Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10/21.4GAOAZ-F.P1-A
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ IGREJA MATOS
Nº do Documento: RP2023092710/21.4GAOAZ-F.P1-A
Data do Acordão: 09/27/2023
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: .
Decisão: .
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário:
Reclamações: Processo: 10/21.4GAOAZ-F.P1-A

Conflito Competência

Reagindo com o decidido no despacho de 28.07.2023 proferido pelo Senhor Juiz de Turno do Juízo Central Criminal de Santa Maria da Feira, que decidiu manter a medida de coação de prisão preventiva, o arguido AA apresentou competente recurso para o Tribunal da Relação do Porto.
Tramitado em período de férias judiciais, o recurso em causa foi decidido pelo Exmo. Senhor Desembargador titular do processo durante o turno de férias, rejeitando-o por manifesta improcedência, ao abrigo do art.º 417.º, n.º 6, al. b), do CPP.
Tal decisão foi tomada por decisão sumária.
Inconformado com a decisão sumária proferida, o arguido apresentou reclamação para a conferência no dia 12.09.2023.
Aberta conclusão ao relator, o mesmo declarou-se incompetente e declarou a competência dos Desembargadores da 4ª Secção Judicial, 2ª Secção, sorteados em 24.08.2023 para integrar o Coletivo de Juízes, aleatoriamente escolhidos por programa informático, para apreciar e decidir o Recurso interposto pelo arguido.
Em síntese breve, fundamenta tal decisão entendendo que está em causa um recurso do arguido e não propriamente uma “reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator” pelo que só pode ser o julgamento feito por todos os membros do Colectivo aleatoriamente escolhidos pelo programa informático em 24-8-2023 no respeito do “princípio do juiz natural” enquanto “garantia de defesa em processo penal”.
Reagiu o relator a quem foi enviado o processo afirmando não acompanhar os fundamentos em que assenta a declaração de incompetência pelos motivos que igualmente indica e que remetem, no essencial, para o disposto no artigo 417º do Código do Processo Penal.
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Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o art.º 417.º, n.º 6, do CPP, que após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:
a) Alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso; b) O recurso dever ser rejeitado;
c) Existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso; ou
d) A questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterada.
A decisão sumária proferida no turno de férias de verão foi-o ao abrigo do disposto na al. b) do referido art.º 417.º, n.º 6, do CPP com a decorrente rejeição do recurso. Sempre enunciando o mesmo preceito legal, temos que o n.º 8 do referido art.º 417.º do CPP estabelece que cabe reclamação para a conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos n.ºs 6 e 7. Por sua vez, o n.º 9 estabelece que quando o recurso deva ser julgado em conferência, o relator elabora um projeto de acórdão no prazo de 15 dias a contar da data em que o processo lhe for concluso nos termos dos n.ºs 1, 2 ou 5.
Em termos genéricos, a possibilidade conferida ao relator de poder proferir decisão sumária, a título singular, nomeadamente quando o recurso deva ser rejeitado (n.º 6 do artigo 417.º do CPP) foi introduzida no processo penal pela reforma operada pelo Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, adotando-se uma solução que já vigorava nos recursos em matéria civil, desde as alterações efetuadas pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, e que também já existia no recurso de constitucionalidade (artigo 78.º - A, da LTC).
Ao atribuir-se esta competência ao juiz relator visou-se a racionalização do funcionamento dos tribunais superiores, apontando-se para uma intervenção dos juízes que os compõem, mas a título singular sem prejuízo de poder ser, por reclamação, acionado o tribunal coletivo.
Como é consabido, a regra será esta: os tribunais de recurso são, por natureza, tribunais coletivos. Daí que, sem estar em causa a interposição de recurso, se permita às partes, caso não se conformem com aquela decisão sumária, provocar, sem mais, a intervenção da conferência.
Este é o caso dos autos.
Foi proferida uma decisão singular; convocada a conferência terá que ser o mesmo relator a reapreciar a questão suscitada; só que agora já não sozinho, mas em sede de tribunal coletivo, regressando-se à regra de composição do tribunal relativamente aos Tribunais da Relação.
Note-se que, como refere o Exmo. Desembargador a quem o processo foi enviado, caso não tivesse ocorrido uma decisão sumária, já então o recurso teria sido julgado por aquele coletivo, constituído em férias, nos termos do disposto no n.º 9 do referido art.º 417.º do CPP e que era o competente relativamente ao turno em vigor de 29 a 31-8-2023. Agora, uma vez requerida a conferência, teremos que se procederá à elaboração de um projeto de acórdão pelo mesmo relator a submeter ao juízo do coletivo igualmente já constituído.
Esta solução que atende ao regime imposto pelo referido artigo 417º do CPP é aquele que melhor acolhe a solução tida como desejável; não se compreenderia que o autor da decisão sumária não faça parte do coletivo que compõe a conferência, impondo a um outro juiz a reponderação de uma decisão que não proferiu e com a qual nada tem a ver.
Note-se finalmente que o recorrente, ora reclamante, quis acionar a conferência, tendo-o expressamente invocado, no seu requerimento de 12-9-2023: “nos termos do disposto no artigo 417.º, 6 do Código de Processo Penal apresentar [a] Reclamação para a conferência”.
Como tal, a nosso ver e salvo melhor opinião, impõe-se que o coletivo seja o então formado, com o mesmo relator, autor da decisão sumária, e com os mesmos demais adjuntos.
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Pelo exposto, nos termos do artigo 417º, nºs 8 e 9 do CPP, decide-se:
- Declarar como competente para a tramitação dos presentes autos o coletivo formado em turno de férias, mantendo-se como relator aquele que proferiu a decisão sumária ora reclamada.
Notifique.
Através do secretariado da presidência, dê conhecimento do teor desta decisão aos Exmos. Srs. Juízes Desembargadores das secções criminais.
Publique-se esta decisão igualmente na DGSI.

Porto, 27 de Setembro de 2023
José Igreja Matos
[Presidente do Tribunal da Relação do Porto]
Decisão Texto Integral: