena não privativa da liberdade “sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. São considerações de natureza exclusivamente preventiva que determinam a escolha da pena. O tribunal deve, pois, ponderar nesta fase, apenas as necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto suscite.
Ora, volvendo a nossa atenção ao caso concreto, é claro que as necessidades de prevenção geral se mostram prementes, dada a frequência com que os cidadãos infringem a proibição de não conduzir no tempo de cumprimento de pena acessória e ainda, a frequência com que, quando detectados, adoptam o comportamento de fugir às autoridades, pondo em perigos os utentes das ruas; por outro lado, no caso concreto, também as necessidades de prevenção especial se mostram elevadas, visto que o arguido foi condenado desde o ano de 2003, duas vezes por condução sem habilitação legal, duas vezes por condução em estado de embriaguez e uma vez por condução perigosa de veículo rodoviário, tendo todos os crimes em causa sido punidos com penas de multa; por outro lado, um dos crimes em causa é da mesma natureza de um dos aqui em apreço e todos praticado no âmbito da condução estradal, pelo que visam todos em última instância proteger os utentes das vias públicas, tanto basta, mesmo tendo em atenção que o arguido está familiarmente inserido, para que a pena de multa seja preterida em favor da pena de prisão, pois, está visto que a pena de multa não consegue alcançar o desiderato de afastar o arguido deste tipo de criminalidade.
Assim, conclui-se, como concluiu o tribunal a quo que só a pena de prisão realizará de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, no caso.
Improcede, portanto este segmento da questão.
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§§2º A questão da medida das penas de prisão.
Sustenta o recorrente que ainda que o tribunal optasse por uma pena privativa da liberdade deveria ter fixado ao arguido uma pena próxima do mínimo legal, tanto mais que não resultou qualquer acidente ou danos para terceiros da conduta ilícita do arguido. Acresce ainda que o arguido tem uma modesta condição social e aparentemente estará bem integrado no plano familiar e social. Entende que as penas aplicadas são excessivas e desproporcionadas e pugna que seriam adequadas e proporcionais uma pena de oito meses de prisão para o crime de condução perigosa de veículo e 4 meses de prisão para o crime violação e imposição de condutas.
Vejamos.
Dispõe o art. 40º, nº 1, do C. Penal, que a aplicação de penas e medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Conforme estabelece o seu nº 2, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser determinada a medida concreta da pena. A prevenção reflete a necessidade comunitária da punição do caso concreto. A culpa, dirigida para a pessoa do agente do crime, constitui o limite inultrapassável daquela (Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, 214 e ss.).
E ainda o mesmo Professor, - mas agora in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 3, 2.º a 4.º, Abril - Dezembro de 1993, págs. 186 e 187, - escreveu «o modelo de determinação da medida da pena consagrado no Código Penal vigente “comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma «moldura de prevenção», cujo limite máximo é dado pela medida ótima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida «moldura de prevenção», que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente”
Assim, a medida da pena será dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de reintegração] – temperada pela necessidade de reintegração social do agente, com o limite inultrapassável da medida da culpa.
Tutela dos bens jurídicos e reinserção do agente são em síntese, as finalidades da aplicação de uma pena que não poderá nunca ultrapassar a medida da culpa.
A moldura penal abstrata de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e assim sucessiva e gradativamente até aos de maior gravidade, a que corresponderá o limite máximo da pena.
A determinação da medida concreta da pena, balizada por estes limites, é então feita em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção, devendo o tribunal atender, para o efeito, a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal).
Entre outras circunstâncias, deve o tribunal atender ao grau de ilicitude do facto, ao seu modo de execução, à gravidade das suas consequências, ao grau de violação dos deveres impostos ao agente, à intensidade do dolo ou da negligência, aos sentimentos manifestados no cometimento do crime, à motivação do agente, às condições pessoais e económicas do agente, à conduta anterior e posterior ao facto, e à falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2, do art. 71º do C. Penal). Ficam, assim, definidos os critérios legais que o juiz, nas palavras de Figueiredo Dias, que vimos citando, deve traduzir numa certa quantidade de pena (ob. cit., 195).
Escolhida a pena de prisão os crimes em causa são respectivamente puníveis: o crime de violação de imposições, proibições ou interdições com pena de prisão até 2 anos; o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, com pena de prisão até 3 anos.
Na determinação da medida da pena, há que ponderar em desfavor do arguido:
- O grau moderado da ilicitude, sendo que os crimes praticados não deixam de pertencer à chamada pequena criminalidade.
- A ausência de consequências dos factos perpetrados, embora estes traduzam um profundo desrespeito por várias autoridades e instituições socialmente estruturantes.
- A intensidade do dolo (direto) do arguido e a persistência e renovação desse dolo, na atitude de fugir e conduzir de modo perigoso num percurso considerável, durante cerca de 4 minutos, acabando por ser perdido de vista.
- As elevadas exigências de prevenção geral, dada a frequência com que os cidadãos infringem a proibição de não conduzir no tempo de cumprimento de pena acessória e ainda, a frequência com que, quando detectados, adoptam o comportamento de fugir às autoridades, pondo em perigos os utentes das ruas;
- Os antecedentes criminais, pelo que acima referimos (duas condenações por condução em estado de embriaguez, duas por condução inabilitada, uma por condução perigosa de veículo rodoviário); com antecedentes criminais por um crime da mesma natureza de um dos em causa nestes autos, a condução perigosa; tudo a espelhar elevadas necessidades de prevenção especial.
Ponderam em favor do arguido:
- Estar integrado familiar e socialmente e ter uma condição económica e social modesta.
Após ponderação global das referidas circunstâncias, à luz dos critérios expostos, entende este tribunal mostrarem-se necessárias e adequada às exigências preventivas que o caso encerra e proporcionais à culpa evidenciada nos factos, as seguintes penas:
- Crime de violação de imposições, proibições ou interdições, a pena de 6 meses de prisão, mantendo-se, assim a pena imposta pelo tribunal a quo.
- Crime de condução perigosa de veículo rodoviário, a pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, por se mostrar mais ajustada às exigências do caso.
Em virtude da redução de uma das penas de prisão há que, nos termos do artigo 77º, n.º1, do CP, encontrar nova pena única, procedendo para tanto a novo cúmulo jurídico.
Relativamente às regras de punição do concurso de crimes, dispõe o art. 77º, nº 1, do Código Penal, que “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
E nos termos do nº 2, a pena aplicável, a moldura do concurso, tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão…; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria. Por um lado, está-se perante uma nova moldura penal mais abrangente. Por outro, tem lugar uma específica fundamentação, que acresce à decorrente do artigo 71º do Código Penal.
Como se lê em Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §§ 420 e 421, págs. 290 a 292, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 72º, n.º1 (actual 71º, n.º1), um critério especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.
Explica o Autor que, na busca da pena do concurso, «Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”. Acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
Na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso, como vem sendo entendido pela jurisprudência maioritária do STJ.
A moldura abstracta do concurso é balizada por um limite mínimo dado pela mais elevada das penas concretamente aplicadas, tendo como máximo a soma de todas elas, mas sem ultrapassar os 25 anos de prisão.
No caso concreto, a moldura de punição varia entre 1(um) ano e 2(dois) meses de prisão e 1(um) ano e 8(oito) meses de prisão.
Os crimes em causa pertencem à pequena criminalidade.
Os bens jurídicos protegidos pelos crimes praticados são a tutela da segurança da circulação rodoviária e a não frustração de sanções impostas por sentença criminal.
Manifesta-se, no ilícito global, uma pluriocasionalidade, embora a revelar algumas preocupações sobre a capacidade futura de o arguido/recorrente se manter afastado da prática de crimes que contendem com a condução rodoviária.
Com a pena a fixar importa, assim, acautelar as referidas preocupações, especialmente porque o arguido não demonstrou arrependimento, como se refere na sentença sob escrutínio.
Por conseguinte, entendemos que falta ao arguido, a valoração crítica das suas condutas, não revestindo a confissão parcial e efectuada, após a produção da prova, relevante valor atenuativo, quer da culpa quer da necessidade da pena.
Nesta visão, consideramos que a pena conjunta de 1(um) ano e 5(cinco) meses de prisão responde adequadamente às referidas preocupações e personalidade algo despreparada do arguido para manter uma condução rodoviária conforme com a legalidade.
Neste segmento, procede parcialmente a questão.
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3.2.- Excessividade e desproporção de uma das regras de conduta.
Sustenta o recorrente que a suspensão da pena de prisão ao arguido mediante a regra de conduta - de não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de carácter contra-ordenacional durante o tempo em que vigorar a suspensão - é manifestamente excessiva e desproporcionada, pelo que deve ser revogada.
Vejamos.
O Tribunal a quo fundamentou a suspensão da execução da pena de prisão e, bem assim, a imposição dos deveres, do seguinte modo: «Das penas de substituição:
Iremos ponderar a substituição da pena concreta fixada por uma pena de substituição, mais concretamente a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e a pena de suspensão da execução da pena de prisão.
Vem prever o artigo 58.º n.º 1 do Código Penal que "Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam deforma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Ora, no caso dos autos, tendo em conta a medida da pena concretamente aplicada ao Arguido, impõe a lei que a mesma fosse substituída pela supra mencionada prestação de trabalho a favor da comunidade.
Tal pena, porém, não se revela nem adequada, nem suficiente, in casu. Para além de que o Arguido nem sequer está carecido de reinserção profissional, pois começará a trabalhar já no mês de Fevereiro.
Prevê o artigo 50.º n.º 1 do Código Penal que "o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição."
A ideia que subjaz a este instituto é a de que, em certa criminalidade, a simples ameaça da prisão poderá, em muitos casos, bastar para o pleno cumprimento das finalidades da punição.
Em tais casos, a execução da pena de prisão fica suspensa durante um certo período de tempo, ficando sujeita a revogação no caso de o agente cometer, dentro do período de suspensão, outro crime.
A suspensão da execução da pena depende da verificação cumulativa de dois pressupostos: um formal e outro material.
O primeiro exige que a pena de prisão aplicada não exceda 5 anos.
O pressuposto material consiste num juízo de prognose, segundo o qual, o Tribunal atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclui que a simples censura do facto e a ameaça de prisão bastarão para afastar o delinquente de criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas da prevenção geral.
O Arguido nunca cumpriu pena de prisão.
A ameaça de cumprimento tem reais potencialidades de dissuasão da prática de novos ilícitos, designadamente, relacionados com a problemática da condução rodoviária.
Assim, por se entender que a ameaça de cumprimento de pena de prisão se pode revelar suficientemente eficaz para evitar a prática de outros ilícitos criminais, entende-se suspender a respectiva execução pelo período de 1 (um) ano e 9 (nove) meses, ao abrigo do disposto nos artigos 50.º n.º 5 do Código Penal.
Essa suspensão, todavia, fica condicionada à frequência, pelo Arguido, de programa atinente à condução segura e prevenção de sinistralidade rodoviária, e bem assim, ao não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de carácter contra-ordenacional, tudo ao abrigo do disposto nos artigos 50.º n.º 2, 52.º n.º 1 alíneas b) e c) do Código Penal.»
Não está posta em causa, nem a suspensão da execução da pena de prisão, nem a frequência pelo arguido de programa atinente à condução segura e prevenção de sinistralidade rodoviária. O recorrente apenas põe em causa, neste recurso a imposição da regra da conduta: “não cometimento de quaisquer infracções rodoviárias, nomeadamente, de carácter contra-ordenacional, no decurso da suspensão”.
Dispõe o Artigo 50.ºdo CP, que:
“2 - O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova.
3 - Os deveres e as regras de conduta podem ser impostos cumulativamente.”
Por sua vez, o artigo 52.º, sob a epígrafe “Regras de Conduta”, dispõe:
“1 - O tribunal pode impor ao condenado o cumprimento, pelo tempo de duração da suspensão, de regras de conduta de conteúdo positivo, susceptíveis de fiscalização e destinadas a promover a sua reintegração na sociedade, nomeadamente:
a) Residir em determinado lugar;
b) Frequentar certos programas ou actividades;
c) Cumprir determinadas obrigações.
2 - O tribunal pode, complementarmente, impor ao condenado o cumprimento de outras regras de conduta, designadamente:
a) Não exercer determinadas profissões;
b) Não frequentar certos meios ou lugares;
c) Não residir em certos lugares ou regiões;
d) Não acompanhar, alojar ou receber determinadas pessoas;
e) Não frequentar certas associações ou não participar em determinadas reuniões;
f) Não ter em seu poder objectos capazes de facilitar a prática de crimes.”
Por remissão directa do n.º4 do artigo 52º, para o n.º2 do artigo 51º, as regas de conduta não podem em caso algum representar para o condenado obrigações cujo cumprimento não seja razoavelmente de lhe exigir.
Como resulta da lição do Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português As consequências jurídicas do Crime, págs. 348 a 351, as regras de conduta assumem maior importância do que os deveres em sentido estrito, na medida em que aquelas, ao contrário destes, se ligam mesmo ao cerne socializador da pena de suspensão de execução de prisão.
A imposição tanto de uns como de outras constitui sempre um poder-dever; só que no primeiro caso, condicionado pelas exigências de reparação do mal do crime, no segundo vinculado à necessidade de afastar o delinquente da prática de futuros crimes.
Quanto à exigibilidade de que, em concreto, devem revestir-se os deveres e regras de conduta, o critério essencial é o de que eles têm de encontrar-se numa relação estrita de adequação e de proporcionalidade com os fins preventivos almejados.
Não temos dúvidas que a regra de conduta em causa nos autos está relacionada, em termos globais, com os fins preventivos almejados no caso concreto, mas pela sua extensão e implicação no direito de deambulação do arguido revela-se utópica e desproporcionada e mesmo desadequada, dado que os fins preventivos almejados são a reintegração do agente ou socialização do mesmo e a protecção de bens jurídicos com o consequente afastamento do arguido da prática de crimes, pelo que a regra de conduta de não cometimento de contra-ordenações não é nem adequada nem proporcional àqueles almejados fins.
Assim, em atenção ao exposto, e visto que o não cometimento de crimes se impõe ao recorrente por via do instituto da suspensão da pena, revoga-se a regra de conduta em causa.
Pelo exposto procede a questão posta.
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III – Decisão.

Em face do exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente:
Manter a condenação do recorrente B… pela prática de um crime de violação de imposições, proibições ou interdições, previsto e punível pelo artigo 353.º do Código Penal na pena de 6 (seis) meses de prisão;
Condenar B… pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punível pelo artigo 291.º n.º 1 alínea b) do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão, (pena reduzida em relação á que lhe havia sido aplicada na primeira instância);
Em cúmulo jurídico, aplicar ao arguido a pena única de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão.
Suspender a execução da pena de prisão concretamente aplicada, pelo período de 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão, sujeitando-a ao cumprimento apenas da seguinte regra de conduta:
- a frequência, pelo Arguido, de programa atinente a condução segura e prevenção de sinistralidade rodoviária;
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Sem custas, dado o parcial provimento do recurso.
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Notifique.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º, n.º 2, do CPP]

Porto, 01 de Julho de 2015.
Maria Dolores Silva e Sousa – Relatora
Fátima Furtado – Adjunta