Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
324/13.7TTVLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: VISUALIZAÇÃO DE IMAGENS
SISTEMA DE VIDEOVIGILÂNCIA
PROCESSO DISCIPLINAR
Nº do Documento: RP20140922324/13.7TTVLG.P1
Data do Acordão: 09/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – A decisão interlocutória que admite a visualização de imagens obtidas por sistema de videovigilância, por se tratar de decisão que admite meio de prova, é susceptível de impugnação autónoma imediata e, caso não seja da mesma interposto recurso no prazo legal, transita em julgado, não podendo tal matéria ser questionada no recurso de apelação interposto da sentença final.
II – A consequência natural do uso ilícito destes meios de prova consiste na inatendibilidade das filmagens obtidas no processo disciplinar e no processo judicial, não podendo, com base nelas, emitir-se uma decisão probatória (positiva ou negativa) relativamente aos factos em apreciação.
III – Se a prova dos factos em que se fundou o despedimento resultou essencialmente da confissão do trabalhador e do acordo das partes, em nada dependendo do visionamento das imagens de videovigilância que apenas foram ponderadas para considerar não provados factos alegados pelo trabalhador, é irrelevante a eventual ilicitude daquele meio de prova.
IV – A parte não deve lançar mão do expediente de impugnação da decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração das respostas nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito do recurso.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 324/13.7TTVLG.P1
4.ª Secção
II
1. Relatório
1.1. B… veio em 12 de Setembro de 2013 impugnar judicialmente no Tribunal do Trabalho de Valongo a regularidade e licitude do seu despedimento, efectuado por C…, S.A.
Realizada a audiência de partes e não tendo havido conciliação, foi ordenada a notificação da empregadora para apresentar o articulado motivador do despedimento e o processo disciplinar, o que fez.
No seu articulado a R. empregadora alegou, em síntese: que se dedica a todo o comércio retalhista e armazenista nomeadamente a exploração de centros comerciais, estabelecimentos de charcutaria, confeitaria, café, restaurante, padaria e talho e ainda as indústrias de confeitaria, padaria e salsicharia; que no exercício da sua actividade admitiu a A. ao seu serviço, mediante contrato de trabalho celebrado em 8 de Setembro de 1997, com a categoria profissional de Operadora Especializada, exercendo as suas funções no “C…” sito no “D…”, na Maia; que em Maio de 2013 instaurou procedimento disciplinar à A. que concluiu com a decisão do seu despedimento com justa causa: que a trabalhadora no dia 29 de Maio de 2013, por volta das 10,25 horas estava no interior desse hipermercado a efectuar compras, tendo colocado 2 desodorizantes no valor de € 3,19 e € 3,29 dentro da sua carteira e que, ao passar na linha de caixas para proceder ao pagamento das restantes compras, não pagou os referidos artigos; que naquele dia a trabalhadora só entrava ao serviço às 15 horas; que tal ocorrência se encontra comprovada por imagens CCTV devidamente licenciadas e que o despedimento é lícito
Na contestação apresentada ao articulado de motivação do despedimento, a trabalhadora alegou, em suma: que naquela manhã se encontrava a fazer compras no hipermercado onde trabalhava e meteu os dois desodorizantes no interior da sua carteira e que passou pela linha de caixa sem os pagar, o que fez por lapso ou distracção, pois que se encontrava com pressa para aproveitar a boleia para casa de uma colega de trabalho; que pagou as outras compras e quando foi abordada pelos seguranças do hipermercado e se apercebeu do descuido que teve, se prontificou a pagar os dois desodorizantes; que sente vergonha, humilhação e ansiedade pela instauração do procedimento disciplinar e por ter sido despedida, de tal modo que ainda hoje esconde essa realidade de alguns familiares mais próximos; que a sua entidade empregadora instruiu todo o procedimento disciplinar tendo por base as imagens recolhidas no circuito de vídeo vigilância, mas que tais imagens não podem ser utilizadas para fundamentar ilícitos disciplinares, apenas podendo ser utilizadas em sede ou no âmbito de uma investigação criminal e de harmonia com a legislação penal e processual penal, sendo assim tal meio de prova inadmissível no presente processo; que o procedimento disciplinar e o despedimento, levaram a que entrasse em profunda depressão, deixou de conviver com amigos e familiares e recorre frequentemente ao auxílio de medicamentos para conseguir dormir e para evitar pensamentos suicidas e que passou a viver da ajuda de alguns familiares para fazer face às suas despesas. Conclui pedindo que seja declarado ilícito o seu despedimento por não se verificar justa causa e consequentemente seja a “C…, S.A.” condenada a reintegrá-la no seu posto de trabalho, com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedida e a pagar-lhe as retribuições e subsídios desde a data do despedimento até ao transito em julgado da presente acção e a quantia de € 7.500,00 a titulo de danos não patrimoniais.
A R. empregadora respondeu, referindo que estava devidamente autorizada pelo CPND a recolher imagens e que a sua finalidade é a de prevenir a prática de ilícitos sobre pessoas e bens, referindo que o furto cometido consubstancia não só um ilícito disciplinar mas também criminal. Refere ainda a existência de prova testemunhal na medida em que à saída da linha de caixa a trabalhadora foi abordada por dois vigilantes que constataram que os desodorizantes estavam na sua carteira sem terem sido pagos.
Foi em 2014.02.12 proferido despacho saneador em que se dispensou a fixação dos factos assentes e a organização da base instrutória.
Foi ainda nessa data proferido despacho sobre os requerimentos de prova, tendo nele o Mmo. Juiz a quo decidido, expressis verbis: “Admito (…) a realização da prova fonográfica requerida” (fls. 171).
Este despacho foi notificado às partes em 2014.02.13.
Na audiência de audiência de julgamento que veio a ter lugar em 2014.05.19, foram disponibilizados pela R. os meios necessários à visualização da gravação das filmagens e requerido o visionamento das mesmas na audiência, tendo o Mmo. Julgador a quo ordenado tal visionamento das imagens recolhidas pelo empregador e documentadas no “CD-R” junto aos autos a fls. 116 (vide a acta a fls. 186).
As partes chegaram a acordo relativamente a parte da matéria de facto no decurso da audiência e, após proferido despacho a decidir a matéria de facto ainda em litígio, o Mmo. Juiz a quo proferiu em 2014.05.30 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto decido declarar a licitude do despedimento da trabalhadora B…, efetuado pela empregadora “C…, S.A.” e consequentemente absolver a referida empregadora da totalidade dos pedidos reconvencionais contra ela formulados.
Valor da ação: € 7.500,00.
[…].»
1.2. A A. trabalhadora, inconformada, interpôs recurso de apelação, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“a) O Tribunal “a quo” deu como provado, entre o mais que: A "C..., S.A.” tinha à entrada desse hipermercado dísticos a avisar que procediam à recolha e visionamento de imagens no interior desse hipermercado;
b) Sucede porém que, não se fez prova de tal facto em sede de audiência de julgamento e neste momento encontra-se incorrectamente julgada a matéria dada como provada;
c) Por outro lado, A Recorrente no seu articulado veio alegar, entre o mais, que: (artigo 46.º) “A Ré instruiu todo o procedimento disciplinar tendo por base as imagens recolhidas no circuito de videovigilância”.
d) O Tribunal “a quo” entendeu dar tal facto como não provado, apesar de em audiência de julgamento ter sido feita prova cabal daquele facto.
e) Encontra-se, portanto, incorrectamente julgada a matéria dada como não provada, na medida em que, pelos depoimentos supra mencionados, o tribunal “a quo” tinha de dar como provado que: A Ré instruiu todo o procedimento disciplinar tendo por base as imagens recolhidas no circuito de videovigilância”.
f) impõe-se excluir dos factos dados como provados o facto de A "C..., S.A.” tinha à entrada desse hipermercado dísticos a avisar que procediam à recolha e visionamento de imagens no interior desse hipermercado e incluir nos mesmos que a Ré instruiu todo o procedimento disciplinar tendo por base as imagens recolhidas no circuito de videovigilância”.
g) - O Tribunal “a quo” entendeu ser de admitir a visualização das imagens do CCTV, fundamentando que: “no caso em apreço existia essa autorização de videovigilância” e que estava preenchido o n.º 1 do artigo 21.º do Código do Trabalho.
h) A recorrida, utilizou as imagens do CCTV para instruir todo o procedimento disciplinar da Recorrente, isto é, todas as testemunhas que serviram de prova aos factos vertidos no seu articulado confirmaram ter visto aquelas imagens;
i) As imagens visualizadas estão feridas de nulidade por se tratar de um meio de prova proibido no presente processo;
j) existiu uma autorização da Comissão Nacional da Protecção de Dados, para que a Recorrida procedesse à gravação de imagens, junta por esta aos autos e na qual pode ler-se, entre o mais: “3. Destinatários dos Dados – Os dados não podem ser transmitidos a terceiros e só podem ser utilizados nos termos da lei processual penal”;
k) As referidas imagens apenas podiam ser utilizadas no âmbito de um processo-crime;
l) a utilização das imagens para fins disciplinares extravasou a autorização de tratamento de dados pessoais que foi concedida pela CNPD à Recorrente, onde se referia sem margem para qualquer dúvida que os dados só poderiam ser utilizados nos termos da lei processual penal.
m) a visualização das imagens para fundamentar os factos constantes da nota de culpa e posteriormente do vertido no articulado inicial da Recorrida, serviu para controlo do desempenho profissional da Trabalhadora, pois não lhes foi dado outro fim que não esse;
n) O Tribunal “a quo”, ao admitir o visionamento das imagens violou sem margem para qualquer dúvida o plasmado no artigo 20.º n.º 1 do Código do Trabalho, onde o legislador proibiu a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
o) Ora, as provas para o despedimento da Autora foram obtidas com clara intromissão na sua vida privada e, como tal, tem de ser tidas como nulas, por violação dos artigos 26º n.º 1 e 32.º n.º 7 da CRP;
p) Da legislação aplicável ao caso “sub judice”, não descortinamos em momento algum que esta possa ser utilizável pela entidade empregadora para efeitos disciplinares as imagens do circuito de CCTV;
q) as imagens do CCTV não podiam ter sido admitidas para fundamentar o despedimento da Autora, por constituírem uma violação crassa da sua reserva da vida privada.
r) a prova produzida em sede de audiência de julgamento, quanto à visualização das imagens e das testemunhas que as visionaram em sede de procedimento disciplinar não é, atendendo ás supra mencionados disposições constitucionais e legais admitida.
s) o processo disciplinar instaurado à Autora teve por base quase exclusivamente as imagens captadas no circuito de CCTV, como consta aliás da instrução do procedimento disciplinar e da própria decisão, o que constitui um controle abusivo do seu desempenho profissional.
t) As imagens que serviram de prova ao despedimento da Autora podiam apenas e na melhor das hipóteses ser utilizadas no âmbito de um processo criminal, mas não no âmbito e para efeitos disciplinares;
u) a videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como também não pode ser utilizada como meio de prova em sede de procedimento disciplinar, e como tal, o Tribunal a quo não podia ter autorizado, como fez, a visualização daquelas imagens.
v) E, portanto, por maioria de razão também não pode ser atendível o depoimento das testemunhas: E...; F... e G..., uma vez que tiveram conhecimento dos factos unicamente pela visualização das imagens.
w) o tribunal “a quo” tinha de ter considerado a visualização das imagens e os depoimentos das testemunhas supramencionados como nulos e, consequentemente julgar o despedimento da Autora como ilícito por não provados os fundamentos da licitude.”
1.3. Respondeu a R. recorrida pugnando pela improcedência do recurso e concluindo que:
“1. O Tribunal “a quo” decidiu bem pela justa causa de despedimento do Recorrente;
2. Ainda que se entenda, por mero exercício de raciocínio, que as alegações da recorrente sejam suficientes para o tribunal se pronunciar acerca das pretensões alegadas pela apelante, não se vislumbra que possam estes servir de fundamento suficiente para alterar se proceder à alteração da matéria de facto;
3. No nosso ordenamento jurídico o princípio da livre apreciação da prova, nomeadamente da prova testemunhal, consagrado no art. 396º do CC e 655º nº1 do CPC. Estes normativos concedem autonomia ao Tribunal para apreciar livremente as provas segundo a própria convicção e experiência relativamente a cada facto dado à prova, nunca se desviando porém do dever de persecução da verdade material;
4. Ora, no caso em apreço, a fundamentação da decisão de facto foi claramente fundamentada e reduzida objetivamente aos critérios sobre os quais criou a sua livre convicção. Da mesma forma que identificou negativamente a omissão de elementos probatórios suficientes para fixar certos factos controvertidos.
5. No tocante ao julgamento de facto refere o TC em acórdão de 03.10.2001, in ACV. TC, Volume 51º, pags. 206 e ss: “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverter nem pode subverter o principio da livre apreciação das provas” e não e pode perder de vista que na formação da convicção do julgador “entram necessariamente elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e fatores que não são racionalmente demonstráveis de tal modo que “a função do Tribunal de 2ª instância deverá circunscrever-se a “apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessas mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos””. “O tribunal não vai à procura de uma “nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exatamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação de prova), mas à procura de saber se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos constantes dos autos) pode exibir perante si””.
6. É pacifico que havendo contradições entre os depoimentos das testemunhas só o juiz de julgamento está habilitado a apreciar livremente a prova testemunhal, de acordo com a sua prudente convicção que tenha formado acerca de cada facto controvertido, segundo o principio da livre apreciação da prova constante do Art.º 655 do C.P.C.
7. Ora, observada a fundamentação da materialidade acolhida, sobretudo o depoimento das testemunhas, verifica-se que a mesma assentou na credibilidade das testemunhas da Recorrida em detrimento das testemunhas dos Recorrentes;
8. E se o Tribunal teve perante si as testemunhas verificando as ações e omissões dos seus dizeres, tiques e outras reações e optou por credibilizar uns depoimentos em detrimento de outros, tal decisão é insindicável e imutável, para além de que através da visualização das imagens não se possa augurar de modo diferente, concluindo-se que a matéria de facto a ajuizar é a que consta da sentença
9. Não se vislumbrando qualquer omissão da motivação conducente à decisão da matéria de facto do tribunal a quo, concluímos pela correta aplicação do direito, não havendo lugar à dúvida da livre apreciação da prova efetuada, improcedendo o recurso dos Recorrentes;
10. No que concerne à admissibilidade probatória das imagens CCTV, cumpre referir que o Tribunal da Relação não poderá apreciar as questões levantadas pela Recorrente referente às mesma;
11. A referida diligência probatória foi admitida pelo Mma Juiz “a quo” por despacho datado de 12.02.2014 e na audiência de julgamento de dia 19.05.2014 foi determinado: “Neste momento a Mmª Juiz ordenou a exibição das imagens recolhidas pela empregadora e constantes do CDR junto aos autos a fls.116”;
12. A Recorrente não reagiu pelo meio processual indicado, que era o recurso imediato, no nosso entender de apelação, interposto no prazo de 10 dias contados da notificação da decisão de que se pretendia recorrer, que era precisamente o despacho datado de 12.02.2014;
13. O prazo para a interposição do mesmo contava-se da notificação da decisão de admissão do referido meio probatório de visualização de imagens CCTV;
14. Sucede que a recorrente não recorreu do despacho que admitiu e ordenou a referida diligencia probatória, logo não impugnou a questão da legalidade das imagens tempestivamente e não o tendo feito, formou-se caso julgado formal sobre a referida questão, não podendo pelo presente recurso impugnar a admissibilidade da referida diligencia probatória, qualquer que seja o fundamento;
15. Neste sentido propugna Ac C Rel Coimbra 20.06.2012, processo 62/09.5TBCDN.C1 in www.dgsi.pt “I – A decisão interlocutória que admite a junção de documentos ou uma testemunha a depor, por se tratar de decisão que admite meio de prova, é suscetível de impugnação autónoma imediata, e caso não o seja, transita em julgado, limitando objetivamente o recurso que seja interposto da decisão final”;
16. E o que é certo e que a R, não recorreu do referido despacho, limitando-se a deduzir um requerimento aos autos a questionar a legalidade das imagens;
17. A ainda que se considerasse que a Mma. Juiz “a quo” não se pronunciou a Mma. Juiz “a quo” limitando – se a apreciar o valor probatório das imagens visualizadas em audiência.
18. Tal circunstância poderia eventualmente consubstanciar-se numa nulidade da sentença por omissão de pronúncia nos termos do Art.º 668º nº 1 alínea d) do C.P.C, mas a referida nulidade deveria ter sido arguida em obediência ao disposto no Art.º 77º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho que dispõe que a arguição de nulidades da sentença deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, constando ainda das referidas alegações;
19. De novo, tal não foi feito pela Recorrente, pelo que não pode efetivamente o Tribunal de recurso apreciar a questão da legalidade das imagens.
20. A Recorrida logrou fazer prova cabal do quesito dado como provado e impugnado pela Recorrente do presente Recurso;
21. Sobre o Ponto “K” da matéria dada como provada pronunciou-se com conhecimento direto a testemunha G... (depoimento constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Média Studio” disponível na aplicação informática do tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação, prestado no dia 19.05.2014, com a duração total de 22:01m, com inicio às 11:23:33H e fim às 11:45:34H);
22. A referida testemunha nas passagens concretas 00:19:22 a 00:20:27 confirmou que qualquer cliente que se desloque á loja sabe que está a ser filmado, na medida em que existem várias placas informativas com a indicação de que existe um sistema de gravação de vídeo vigilância, até para própria segurança dos mesmos;
23. Na passagem 00:20:27 a 00:22:01 voltou a confirmar esse fato, para além de referir que essa sinalética se encontra colocada de frente para o cliente que entra na loja. Acrescentou ainda que, apesar de não ser obrigatório, a Ré tem o cuidado de colocar esses dísticos em vários locais dentro da loja, entre os quais na secção de perfumaria, de bricolagem e bebidas em que se encontram artigos mais susceptiveis de furto. Afirmando ainda, perentoriamente, que essa informação para além de ser do conhecimento dos clientes é muito mais dos funcionários, pois até nas zonas comuns existem esses dísticos, para que os funcionários não se esqueçam de que existe o sistema de vídeo vigilância;
24. Resulta ainda do depoimento da testemunha H... constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 19.05.2014 às 11:54:20 e fim no mesmo dia às 12:00:37H e cujo teor se dá por reproduzido) concretamente nas passagens 00:03:40 a 00:04:40 não afastou a possibilidade da existência dos referidos dísticos, apenas disse que a existirem não são visíveis aos clientes. Confirmou ainda que como ex-funcionária sabia da existência do sistema de vídeo vigilância, tanto dentro do armazém como na própria loja. Como cliente não seriam percetíveis mas um funcionário sabe da existência desse sistema de vídeo vigilância;
25. Pelo que não restam dúvidas que o Ponto “K” da matéria dada como provada se encontra bem julgado, devendo manter-se como provado;
26. A Recorrente não logrou fazer qualquer prova do quesito dado como não provado e que agora pretende ver alterado com o presente recurso de que a “A Ré instruiu todo o procedimento disciplinar tendo por base as imagens recolhidas no circuito de vídeo vigilância”;
27. Sobre este facto pronunciou-se com conhecimento direto a testemunha E... constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 19.05.2014 às 10:26:43 e fim no mesmo dia às 10:45:34H e cujo teor se dá por reproduzido);
28. Sobre tais fatos depôs também a testemunha G... constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 19.05.2014 às 11:23:33 e fim no mesmo dia às 11:45:34H e cujo teor se dá por reproduzido);
29. E ainda a testemunha F... constante no registo gravado através do sistema integrado de gravação áudio digital “Habilus Media Studio” disponível na aplicação informática do Tribunal, cujo inicio e termo se encontram assinalados na ata e na referida gravação – inicio no dia 19.05.2014 às 10:54:30 e fim no mesmo dia às 11:22:53H e cujo teor se dá por reproduzido);
30. Sem prejuízo do exposto, os aludidos fatos resultam ainda provados dos depoimentos pelas testemunhas supra mencionadas, que adquiriram conhecimento dos mesmos em tempo real, no seu local de trabalho e no exercício legitimo das suas funções de, respetivamente, coordenador do serviço de segurança e vigilantes da loja;
31. O facto de o conhecimento ter sido efetuado através de camara de vigilância à distância, determinou apenas a suspeita sobre o comportamento da Recorrente e, não mais do que isso, até porque a captação foi casual;
32. Por outro lado, as imagens de videovigilância foram utilizadas dentro de certos limites, pois não são o único meio de prova utilizado no processo disciplinar, existe como já foi evidenciado a prova testemunhal do coordenador de segurança e do vigilante que a abordaram aquando a saída da linha de caixas, após efetuar o pagamento das restantes compras;
33. Acresce ainda que as imagens constituem um meio de prova licito;
34. No que concerne ao Art.º 20º do Código do Trabalho, esquece-se a Recorrente que o n.º 2 do referido que dispõe que a utilização de meios de vigilância é licita quando tenha por finalidade a proteção de pessoas e bens e esteja devidamente autorizada pela CNPD, como se constata pelos docs. constantes dos autos a fls…..Ou seja, pretende-se prevenir a prática de ilícitos sobre pessoas e bens, independentemente de o agente ser um terceiro ou o próprio trabalhador;
35. Aliás, sempre se dirá que no caso sub júdice não está em causa qualquer violação da vida privada da Recorrente no seu local de trabalho, já que a proteção desse bem jurídico não é tão abrangente que permita impunemente por em causa de forma criminosa outros direitos fundamentais de terceiros, no caso da Recorrida, que foi furtada pela Recorrente;
36. A limitação constante do nº 1 do art.º20 do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de proteção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida O ilícito imputado à Recorrente – burla – configura um ilícito de natureza disciplinar laboral, violação do dever de lealdade – ao abrigo da f) do n.º1 do art.º128 do CT, mas, também, de natureza penal – passível de integrar um crime contra o património;
37. Relativamente ao apuramento desta infração é lícita a utilização das imagens captadas por videovigilância, tal como resulta da própria autorização da CNPD;
38. Por outro lado, as imagens de videovigilância foram utilizadas dentro de certos limites, pois não são o único meio de prova utilizado no processo disciplinar, existe prova testemunhal e documental;
39. Assim sendo, é lícito o visionamento das imagens captadas com atuação da Recorrente que tinha conhecimento da videovigilância, por se destinar ao apuramento de uma infração disciplinar que põe em causa a propriedade de bens da entidade Recorrida recolhidos no âmbito de uma videovigilância autorizada e instituída com a finalidade genérica de proteção e segurança das pessoa e bens, atento ao principio da proporcionalidade entre os interesses da entidade empregadora, no caso, a preservação dos seus bens, e o direito do trabalhador a que o seu desempenho profissional não possa ser captado por imagens de controlo a distância, dado que foi a sua própria atuação que pôs em causa a segurança dos bens da entidade empregadora, com os quais o autor lidava diariamente, tendo a sua conduta sido atentatória das finalidades que a instalação da videovigilância visava defender;
40. No mesmo sentido, propugnam Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, em 16.11.2011 (processo 17/10.7TTBRR.L1-4) e Tribunal da Relação de Évora em 09.11.2010, 292/09.0TTSTB.E1 todos disponíveis em www.dgsi.pt;
41. Ainda que a captação e visionamento das imagens em causa possa constituir uma intromissão na vida privada do trabalhador e desse modo configurar uma violação do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, justifica-se a sua ponderação perante a violação cometida pelo mesmo trabalhador, atentatória da segurança dos bens da entidade empregadora, pois o seu visionamento serviu apenas à confirmação da atuação da Recorrente, sendo certo, como acima se referiu, que os direitos fundamentais desta encontrarão naturais limitações decorrentes dos interesses da empresa e da coexistência e eventual confronto com os direitos fundamentais dos demais trabalhadores e do próprio empregador;
42. Deste modo, o visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, autorizadas pela CNPD, serviu apenas para a entidade Recorrida confirmar a atuação ilícita da Recorrente atentatória da finalidade de proteção de pessoas e bens, e não para o controle do seu desempenho profissional, sendo assim lícito o seu visionamento como meio de prova no âmbito do processo disciplinar e judicial, devendo improceder igualmente este fundamento do recurso
43. De acordo com a matéria dada como provada, apurou-se que os Recorrentes contra todos os procedimentos da empresa e sabendo que tal era proibido, apropriou-se de dois desodorizantes, simulando-os no interior da sua carteira pessoal com o intuito de se locupletar às custas da Recorrida, sabendo, tratar-se de uma prática proibida pela Recorrida;
44. Na ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências, importará considerar o entendimento de um “bonus pater familias”, de um “empregador razoável”, segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstâncias de cada caso em concreto;
45. O apuramento da “justa causa” se corporiza, essencialmente, no segundo elemento acima referido: impossibilidade prática e imediata da subsistência da relação de trabalho;
46. Caso paradigmático consiste na violação do dever de lealdade por parte do trabalhador previsto no artigo 128.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho, que corresponde ao artigo 121.º, n.º 1, alínea e), do Código do Trabalho de 2003.
47. Como é referido no acórdão do STJ de 30.09.2009, processo n.º 09S0623, disponível in www.dgsi.pt, «Tal dever corresponde a uma obrigação acessória de conduta conexionada com a boa fé, que pode ter conteúdo positivo ou negativo. Entre as obrigações de conteúdo negativo perfila-se a de não subtrair bens do empregador e, por identidade manifesta, a de não se apropriar de valores que lhe seriam devidos. Subjacente ao dever de lealdade, está o valor absoluto da honestidade e, porque assim é, de nada releva o valor concreto da apropriação. A gravidade de um tal comportamento é tanto mais notória quanto é certo que o infractor actua em segredo o que facilita a impunidade e favorece situações de continuidade infraccional».
48. Para que a violação do dever de lealdade seja fundamento de justa causa de despedimento, pressupõe-se, portanto, que tal comportamento quebre a confiança entre o empregador e o trabalhador, deixando de existir o suporte mínimo para a manutenção dessa relação: «porque o contrato de trabalho assenta numa base de recíproca confiança entre as partes, se o comportamento do trabalhador de algum modo abala e destrói essa confiança, o empregador interioriza legitimamente a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta» (idem, ibidem).
49. No caso dos autos, os recorrentes não só violaram o dever de lealdade como simultaneamente agiram contra as regras da empresa, bem sabendo que o faziam, violando, por conseguinte, o dever de obediência — cf. artigo 128.º, n.º 2, do Código do Trabalho;
50. Face ao descrito acervo factual, conclui-se que é natural que a Recorrida tenha perdido, de forma irremediável, a confiança nos Recorrentes sendo aceitável entender, em termos de apreciação objectiva e razoável de um empregador “normal”, colocado na situação concreta do presente caso, a suspeita de que a ré, possa voltar a praticar factos similares;
51. Neste quadro, os Recorrentes “minaram”, de forma imediata e irremediável, a confiança que a Recorrida nela pudesse ter;
52. Mais se refira que o apuramento de um prejuízo efectivo no património do empregador não releva para o conceito de justa causa de despedimento. Como tem vindo a ser afirmado nos últimos anos pela jurisprudência do STJ, «a diminuição da confiança do empregador resultante da violação do dever de lealdade por parte do trabalhador, não está dependente da verificação dos prejuízos» — cf., por todos, acórdãos do STJ de 09.01.2008 e 29.09.2010, respectivamente processos n.os 07S2882 e 1229/06.3TTCBR.C1.S1 disponíveis in www.dgsi.pt.;
53. Assim, não é exigível ao empregador ter de suportar um comportamento como o descrito vindo de um seu trabalhador, revelando-se, in casu, as outras medidas conservatórias ou correctivas, diversas do despedimento, de todo inadequadas, pois face à factualidade provada a relação de confiança objectivamente perspectivada encontra-se abalada, comprometendo, desde logo e sem mais, o futuro do contrato;
54. Pelo que deve ser mantida a decisão de justa causa no despedimento dos Recorrentes, improcedendo o recurso interposto.”
1.4. O recurso foi admitido por despacho de fls. 276.
1.5. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de que não deve ser concedido provimento ao recurso.
A recorrente pronunciou-se sobre este Parecer nos termos de fls. 295 e ss.
*
Cumprido o disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e realizada a Conferência, cumpre decidir.
*
2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da recorrente – artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho –, e tendo ainda em consideração as questões suscitadas nas contra-alegações, as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da admissibilidade no presente processo do meio de prova consistente na visualização das imagens recolhidas por sistema de videovigilância, o que pressupõe se decida a questão prévia da existência de caso julgado quanto a tal admissibilidade suscitada nas contra-alegações;
2.ª – da impugnação da decisão de facto no que diz respeito à matéria alegada no artigo 46.º da contestação da autora[1] e à matéria que ficou a constar da alínea k) dos factos elencados na sentença;
3.ª – da justa causa para o despedimento do autora.
*
3. A decisão de facto da 1.ª instância e a sua motivação
Os factos materiais relevantes para a decisão da causa foram fixados pela sentença recorrida nos seguintes termos:
«[...]
A) A trabalhadora B… foi admitida através de contrato de trabalho ao serviço da "C…, S.A.”, no dia 8/09/1997, possuindo atualmente a categoria profissional de "operadora especializada".
B) Exercia as suas funções no hipermercado denominado "C…" sito no D…, na Maia.
C) Auferia em contrapartida o vencimento base mensal ilíquido de € 656,00.
D) No dia 29 de maio de 2013 a trabalhadora B… encontrava-se no interior daquele hipermercado a efetuar compras, sendo que nesse dia só entrava ao serviço pelas 15;00 horas.
E) A trabalhadora B… colocou dois desodorizantes no valor de € 3,19 e de € 3,29 no interior da sua mala, tendo transposto a linha de caixa com os referidos dois desodorizantes no interior da sua carteira, sem efetuar o respetivo pagamento.
F) A "C…, S.A.” instaurou-lhe então um procedimento disciplinar, tendo-lhe enviado a “nota de culpa” cuja cópia está junta a fls.80 a 82 que aqui dou por integralmente reproduzida, onde era comunicada a intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa.
G) No culminar desse procedimento disciplinar, aplicou-lhe a sanção de despedimento com justa causa, que comunicou à B… através de carta registada com a/r, datada de 30 de agosto de 2013.
H) A B… pagou na caixa registadora outros produtos no montante de € 29,73.
I) Ao ser confrontada pelo F…, Coordenador do Serviço de Segurança do C… do D… e pelo G…, vigilante nesse hipermercado da existência desses dois desodorizantes, que não tinham sido pagos, após revistarem o interior da mala da B…, esta prontificou-se a liquida-los de imediato e pediu para não chamarem a polícia.
J) A "C…, S.A.”, possuía autorização para recolha de imagens naquele hipermercado nos termos constantes da “Autorização nº …/2007” emanada pela “Comissão Nacional de Protecção de Dados”, cuja cópia se encontra junta a fls. 152 a 154.
K) A "C…, S.A.” tinha à entrada desse hipermercado dísticos a avisar que procediam à recolha e visionamento de imagens no interior desse hipermercado.
L) A B… sabia existir esse sistema de videovigilância, quer na zona do armazém, quer na área de vendas desse hipermercado.
[...]».
No despacho que decidiu a matéria de facto em litígio, o Mmo. Julgador a quo julgou não provada a seguinte matéria:
«[...]
1) Naquele dia a B… ia aproveitar a boleia para casa da sua colega de trabalho I…, já que eram vizinhas e esta na sua pausa, entre as 11h e o 12h, almoçava em casa e por isso, tinha de despachar as suas compras no menor curto espaço de tempo possível.
2) Tenha sido por lapso, descuido ou distração com a pressa com que estava que levou a B… a colocar os dois desodorizantes que pretendia adquirir dentro da sua mala, sem se aperceber do que tinha feito e que tenha passado pela linha de caixa sem os pagar.
3) Desde a altura em que a B… recebeu a nota de culpa, entrou em profunda depressão, motivada pela ameaça de um despedimento injustificado.
4) Deixou de conviver socialmente, evita sair à rua, furta-se ao contacto com amigos e até com alguns familiares, recorre frequentemente ao auxílio de medicamentosas para conseguir dormir e para evitar pensamentos suicidas, tendo o estado de depressão complicando-se com o despedimento.
5) A decisão de despedimento a tenha colocado numa situação de precariedade e agora conta com o auxilio de alguns familiares para fazer face às suas despesas do dia a dia.
6) Sente vergonha, humilhação e ansiedade por ter sido despedida, de tal modo que ainda hoje esconde essa realidade de alguns familiares mais próximos.
7) Evita sair à rua, deixando de frequentar os locais onde habitualmente convivia, pelo facto de ser, constantemente confrontado por conhecidos relativamente à ocorrência do seu despedimento.
8) Encontrava no seu trabalho a sua realização pessoal e profissional.
[...]».
Expondo a motivação da decisão de facto proferida na 1.ª instância, o Mmo. Julgador a quo teceu as seguintes considerações:
«No que respeita à matéria provada constante das alíneas:
A), B), C), D) e E) – matéria de facto não controvertida.
F) – A cópia da nota de culpa cuja cópia está junta a fls.80 a 82.
G) – O teor dos documentos juntos a fls. 98 a 105 (cópia da carta, da decisão final, do registo e do a/r).
H) - A cópia do talão junto aos autos a fls. 135.
I) – O depoimento das testemunhas F…, Coordenador do Serviço de Segurança do C… do D… e G…, vigilante nesse hipermercado, que referiram que após terem revistado a carteira da B… numa sala dos seguranças, ela quis pagar esses produtos, o que não foi aceite e pediu para não chamarem a polícia.
J) – O teor da cópia da autorização dada pela C.N.P.D., junta a fls. 152 a 154.
K) – O depoimento prestado pela referida testemunha F… e E…, vigilante nesse hipermercado.
L) – O próprio depoimento da testemunha H…, filha da B… e que também ela trabalhou nesse hipermercado juntamente com a sua mãe.
Relativamente aos factos dados como não provados:
1), 3) a 8) – a inexistência de qualquer prova pessoal, documental ou outra produzida nesse sentido.
2) – Para além da B… não ter feito qualquer prova de que foi por distração que colocou aqueles produtos no interior da sua mala, considerei o depoimento da testemunha E… que era quem estava a fazer a videovigilância do hipermercado e que ao visionar a B…, através do sistema CCTV, referiu que esta teve um comportamento estranho pois que tinha posto dois desodorizantes no carrinho de compras encostados à carteira que também aí estava colocada, tapando a carteira e os desodorizantes com um prospeto em papel de publicidade do “C…” de tamanho A3. Então contactou o responsável da segurança do hipermercado, F… a dar conta da situação tendo então este deslocando-se à sala de vigilância onde se encontrava o E…. Referiram que a B… andou com os desodorizantes no interior do carrinho de compras, cerca de 30 a 40 minutos, no interior do hipermercado. Também referiram que a B… veio a colocar os dois desodorizantes dentro da sua carteira, ocultando tal facto com o papel de publicidade que segurava numa das mãos, deslocando-se de seguida à zona das caixas registadoras, o que viram também através do sistema de videovigilância. Considero assim que tal conduta da B… ao colocar os dois desodorizantes no interior da carteira e ido diretamente para a linha de caixa, leva-me a concluir que não podia ter-se esquecido que tinha esses produtos quando passou pela caixa registadora sem os pagar. Referiram ainda essas testemunhas que após visionarem a B… a passar pela linha de caixa sem pagar esses desodorizantes que mantinha no interior da carteira, o F… saiu da sala e foi ter com a B…. Esclareceu o F… que quando se abeirou dela pedindo para o acompanhar a uma sala, sem dizer o motivo concreto, esta acedeu. Também foram acompanhados pela testemunha G…, vigilante desse hipermercado. Referiu o G… que nesse percurso a B… tentou tirar da carteira os dois desodorizantes no que foi impedida por ele que seguia atrás dela e que disse à B… para não mexer na carteira, o que também leva a concluir que a B… sabia perfeitamente que passou pela zona da caixa sem mostrar e pagar aqueles dois desodorizantes.».
*
4. Da admissibilidade da prova consistente na visualização das imagens recolhidas por sistema de videovigilância
4.1. A recorrente dedica grande parte das suas alegações a questionar a decisão do tribunal a quo de admitir a visualização das imagens do CCTV invocando que as imagens visualizadas constituem um meio de prova proibido no presente processo e no procedimento disciplinar e só podiam ser usadas num processo crime.
Alega, para tanto, que todas as testemunhas que serviram de prova aos factos vertidos no seu articulado confirmaram ter visto aquelas imagens, que segundo a autorização da Comissão Nacional da Protecção de Dados para a recorrida proceder à gravação de imagens os dados “não podem ser transmitidos a terceiros e só podem ser utilizados nos termos da lei processual penal”, que a utilização das imagens para fins disciplinares extravasou a autorização de tratamento de dados pessoais que foi concedida pela CNPD e a visualização para fundamentar os factos constantes da nota de culpa e posteriormente do vertido no articulado inicial serviu para controlo do desempenho profissional da trabalhadora, e o tribunal “a quo”, ao admitir o visionamento das imagens violou o artigo 20.º n.º 1 do Código do Trabalho, onde o legislador proibiu a utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador, que as provas para o despedimento da Autora foram obtidas com clara intromissão na sua vida privada e, como tal, tem de ser tidas como nulas, por violação dos artigos 26º n.º 1 e 32.º n.º 7 da CRP e a prova produzida em sede de audiência de julgamento, quanto à visualização das imagens e das testemunhas que as visionaram em sede de procedimento disciplinar não é admitida, atendendo às supra mencionados disposições constitucionais e legais [conclusões g) a v)].
Nas suas contra-alegações, a R. começa por suscitar a este propósito que o tribunal de recurso não pode apreciar a questão da legalidade das imagens pois a referida diligência probatória foi admitida pelo Mmo. Juiz a quo no despacho proferido em 2014.02.10 que, depois, ordenou a sua produção em 2014.05.19, já na audiência de julgamento, não tendo a recorrente reagido pelo meio processual indicado que seria o recurso de apelação a interpor no prazo de 10 dias, pelo que se formou caso julgado formal, não podendo pelo presente recurso impugnar a admissibilidade da referida diligência probatória.
Vejamos.
4.2. O caso julgado ocorre quando a respectiva decisão já não é susceptível de recurso ordinário ou de reclamação (art.º 628.º do CPC) e tem por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior (art.º 580.º, n.º 2, do CPC), salvaguardando, assim, o prestígio dos tribunais, a necessidade de certeza do direito e da segurança nas relações jurídicas e, consequentemente, a paz social.
Se, por qualquer razão, houver duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre-se a que passou em julgado em primeiro lugar, mesmo que a contradição diga respeito a duas decisões proferidas no mesmo processo sobre a mesma questão concreta da relação processual (art.º 625.º do CPC).
Tratando-se de decisão de natureza processual, a questão não mais pode ser debatida no decurso do processo, devido ao caso julgado formal que sobre ela se formou e que implica a sua força obrigatória dentro do processo, o que implica, também, que eventuais recursos ulteriores não possam incidir sobre as matérias relativamente às quais se formou caso julgado no âmbito do processo.
Na presente apelação a recorrente questiona a admissibilidade da prova obtida com o visionamento das imagens da videovigilância por entender que a mesma constitui prova proibida e nula à face das prescrições legais que invoca, pelo que não pode servir para provar os fundamentos da justa causa de despedimento invocada.
Ora, como resulta do relatório deste aresto, o Mmo. Julgador a quo emitiu decisão expressa sobre tal questão no despacho proferido em 2014.02.12 (a fls. 171).
Depois de ter sido requerida pela R. a produção dessa prova que designou de “FONOGRÁFICA”, pedindo a “visualização da gravação CCTV da ocorrência, cujos meios a R. disponibilizará ao Tribunal” (no articulado motivador a fls. 74) e de a A. se pronunciar pela ilegalidade deste meio de prova, invocando que o mesmo “tem de ter-se por inadmissível no presente processo” (na contestação a fls. 129-130), o tribunal decidiu o requerimento probatório proferindo o despacho já referido, em que admitiu expressamente a “realização da prova fonográfica requerida”[2].
Esta decisão não foi objecto de impugnação anteriormente ao recurso interposto da decisão final. E foi ulteriormente reiterada no decurso da audiência de julgamento em 2014.05.19, tendo o Mmo. Juiz da 1.ª instância determinado a produção do meio de prova em causa sem que qualquer das partes tenha reagido a tal determinação judicial (fls. 186).
Cabe agora aferir se, à luz da lei adjectiva aplicável, por força da ausência de impugnação, o despacho que admitiu estes meios de prova transitou em julgado e não pode tal matéria ser questionada no recurso de apelação interposto da sentença final.
Ao caso sub judice aplica-se o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, por estar já em vigor à data da prolação do primeiro despacho – datado de 12 de Fevereiro de 2014 – e ser aplicável imediatamente nos termos prescritos nos artigos 5.º e 8.º daquela lei.
Mostra-se consagrada neste diploma a irrecorribilidade autónoma imediata das decisões meramente interlocutórias, à semelhança do que sucedia com o regime recursório traçado no Decreto-Lei n.° 303/2007. Mas com excepções tipificadas na lei, certamente para obviar aos inconvenientes resultantes da concentração no recurso da decisão final da impugnação resultante da irrecorribilidade autónoma imediata das decisões interlocutórias (que aumenta materialmente o número de questões susceptíveis de constituir objecto do recurso da decisão final e a probabilidade de decisões de forma dos tribunais superiores que inutilizam decisões finais de mérito tribunal ad quem).
A lei continua assim a exceptuar da regra da impugnação diferida e concentrada, além do mais, o despacho de admissão ou de rejeição de meios de prova – que deve ser interposto no prazo de 15 dias, contado da sua notificação – cfr. os artigos 638 nº 1 e 644.º, nº 2, alínea d) do Código de Processo Civil.
No âmbito do processo laboral, é aplicável o Código de Processo do Trabalho e, apenas no que neste seja omisso, o Código de Processo Civil, porém na medida em que este seja compatível com a índole do processo laboral (art. 1º, nºs 2, al. a), e 3, do CPT).
A versão do Código de Processo do Trabalho aplicável é a aprovada pelo Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13.10, que entrou em vigor em 2010.01.01 e veio, entre o mais, harmonizar o regime de recursos do processo laboral ao regime do processo civil na reforma introduzida pelo DL 303/2007, utilizando o legislador no art. 79º-A, nº 2, a seguinte técnica:
● por um lado, elencou nas alíneas a) a h) de forma expressa situações nele enquadráveis;
● por outro, elencou as demais situações por remissão para as normas constantes de diversas alíneas do art. 691º, nº 2, do CPC/1961 [artigo 79º, nº 2, al. i), que remeteu para as als. c), d), e), h), i), j) e l) do nº 2 do art. 691º], preceitos esses que, assim e a essa data, se harmonizavam e de que resultava que, nos termos do art. 79º-A, nº 2, al. i), que remetia, além do mais, para a al. i) do nº 2 do art. 691º do CPC, o despacho que admitia ou rejeitava um meio de prova era passível de recurso imediato, sob pena de transitar em julgado.
No que se reporta aos prazos para interposição do recurso, o artigo 80.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo do Trabalho determina que o prazo para interposição do recurso de apelação é de 20 dias (nº 1), o qual é, todavia, reduzido para 10 dias nos casos previstos no art. 79º-A, nº 2 (nº 2).
Ou seja: relativamente às decisões que ponham termo ao processo, o prazo para interposição do recurso é de 20 dias; relativamente às demais decisões a que se reporta o n.º 2 do art. 79.º-A, incluindo, pois, a decisão que admite ou rejeita meios de prova, o prazo de recurso é de 10 dias.
O novo Código de Processo Civil de 2013 veio introduzir alterações de pormenor a esta matéria, fazendo corresponder ao anterior artigo 691.º o actual artigo 644.º, o que desde logo acarretou uma desconformidade entre os preceitos ainda em vigor do Código de Processo do Trabalho que têm como pressuposto o anterior Código de Processo Civil (remetendo para concretos preceitos do mesmo) e os novos preceitos da lei adjectiva civil que continua a aplicar-se como lei subsidiária, o que impõe ao intérprete uma tarefa acrescida de conjugação de regimes, até que sejam introduzidas alterações ao Código de Processo do Trabalho no sentido de o harmonizar com o novo Código de Processo Civil.
No que, concretamente, diz respeito ao recurso do despacho que admite meios de prova, mostra-se o mesmo contemplado no nº 2 do art. 644º do Código de Processo Civil de 2013, tal como já estava da al. i) do nº2 do anterior art. 691º, pelo que, compatibilizando os regimes deve operar-se a remissão prevista na al. i) do art. 79º-A, nº 2, do CPT que, dantes, se fazia para o art. 691º, nº 2, al. i), para o actual art. 644º, nº 1, al. d), este o preceito correspondente à norma revogada[3].
Quanto ao prazo para interposição do recurso, o CPT dispõe de norma expressa, qual seja o art. 80º, nº 2, que não foi expressamente revogada pelo diploma que aprovou o novo CPC, mantendo-se, pois, em vigor, e que estabelece ser tal prazo de 10 dias.
Revertendo ao caso sub judice, se a recorrente discordava do despacho que admitiu os meios de prova decorrentes da visualização da gravação do sistema de videovigilância, que reputa de ilícitos, deveria tê-lo questionado através de recurso autónomo interposto no prazo de dez dias a contar da notificação que lhe foi remetida por carta de 2012.02.13 documentada nos autos, sob pena de deixar de poder exercer o direito à sua impugnação por a inerente decisão se tornar insusceptível de recurso – cfr. os artigos 138.º, 139.º, n.º 3 e 628.º do do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
E, deste modo, é extemporâneo que venha suscitar no recurso interposto da sentença final a questão da admissibilidade daquele meio de prova e dos que nele se basearam, quando sobre a matéria se havia formado já no processo caso julgado formal[4].
Assim – e independentemente de o despacho de fls. 171 poder eventualmente considerar-se prematuramente proferido, ou não se mostrar fundamentado (o que apenas implicaria a sua nulidade, que teria que ser arguida no recurso próprio), de ter sido o mesmo ulteriormente reiterado, de ter sido a prova ali admitida ponderada para fundamentar o veredicto de facto, de ter sido julgada verificada a justa causa com base nos factos emergentes de tal veredicto e de a sentença voltar a abordar a questão já decidida da admissibilidade daquela prova na sua segunda parte, quando era já desnecessário o seu conhecimento por ter sido previamente admitida com trânsito em julgado a sua produção – a verdade é que a questão da admissibilidade da prova suscitada no presente recurso de apelação se mostrava já definitivamente decidida no âmbito dos presentes autos a partir do trânsito em julgado do despacho de fls. 171 e não pode agora ser objecto de reponderação por este tribunal de 2.ª instância.
Não se conhece, nesta parte, do recurso de apelação.
4.3. Seja como for, cremos ser relevante acrescentar que, no caso concreto, a declaração de nulidade da prova que a recorrente reputa de ilícita não alcançaria os objectivos por si pretendidos de ver declarada a inexistência de justa causa para o despedimento de que foi alvo.
Em face da proibição constitucional da ingerência na reserva da vida privada (art. 26.º), perante a própria tutela que agora lhe é expressamente conferida pela lei laboral (especificamente os artigos 16.º e 20.º), e tendo ainda em consideração a similitude do procedimento disciplinar com o criminal, é de considerar que o assinalado artigo 32.º, n.º 8 da Constituição da República Portuguesa impede que no procedimento disciplinar instaurado com vista ao despedimento do trabalhador e, ulteriormente, na acção instaurada pelo trabalhador com vista à impugnação da regularidade e licitude de tal despedimento, se lance mão de provas obtidas mediante uma intromissão abusiva na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações.
A consequência natural do uso ilícito destes meios de prova – designadamente por se destinarem apenas a controlar o desempenho profissional dos trabalhadores, ou por não ter sido autorizado o empregador pela Comissão Nacional de Protecção de Dados a implementar a videovigilância, ou por não estarem afixados os devidos avisos – consiste na inatendibilidade das filmagens obtidas no processo disciplinar e no processo judicial, não podendo, com base nelas, emitir-se uma decisão probatória (positiva ou negativa) relativamente aos factos em apreciação. Sendo ilícitas, não poderão ser consideradas no dito processo.
Daqui, porém, não resulta que o procedimento disciplinar fique afectado de qualquer invalidade, já que as invalidades se mostram estabelecidas de modo taxativo no elenco vertido no n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho. Como se refere no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2008[5], “[s]endo ilícitas as filmagens utilizadas pelo empregador no processo disciplinar, daí não resulta a nulidade de todo o processo, antes determinando essa ilicitude que a sobredita recolha de imagens não possa ser considerada na indagação da justa causa de despedimento”.
Não se subsumindo a ilicitude do meio de prova naquela enumeração taxativa, ela implica a existência de uma proibição de prova, a determinar a impossibilidade de se aferir da veracidade dos factos invocados em fundamento da justa causa para o despedimento – quer na nota de culpa e na decisão final do procedimento, quer no articulado motivador apresentado na acção judicial com vista à impugnação daquele – com base nas imagens ilicitamente obtidas, importando, por isso, apurar a existência de justa causa de despedimento sem recurso aquele meio de prova.
Ora, na concreta situação em análise nestes autos a visualização das imagens do sistema de videovigilância de bem pouco serviu para fundar a convicção do julgador expressa na decisão que decidiu a matéria de facto em litígio.
Com efeito, a A. desde logo admitiu na contestação que, quando se encontrava a fazer compras na loja, retirou os produtos em causa da prateleira, introduziu-os na sua carteira e passou pela linha de caixa sem os pagar (artigos 1.º, 6.º e 26.º da contestação), o que deve ser configurado como uma confissão espontânea feita nos articulados nos termos do artigo 356.º, n.º 1 do Código Civil, com força probatória plena dos factos a que se reporta nos termos prescritos no artigo 358.º, n.º 1 do mesmo compêndio normativo.
Aliás, no início do julgamento as partes chegaram a acordo quanto a alguns dos factos em litígio, neles se incluindo que:
«D) No dia 29 de maio de 2013 a trabalhadora B… encontrava-se no interior daquele hipermercado a efetuar compras, sendo que nesse dia só entrava ao serviço pelas 15;00 horas.
E) A trabalhadora B… colocou dois desodorizantes no valor de € 3,19 e de € 3,29 no interior da sua mala, tendo transposto a linha de caixa com os referidos dois desodorizantes no interior da sua carteira, sem efetuar o respetivo pagamento.»
A questão colocar-se-ia apenas quanto à alegação da A. de que aqueles factos decorreram de “lapso, descuido ou distracção”. E, aí sim, na averiguação de tal factualidade o Mmo. Julgador a quo ponderou as imagens que viu e os depoimentos prestados pelas testemunhas que também as visionaram, referindo que considerou o depoimento da testemunha E… que era quem estava a fazer a videovigilância do hipermercado e que ao visionar a B…, através do sistema CCTV, referiu que “esta teve um comportamento estranho pois que tinha posto dois desodorizantes no carrinho de compras encostados à carteira que também aí estava colocada, tapando a carteira e os desodorizantes com um prospeto em papel de publicidade do “D…” de tamanho A3” e, também, que atendeu ao depoimento do responsável da segurança do hipermercado F…, que foi contactado pelo E… e se deslocou à sala de vigilância, tendo ambos visto a B… a andar “com os desodorizantes no interior do carrinho de compras, cerca de 30 a 40 minutos, no interior do hipermercado”e a colocar os dois desodorizantes dentro da sua carteira, como esta admite, mas “ocultando tal facto com o papel de publicidade que segurava numa das mãos, deslocando-se de seguida à zona das caixas registadoras”.
De todo o modo, relativamente a esta mesma matéria o Mmo. Julgador a quo não se quedou por estas ponderações relacionadas com o visionamento das imagens e os depoimentos testemunhais daí decorrentes, pois que, antes de lhes fazer referência, ponderou em primeiro lugar e decisivamente o facto de a A. “não ter feito qualquer prova de que foi por distracção que colocou aqueles produtos no interior da sua mala”.
Tanto bastaria a nosso ver para, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, segundo uma convicção prudente e em face das regras da experiência comum – cfr. o artigo 607.º, n.ºs 4 e 5 do Código de Processo Civil –, tirar a ilação de que a atitude da A. de colocar os produtos no interior da sua mala foi voluntária e consciente, pois não é de todo crível que, estando-se a fazer compras e tendo-se um receptáculo apropriado para colocar os produtos a adquirir antes de passar na linha de caixa, se coloquem tais produtos, distraidamente, dentro de uma mala pessoal onde se colocam bens próprios e geralmente rodeada de cuidados no seu manuseamento, pois que, também usualmente, contém os meios monetários necessários à aquisição a efectuar. Se assim é, à face das regras da vida e à normalidade do acontecer, seria, a nosso ver, bastante para que se não considerasse provada tal verificação a circunstância de a A. não ter logrado provar quaisquer circunstâncias que levassem o julgador a convencer-se de que, no caso, se verificou a alegada distracção ou lapso.
Mas o Mmo. Julgador a quo também não se limitou a este défice de prova por parte da A. para considerar que a mesma não podia ter-se esquecido de que tinha esses produtos na sua mala quando passou pela caixa registadora sem os pagar. Com efeito, referenciou ainda no despacho em que motivou a sua convicção o depoimento da testemunha G…, vigilante do hipermercado que, quando o F… foi ter com a A. após esta passar pela linha de caixa pedindo-lhe para o acompanhar a uma sala, também o acompanhou. Segundo a testemunha G…, nesse percurso a A. tentou tirar da carteira os dois desodorizantes no que foi impedida por ele que seguia atrás dela e lhe disse para não mexer na carteira, o que alicerçou a convicção do Mmo. Juiz da 1.ª instância de que a A. “sabia perfeitamente que passou pela zona da caixa sem mostrar e pagar aqueles dois desodorizantes”.
Em suma, cremos que no caso vertente a prova dos factos em que se fundou o despedimento produzida nesta acção judicial resultou essencialmente da confissão da A. e do subsequente acordo das partes (factos A a E), em nada dependendo do visionamento das imagens de videovigilância.
Os aspectos relativamente aos quais foram ponderadas as imagens resultavam da defesa da trabalhadora e não se consideraram provados (ponto 2. dos factos não provados, relativo aos alegados “lapso, distracção ou descuido”), sendo certo que para tanto foi ponderada a ausência de prova e o depoimento de uma testemunha que percepcionou directamente um comportamento da A. que torna inverosímeis aqueles factos por si alegados pelo que, também quanto a estes aspectos, não tem relevo a eventual ilicitude daquele meio de prova.
Aliás, deve ainda notar-se que a recorrente não questionou a decisão de facto constante do ponto 2. dos factos não provados, pelo que se conformou com a falta de prova de que tenha sido por “lapso, distracção ou descuido” que colocou os produtos dentro da sua mala sem se aperceber e tenha passado pela linha de caixa sem os pagar.
Destarte, sempre careceria de relevância prática a apreciação da admissibilidade daqueles meios probatórios, quer directamente, quer indirectamente, através das testemunhas que visualizaram as imagens recolhidas.
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5. Da impugnação da decisão de facto no que diz respeito à matéria alegada no artigo 46.º da contestação da autora e à matéria que ficou a constar da alínea k) dos factos elencados na sentença
Estando vedado a este Tribunal da Relação apreciar, de novo, a admissibilidade da produção da prova resultante do visionamento das imagens de videovigilância, mostra-se prejudicada a apreciação da impugnação da decisão de facto deduzida pela recorrente no que diz respeito:
- à alínea k) dos factos provados – que a R. “tinha à entrada desse hipermercado dísticos a avisar que procediam à recolha e visionamento de imagens no interior desse hipermercado” – que a recorrente pretendia se desse como não provado;
- ao artigo 46.º da contestação da A. – que a R. “instruiu todo o procedimento disciplinar tendo por base as imagens recolhidas no circuito de vídeo vigilância” – que a recorrente pretende se considere provado.
A prova – ou falta dela – destes factos questionados não tem qualquer relevância para a decisão do recurso.
Com efeito, se está fora do âmbito cognitivo deste tribunal aferir da legalidade da prova obtida nesta acção através da videovigilância, é irrelevante saber se estavam, ou não, à entrada da loja os dizeres exigidos pelo n.º 3 do artigo 20.º do Código do Trabalho como condição para a licitude da instalação do sistema de videovigilância pelo empregador.
Além disso, se estão já demonstrados com base noutros meios de prova os factos invocados em fundamento da justa causa de despedimento e não tem relevo para a validade do procedimento disciplinar o facto de nele se ter produzido prova ilícita, é igualmente irrelevante saber se a R. ora recorrida instruiu, ou não, todo o procedimento tendo por base as imagens recolhidas no circuito de videovigilância.
Ora, no momento em que decide a matéria de facto, considerando-a provada e não provada ou entende dever ampliá-la (cfr. o artigo 72.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho), deve o tribunal atender apenas à factualidade relevante para a decisão da causa, não devendo ser carreada para a decisão toda e qualquer da factualidade pelas partes alegada.
Do mesmo modo, qualquer que seja a decisão de facto que a 1.ª instância tome quanto aos factos alegados ou de que entenda dever tomar conhecimento, ainda que com ela não concorde a parte, não deve esta lançar mão do expediente de impugnação da decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração da resposta nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito do recurso. No fundo trata-se de praticar o princípio da economia processual, devendo cada processo comportar tão só os actos e formalidades indispensáveis ou úteis[6].
Assim, porque os assinalados factos relativos aos procedimentos necessários à instalação de um sistema de videovigilância e relativos à prova produzida no procedimento disciplinar são absolutamente espúrios para a decisão final do recurso, e visto o preceituado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, não é de conhecer da impugnação da decisão de facto.
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6. Da justa causa de despedimento
Das conclusões das alegações da recorrente resulta que esta, para além de impugnar a decisão proferida quanto à matéria de facto no que diz respeito à matéria alegada no artigo 46.º da contestação da autora e à matéria que ficou a constar da alínea k) dos factos elencados na sentença [conclusões a) a f)], cinge a sua discordância à admissão da utilização das filmagens efectuadas através do sistema de videovigilância instalado na loja da sua empregadora para fins disciplinares e no âmbito deste processo judicial, fundando a ilicitude do despedimento na falta de prova dos seus “fundamentos” atenta a nulidade da prova obtida através daqueles meios [conclusões g) a v)].
E daqui retira a conclusão de que o tribunal a quo tinha de ter considerado a visualização das imagens e os depoimentos das testemunhas supramencionados como nulos “e, consequentemente julgar o despedimento da Autora como ilícito por não provados os fundamentos da licitude” [conclusão w)].
Em face da decisão conferida nesta instância às questões precedentes, queda sem fundamento esta sua afirmação final, restando julgar totalmente improcedente o recurso interposto, sem necessidade de outras considerações.
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7. Porque ficou vencida no recurso que interpôs, incumbe à recorrente o pagamento das custas respectivas (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil), devendo atender-se a que beneficia de apoio judiciário (cfr. fls. 140).
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8. Decisão
Em face do exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão contida na sentença da 1.ª instância.
Custas a cargo da recorrente, atendendo-se a que beneficia de apoio judiciário.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 22 de Setembro de 2014
Maria José Costa Pinto
João Nunes
António José Ramos
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[1] Clarificamos que fazemos referência aos termos “autor” e “ré” (ou A. e R.) para designar as partes desta acção na medida em que, apesar de as referências terminológicas constantes do articulado do diploma que alterou o Código de Processo do Trabalho (Decreto-Lei n.° 295/2009, de 13 de Outubro) se reportarem apenas ao “trabalhador” e ao “empregador” e ter havido uma alteração da estrutura clássica da acção de impugnação do despedimento com a nova acção especial regulada nos artigos 98.º-B e ss. do Código de Processo do Trabalho, não deixam as partes de se situar nas mesmas posições activa e passiva relativamente à generalidade dos pedidos de que cumpre conhecer nestas acções e o legislador denotou no preâmbulo do diploma, quando alude ao “formulário apresentado pelo autor” que o trabalhador assume na acção a posição de “autor” e, naturalmente, o empregador a posição de “réu”.
[2] Não cremos relevar para estes efeitos a incorrecta utilização do termo “fonográfica” – incorrecta porque o fonograma apenas se reporta a gravação sonora de música, fala ou outro efeito sonoro, seja em formato de CD, fitas cassete, LP e vinil, ou em formatos de som digital como o MP3, mas não abarca a gravação de imagens –, tendo em consideração que foi sob essa designação que a prova foi requerida, explicitando-se no requerimento sobre que incide o despacho que a prova fonográfica se reportava à “visualização da gravação CCTV”, pelo que necessariamente tinha em vista as imagens recolhidas através da videovigilância que no procedimento disciplinar e desde o início dos autos eram referenciadas pelas partes.
[3] Seja por via da remissão para o correspondente preceito actualmente em vigor, seja por via da “incorporação” ou “importação” dessa situação pelo art. 79º-A, nº 2, como defendido por José Eduardo Sapateiro (“O Regime de Recursos do Código do Processo de Trabalho e o Novo Código de Processo Civil”, in Caderno IV, O Novo Processo Civil, Impactos do Novo CPC no Processo do Trabalho, CEJ, 2013, consultável in http://www.cej.mj.pt.), seja através da “criação”, pelo intérprete, de norma dentro do espírito do regime processual laboral. Vide sobre a compatibilidade dos regimes processuais, em situação relacionada com o recurso de despacho saneador que decidiu parcialmente de mérito, o Acórdão da Relação do Porto de 2014.07.09, Proc. 936/12.6TTMTS.P1, em que a ora relatora interveio como adjunta subscrevendo posição que continua a adoptar.
[4] Em sentido similar decidiu o Acórdão da Relação de Coimbra de 2012.06.20, in www.dgsi.pt, segundo o qual por constituir res judicata, o recurso da decisão final não podia ter por objecto a questão da inadmissibilidade da prova testemunhal por violação do dever de segredo profissional, se o depoimento da testemunha foi anteriormente admitido. Segundo esse aresto, tal conclusão valia igualmente para os documentos apresentados com os articulados se a acta da audiência documenta que as testemunhas foram confrontadas com eles e foram invocados na decisão de facto como elemento de convicção, do que resulta a decisão, ainda que meramente implícita, da admissibilidade da prova correspondente.
[5] Processo n.º 08S643, in www.dgsi.pt.
[6] Vide o Acórdão da Relação de Lisboa de 2011.09.20, Processo n.º 7711/08.0TMSNT.L1-1, in www.dgsi.pt, citando Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1979, p. 388, e o Acórdão da Relação de Coimbra de 2013.05.30, Processo n.º 379/11.9TTCBR.C1 in www. colectaneadejurisprudencia.pt.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – A decisão interlocutória que admite a visualização de imagens obtidas por sistema de videovigilância, por se tratar de decisão que admite meio de prova, é susceptível de impugnação autónoma imediata e, caso não seja da mesma interposto recurso no prazo legal, transita em julgado, não podendo tal matéria ser questionada no recurso de apelação interposto da sentença final.
II – A consequência natural do uso ilícito destes meios de prova consiste na inatendibilidade das filmagens obtidas no processo disciplinar e no processo judicial, não podendo, com base nelas, emitir-se uma decisão probatória (positiva ou negativa) relativamente aos factos em apreciação.
III – Se a prova dos factos em que se fundou o despedimento resultou essencialmente da confissão do trabalhador e do acordo das partes, em nada dependendo do visionamento das imagens de videovigilância que apenas foram ponderadas para considerar não provados factos alegados pelo trabalhador, é irrelevante a eventual ilicitude daquele meio de prova.
IV – A parte não deve lançar mão do expediente de impugnação da decisão relativa à matéria de facto se a pretendida alteração das respostas nenhuma influência vai ter para a decisão do mérito do recurso.

Maria José Costa Pinto