Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1593/16.6T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANA LUCINDA CABRAL
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RP201802061593/16.6T8OAZ.P1
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 810, FLS 169-182)
Área Temática: .
Sumário: I - O instituto do abuso do direito tem tido uma concretização judicial na sua construção, partindo-se dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico pelo que tem algum préstimo na matéria em análise a visão do Direito como conceito interpretativo, esta teoria de Ronald Dworkin do direito como integridade que contém um projecto de interpretação.
Requer-se aqui um esforço interpretativo na questão de saber se a utilização do direito de resolução do contrato de arrendamento, na situação configurada nos autos, exorbita razoavelmente o que o Direito e a Sociedade permitem, ou seja, se respeita os princípios que regem o ordenamento e envolvem os seus valores fundamentais.
II - É abusivo que o autor se prevaleça do direito de resolver o contrato de arrendamento já que se encontra ressarcido das rendas e não pode aceitar-se, socialmente, que nessas circunstância desaloje a mãe, com mais de 91, de uma casa onde ela sempre viveu, onde estão objectos e lugares significativos das suas vivências, dos seus sentimentos e emoções de uma vida e sabendo-se que o autor e os irmãos ficaram constituídos na obrigação de prestar alimentos à mãe, sendo a renda paga por todos os filhos, inclusive o autor pelo que é descontado, na renda de 240,00 € mensais, o montante de 40,00 € correspondente à parcela da sua obrigação.
Estão, assim, excedidos os limites conferidos pelos bons costumes.
Mas solução agora encontrada só vale para este caso em concreto, não podendo criar qualquer convicção ou expectativa nas partes ou em terceiros relativamente a outras situações verificadas ou que se venham a verificar.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1593/16.6T8OAZ.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo Local Cível de Oliveira de Azeméis

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – Relatório
B..., casado, residente na Rua ..., n.º ..., ..., Oliveira de Azeméis, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra C..., viúva, residente na Rua ..., n.º .., .., Oliveira de Azeméis, pedindo que:
- Se declare a resolução do contrato de arrendamento celebrado com a ré;
- Se condene a ré a entregar-lhe de imediato o locado livre e desembaraçado de pessoas e coisas;
- Se condene a ré a pagar-lhe as rendas vencidas, no montante de €600,00, e vincendas até à entrega efectiva do locado.
Como fundamento da sua pretensão, alega o autor que por acordo escrito celebrado em 05/12/2011 deu de arrendamento à ré o primeiro andar e uma pequena cozinha situada no rés-do-chão do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e andar, pátio e quintal de terra lavradia, sito na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 50.º, mediante o pagamento da renda mensal de €200,00, a efectuar até ao dia 12 do mês a que dissesse respeito.
Sucede que, em Fevereiro de 2016, a ré deixou de pagar a renda devida, mantendo idêntica postura nos meses subsequentes de Março e Abril, cifrando-se assim a quantia em dívida em €600,00.

Contestou a ré, defendendo-se desde logo por excepção, pois que em 15/04/2016 apenas uma renda se encontrava em atraso, a respeitante ao mês de Março de 2016, encontrando-se ainda em tempo para fazer cessar a mora relativamente à renda do mês de Abril. Donde, inexiste motivo para a resolução do contrato fundado na falta de pagamento das rendas.
Ademais, atenta a relação filial que une as partes, sempre constituiu entendimento destas que o dia contratualmente estabelecido para o pagamento das rendas não era essencial, pelo que, nessa senda e por motivos de ordem económica, a renda do mês de Fevereiro apenas foi paga em 05/04/2016 e as dos meses de Março e Abril, respectivamente, em 22/04/2016 e 27/04/2016.
Portanto, a existir mora, o que não concebe, a mesma nunca seria fundamento para a resolução do contrato.
De resto, o autor até à presente data sempre recebeu as rendas e integrou-as no seu património, aceitando-as, obstando por isso a qualquer mora, apesar de se recusar a entregar os competentes recibos.
Por fim, o autor ao pretender adoptar uma posição rigorosa relativamente à data de pagamento das rendas age contrariamente ao acordo que entre as partes sempre existiu.
A acção deverá, assim, improceder.

Foi designada data para a realização da tentativa de conciliação, a qual não se obteve, em virtude de as partes manterem a sua posição já vertida nos articulados.
Na sequência de notificação nesse sentido, o autor respondeu à matéria de excepção invocada pela ré, negando que corresponda à verdade que à data da propositura da acção apenas estivesse em dívida um mês de renda ou sequer que o dia definido para o pagamento das rendas não fosse essencial.
Por outro lado, não emitiu os recibos porque não reconhece o pagamento das rendas nem aceita recebê-las em singelo, sem a correspondente indemnização.
A ré não depositou à ordem dos autos as rendas peticionadas nem a indemnização equivalente.

Foi proferido despacho a enunciar o objecto do litígio e os temas da prova.

Teve lugar a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais.
Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julgando a acção totalmente procedente, decide-se:
A) Declarar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, tendo por objecto o primeiro andar e uma pequena cozinha situada no rés-do-chão do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e andar, pátio e quintal de terra lavradia, sito na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 50.º.
B) Condenar a ré a entregar de imediato o locado referido em A) ao autor.
C) Julgar extinto, por inutilidade superveniente da lide, o pedido de condenação da ré no pagamento das rendas vencidas nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2016.
D) Condenar a ré a pagar ao autor o montante relativo às rendas vincendas até à efectiva entrega do locado, no montante mensal de €200,00 (duzentos euros) cada, deduzido já o valor de €40,00 que ao autor compete assumir.”

A ré, C..., veio interpor recurso, concluindo:
A) Antes de mais, e a priori, a presente ação foi proposta apenas pelo A. Melhor identificado nos presentes autos de processo.
B) Acontece que, o contrato de arrendamento subjacente a esta ação que visava a resolução do contrato e a consequente entrega imediata do imóvel ao A. livre de pessoas e bens foi assinado quer por si, quer pela sua esposa, D... – cfr. doc.1 junto com a petição inicial.
C) Dispõe o artigo 1682.º - A do Código Civil que carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.
D) Estando perante um caso de litisconsórcio necessário, devendo a ação ter sido proposta por ambos e não apenas pelo autor marido.
E) Para além disso, A. e esposa, casados entre si, como senhorios no contrato de arrendamento vitalício, têm interesse direto na relação material controvertida.
F) Pelo que, desacompanhado um do outro, não podem dispor eficazmente dessa relação, verificando-se uma ilegitimidade por falta da senhoria, D1....
G) Verifica-se assim a ilegitimidade do autor pelos factos supra expostos, pelo que, deverá o mesmo ser declarado parte ilegítima e consequentemente, V.ª Exas., mui doutamente, absolverem a ré da instância para todos os devidos e legais efeitos.
H) O tribunal a quo julgou incorretamente o ponto N) da matéria de facto dada como não provada “O prazo de pagamento da renda referido em 4) apenas foi estabelecido por exigência contratual” e o ponto O) da matéria de facto dada como não provada “Entre autor e ré sempre foi pacífico que o prazo estabelecido não era essencial, interessando isso sim o pagamento das rendas.”
I) A matéria assente nestes pontos diverge daquilo que resultou produzido nos autos, quer dos documentos juntos - extratos bancários e recibos da renda - quer dos depoimentos das testemunhas, designadamente, da testemunha D1..., declarações gravadas no h@bilus media studio 09:29 a 10:20 e 18:15 a 18:22, declarações da testemunha E... gravado noh@bilus media studio 6:37 a 7:16 e 7:49 a 08:46, declarações da testemunha F... gravado no h@bilus media studio 18:20 a 19:30 e da testemunha G... gravado no h@bilus media studio 37:15 a 39:28, todas já acima transcritas, quer de outros factos dado como provados na sentença (vide alínea L).
J) Como resulta da prova e decorre até dos factos admitidos por acordo (ver alín. D do despacho que fixa o objeto do litígio e os temas de prova) são os filhos da ré quem efetivamente paga a renda do locado aqui objeto dos autos.
K) A entender-se que o dia é de facto “essencial”, resulta igualmente claro que os alegados atrasos que se verificam constantemente e praticamente ad inicium no pagamento da renda (veja-se declarações da esposa do autor, testemunha D1..., gravado no h@bilus media studio 18:15 a 18:22), sempre foram aceites pelo autor ora recorrido, devendo-se em última instância à atuação dos filhos da ré e não a ela, já que, e também como resultou da prova (não existindo dúvidas quanto a isto) são os filhos da mesma que procedem à transferência para o autor da quantia respeitante à renda, tendo sido obrigados a pagar alimentos à ré por sentença judicial transitada em julgado, valor que é veiculado para o pagamento da renda, com o resulta de toda a matéria supra exposta (pontos 26.º a57.º do presente recurso).
L) O ora recorrido bem sabe não podendo desconhecer tais factos, já que é no próprio contrato de arrendamento que está prevista a contribuição a título de alimentos respeitante à sua quota-parte, estando previsto como modo de pagamento a transferência bancária, transferência esta que não é a ré que faz, mas sim um dos seus filhos, a testemunha F..., que explica como tudo isto se processo (gravado no h@bilus media studio 08:50 a 9:24).
M) A haver algum comportamento culposo, o que não se aceita, seria dos filhos da ré nunca desta, não se podendo nunca presumir que a mesma tenha agido culposamente como julga o tribunal a quo na sentença.
N) O tribunal a quo considera que o autor chamou por diversas vezes atenção da ré através de cartas remetidas para a morada da mesma, advertindo-a para a falta de pagamento atempada das rendas, considerando - erroneamente na nossa opinião e apesar da ré alegar que nunca as recebeu e tão pouco tomou conhecimento do teor das mesmas – que “(…) nenhum motivo existia para que não tivessem sido recebidas”.
O) Conclusão que não se consegue aceitar, até porque no nosso mui humilde entendimento, o autor não fez prova de que a ré tenha tomado conhecimento do teor de tais missivas, resulta da prova precisamente o contrário (cfr. Declarações de E... gravado no h@bilus media studio 7:49 a08:46, declarações de F... gravado no h@bilus media studio 18:20 a 19:30 e declarações de G... gravado no h@bilus mediastudio 37:15 a 39:28).
P) Tendo em conta os factos expostos, deveria o tribunal a quo ter decidido que -apesar de existir no contrato de arrendamento uma data até à qual a ré deve pagar a renda, por todo o exposto, nomeadamente, pelo facto de ter ficado demonstrado quem efetivamente a paga, o meio pelo qual a mesma é paga, todo o processo que subjaz ao pagamento, e pelo próprio comportamento do autor que ao longo de todos estes anos aceitou o pagamento na maioria das vezes para lá do dia 12 o que criou na ré e nos próprios irmãos do autor uma legítima expetativa de que, de facto, o dia não é essencial (veja-se a alín. L) da sentença dos factos provados e as declarações da testemunha D... gravado no h@bilus mediastudio 18:15 a 18:22) - o dia para pagamento da renda não é essencial e que o pagamento da mesma sempre foi aceite entre as partes mesmo quando pagopara lá do dia 12.
Q) Considerando estes factos como provados o tribunal terá que, consequentemente decidir em sentido diverso daquele que foi decidido pelo tribunal a quo, designadamente considerando não haver qualquer mora no pagamento das rendas.
R) Pelo que deve a matéria de facto ali inserta dada como não provada, declarando-se provado, outrossim, que o prazo para pagamento da renda apenas foi estabelecido por exigência contratual, sendo pacífico entre A. e R. que o essencial era o seu pagamento da renda, o que se induz até por todo o processo de “amalgamento” da quantia para pagamento da renda - tal como foi exposto e admitido pelo tribunal - a forma como se procede ao pagamento por transferência bancária e todas as circunstâncias subjacentes a esta operação.
S) Quanto à matéria assente na alín. P) dos factos não provados “A pensão de reforma da ré mal chega para pagar as suas despesas médicas e medicamentosas”, o tribunal julgou incorretamente.
T) Se a ré, ora recorrente não tivesse dificuldades económicas, os filhos não aceitariam numa primeira fase pagar voluntariamente alimentos à mãe (tal como decorre da matéria provada e dos depoimentos de todas as testemunhas) e aposteriori nenhum tribunal condenaria todos os filhos a pagar alimentos à mãe, como aconteceu.
U) Desta feita, deverá o tribunal considerar como provado que a reforma da ré, ora recorrente mal chega para pagar as suas despesas médicas e medicamentosas, veja-se quanto a esta matéria as declarações da testemunha E..., gravado no h@bilus media studio 09:49 a 10:26.
V) Pelo exposto, deverá o tribunal considerar que tais factos, por si só, são motivo bastante, para não se considerar culposo o não pagamento da renda até ao dia 12 de cada mês, mas apenas alguns dias para além dessa data, devendo julgar-se também por este motivo a ação improcedente.
Sem prescindir, sempre se dirá também que,
W) Foram factos dados como provados pelo tribunal a quo os seguintes:
“F) “Em 05.04.2016 a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€, respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2016”,
G) “Em 22.04.2016 a ré procedeu à transferência bancária da quantia de200,00€ respeitante à renda do mês de Março de 2016”,
S) Quanto à matéria assente na alín. P) dos factos não provados “A pensão de reforma da ré mal chega para pagar as suas despesas médicas e medicamentosas”, o tribunal julgou incorretamente.
T) Se a ré, ora recorrente não tivesse dificuldades económicas, os filhos não aceitariam numa primeira fase pagar voluntariamente alimentos à mãe (tal como decorre da matéria provada e dos depoimentos de todas as testemunhas) e aposteriori nenhum tribunal condenaria todos os filhos a pagar alimentos à mãe, como aconteceu.
U) Desta feita, deverá o tribunal considerar como provado que a reforma da ré, ora recorrente mal chega para pagar as suas despesas médicas e medicamentosas, veja-se quanto a esta matéria as declarações da testemunha E..., gravado no h@bilus media studio 09:49 a 10:26.
V) Pelo exposto, deverá o tribunal considerar que tais factos, por si só, são motivo bastante, para não se considerar culposo o não pagamento da renda até ao dia 12 de cada mês, mas apenas alguns dias para além dessa data, devendo julgar-se também por este motivo a ação improcedente.
Sem prescindir, sempre se dirá também que,
W) Foram factos dados como provados pelo tribunal a quo os seguintes:
“F) “Em 05.04.2016 a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€, respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2016”,
G) “Em 22.04.2016 a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€ respeitante à renda do mês de Março de 2016”,
H) “Em 27.04.2016 2016 a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€ respeitante à renda do mês de Abril de 2016.”
X) É também facto provado que a presente ação deu entrada em juízo a 15.04.2016.
Y) Assim sendo, e tendo em conta que, o autor afirma em sede de petição inicial que “até fevereiro de 2016 tudo correu bem” (ponto 7 da p.i), nada alegando no que à mora respeita antes ou depois da propositura da ação, nem tão pouco alegando que nunca aceitou as rendas em singelo - quais, de que forma, qual o valor, e muito menos fazendo prova disso, - não menos verdade é que a ré teria nos termos do artigo 1041.º n.º 2 do C.C até ao dia 20.04.2016 para liquidar a renda respeitante ao mês de abril, não se percebendo a contradição existente entre os factos provados (datas de pagamento das rendas em causa e a data da propositura da ação) e a decisão pela não existência de facto extintivo do direito invocado pelo autor.
Z) O artigo 1083.º n.º 3 do C.C dispõe que “É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a dois meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que ocorram por conta do arrendatário…”
AA) Tendo em conta o exposto, à data da propositura da ação é factual que só existia mora no pagamento de uma renda e não de duas como obriga o preceito.
BB) Logo, não existia à data da propositura da ação (15.4.2016) o fundamento invocado pelo autor para a resolução do contrato de arrendamento, verificando-se uma causa extintiva do direito invocado, levando obrigatoriamente nos termos do artigo 576.º n.º 3 do CPC à absolvição da ré do pedido.
CC) Assim deverá agora o tribunal conhecer da mesma, absolvendo a ré do pedido, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
Acresce que, A) Inultrapassável nesta matéria é igualmente a contradição entre os fundamentos e a decisão, veja-se que o tribunal dá facto dado como provado que “Em 05.04.2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€,respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2016” e na fundamentação da decisão afirma “E a verdade é que, à data da propositura da ação, as rendas vencidas nos meses de Fevereiro e Março desse ano não tinham sido pagas …” verificando-se ao abrigo do preceituado no artigo 615.º n.º1 alín.c) do CPC uma nulidade da sentença, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
Sem prescindir, não podemos deixar de referir que,
B) A conduta do autor, ora recorrido, ao longo de todos estes anos - tal como resultados documentos juntos aos autos e como foi afirmado pelas testemunhas, designadamente, por D1..., as rendas “poucas vezes” foram pagas até à data que consta do contrato (declarações de D... gravado no h@bilus media studio 18:15 a 18:22) - ao aceitar as rendas sempre para lá do dia 12 e em singelo, criou na ré a legítima expetativa de que a data efetivamente não seria essencial, sabendo que são os irmãos e ele próprio que liquida a renda parece-nos abusivo vir agora pela alegada “mora” já que as rendas se encontram todas pagas, peticionar a resolução do contrato.
C) Apesar do autor estar a exercer um direito conferido pela lei, legítimo e razoável, fá-lo contrariando a sua conduta anterior que se prolongou no tempo, e em que a ré confiou, julga, legitimamente.
D) O autor vir agora exercer o alegado direito à resolução do contrato com os fundamentos que invoca, mora no pagamento das rendas, é, na nossa mui humilde opinião atentatório do princípio da boa-fé tendo em conta o seu “não- exercício” até à data da propositura da ação, o que se alega para todos os devidos e legais efeitos.
E) Pelo que, ocorre o autor com esta conduta em abuso de direito, que torna ilegítimo o seu exercício nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.
F) Não podemos também deixar de chamar à colação, in casu, o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio basilar do nosso Estado de Direito Democrático, que na nossa opinião foi posto em causa com esta decisão, não esqueçamos que o direito deverá perseguir a justiça, que só se fará se não esquecermos que se decide sobre e para pessoas, estamos perante uma situação que não nos poderá deixar indiferentes, fazendo interpretações meramente literais das normas.
G) Estamos a decidir os últimos dias de uma mãe idosa com 92 anos que sempre pensou que aquela seria a sua casa, a casa que conta a sua história e na qual lhe foi prometido morrer!
TERMOS EM QUE DEVERÁ DAR-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE A DECISÃO RECORRIDA, TUDO COM AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, COM O QUE VOSSAS EXCELÊNCIAS FARÃO A DEVIDA E ELEVADA, JUSTIÇA!

No tribunal recorrido foi proferido o seguinte despacho:
Desde logo, tendo sido suscitada a questão sobre a nulidade da sentença com fundamento no disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil, cumpre apreciá-la no presente despacho.
Com efeito, alega a recorrente que existe uma contradição entre os fundamentos e a decisão, pois que se dá como provado que a ré, em 05/04/2016, procedeu à transferência da quantia de €200,00, respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2016, sendo que, na fundamentação da decisão se afirma que, à data da propositura da acção, as rendas vencidas nos meses de Fevereiro e Março desse ano não tinham sido pagas.
Salvo melhor entendimento, julgamos que não existe a aparente contradição que a recorrente coloca de forma singela.
É que, conforme é mencionado na sentença, tais rendas – dos meses de Fevereiro e Março de 2016 – não se encontravam pagas à data da propositura da acção, porquanto “só o foram somente em singelo nos dias 05 e 22 de Abril de 2016, respectivamente, isto é, muito para além do prazo previsto no artigo 1041.º, n.º 2, do Código Civil …” (cfr. fls. 79).
Por isso, julgamos que o inconformismo da apelante assenta no facto de, na sua perspectiva, o entendimento adoptado não ser o correcto, o que é diverso do fundamento da nulidade invocada.
Por outras palavras, na situação vertente, o que parece ocorrer é uma discordância relativamente à decisão proferida e à qualificação jurídica que se fez dos factos dados como provados. Mas tal, só por si, não constitui causa de nulidade da sentença.
Nesta conformidade, indefere-se a invocada nulidade por entendermos inexistir fundamento legal para o efeito.”

Nos termos da lei processual civil são as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo e, consequentemente, os poderes de cognição deste tribunal.
Assim, as questões a resolver consistem em apurar se:
- houve erro no julgamento de facto;
- deve ou não declarar-se resolvido contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

II. Fundamentação de facto.
O tribunal recorrido deu como provados e não provados os seguintes factos:
II.A – Factos provados.
A) Em 05/12/2011, mediante acordo escrito denominado “contrato de arrendamento e de aluguer”, B..., e mulher, D..., declararam dar de arrendamento a C..., que declarou aceitar, o primeiro andar e uma pequena cozinha situada no rés-do-chão do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e andar, pátio e quintal de terra lavradia, sito na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 50.º
B) O locado destinava-se única e exclusivamente à habitação da ré.
C) Consta da cláusula primeira do dito acordo que o mesmo teve início no dia 01 de Dezembro e vigorará enquanto C... for viva e lá permaneça, sem se ausentar livremente por mais de dois meses da casa.
D) Nos termos da cláusula segunda do mesmo acordo, a ré declarou obrigar-se a pagar a quantia de 2.800,00€, a título de contrapartida pelo gozo do locado, pagável em duodécimos de 240,00€, até ao dia 12 do mês a que disser respeito, por transferência bancária para conta titulada pelo autor.
E) Ficou ainda aí estabelecido que, ao valor mensal de 240,00€, devia ser descontada a contribuição que o autor e mulher estão a dar à ré, a título de alimentos, no valor de 40,00€, devendo esta proceder ao depósito da importância mensal de 200,00€.
F) Em 05/04/2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€, respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2016.
G) Em 22/04/2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€ respeitante à renda do mês de Março de 2016.
H) Em 27/04/2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€, respeitante à renda do mês de Abril de 2016.
I) O autor não emitiu recibo relativo a tais pagamentos.
J) A presente acção deu entrada em juízo no dia 15/04/2016.
K) A renda é paga por todos os filhos da ré, inclusive o autor, que sabe que o dinheiro para a sua liquidação provém de todos os seus irmãos.
L) O autor já aceitou rendas que foram pagas para além do dia 12.
M) O autor recebeu e integrou no seu património todos os valores que foram pagos pela ré, incluindo os mencionados em 6), 7) e 8).
Com base na análise do documento denominado “contrato de arrendamento e de aluguer”, reformula-se a al.A) nos seguintes termos:
Em 05/12/2011, mediante acordo escrito denominado “contrato de arrendamento e de aluguer”, B..., e mulher, D..., residentes na Rua ..., nº ..., da freguesia ..., do concelho de Oliveira de Azeméis declararam dar de arrendamento a C..., residente na Rua ..., nº.. da freguesia ..., do concelho de Oliveira de Azeméis, a qual declarou aceitar, o primeiro andar e uma pequena cozinha situada no rés-do-chão do prédio urbano composto de casa de habitação de rés-do-chão e andar, pátio e quintal de terra lavradia, sito na Rua ..., n.º .., freguesia ..., concelho de Oliveira de Azeméis, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 50.º bem como alugam os bens próprios que lhe pertencem e que se encontram no locado e que estão devidamente discriminados na relação de bens feita nos autos de inventário facultativo que correu termos no 3º Juízo Cível da comarca de Azeméis.
Ainda do cotejamento de toda a prova testemunhal e do supra aludido documento, a alínea B) deve ter a seguinte redacção:
O locado destina-se única e exclusivamente à habitação da ré, que desde sempre lá viveu, sendo que o autor, seu filho, ficou com essa casa em processo de inventário.
Adita-se ainda o seguinte facto incontroverso:
N) Á data da contestação a ré tinha 91anos de idade.
II.B – Factos não provados.
N) O prazo de pagamento da renda referido em 4) apenas foi estabelecido por exigência contratual.
O) Entre autor e ré sempre foi pacífico que o prazo estabelecido não era essencial, interessando isso sim o pagamento das rendas.
P) A pensão de reforma da ré mal chega para pagar as suas despesas médicas e medicamentosas.
Q) É do conhecimento do autor as dificuldades que alguns dos seus irmãos têm, tendo conhecimento e aceitando que nem sempre conseguem proceder ao depósito dos 40,00€ que a cada um deles compete até ao dia 12 do respectivo mês.
Também do cotejamento de toda a prova testemunhal e do supra aludido documento, a alínea B) deve ter a seguinte redacção:

III – Do mérito do recurso.
Alega a recorrente, em primeiro lugar, que o contrato de arrendamento subjacente a esta acção, que visa a resolução do contrato e a consequente entrega imediata do imóvel ao autor livre de pessoas e bens, foi assinado quer por si, quer pela sua esposa, D....
O artigo 1682.º - A do Código Civil dispõe que carece do consentimento de ambos os cônjuges, salvo se entre eles vigorar o regime da separação de bens, a alienação, oneração, arrendamento ou constituição de outros direitos pessoais de gozo sobre imóveis próprios ou comuns.
É um caso de litisconsórcio necessário pelo que devia a acção ter sido proposta pelo autor e pela mulher. Verifica-se, diz, a ilegitimidade do autor por preterição de litisconsórcio necessário.
Vejamos.
Os recursos visam modificar decisões recorridas e não obter decisões sobre matéria nova, não sendo lícito invocar questões que não tenham sido objecto das decisões recorridas, nem conhecer-se nelas de questões que as partes não tenham suscitado perante o tribunal recorrido. Só assim não será se se tratar de questão de conhecimento oficioso.
Verifica-se que o recorrente não suscitou esta questão perante o tribunal recorrido e, não sendo ela de conhecimento oficioso, não pode ser objecto de apreciação no recurso.
Aduz a recorrente que o tribunal a quo julgou incorretamente o ponto N) da matéria de facto dada como não provada “O prazo de pagamento da renda referido em 4) apenas foi estabelecido por exigência contratual” e o ponto O) da matéria de facto dada como não provada “Entre autor e ré sempre foi pacífico que o prazo estabelecido não era essencial, interessando isso sim o pagamento das rendas.”
Sustenta que tal diverge da prova produzida nos autos, quer dos documentos juntos - extratos bancários e recibos da renda - quer dos depoimentos das testemunhas, designadamente, das testemunhas D1..., E..., F... e da testemunha G....
Deveria o tribunal a quo ter decidido que - apesar de existir no contrato de arrendamento uma data até à qual a ré deve pagar a renda - o dia para pagamento da renda não é essencial e que o pagamento da mesma sempre foi aceite entre as partes mesmo quando pago para lá do dia 12.
Considerando estes factos como provados, o tribunal terá que, consequentemente, decidir em sentido diverso daquele que foi decidido.
Deve ainda dar-se como provada a matéria da alínea P) dos factos não provados “A pensão de reforma da ré mal chega para pagar as suas despesas médicas e medicamentosas”.
Atentemos.
Como se tem realçado em anteriores decisões, entende-se que as “questões de facto” só o passam a ser por o direito aplicável lhes conferir relevo, elas existem por referência a uma concreta solução de direito.
É por isso que se entende que o facto tem de ser sempre visto à luz do Direito que se pretende fazer valer e os factos relevantes no processo são aqueles que preenchem o tipo legal invocado, numa dialéctica traduzida na previsão da norma jurídica em condensar os factos que conduzem à estatuição, ao efeito jurídico.
Numa linguagem mais simples dir-se-á que os factos alegados têm de ser sempre vistos à luz do seu enquadramento jurídico para se aferir da sua relevância, quer seja na sua selecção na 1ª instância, quer seja na impugnação da matéria de facto em recurso.
Importa, desde logo, proceder àquilo que em direito se denomina qualificação contratual, a qual sempre foi um tema de eleição da doutrina, nomeadamente a delimitação dos contratos, visto que a lei civil consagra o princípio da autonomia privada que atribui aos contraentes o poder de fixarem, em termos vinculativos, a disciplina que mais convém à sua relação jurídica. (artigo 405º do C. civil).
Disse-se no Ac. do STJ de 20/03/2012, Proc.1903/06.4TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt. que:
A definição de um contrato como pertencendo a determinado tipo contratual, necessária para determinar qual o regime jurídico aplicável, é uma operação lógica subsequente à interpretação das declarações de vontade das partes e dela dependente. Constitui matéria de direito sobre a qual o tribunal se pode pronunciar livremente, sem estar vinculado à denominação que os contraentes tenham empregue – art. 664.º do CPC – e é susceptível de conhecimento oficioso pelo tribunal
O nome com que as partes catalogaram o acordo firmado poderá, quando muito, servir como um elemento auxiliar, entre outros, a ter em consideração no esforço interpretativo para alcançar o real sentido das declarações de vontade, nada garantindo que a conclusão atingida coincida com o Nomen utilizado pelas partes.
A interpretação das declarações negociais deve fazer-se de acordo com as normas constantes dos artigos. 236.º a 238.º do CC, segundo as quais, as declarações devem valer com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, deve entendê-la, desde que no documento esse sentido encontre um mínimo de correspondência”
Sabe-se que o contrato, na sua essência, corresponde ao vínculo obrigacional existente entre duas partes, em que uma deve uma prestação à outra, e esta, em oposição, deve à primeira uma contraprestação, ou seja, o contrato é um acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir direitos.
O legislador, em atenção à evolução histórica e à diversidade e dinâmica da vida, acolhe certos negócios e sua regulamentação em normas jurídicas.
Existem três categorias de contratos no direito constituído: os contratos típicos ou nominados, os atípicos ou inominados e os mistos. Os primeiros (típicos ou nominados) são aqueles que a lei prevê e regula de modo expresso, através de normas supletivas que, enquanto tais, valem no silêncio das partes. Os segundos (atípicos ou inominados) são aqueles, que as partes criam fora dos moldes daqueles. O contrato misto apresenta diversos elementos contratuais distintos que se integram num processo unitário e autónomo de composição de interesses, aferido com base em dois critérios essenciais: um centrado na unidade ou pluralidade da contraprestação; outro alicerçado na unidade ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação.
Numa forma mais simplista, dir-se-á que os contratos mistos são aqueles cuja estrutura engloba elementos típicos de dois ou mais contratos nominados. Exemplos: a locação de casa ou apartamento mobilados, em que existe neste acordo, preceitos de arrendamento e aluguer, o explicador que dá lições ao filho do dono da casa em troca alojamento de um quarto, contrato de hospedagem ou de pensão, em que ao lado está presente o da locação do quarto.
No caso está precisamente em causa um contrato misto de arrendamento de imóvel e aluguer de bens móveis.
O regime jurídico dos contratos mistos tem três concepções: a) Teoria da absorção b) Teoria da combinação e c)Teoria da aplicação analógica.
O intérprete não deve ficar fixo a nenhuma destas teorias.
Se na lei existir alguma disposição que especialmente se refira ao regime aplica-se tal disposição.
Se existir no negócio o uso de elementos que são entre si combinados, como no caso do artigo 1028.º onde a ideia básica, com algumas limitações, será a da aplicação da teoria da combinação, tendo absoluta importância se um prédio urbano for arrendado simultaneamente para comércio ou habitação (nº2). Nesta norma, se eventualmente houvesse lugar à anulabilidade ou nulidade do contrato, bem como à resolução do contrato relativas a um dos fins não afectaria a parte restante da locação.
Este preceito usa no seu corpus da teoria da combinação, mas se esta não for razoável, pode utilizar-se a teoria da integração ou a teoria da aplicação analógica. - vide Antunes Varela, direito das obrigações pp. 291; 292, e, Código Civil anotado págs. 350 a 353.
No nº 3 deste artigo 1028.º é declarada a doutrina da absorção: “se, porém, um dos fins for principal e os outros subordinados, prevalecerá o regime correspondente ao fim principal; os outros regimes só são aplicáveis na medida em que não contrariem o primeiro e a aplicação deles se não mostre incompatível com o fim principal.”
No caso sub juditio, estando em causa um arrendamento com aluguer de móveis, nos termos deste nº 3, é aplicável o regime do contrato de arrendamento urbano.
Discute-se aqui a resolução do contrato por falta de pagamento de rendas.
O esquema do numerus clausus das causas de resolução, por iniciativa do senhorio adoptado no RAU (Regime do Arrendamento Urbano) – e antes dele no Código Civil de 1966 – foi substituído, no NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano), por uma cláusula geral: o factor nuclear de resolução do contrato de arrendamento é o incumprimento de qualquer obrigação que, pela sua gravidade ou consequências torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, portanto, que exclua qualquer possibilidade de a parte lesada adoptar outra conduta que não a extinção do contrato (artigo 1083 nº 2 do Código Civil).
Deixou, portanto, de existir um princípio de tipicidade, por força do qual nem todas as obrigações do inquilino estavam juridicamente sancionadas em termos da respectiva violação facultar ao senhorio a extinção do contrato.
O NRAU seguiu a técnica de referenciar, em geral, o seu fundamento e de complementar, de seguida, essa definição através duma enumeração.
Assim, após um número em que se insere a noção, seguem-se, em cinco alíneas, uma lista de comportamentos tipificados como fundamento de resolução. A sua leitura mostra que a lei seleccionou, por assim dizer, as violações contratuais mais graves e reconheceu-as como fundamento da resolução. É pacífico, em face do uso do advérbio designadamente, que tal enumeração é meramente exemplificativa e que, por isso, outras violações, ainda que menos graves permitirão, ao senhorio resolver o contrato.
Além da ilicitude e da culpa, a violação de qualquer dever exige certas consequências gravosas na relação jurídica de arrendamento. Nas palavras da lei, a atitude do arrendatário, além de ilícita deve tornar inexigível ao senhorio normal a subsistência do contrato de arrendamento.
Uma concreta causa de resolução deve, por isso, ser sempre submetida à ideia básica do corpo do artigo: a violação de um dever – legal ou contratual – qualquer que ele seja, só constitui causa de resolução do contrato de arrendamento se essa violação, pela sua gravidade ou reiteração, tornar inexigível a manutenção daquele contrato. Nesta perspectiva, nem toda a violação do contrato fundamenta o decretamento da resolução: para que o contrato possa ser resolvido é ainda necessário que dessa violação resulte a comprometida a subsistência do contrato de arrendamento.
Só não será assim no tocante à resolução do contrato com base na mora superior a três meses da obrigação de pagamento da renda, encargos ou despesas ou na oposição do arrendatário à realização de obra ordenada por entidade pública: quanto a estes fundamentos de resolução do contrato o juízo de inexigibilidade é feito pela própria lei, ou dito de outro modo, verifica-se uma situação ex lege de inexigibilidade para o senhorio na manutenção do contrato de arrendamento (artigo 1083º nº 3 do Código Civil).
A mora de três meses – de uma só renda que seja – é auto-suficiente, enquanto fundamento de resolução do contrato: é a própria lei que proclama, nessa eventualidade, a inexigibilidade da manutenção do arrendamento, não havendo, por isso, lugar a uma autónoma ponderação sobre a sua gravidade e consequências.
Quer dizer, a lei exige apenas, para que este fundamento de resolução do contrato de arrendamento se constitua, uma mora de três meses, não impondo nenhum número especial de rendas em mora: basta uma. Cada uma das rendas vencidas tem autonomia para a contagem do prazo de caducidade, pelo que em relação a cada uma delas se aplica o disposto no artigo 1085.º, nº 1 do C. Civil.
Importa dizer que a mora do arrendatário, no tocante ao pagamento da renda está, porém, sujeita a um regime marcadamente especial que se explica pela importância jurídica e social do contrato de arrendamento.
De um aspecto, a mora, apesar da existência de um prazo certo para o cumprimento, só se verifica, tanto para o efeito da indemnização como para o efeito da resolução do contrato de arrendamento, se o arrendatário não cumprir a obrigação de pagamento da renda no prazo de oito dias a contar do seu começo – purgatio morae (artigo 1041 nº 2 do Código Civil); de outro, findo aquele prazo, o arrendatário pode ainda por termo à mora – e, por esse modo obstar à resolução do contrato de arrendamento - oferecendo ao senhorio o pagamento da rendas em atraso, acrescidas de indemnização igual a 50% do valor devido daquelas rendas, assistindo-lhe o direito, em caso de recusa do seu recebimento, pelo senhorio, desses valores, proceder à sua consignação em depósito (artigo 1042 nº 1 do Código Civil).
No caso de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda, quando o direito potestativo correspondente for exercido judicialmente, o arrendatário pode ainda provocar a caducidade daquele direito, pagando, depositando ou consignando em depósito as rendas devidas e aquela indemnização (artigo 1048º, nº 1 do Código Civil). Esta faculdade do arrendatário é, porém, de exercício único: apenas pode ser actuada uma vez, por referência a cada contrato (artigo 1048º nº 2 do Código Civil).
A ré não efectuou o pagamento tempestivo das rendas vencidas nos meses de Fevereiro, Março e Abril de 2016, procedendo ao seu pagamento fora de prazo e em singelo, tendo efectuado o pagamento de três meses de renda num único mês – o de Abril - o que dá direito ao senhorio de resolver o contrato e não se mostra que, no caso, ré tenha utilizado estes ultimo mecanismos legal.
Há que atentar agora nas especificidades do caso concreto.
A ré, mãe do autor sempre viveu na casa em questão, a qual constituía a sua casa de família. Em virtude de processo de inventário, essa casa foi adjudicada ao autor. Este celebrou então com a sua mãe um contrato de arrendamento e um contrato de aluguer dos móveis que lá se encontravam, o que inculca que também ao autor foi adjudicado o recheio da casa.
Paralelamente, o autor e os irmãos ficaram constituídos na obrigação de prestar alimentos à mãe.
Consta do contrato que a casa se destina única e exclusivamente à habitação da ré, que o mesmo teve início no dia 01 de Dezembro e vigorará enquanto a ré for viva e lá permaneça, sem se ausentar livremente por mais de dois meses da casa.
E ainda que a ré declarou obrigar-se a pagar a quantia de 2.800,00 €, a título de contrapartida pelo gozo do locado, pagável em duodécimos de 240,00€, até ao dia 12 do mês a que disser respeito, por transferência bancária para conta titulada pelo autor e que, ao valor mensal de 240,00€, devia ser descontada a contribuição que o autor e mulher estão a dar à ré, a título de alimentos, no valor de 40,00€, devendo esta proceder ao depósito da importância mensal de 200,00€.
Mais ficou provado que a renda é paga por todos os filhos da ré, inclusive o autor, o qual sabe que o dinheiro para a sua liquidação provém de todos os seus irmãos, que o autor já aceitou rendas que foram pagas para além do dia 12 e ainda que, á data da contestação, a ré tinha 91anos de idade.
Portanto, é neste circunstancialismo fáctico que tem de ser encarado o direito do autor de resolver o contrato de arrendamento celebrado com a ré, sua mãe.
O uso de direitos e de posições jurídica não é e, pode mesmo dizer-se, nunca foi absoluto ou totalmente ilimitado.
Dispõe o artigo 334º do CC que “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Consagrou-se naquele normativo uma concepção objectiva do abuso do direito. Não é necessária a consciência de se excederem, com o exercício do direito, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico; basta que se excedam esses limites.
A pedra de toque da figura do abuso do direito reside no uso ou utilização dos poderes que o direito concede para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deverá ser exercido. Vide Pires de Lima/Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. I, 3ª ed., págs. 296 e 297.
Menezes Cordeiro, in Da Boa-Fé no Direito Civil”, 1997, págs. 717 e 718, sustenta que o artigo 334º é a codificação de decénios de doutrina germânica e o abuso do direito, na versão germânica, induz-se de uma série de regulações típicas de comportamentos abusivos, as quais, por serem típicas, não permitem uma classificação, uma vez que ora se sobrepõem parcialmente – um mesmo acto pode ser objecto de várias regulações – ora se deixam por cobrir espaços abusivos possíveis.
O mesmo autor, na obra citada, trata várias daquelas regulações típicas, indagando da sua existência e possibilidades no nosso sistema jurídico. São elas: a) exceptio doli; b) venire contra factum proprium; c) inalegabilidade de nulidades formais; d) supressio e surrectio; e) desequilíbrio no exercício jurídico.
Juridicamente, abuso de direito pode ser entendido como o facto de usar de um
poder, de uma faculdade, de um direito ou mesmo de uma coisa, além do que razoavelmente o Direito e a Sociedade permitem.
Saber se o abuso de direito é ou não um acto ilícito, na medida em que no abuso não há limites definidos e fixados aprioristicamente, pois estes serão dados pelos princípios que regem o ordenamento e que contêm os seus valores fundamentais, é questão hoje ultrapassada.
Certo é que todo aquele que excede os parâmetros da boa-fé objectiva, dos bons costumes e a finalidade social ou económica do direito ou prerrogativa deve ter sua conduta repelida pelo Direito, já que o exercício absoluto de um direito causa um desequilíbrio nos valores ético-sociais, que fundamentam a vida em sociedade.
Menezes Cordeiro - Do abuso do direito: estado das questões e perspectivas, disponível em
http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=45582&ida=%2045614, explica que o legislador no citado artigo 334º para não tomar posição quanto ao dilema de saber se, no abuso, ainda há direito, optou pela fórmula ambígua da ilegitimidade e acrescenta: “De seguida, o preceito exige que o titular exceda manifestamente certos limites. A expressão liga-se aos superlativos usados por alguma doutrina, anterior ao Código Civil. Na época, lidava-se com uma construção sem base legal, de fundamentação doutrinária insegura e ainda desconhecida na jurisprudência. O uso de uma linguagem empolada visava captar o intérprete-aplicador, apresentando-se, além disso, como uma criptojustificação da proibição do abuso. Perante institutos modernos, a adjectivação enérgica não faz sentido. Além desse aspecto, temos outras dificuldades exegéticas. “Manifestamente” contrapõe-se a “ocultamente” ou “implicitamente”. Não parece defensível que se possa atentar contra a boa fé ou os bons costumes, desde que às ocultas. E também os fins económico e social do direito em jogo poderão não ser alcançados perante desvios não manifestos. Em suma: “manifestamente” deixa-nos um apelo a uma realidade de nível superior, mas que a Ciência do Direito terá de localizar, em termos objectivos.
III. Os “limites impostos pela boa fé” têm em vista a boa fé objectiva. Aparentemente lidamos com a mesma realidade presente noutros preceitos, com relevo para os artigos 227.º/1, 239.º, 437.º/1 e 762.º/2 (10). Teríamos, então, um apelo aos dados básicos do sistema, concretizados através de princípios mediantes: a tutela da confiança e a primazia da materialidade subjacente. Trata-se de um dado a reter, mas que não poderemos deixar de confirmar.
IV. Os “limites impostos pelos bons costumes” remetem-nos para as regras da moral social. Também aqui é de presumir uma certa coerência sistemática: os bons costumes prefigurados no artigo 334.º equivalerão aos mesmos “bons costumes” presentes no artigo 280.º/1: regras de conduta sexual e familiar e códigos deontológicos. Mas assim sendo — e assim é — não se entende o porquê da especialização representada pelo artigo 334.º
O artigo 280.º/1 parifica, para efeitos de nulidade do negócio, a violação da lei, dos bons costumes e da ordem pública; porque não entender que o próprio exercício dos direitos subjectivos se deve conter dentro das margens desses três factores? Introduzir, a tal propósito, o abuso do direito vem duplicar, sem necessidade, óbvias soluções já alcançadas.
V. Finalmente: o fim social ou económico do direito invoca uma determinada construção historicamente situada, a examinar de modo mais detido. Adiantamos que, no fundo, ela apenas apela a uma interpretação melhorada das normas, que dê valor à dimensão teleológica. Não exige a ideia de “abuso”.
VI. Fica-nos, ainda, um ponto: o da presença de um direito subjectivo. Sublinhamos, todavia, que a locução “direito” surge, aqui, numa acepção muito ampla, de modo a abranger o exercício de quaisquer posições jurídicas, incluindo as passivas
….
A análise anterior permite concluir que o artigo 334.º não comporta uma exegese comum. Os seus diversos termos ora devem ser corrigidos pela interpretação, ora soçobram no vazio. Estamos, com efeito, perante uma disposição legal que, à semelhança do § 242 do BGB alemão, remete para o sistema e para a Ciência do Direito, confiando, ao intérprete-aplicador, a tarefa do seu adensamento. A presença de uma norma deste tipo não suscita quaisquer dúvidas ou perplexidades. Há-as, por todo o tecido do Código, num fenómeno que o Direito conhece, controla e aplica. Para o seu funcionamento, a Ciência do Direito é essencialmente convocada a intervir. O artigo 334.º faz, em suma, um apelo a uma Ciência Jurídica actualizada, constituinte e experiente.”
Este autor realça a importância da jurisprudência em detrimento da doutrina na construção deste instituto de natureza complexa, dizendo mesmo que “A doutrina explícita ou implicitamente adversa ao abuso do direito e ao que ele representa perdeu, a partir de então, o contacto com a evolução real do instituto.”
Diferencia mesmo cinco fases na jurisprudência:
— a fase pré-científica (anterior a 1966);
— a fase exegético-pontual (de 1967 a 1984);
— a fase da implantação (1985 a 1990);
— a fase da expansão (1991 a 2000);
— a fase do afinamento (2001 em diante).
O que se denota de importante é o papel do aplicador do direito na significação conceptual do instituto já que o caso concreto assume aqui papel primordial.
Tal convoca-nos para a teoria do autor norte-americano Ronald Dworkin desenvolvida no âmbito da comon law e que é a teoria do direito como integridade.
Criticando o positivismo e toda e qualquer forma de utilitarismo, Dworkin estabeleceu uma teoria alternativa pelo princípio da integridade.
A integridade pressupõe a equidade ou equanimidade, justiça e devido processo legal adjectivo.
Divide a integridade em dois princípios que são: a integridade na legislação, que pede aos que criam o direito por legislação que o mantenham coerente quanto aos princípios e a integridade no julgamento ou aplicação do direito: quando se está diante de um caso concreto, ela pede aos responsáveis por decidir o que é a lei, que a vejam e façam cumprir como sendo coerente nesse sentido. A integridade na actividade jurisdicional fomenta a integridade política, que supõe a personificação da comunidade como um todo, que se engaja nos princípios da equidade, justiça e devido processo legal adjectivo.
Faz a distinção entre princípios e regras jurídicas, a qual é de natureza lógica.
Os princípios possuem uma dimensão de importância reflexiva superior às regras, e, em caso de aplicação de princípios diferentes, devemos levar em consideração a força relativa de cada um, pois a controvérsia faz parte da aplicação e escolha do princípio adequado ao caso.
Os princípios constituem o Norte da interpretação, sendo limites ao alvedrio estatal. Os magistrados não possuem discricionariedade na escolha de um ou outro princípio, segundo as suas convicções pessoais, pois os princípios são padrões obrigatórios para as autoridades públicas de uma comunidade.
Apenas diante de uma situação jurídica concreta, poderemos saber qual o princípio aplicável, como aquele que melhor se adapta a solução do caso e que serve de base para as instituições e leis da comunidade.
Os magistrados são autores e críticos, no que Dworkin denomina de “romance em cadeia”, eles introduzem acréscimos na tradição que interpretam.
Imagina um grupo de romancistas que se propõe a escrever um romance em série, e cada romancista da cadeia interpretará os capítulos anteriores para escrever o capítulo posterior. Tal capítulo será acrescentado pelo romancista seguinte e assim sucessivamente.
O romancista criará um único romance a partir do material que recebeu, do que ele próprio recebeu e acrescentou, bem como daquilo que os seus sucessores na trama serão capazes de acrescentar. Ele deve criar o melhor romance possível como se fosse a obra de um só autor, mas que é produto de várias mãos.
Essa tarefa hercúlea do escritor exigirá uma avaliação geral da sua parte ou várias avaliações na medida em que reescreve.
Nesta complexa estrutura da interpretação jurídica concebe um juiz imaginário, de capacidade e paciência sobre-humanas, que aceita o direito como integridade denominado de “Hércules”.
Esse juiz hipotético deve ser criterioso e metódico, pois deve seleccionar as diversas hipóteses que correspondam à melhor interpretação dos casos precedentes afirmando o direito como integridade que é estruturado pelo conjunto coerente de princípios sobre a justiça, equidade e devido processo legal em respeito à própria comunidade de princípios.
Esta teoria de Dworkin aporta na centralidade do intérprete e aplicador do Direito, na situação jurídica concreta e na escolha do princípio adequado ao caso.
E, como se disse, o instituto do abuso do direito tem tido uma concretização judicial na sua construção, partindo-se dos princípios fundamentais do ordenamento jurídico pelo que tem algum préstimo na matéria em análise esta visão do Direito como conceito interpretativo, esta teoria do direito como integridade que contém um projecto de interpretação.
Requer-se aqui um esforço interpretativo na questão de saber se a utilização do direito de resolução do contrato de arrendamento, na situação configurada nos autos, exorbita razoavelmente o que o Direito e a Sociedade permitem, ou seja, se respeita os princípios que regem o ordenamento e envolvem os seus valores fundamentais.
No nosso direito, o citado artigo 334º do C. Civil impõe como limites à utilização de direitos e posições jurídicas os impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desses direitos e posições jurídicas.
A ordem pública consubstancia-se no conjunto dos princípios fundamentais, subjacentes ao sistema jurídico, que o Estado e a Sociedade estão substancialmente interessados em que prevaleçam sobre as convenções privadas. A noção de ordem pública é mutável com os tempos.
Por bons costumes entende-se um conjunto de regras, de práticas de vida, que, num dado meio e em certo momento, as pessoas honestas, correctas e de boa fé aceitam comummente. O exercício de um direito apresenta-se contrário aos bons costumes se envolver conotações de imoralidade ou de violação das normas elementares impostas pela Sociedade. Alguns autores defendem já não haver diferença entre os bons costumes e a boa-fé na convicção de que a boa-fé e os bons costumes seriam simplesmente alusões “retórico-formais” a utilizar em apoio verbal de soluções baseadas noutras latitudes. Esta utilização indiscriminada da boa-fé e dos bons costumes sucedeu na vigência do BGB alemão, nos seus primeiros tempos. Mas um estudo mais aprofundado do sistema implícito no BGB conduziria à separação das duas noções. O Código Civil grego manteve uma referência paralela aos bons costumes e à boa-fé, conduzindo a uma aplicação conjunta das duas noções. Identicamente no Código Civil português de 1966 alguma jurisprudência confirma as suas decisões com uma menção indiferenciada à boa-fé e aos bons costumes.
Mas os antecedentes históricos dos bons costumes demonstram uma génese diferenciada da boa-fé. Estes remetem-se aos bonis mores romanos, cujo controlo, entregue ao censor, distinguia cuidadosamente as normas morais e as regras jurídicas, entregues ao pretor. Ora, é nestas últimas, que se deve situar a boa-fé.
Assim, os “limites impostos pelos bons costumes” remetem-nos para as regras da moral social, sendo de presumir uma certa coerência sistemática: os bons costumes prefigurados no artigo 334.º equivalerão aos mesmos “bons costumes” presentes no artigo 280.ºnº 1: regras de conduta sexual e familiar e códigos deontológicos.
A função económica e social do direito prende-se com a sua configuração real, a apurar através da interpretação; se um direito é atribuído com certo perfil, já não haverá direito quando o titular desrespeite tal norma constitutiva.
No caso, é incontestável que, por via da celebração do contrato de arrendamento, o autor tem o direito de receber mensalmente da ré a renda acordada.
E, como também já se expressou, a ré, mãe do autor, sempre terá vivido na casa em questão, a qual constituía a sua casa de família. Em virtude de processo de inventário, essa casa e recheio foi adjudicada ao autor. Este celebrou com a sua mãe um contrato de arrendamento e de aluguer dos móveis que lá se encontravam.
Por outro lado, o autor e os irmãos ficaram constituídos na obrigação de prestar alimentos à mãe. Ficou escrito nesse contrato que o mesmo deveria vigorar enquanto a ré fosse viva e ali permanecesse, sem se ausentar livremente por mais de dois meses.
A renda é paga por todos os filhos, inclusive o autor pelo que é descontado, na renda de 240,00 € mensais, o montante de 40,00 € correspondente à parcela da sua obrigação.
O autor sabe que o dinheiro para a liquidação da renda provém de todos os seus irmãos, sendo que, á data da contestação, a ré tinha 91anos de idade.
Todos estes factores, já por si, causam algum incomodo social: o despejo de uma pessoa de 91 anos pelo próprio filho de uma casa onde ela sempre viveu.
Mas, ainda assim há fundamento legal para o direito do filho de receber as rendas contratualmente fixadas.
O que mais clamor social provoca por violação de regras éticas e da moral social dominante, mormente no âmbito das relações familiares, é a conjugação dos referidos factos com outros também provados, a saber:
-o autor já aceitou rendas que foram pagas para além do dia 12;
- em 05/04/2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€, respeitante à renda do mês de Fevereiro de 2016;
-em 22/04/2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€ respeitante à renda do mês de Março de 2016;
- em 27/04/2016, a ré procedeu à transferência bancária da quantia de 200,00€, respeitante à renda do mês de Abril de 2016;
-o autor recebeu e integrou no seu património todos os valores que foram pagos pela ré.
Verifica-se que as rendas em falta foram pagas pelo que não há, por assim dizer, um prejuízo patrimonial relevante com o atraso no pagamento, nem um perceptível benefício para os irmãos do autor que contribuem para o pagamento das rendas, notando-se que nesta ponderação também se devem levar em conta interesses de terceiros pois que, de certa forma, se está a construir o direito do caso à luz de valorações e princípios jurídicos estruturantes do sistema jurídico e social.
Ora, toda esta factualidade indicia estarem excedidos os limites conferidos pelos bons costumes.
Melhor explicitando, no caso, é abusivo que o autor se prevaleça do direito de resolver o contrato de arrendamento já que se encontra ressarcido das rendas e não pode aceitar-se, socialmente, que nessas circunstância desaloje a mãe, com mais de 91, de uma casa onde ela sempre viveu, onde estão objectos e lugares significativos das suas vivências, dos seus sentimentos e emoções de uma vida.
Dito isto, e sem necessidade de mais considerações ou indagações fácticas, não pode o autor exercer aqui o seu direito à resolução do contrato de arrendamento.
E nunca é demais salientar que a solução agora encontrada só vale para este caso em concreto, não podendo criar qualquer convicção ou expectativa nas partes ou em terceiros relativamente a outras situações verificadas ou que se venham a verificar.
Pelo exposto, delibera-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revoga-se a sentença que declarou a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes.

Custas pelo apelado.

Porto, 6 de Fevereiro de 2018
Ana Lucinda Cabral
Maria do Carmo Domingues
Maria Cecília Agante