Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
252/06.2TBMDB-K.P1
Nº Convencional: JTRP00042963
Relator: MARIA DO CARMO DOMINGUES
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CARTA RESOLUTIVA
FUNDAMENTAÇÃO DAS CAUSAS DE RESOLUÇÃO
Nº do Documento: RP20090929252/06.2TBMDB-K.P1
Data do Acordão: 09/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO - LIVRO 323 - FLS 141.
Área Temática: .
Legislação Nacional: ARTº 49º, 120º, 123º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS.
Sumário: I - Num negócio de compra e venda realizado nos dois anos anteriores à data de início do processo de insolvência, presume-se a má fé do adquirente que sendo irmã do insolvente a considera uma pessoa especialmente relacionada com a insolvente (cf. art. 49°, n° 1-b), do CIRE).
II - A venda de um imóvel é à partida um acto prejudicial à massa insolvente atenta a natureza volátil da contrapartida. Contudo tal pode não se verificar, especificamente se essa contrapartida é apreendida nos autos, ou se essa contrapartida foi empregue noutros bens que sejam apreendidos nos autos, ou se a mesma proporcionou um aumento do activo.
III - As cartas resolutivas apenas carecem de indicação genérica e sintética dos pressupostos que fundamentam a resolução.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 252/06.2TBMDB-K

Espécie de Recurso: APELAÇÃO
Recorrente: B……….
Recorrida: MASSA INSOLVENTE DE C……….
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.Relatório:

B………. veio impugnar a resolução em benefício da massa insolvente efectuada pela administradora nomeada nos autos de insolvência, relativamente ao acto de resolução do contrato de compra e venda de metade indivisa de um prédio rústico no qual a insolvente figurou como vendedora e a autora como compradora.
Alegou em resumo que:
O registo de aquisição (ou o requerimento desse registo) não é um acto susceptível de ser resolvido;
E foi esse o acto que a administradora resolveu atento o teor da carta resolutiva;
A mesma não resolveu o negócio jurídico subjacente àquele registo;
Desconhecia por completo a situação financeira da insolvente aquando do negócio;
Não agiu de má fé ao comprar a mencionada ½ indivisa;
Apesar de emprestar dinheiro à insolvente, não conhecia a fundo a verdadeira situação da insolvente, sua irmã;
O relacionamento entre irmãos sempre foi escasso;
Dado a insolvente ter optado por tornas, ficando os irmãos com os imóveis, a insolvente sugeriu a venda supra citada;
Ficou surpreendida com a insolvência da irmã;
Pediu que fosse declarada injustificada e ilícita a resolução efectuada pela administradora.
Citada a massa insolvente representada pela Administradora da Insolvência D………. contestou invocando em síntese que:
A autora “ilude” e “trunca” o sentido do teor da comunicação de resolução em benefício da massa insolvente que a Administradora da Insolvência lhe fez através de carta de 13.04,2007.
Conforme consta daquela comunicação, tratou-se de iniciativa feita por aquela Administradora «em cumprimento do disposto nos artigos 120º, 121º 1-a), 123º, 124º e 126º, do CIRE», e, no sentido de «declarar a resolução incondicional em Beneficio da Massa Insolvente, da aquisição por compra da quota de ½ do prédio rústico situado em Lamas de Baixo, com a área de 14249m2 (…) pelo que, após a fundamentação, concluiu: «Assim, por ter legitimidade e estar em tempo (cf. art. 123º, do CIRE) vem a Administradora da Insolvência, efectuar a resolução da cessão efectuada (…), mais ainda intimando a destinatária, agora A: «Deve V. Excia, de acordo com o estatuído no nº 1, do artigo 126º, do CIRE reconstituir a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado, no prazo de 30 dias».
Assim, a «interpretação» feita é errónea e falaciosa;
A lei é clara em estabelecer que actos como aquele que está em causa «São resolúveis em beneficio da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos (CIRE, art. 121º 1).
Pede, por fim, que a acção seja julgada improcedente e logo no despacho Saneador.
A Autora veio replicar, mantendo tudo o que expendeu anteriormente.
Foi elaborado despacho Saneador.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento tendo o tribunal decidido a matéria de facto por despacho, não tendo sido apresentadas reclamações.

Foi proferida Sentença que decidiu absolver a Ré do pedido.

Inconformada com esta decisão dela recorreu a Autora tendo das alegações apresentadas extraído as seguintes conclusões:
I. A declaração resolutiva, enquanto «acto jurídico», deve ser objecto de interpretação (art. 295º, do Código Civil) o que significa, por um lado, que essa declaração vale com o sentido que um declaratório normal, colocado na posição do real declaratório, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (art. 236º, nº 1, do CC), e, por outro, que essa declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (artigo 238º, nº 1, do CC).
II. O documento junto com a petição inicial sob o nº 1 não pode interpretar-se como traduzindo ou consubstanciando a resolução de um contrato de compra e venda, porquanto essa é uma conclusão que o texto do documento não suporta.
III. Ainda que, erradamente embora, se admita que foi a compra e venda o acto resolvido, então, não sendo este nenhum dos actos indicados no nº 1, do art. 121º, do CIRE, a prejudicialidade do mesmo tinha de ser invocada quando se declarou a resolução, conforme resulta, a contrário senso, do art. 120º, nº 3, do CIRE e do art. 342º do CC.
IV. Isto também sob pena de violação do princípio do contraditório, pois cada parte só pode responder às pretensões da contraparte se puder conhecer com exactidão os fundamentos da resolução em que as mesmas se apoiam – artigo 3º, do CPC.
V. Ora, nada, absolutamente nada foi alegado pela recorrida quando declarou a resolução, nem foi demonstrado em Tribunal, que seja susceptível de assim qualificar o acto resolvido.
VI. A presunção de prejudicialidade à massa, inilidível, só ocorre nos actos previstos no nº 1, do art. 121º do CIRE.
VII. Fora desses casos, a regra é de que a prejudicialidade deve ser demonstrada por quem tem legitimidade para os resolver.
VIII. Dai que, ao decidir em sentido contrário, a sentença recorrida violou as disposições legais acima citadas.
Foram juntas aos autos contra alegações pugnando pela manutenção da Sentença recorrida.

- Ao presente recurso é ainda aplicável o regime dos recursos anterior ao Decreto-Lei nº 303/07, de 24 de Agosto face à data de entrada da p.i e ao disposto nos art. 11º e 12º, do citado Decreto-Lei.

Tendo presente que o objecto dos recursos é balizado pelas conclusões das alegações do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (art. 684º, nº 3 e 690º, nºs 1 e 3, do C.P. Civil) que neles se apreciam questões, e não razoes e que não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido são as seguintes as questões a decidir:
1ª. Saber se o documento junto à petição inicial como doc. Nº 1 não pode interpretar-se como traduzindo ou consubstanciando a resolução de um contrato de compra e venda.
2ª. Saber se houve motivação para a resolução.

Fundamentação:

II. De Facto:

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na decisão recorrida:
1. Por sentença datada de 17 de Novembro de 2006, já transitada em julgado e proferida no processo de que a presente acção é um apenso, foi declarada a insolvência de C………., tendo sido nomeada para exercer o cargo de administradora da insolvência a Senhora Dr.ª D………. .
2. Através de carta registada com aviso de recepção, datada de 13 de Abril de 2007, a Administradora da Insolvência, nessa sua qualidade procedeu à resolução, nos termos do art. 120º, do CIRE «da aquisição por compra da quota de ½ do prédio rústico sito em ………., com a área de 14.249m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lamego sob o nº 245-A, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo 259-A, da freguesia de ……….».
3. Para tanto alegou «… a 23 de Maio de 2006 (pela AP. 3/20060523), foi requerido o registo de aquisição, por compra de ½ indivisa do prédio supra identificado, quando a vendedora Ex.ª Sr.ª D. C………. já se encontrava no limiar da sua insolvência». Acrescentando: «Tratou-se de um acto prejudicial à Massa Insolvente», «Pois, tal acto, inevitavelmente, diminui a satisfação dos credores da Insolvência».
4. A insolvente C………. propôs à A. a venda de ½ indivisa do prédio em questão, que esta aceitou, no ano 2006.
5. O registo de aquisição, por compra de ½ indivisa do prédio, ocorreu em 26 de Maio de 2006.
6. A e Insolvente são irmãs.
7. O teor do documento de fls. 177 e SS. Que aqui se dá por reproduzido (teor da escritura de compra e venda).
8. Nos últimos anos, a autora emprestou dinheiro à insolvente C………. .
9. A autora sempre residiu na cidade do Porto, onde tem centrada a sua vida familiar e social, dedicando-se exclusivamente ao exercício de funções de gerência na sociedade «E………., Limitada» de que é sócia.
10. Em 1 de Fevereiro de 2006 a A. e seus irmãos chegaram a acordo quanto à partilha dos bens da herança materna, tendo a C………. optado por receber tornas.
11. A insolvente não ficou com imóveis nessa partilha.

III. De Direito:

1ª.Vejamos a primeira questão suscitada, ou seja, saber se pode interpretar-se o documento junto à petição inicial sob o nº 1, como traduzindo ou consubstanciando a resolução de um contrato de compra e venda, o que equivale a dizer saber se houve ou não resolução.
Examinando o documento nº 1 junto à petição inicial, ou seja a carta data de 13 de Abril de 2007 e enviada pela administradora da insolvência de C………… à ora recorrente, conclui-se que:
Logo no início se refere em «proceder à resolução em benefício da massa insolvente da aquisição por compra da quota ½ do prédio Rústico (que identifica)».
Nesta carta a administradora dirige-se à compradora, pelo que a expressão «aquisição por compra» significa um negócio de compra e venda, não obstante à expressão não ser a juridicamente correcta.
No ponto 5 da mesma carta, após fazer referencia «a registo de aquisição» reafirma a resolução da cessão, (também tal expressão não é correcta, mas é perfeitamente compreensível para o homem médio «resolução do dito negócio»), sendo que no ponto 7 e 8 adverte a compradora para as consequências legais da não apresentação do imóvel.
É sabido que a declaração negocial emitida na carta (documento nº 1-junto com a petição inicial) tem de ser interpretada de acordo com as regras estabelecidas nos art. 236º, nº 1 e Seg. do Código Civil.
Dispõe o artigo 236º, nº 1,do C.C.que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declaratário, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
A regra geral enunciada é a de que uma declaração negocial vale com o sentido que seria apreendido por um declaratário normal, entendendo-se por declaratário normal uma pessoa de conhecimento e diligência médios.
Ora, lida a referida carta de forma global e contextualizada, e tendo como referência um declaratário normal (art. 236º ex. vi art. 295º, ambos do Código Civil) conclui-se que o que se pretendeu transmitir à Autora, ora recorrente, foi a dissolução de contrato de compra e venda de ½ de um prédio rústico.
Improcedem, pois, as respectivas conclusões.
2ª. Quanto à segunda questão suscitada dir-se-á o seguinte:
O Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (daqui em diante designado por CIRE) simplificou e unificou a possibilidade de atacar os contratos que são prejudiciais aos interesses dos credores. Conforme refere Catarina Serra in «O Novo Regime Português da Insolvência – Uma Introdução» - 2º edição, pág. 51 «A resolução tem um alcance muito maior do que o que tinha no âmbito do CPEREF. Antes, só podiam ser resolvidos os actos que a lei identificava (cf. art. 156º, nº 1, als. a), b) e c), do CPEREF) agora, podem ser resolvidos quaisquer actos prejudiciais (cf. art. 120º, nº 1), tendo-se atribuído à resolução, grosso modo, o papel que cabia à impugnação pauliana no contexto do CPEREF.
Como é sabido, a resolução consiste no acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não houvesse sido celebrado, podendo tal faculdade resultar da lei (resolução legal) ou da convenção dos contraentes (resolução contratual) – art. 432º, nº 1 do Código Civil.
A resolução é em princípio equiparada à nulidade ou anulabilidade do contrato (art. 433º). Sendo certo que, logo por aplicação do art. 289º, que estabelece uma ineficácia superveniente do contrato com eficácia retroactiva – a resolução é o mesmo que a ineficácia superveniente que provém de um facto (secundário) impeditivo (Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, pág. 354) deverão aplicar-se as regras gerais relativas ao cumprimento e incumprimento das obrigações que com aqueles se não revelem incompatíveis.
Na resolução em benefício da massa insolvente os requisitos variam, tendo que se distinguir entre requisitos gerais (art. 120º, CIRE) e requisitos em relação a certas categorias de actos (art. 121º) falando a lei a este último propósito em resolução incondicional.
Relativamente aos requisitos gerais da resolução, a lei estabelece os seguintes:
a)Realização pelo devedor de actos ou omissões;
b) Prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente;
c) Verificação desse acto ou omissão nos quatro anos anteriores à data do inicio do processo de insolvência;
d) Existência de Má Fé do terceiro.
Assim a resolução em benefício da massa insolvente exige, em primeiro lugar, que o devedor tenha realizado actos ou omissões.
A prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente consiste, de acordo com o art. 120º, nº 2, no facto de estes diminuírem, frustrarem, porem em perigo ou retardarem a satisfação dos credores da insolvência. A lei estabelece, contudo, no art. 120º, nº 3, uma presunção iuris et jure de actos prejudiciais à massa, ao considerar como tais, sem admissão de prova em contrario, os actos de qualquer tipo referidos no art. 121º, ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados.
A verificação do acto ou omissão nos quatro anos anteriores ao início do processo de insolvência implica que apenas possam ser resolvidos em beneficio da massa insolvente os actos ou omissões que tenham decorrido nos quatro anos anteriores ao inicio do processo de insolvência, porquanto só este período é considerado como suspeito para efeitos de resolução.
O último requisito da resolução em benefício da massa insolvente é a existência de má fé de terceiro, considerando-se como tal, nos termos do art. 120º, nº 5, o conhecimento por este das seguintes circunstâncias:
a)A situação da insolvência do devedor;
b) O carácter prejudicial do acto (ou omissão) estando o devedor à data em situação de insolvência iminente;
c) O inicio do processo de insolvência.
Nos termos do art. 120º, nº 4, a má fé presume-se «quanto a actos cuja prática ou omissão tenha ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data».
Os requisitos gerais da resolução supra enunciados são dispensados no caso de se tratar dos actos referidos no art. 121º, do CIRE.
A enumeração, no art. 121º, dos actos sujeitos à resolução incondicional é absolutamente taxativa.
No que concerne à legitimidade activa para o exercício do direito de resolução, o art. 123º estabelece que a mesma compete exclusivamente ao administrador da insolvência.
Em coerência, com o regime geral da resolução que estabelece que a mesma se pode fazer por simples declaração à outra parte (art. 436º, nº 1, CC) e art. 123º, nº 1, do CIRE, não exige que a resolução seja realizada por acção judicial, bastando-se para o efeito com uma simples comunicação por carta registada com aviso de recepção.
Revertendo à situação em análise cabe então decidir se a resolução se encontra suficientemente fundamentada.
Entendemos tal como a decisão recorrida que a resposta é afirmativa.
Senão vejamos.
Em primeiro lugar a Lei não especifica o grau de fundamentação ou até mesmo se ela deve existir (cf. citado art. 123º, do CIRE).
Gravato Morais «Resolução em beneficio d Massa insolvente, Almedina, 2008, p. 164» defende a necessidade de uma específica motivação sendo necessário invocar os factos que a originam.
Todavia, entendemos que a carta resolutiva enviada pela administradora satisfaz tais exigências.
Com efeito, na mesma se alude que o negócio se situa no período Suspeito. Mais refere que a compradora estava de má fé por se tratar de uma pessoa especialmente relacionada com a insolvente. E diz ainda no ponto 4, que se tratou de um acto prejudicial à massa insolvente por ter diminuído a satisfação dos credores da insolvência.
E portanto refere-se, ainda que genérica e sinteticamente a todos os pressupostos que permitem a resolução genérica em benefício da massa insolvente.
Tal como bem se diz na sentença recorrida «Da carta enviada depreende-se o porquê da decisão tomada. E sempre se diga que não pode exigir-se à administradora de insolvência que emita Cartas resolutivas com fundamentação como se de decisões judiciais se tratasse. São os tribunais que estão vinculados, por virtude de exigência constitucional, a fundamentar devidamente as suas decisões (fundamentação de facto e fundamentação de direito) e não os administradores de insolvência».
Vejamos, pois, se se verificam ou não as causas de resolução.
A p.i do processo de insolvência deu entrada em Tribunal em 14 de Novembro de 2006.
Assim, o negócio de compra e venda, que foi celebrado em 19/05/2006 – (vide fls. 178) foi efectuado nos quatro anos anteriores à data de início do processo de insolvência.
A Autora (recorrente) é irmã da insolvente pelo que a lei a considera uma pessoa especialmente relacionada com a insolvente (cf. art. 49º, nº 1-b), do CIRE). E tal presunção não foi elidida pela Autora face à factualidade considerada não provada.
E assim, funciona a presunção prevista no art. 120º, nº 4, do CIRE, porquanto a adquirente é pessoa especialmente relacionada com a insolvente e o acto teve lugar nos dois anos antes do início do processo de insolvência.
A adquirente presume-se, pois, de má fé.
Resta apreciar se o acto em causa se pode considerar prejudicial em relação à massa insolvente.
Conforme referimos a prejudicialidade do acto ou omissão em relação à massa insolvente consiste, de acordo com o art. 120º, nº 2, no facto de estes diminuírem, frustrarem, porem em perigo ou retardarem a satisfação dos credores da insolvência.
Neste mesmo sentido Carvalho Fernandes / João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação Empresas anotado, 2º edição, Quid iuris, 2008, p. 429, consideram que para além dos actos que implicam diminuição do valor da massa insolvente, são prejudiciais todos os que tornem a satisfação do interesse dos credores mais difícil ou mais demorada.
E tal critério está em consonância com a finalidade do processo de insolvência que visa a satisfação igualitária dos direitos dos credores.
No caso dos autos o acto em causa é uma compra e venda de metade indivisa de um prédio rústico.
Conforme, bem se acentua na decisão recorrida e para a qual remetemos «a venda de um imóvel é à partida um acto prejudicial atenta a natureza volátil da contrapartida».
Contudo tal pode não se verificar, especificamente se essa contrapartida é apreendida nos autos, ou se essa contrapartida foi empregue noutros bens que sejam apreendidos nos autos, ou se a mesma proporcionou um aumento do activo.
E assim deveria a impugnante ter demonstrado a ausência de prejuízo, cujo ónus lhe incumbia, pois este resulta, em princípio do negócio e tal não sucedeu.
Em suma, e tal como a sentença recorrida, entende-se que o Carácter prejudicial do acto efectuado pela insolvente depreende-se do mesmo, dado que a venda de per si é prejudicial face à contrapartida volátil e à inexistência de um elemento de justificação e/ou de um elemento de não-prejudicialidade para com os credores da insolvente.
Improcedem, pois, as respectivas conclusões não tendo a sentença recorrida violado quaisquer das disposições legais apontadas pela recorrente.

IV. Decisão:

Por todo o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Cível em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente (art. 446º, nºs 1 e 2, do C.P. Civil).

Porto, 29 de Setembro de 2009
Maria do Carmo Domingues
José Bernardino de Carvalho
Eduardo Manuel B. Martins Rodrigues Pires